Recurso nº 427/2012
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Chefe do Executivo da RAEM
(澳門特別行政區行政長官)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A, sociedade com sede na Áustria, XXX e representação permanente em Macau, na Avenida da Praia Grande, XXX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis da RAEM sob o nº 26895 (SO), vem, nos termos conjugados do disposto nos artigos 20º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), e na alínea 1) (1) do nº 2 do artigo 30º da Lei nº 9/1999, interpor Recurso Contencioso do Acto do Chefe do Executivo de 16 de Março de 2012, que mandou readmitir uma concorrente e classificar todas as concorrentes admitidas no concurso público internacional para a “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, e de todos os actos de execução consequentes deste, pedindo que seja declarado nulo e de nenhum efeito e ou inexistente o acto do Chefe do Executivo de 16 de Março de 2012, que mandou classificar a proposta da recorrente com as demais propostas concorrentes dentro do extinto concurso internacional denominado Modernização, Operação e Manutenção da ETAR da Península de Macau, sem ordenar a reabertura do Concurso Público Internacional e sem nomear ex novo, as pessoas físicas que deveriam integrar a Comissão de Avaliação de Propostas, bem como de todos os actos de execução que sejam consequência directa daquele, com todas as legais consequências, e ainda que a recorrida proceda à prolacção do acto devido, ou seja reabertura do concurso internacional para classificação ex novo de todas as propostas concorrentes admitidas ao Concurso Público Internacional simultânea e comparativamente conforme Regulamento do Concurso e nomeação ex novo da respectiva Comissão de Avaliação de Propostas, ou invocação de causa legítima de inexecução do julgado anulatório do TUI e proceda ao pagamento da indemnização legalmente devida à ora recorrente.
Citada a entidade recorrida, esta contestou, tendo invocado a excepção de irrecorribilidade do acto e a ineptidão da petição inicial, e pugnou pela improcedência do recurso.
Foram citados os contra-interessados, para os termos dos artigos 56º a 57º do Código do Processo Administrativo Contencioso (“CPAC”), só o consórcio entre a B, adjudicatário no Concurso Público internacional para a “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, veio contestar o recurso contencioso de anulação interposto pela A (doravante “Recorrente”), pedindo que:
a. Deve o presente recurso ser liminarmente rejeitado, face à irrecorribilidade do acto, nos termos do artigo 46º, nº 2, al. c) do CPAC;
Ou, caso assim não se entenda,
2. Deve ser negado provimento ao presente recurso, em virtude da inexistência das nulidades invocadas, e, em consequência, ser a decisão recorrida mantida.
O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou o seu douto parecer inicial que se transcreve o seguinte:
“Compulsados os autos, verifica-se que a Recorrente vem recorrer contenciosamente do despacho do chefe do Executivo de 16 de Março de 2012 que determinou, por virtude da execução espontânea do acórdão do TUI, admitir o concorrente C, em consórcio, e a respectiva proposta no concurso público internacional para “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, bem como designar a mesma comissão de avaliação para efectuar a avaliação conjunta dos propostas dos concorrentes admitidos.
A Recorrente imputa ao despacho recorrido inexecução ou violação do acórdão do TUI alegando que o despacho é nulo e a finalidade do mesmo seja denegar o pagamento de indemnização devida à Recorrente por impossibilidade de execução integral do julgado. Trata-se duma questão de fundo que não é objecto do presente fase, embora a afirmação supra afigura-se manifestante subjectiva na interpretação do despacho recorrido.
No entanto, certo é que o despacho em apreço não é recorrível (contenciosamente, por não ser um acto definitivo, não sendo lesivo de quaisquer interesses, nem da Recorrente nem dos outros concorrentes, não produzindo efeitos externos, em alinhamento com o entendimento do douto acórdão do TUI proferido no processo nº 22/2012, cujo teor essencial já foi citado tanto na contestação da entidade recorrida como na da contra-interessada.
Uma vez que a irrecorribilidade do acto recorrido constitui fundamento de rejeição liminar de presente recurso contencioso, nos termos do art. 46, nº 2, al. c) do CPAC, somos de opinião que deve ser julgado procedente a excepção do irrecorribilidade do acto recorrido invocado tanto pela entidade recorrida como pela contra-interessada”.
No decurso do recurso contencioso, o Chefe do Executivo do Governo da Região Administrativo Especial de Macau vem requerer a junção aos presentes autos de cópia da informação nº 267/CGIA/2012, de 06/07/2012, sobre que recaiu o despacho de 2 de Agosto de 2012 do Chefe do Executivo que declarou nula a adjudicação efectuada por despacho de 5 de Agosto de 2011, exarado sobre a informação nº 696/GDI/2011, de 20/07/2011, e adjudicou a empreitada e prestação de serviços relativa ao concurso público internacional para “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, em face da pertinência para o presente processo das referidas decisões.
A, recorrente nos autos acima identificados, tendo sido notificada da junção aos autos do documento que contém o acto do Chefe do Executivo de 02.08.12, o qual declara a nulidade do acto do Chefe do Executivo de 05.08.12, relativo ao concurso público internacional para a “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, vem informar o V. Tribunal que a recorrente requereu hoje, no Processo de Execução nº 17/2011-B, que corre neste Venerando Tribunal, a apensação dos presentes autos de recurso contencioso àqueles autos de execução, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do artigo 184º do CPCA, para neles ser apreciada a nulidade do acto de execução do acórdão do V. TUI de 14 de Fevereiro de 2012, objecto do presente recurso contencioso.
Mais considera a recorrente que o acto do Chefe do Executivo de declaração de nulidade do acto de adjudicação de 05.08.2011, por si produzido, não tem qualquer influência na prossecução do presente recurso contencioso, o qual tem por objecto o acto do Chefe do Executivo de 16 de Março de 2012, que pretendia executar a sentença anulatória do V. TUI, de 14.02.2012.
O Chefe do Executivo do Governo da Região Administrativa especial de Macau, tendo sido notificado pelo ofício desse Venerando Tribunal de Segunda Instância (TSI), datado de 21/09/2012, do pedido formulado pela requente A no processo de Execução para Prestação de um Facto nº 17/2011/B, que corre os seus termos nesse TSI, em que requer a apensação do presente processo àqueles autos de execução, justificando o pedido no disposto no nº 3 do artigo 184º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) e pretendendo que naqueles autos seja “apreciada a nulidade do acto de execução do acórdão do V.TUI de 14 de Fevereiro de 2012” que alega ser “objecto do presente recurso contencioso”, vem responder o seguinte:
1. O preceito legal acima citado não permite à requerente dele retirar os efeitos que pretende, porquanto se tratam de processos com objecto e pedido diferentes, não sendo lícito à requerente, por tal facto, fazer operar a remissão que o nº 3 do artigo 184º do CPAC faz para a parte final do nº 2 do mesmo artigo.
2. De facto, o pedido de execução intentado pela ora recorrente naqueles autos (proc.º 17/2011/B) diz respeito a uma alegada, mas não verificada, falta de execução do acórdão prolatado no processo nº 45/2011 do Tribunal de Última Instância (TUI), que revogou o acórdão proferido no processo nº 17/2011 do TSI e anulou o acto de não admissão da proposta da própria recorrente no concurso público internacional para “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, enquanto no presente processo a requerente recorre da admissão de outro concorrente no mesmo concurso.
3. Se, no primeiro caso, é a própria requerente que vem, paradoxalmente, pôr em causa a admissão da sua proposta no supracitado concurso, depois de ter visto o TUI anular o acto de não admissão da proposta da ora recorrente no mesmo concurso e a Administração, em execução do Acórdão, ter praticado um novo acto em substituição do judicialmente anulado, ou seja, um outro acto que veio a admitir a sua proposta no concurso (poderia, eventualmente, não a ter admitido por outras razões que não as que motivaram a anulação judicial); já no segundo caso, i.e, no presente processo e recurso contencioso, que a requerente pretende que seja apensado àqueles outros autos de execução, o que está em causa é a admissão de um outro concorrente, que nada tem a ver com o pedido que a requerente faz naquele processo.
4. Em boa verdade, com este expediente manifestamente dilatório, porque nenhuma conexão existe entre os referidos pedidos e autos, nem os pedidos podem ser cumulados por falta dos respectivos requisitos legais, nem, sequer, existe qualquer interesse na apensação para a decisão que o Tribunal venha a tomar quanto ao pedido efectuado nos autos de execução, a requerente pretende apenas obstar a que o Venerando TSI se pronuncie sobre o pedido do recurso contencioso nos presentes autos, que a aqui recorrente e ali exequente sabe antecipadamente que lhe irá ser desfavorável.
5. E ser-lhe-á desfavorável porquanto, como neste processo já tivemos a oportunidade de alegar e fundamentar, o recurso contencioso interposto deverá ser liminarmente rejeitado nos termos das alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 46º do CPAC, porque está provado ser contenciosamente irrecorrível o acto de que recorre e porque a recorrente carece de legitimidade para o recurso, em ambos os casos com inequívoco apoio na mais recente jurisprudência do Venerando TUI.
6. É esta, naturalmente, a decisão por que o ora recorrente espera neste processo, pois que, tendo interposto um pedido de suspensão de eficácia do acto de admissão daquele mesmo como outro concorrente (C) e respectiva proposta no concurso, o qual correu termos no processo nº 411/2012 do TSI e foi indeferido pelo Venerando Tribunal e, dele tendo interposto recurso jurisdicional para TUI no processo nº 56/2012, viu igualmente ser negado provimento a este recurso pelo Venerando TUI, com a serena e lapidar conclusão de que o pedido de suspensão de eficácia não podia obter provimento, desde logo, por ser contenciosamente irrecorrível o acto de que recorre (afinal, o caso dos presentes autos, processo principal), bem como por falta de legitimidade da recorrente.
7. Na verdade, pode ler-se no sumário do douto Acórdão de 8 de Agosto de 2012 do Venerando TUI, prolatado no sobredito processo nº 56/2012, que:
“I – O terceiro requisite para a suspensão da eficácia do acto consiste na inexistência de “fortes indícios da ilegalidade de interposição do recurso”, entendendo-se que, verificados os outros requisitos, a suspensão só não deve ser concedida se houver a certeza prática de que o recurso principal é inviável, num plano formal, por falta de um pressuposto processual ou de um elemento essencial da causa.
II – Um acto que admite propostas a um concurso para modernização, operação e manutenção de instalação não é um acto que produz efeitos externos. Logo, não é contenciosamente recorrível.
III - No que respeita à parte do acto que inclui a ora recorrente no universo dos candidatos ao concurso, ela não tem interesse em impugnar o acto porque este lhe é favorável. Falta-lhe, portanto, legitimidade activa para o recurso [artigo 33º, alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso].
IV. A norma mencionada na conclusão anterior afasta, por inexistência de interesse directo, a possibilidade de impugnação dos actos de admissão de candidatos em concursos por parte dos demais candidatos admitidos.”.
8. Então, se a rejeição liminar do recurso será, salvo o devido respeito, o desfecho esperado para o recurso contencioso interposto nos presentes autos, porque também não existe conexão que permita a apensação deste processo àqueles autos de execução, nem a cumulação de pedidos é permitida por falta dos requisitos legais e, ainda, porque a norma constante do nº 3 do artigo 184º do CPAC não é aplicável ao presente caso, só por puro desespero de causa ou manifesto expediente dilatório por parte da recorrente se poderia entender o pedido, o que em caso algum se concede.
9. Ainda assim, se a recorrente considera ser-lhe útil a apensação de algum outro processo aos autos de execução, então deveria pedir a apensação dos processos nºs 37/2012 do TSI e 59/2012 do TUI, estes sim em conexão com o pedido que faz nos referidos autos de execução.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o pedido ser indeferido.
Conhecendo.
Sobre a questão de saber se o acto recorrido é ou não contenciosamente recorrível, quer este Tribunal, quer o TUI, já pronunciaram pela sua irrecorribilidade nos processos congéneres.
O TUI, no Proc. nº 22/2012, tem decidido o seguinte::
“Nos termos do nº 1 do artº 28º do CPAC, ‘são actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária’ ”.
E só os actos externos, definitivos e executórios são susceptíveis de recurso contencioso.
Os actos são definitivos ou não definitivos consoante se contenham resolução final que define a situação jurídica da pessoa cujo órgão se pronunciou ou de outra que com ela está ou pretende estar em relação administrativa.
E a resolução final é o acto que ponha termo a um processo gracioso ou a um incidente autónomo desse processo1.
No caso sub judice, constata-se na matéria de facto assente que, face ao provimento concedido ao recurso jurisdicional interposto pela ora requerente, por douto Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 12 de Outubro de 2011, que anulou o acto de exclusão da requerente ao Concurso Público Internacional de “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, o Chefe do Executivo concordou com a Informação Proposta nº 995/GDI/2011, de 24 de 10 de 2011, que propunha, por virtude da execução do dito acórdão do Tribunal de Última Instância, a reabertura do Acto Público do Concurso Internacional acima identificado, para readmissão da ora requerente àquele concurso internacional
Trata-se dum acto que determina a reabertura de concurso público com admissão de propostas de concorrentes.
Afigura-se que não é contenciosamente recorrível o acto, pois não é, evidentemente, um acto definitivo, não sendo lesivo de quaisquer interesses, nem da requerente nem dos outros concorrentes, não produzindo efeitos externos.
E só o acto final de adjudicação é, em princípio, recorrível, para os preteridos. E no recurso desse acto poderá o interessado suscitar quaisquer vícios procedimentais ou outros.”
Trata-se duma jurisprudência que aponta para a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nossos.
Face ao expendido, é de rejeitar o recurso por irrecorribilidade do acto.
Decidida a procedência da excepção de irrecorribilidade do acto, deve rejeitar o recurso, sem necessidade da apreciação da restante.
Ponderado, resta decidir.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em rejeitar o recurso.
Custas pela recorrente com 6 UC de justiça.
RAEM, aos 18 de Abril de 2013
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Estive presente
Mai Man Ieng
1 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pág.443.
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