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Processo nº 27/2013 Data: 18.04.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Transgressão rodoviária.
Reincidência.
Mesma contravenção.

SUMÁRIO

No âmbito da “Lei do Trânsito Rodoviário”, (Lei n.° 3/2007), a “reincidência” pressupõe a prática da “mesma contravenção”, (antes de decorridos 2 anos sobre a prática da contravenção anterior e depois do infractor ter pago a multa voluntariamente ou ter sido condenado por sentença transitada em julgado – cfr., art. 105°).
O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 27/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos respondeu no T.J.B. vindo a ser declarado autor da prática de uma contravenção prevista no art. 5°, n.° 2, al. h) do Regulamento do Código da Estrada, (R.C.E.), aprovado pelo D.L. n.° 17/93/M, e, porque reincidente, (e paga que já estava a respectiva multa), foi condenado na inibição de condução por 3 meses; (cfr., fls. 9 a 10-v).

*

Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir afirmando o seguinte:

“a) Vem o presente recurso interposto da decisão supra referida que condenou o arguido, ora recorrente, pela prática de uma contravenção prevista no art.° 5° n° 2, al. h) do Regulamento de Trânsito Rodoviário (R.T.R.) – ''paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento" – na inibição de condução automóvel pelo período de 3 meses, nos termos do art.° 99° n° 2 da Lei do Trânsito Rodoviário (L.T.R.).
b) Não se conforma o arguido recorrente com a "inibição de condução" que lhe foi imposta porquanto entende que, salvo o devido respeito, ele não é reincidente naquela contravenção.
Vejamos, então,
c) O auto de notícia nos presente autos - que equivale à acusação – apenas refere que o arguido praticou, dentro do período de 2 anos, duas contravenções ao R.T.R. – a do art.° 12° n° 2, a) e a do art.° 5° n° 2, h) – tendo o arguido como prevista a penalidade do art.° 99° n° 2 da L.T.R ..
Ora,
d) O Código Penal de Macau, que passou a vigorar na R.A.E.M. a partir daquela data, no Título VII (contravenções), depois de definir contravenção como "o facto ilícito que unicamente consiste na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos" (art.° 123° n° 1), retirou deste título a qualificação de reincidente, apenas referindo que não se aplicam às contravenções as normas do C.P. relativas à reincidência.
e) Deixou-se, assim, claramente, para disposições avulsas contravencionais aquela qualificação, como é o caso da Lei do Transito Rodoviário, aprovada pela Lei n° 3/2007, de 7/5, que dispõe, no art.° 105°: "sem prejuízo do disposição legal em contrário, considera-se reincidência a prática da mesma contravenção antes de decorridos 2 anos sobre a prática da contravenção anterior ... ".
f) Expressamente se refere, pois, que só é reincidente quem pratica, no período de 2 anos, a mesma contravenção.
g) O arguido recorrente, como supra se referiu e consta do auto de notícia, não praticou a mesma contravenção no período de 2 anos.
Praticou, isso sim, contravenções diferentes, uma, de desobediência a um "sinal de prescrição absoluta" e, outra, de desobediência a "sinalização luminosa".
h) Nem se diga que o arguido recorrente foi punido, da primeira vez, por uma "contravenção especial" do art.° 99° da L.T.R. que é a do "desrespeito pela obrigação de paragem" que comina, no n° 1, pena de multa de $1,000.00 a $5,000.00 patacas.
Na verdade, tal não é o que consta do auto de notícia elaborado pelo Departamento de Trânsito.
i) Assim, temos que, nos termos daquele auto de notícia - que é a acusação dos presentes autos - por um lado, as contravenções aí elencadas não são as mesmas, logo, o arguido, não poderia ser condenado como reincidente; mas, por outro lado, como entendeu o Tribunal "a quo", que o arguido era reincidente por força do disposto no n° 2 do art.° 99° do L.T.R., então, do auto de notícia ter-se-ia que fazer referência à ''punição anterior" prevista no n° 1 deste artigo.
j) Só é reincidente quem comete a mesma contravenção e, para punir o arguido pela inibição de condução prevista no n° 2 do art.° 99° do L.T.R., como foi a caso do Tribunal "a quo", ter-se-ia que verificar no "cadastro contravencional de trânsito", a punição anterior do n° 1 deste art.° 99°. Em ambas as situações, salvo o devido respeito, não foi o caso”.
Pede, a revogação da “decisão do Tribunal “a quo” que inibiu o arguido da condução automóvel pelo período de 3 meses”; (cfr., fls. 13 a 19).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 22 a 24).

*

Neste T.S.I. e em douto Parecer, igual posição assume o Ilustre Procurador Adjunto; (cfr., fls. 32 a 34).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

2. Vem o arguido recorrer da sentença proferida pelo T.J.B. que considerando-o autor da prática de uma contravenção prevista no art. 5°, n.° 2, al. h) do (atrás referido) Regulamento do Código da Estrada, e por o considerar “reincidente”, decretou-lhe a pena acessória de inibição de condução por 3 meses.

Coloca apenas a questão de se saber se verificados estão os pressupostos para a aplicação de tal pena acessória de inibição de condução.

Vejamos.

A dita pena acessória foi decretada invocando-se o art. 105° da Lei n.° 3/2007 que preceitua o que segue:

“Sem prejuízo de disposição legal em contrário, considera-se reincidência a prática da mesma contravenção antes de decorridos 2 anos sobre a prática da contravenção anterior e depois de o infractor ter efectuado o pagamento voluntário da multa ou ter sido condenado por sentença transitada em julgado”.

Na inexistência de “disposição legal em contrário”, importa, assim, e antes de mais, saber se incorreu o ora recorrente na “prática da mesma contravenção”.

Ora, dos autos resulta que:

- em 28.03.2011, cometeu o recorrente uma contravenção ao art. 12°, n.° 2, al. a) do R.C.E., tendo, em 26.05.2011, pago a multa de MOP$1.000,00, e que,
- em 11.07.2012, cometeu a contravenção ao art. 5°, n.° 2, al. h) do mesmo R.C.E., tendo pago a multa de MOP$2.000,00.

Serão tais contravenções “idênticas”, (ou as “mesmas”), para efeitos do mencionado art. 105°?

Vejamos.

Preceitua o art. 12° do R.C.E. que:

“1. A regulação do trânsito pode também fazer-se por meio de sinais luminosos, nos termos constantes dos números seguintes.

  2. A sinalização luminosa destinada a regular o trânsito de veículos e animais é constituída por um sistema de três luzes circulares, não intermitentes, com as cores vermelha, amarela e verde, a que correspondem os significados seguintes:

a) Luz vermelha: passagem proibida, obrigando os condutores a parar antes de atingir a zona regulada pelo sinal;
(…)”.

E, por sua vez, o art. 5° do mesmo R.C.E. que:

“1. Os sinais de prescrição absoluta indicam uma proibição (sinais de proibição) ou uma obrigação a cumprir (sinais de obrigação).
  
    2. Os sinais de proibição, representados no quadro II anexo ao presente Regulamento, são os seguintes:
  
  a) Trânsito proibido (sinal 12a));
  
  b) Sentido proibido (sinal 12b));
  
  c) Proibição de voltar à direita (sinal 13a));
  
  d) Proibição de voltar à esquerda (sinal 13b));
  
  e) Proibição de inversão de marcha (sinal 13c));
  
  f) Proibição de ultrapassar (sinal 14a));
  
  g) Proibição de ultrapassar para os automóveis pesados (sinal 14b));
  
  h) Paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento (sinal 15a));
(…)”.
  
   8. A falta de cumprimento das indicações dadas pelos sinais de prescrição absoluta, nos casos a que não corresponder multa mais grave nos termos do Código da Estrada, é punida com:
  
  a) Multa de 500,00 a 2 500,00 patacas, quando se trate de infracção ao sinal 19a);*
  
  b) Multa de 100,00 a 500,00 patacas, quando se trate de infracção aos sinais 16a) e 16c) a 16e);
  
  c) Multa de 100,00 a 500,00 patacas, quando se trate de infracção ao sinal 16b) no caso de paragem, sendo de 200,00 a 1 000,00 patacas se se tratar de estacionamento;
  
  d) Multa de 50,00 a 250,00 patacas, aplicável aos peões que desrespeitem os sinais 17f), 20a) e 20d);
  
  e) Multa de 300,00 a 1 500,00 patacas, por falta de cumprimento das indicações dadas pelos restantes sinais”; (sub. nosso).

Ora, pelo confronto dos comandos legais em questão, afigura-se-nos que adequado não é o entendimento no sentido de que em ambos se preveja e puna a “mesma contravenção”, (até porque seria um absurdo, prever-se a “mesma contravenção” em 2 preceitos de um mesmo diploma legal, não sendo de olvidar igualmente que a “sanção” à infracção ao art. 12° vem prevista no art. 13°, e a do art. 5°, n.° 2, al. h), no n.° 8, al. e), do mesmo preceito).

Dest’arte, verificados não estando todos os pressupostos do art. 105° da L.T.R. – “reincidência” – com base no qual se decretou a pena acessória de inibição de condução, impõe-se a sua revogação.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, acordam conceder provimento ao recurso.

Sem tributação.

Macau, aos 18 de Abril de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 27/2013 Pág. 12

Proc. 27/2013 Pág. 1