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Processo nº 737/2013 Data: 12.12.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “condução em estado de embriaguez”.
Pena.
Suspensão da execução.



SUMÁRIO

1. O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade.

2. Devem-se evitar penas de prisão de curta duração.

Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta.


O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 737/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 5 meses de prisão e na pena acessória de inibição de condução por 2 anos; (cfr., fls. 17 a 21 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu.
Diz que excessiva é a pena, invocando violação ao art. 40°, 64°, 65°, 66° e 48° do C.P.M.; (cfr., fls. 60 a 74).

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Após resposta do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso, (cfr., fls. 77 a 79), vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Em primeiro lugar, não podemos deixar de concordar com a douta posição assumida pela nossa digna colega do Ministério Público na sua resposta dada ao presente recurso, no sentido de considerar que o mesmo recurso não merece de provimento.
Aqui, vamos tentar abordar, de uma forma pouco mais sucinta, as questões suscitadas pelo recorrente.
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Na óptica da recorrente, entende que "a pena curta" de prisão deve ser evitada, e o tribunal deveria optar a pena de multa em vez de pena privativa da liberdade." Entende ainda que o tribunal pode depositar confiança relativamente ao seu comportamento futuro, lançando mão do instituto de suspensão de execução da pena, viste que se registou uma confissão integral e sem reserva dela.
Salvo o respeito, discordamos com todo este entendimento do recorrente.
Em primeiro lugar, face aos factos dados como provados, para além de confissão, não se registou qualquer outra circunstância atenuante.
Como se sabe, a confissão não possui grande valor atenuativo quando o agente é apanhado em flagrante delito.
Bem pelo contrário, consta nos autos um facto bastante relevante que tem grande influência ao nível de determinação da pena, quer na sua espécie, quer no seu modo de execução.
Com efeito, regista-se que no momento de cometimento do crime pelo qual foi condenado nos presentes autos, o recorrente só tinha sido concedida a liberdade condicional há dez meses (cfr. a fls. 13 dos autos) por ter sido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente e um crime de consumo.
E mais, o recorrente encontrava-se em liberdade provisória por está na fase do recurso de outro processo CR4-13-0221-PCS. (cfr. a fls. 15 dos autos), pela prática de um crime de desobediência.
Do nosso ponto de vista, tais circunstâncias revelam, sem margem para dúvida, um alto grau da culpa do recorrente e um defeito na sua personalidade.
Daí que o argumento de aplicabilidade da pena de multa no caso em análise não passaria de uma mera esperança do recorrente, mas sem nenhum suporte legal.
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E no que se diz respeito à suspensão de execução da pena, ao abrigo da norma legal em questão (art o 48 do C.P.M.), os verdadeiros factores principais que determinam a execução imediata ou não da pena são os de prevenção geral e especial de crime. E só quando o julgador concluir que no caso se satisfizer as exigências de prevenções tanto ao nível geral como ao nível especial, é que pode, legitimamente, lançar mão ao instituto de suspensão de execução da pena.
Aliás, a tese acima exposta também é aceite pacificamente pelas jurisprudências da R.A.E.M., por exemplo, no Acórdão de T.S.I. n° 203/2007.
No caso em apreço, não nós pareça que tivessem verificados quaisquer elementos de facto que se apontam para afirmar, positivamente, a necessidade de suspender a execução da pena.
Bem pelo contrário, tudo aponta para uma imprescindibilidade de aplicação e execução da pena.
Começamos pela finalidade de prevenção especial.
Na verdade, há de partir de factos actuais e passados para avaliar e prever a conduta futura do agente do crime, especialmente, no que se toca à personalidade dele. Podemos até dizer que a confiança necessária do tribunal baseia-se inevitavelmente na análise positiva da personalidade do agente.
In casu, o recorrente não é primário, já tinha sido condenado mais que uma vez, realçando que a última condenação só ocorreu um mês antes de data de prática dos factos nos presentes autos. (cfr. a fls. 37 a 40)
E até que lhe tinha sido concedida a liberdade condicional em Janeiro do corrente ano.
Com este cadastro criminal acima relatado, a única conclusão que temos é a verificação de uma falta absoluta de vontade do recorrente em acatar os padrões sociais básicos.
Por outras palavras, o recorrente não está nada preparado para integrar na sociedade, sendo uma pessoa carecida de ressocialização e não nós pareça que o recorrente possua capacidade suficiente para autocontrolar sob à sombra de mera ameaça de prisão, uma vez o seu passado mostra já a sua fraqueza da personalidade.
Com efeito, no decurso do período de liberdade condicional, o beneficiário passa uma vida praticamente igual como se fosse durante o período de suspensão de execução da pena, pelo que já não há justificação nenhuma para que o tribunal "a quo" continue a depositar nele confiança sobre a sua capacidade de observar patrões sociais básicos.
Daí que o recorrente não satisfaz minimamente a exigência de prevenção especial.
*****
E no que toca à prevenção geral, é do conhecimento geral de que mesmo com a entrada em vigor da nova lei rodoviária, o fenómeno de condução sob influência do alcóol nunca tenha sido diminuído, especialmente nos últimos anos, tem registado uma evolução significativa dos casos.
Neste contexto, não se prevê que a sociedade diminua a sua vontade colectiva em combater este fenómeno, e daí resulta, quanto a nós, a necessidade firme em salvaguardar a validade da norma violada.
Face ao exposto, entendemos que o recurso deve ser logo rejeitado por sua manifesta improcedência.
Eis o nosso parecer”; (cfr., fls. 88 a 90).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 18-v a 19-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Com o presente recurso pretende o arguido dos autos a revogação da sentença que o condenou pela prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 5 meses de prisão e inibição de condução por 2 anos.

E, como resulta do que se deixou relatado, diz que excessiva é a pena de 5 meses de prisão, pedindo também a suspensão da sua execução.

Vejamos.

Ao crime pelo arguido cometido cabe a pena de prisão até 1 ano; (cfr., art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007).

Não prevendo o transcrito comando legal uma “pena alternativa”, aplicável ao caso não é o art. 64° do C.P.M..

Por sua vez, no que toca à “atenuação especial da pena” (cfr., art. 66° do C.P.M.), tem este T.S.I. entendido que “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 11.07.2013, Proc. n° 357/2013).

Não sendo, (de forma evidente), o caso dos autos, inviável é também qualquer atenuação especial da pena.

Continuemos.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, no que toca aos critérios para a determinação da pena tem este T.S.I. vindo a entender que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 30.05.2013, Proc. n° 293/2013).

Nesta conformidade, não sendo o arguido primário, e ponderando na taxa de álcool que possuía, (1,68 g/l), excessiva não é a pena de 5 meses de prisão, que nem sequer chega ao meio da moldura.

No que ao estatuído no art. 48° do C.P.M. diz respeito, tem este T.S.I. entendido que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 31.10.2013, Proc. n° 648/2013).

Como recentemente temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., o Ac. de 21.11.2013, Proc. n.° 649/2013).

Nesta conformidade, “quid iuris”?

Ora, resulta dos autos que o Tribunal a quo decidiu não suspender a execução da pena em virtude de não ser o arguido “primário”.

E a decisão apresenta-se-nos (totalmente) acertada.

Com efeito, o ora recorrente possui um Certificado de Registo Criminal com várias condenações, tendo já cumprido penas de prisão, beneficiado de liberdade condicional em 2013 e voltado a cometer crimes de “desobediência” e o dos presentes autos, demonstrando assim uma personalidade com tendência para a prática do crime; (cfr., C.R.C. a fls. 10 e segs.).

Não se olvida que devem-se evitar penas de prisão de curta duração.

Porém, tem também este T.S.I. entendido que “não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta”; (cfr., v.g., o Ac. de 14.11.2013, Proc. n.° 692/2013).

Dest’arte, e face ao que se deixou consignado, manifestamente improcedente é a pretensão apresentada.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 12 de Dezembro de 2013

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

Proc. 737/2013 Pág. 16

Proc. 737/2013 Pág. 15