Processo nº 10/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B, com os sinais dos presentes autos, respondeu, em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como co-autor de 1 crime de “passagem de moeda falsa”, p. e p. pelo art. 255°, n.° 1, al. a) e art. 257°, n.° 1, al. b), ambos do C.P.M., na pena de 3 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 738 a 750 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu para, na sua motivação, e a final, produzir as conclusões seguintes:
“a) Vem o presente recurso interposto do acórdão supra referido que condenou o arguido, ora recorrente, B, como autor de um crime de ''passagem de moeda falsa", p. e p. pelo art.° 255° n° 1, al. a), conjugado com o art.° 257° n° 1, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão.
b) Não concorda o recorrente com o acórdão em apreço, porquanto, salvo o devido respeito, a matéria de facto assente não permite a condenação do arguido pelo crime por que vinha acusado, existe contradição insanável da fundamentação e, também, a pena concreta aplicada ao arguido não atendeu a todas as circunstâncias a seu favor.
Fundamenta, assim, o seu recurso nos n°s 1 e 2, alínea b) do art. ° 400° do C.P.P ..
c) O autor do crime de ''passagem de moeda falsa" é aquele que, com um propósito interesseiro, sabendo que o que detém é falso, passa-o como bom para grangear um proveito.
d) Não interessa, neste preceito, quem fabricou, como no caso, os cartões de crédito falsos; outrossim, comete este crime quem, detendo cartões que de antemão sabe são falsos, passa-os (utiliza-os) numa transacção.
e) No caso, entendeu o Tribunal "a quo" que o crime se consumou quando foi efectuada a passagem de "145 cartões falsificados pelos terminais P.O.S." da loja "XX XX Shop" (v. art.° 210 do acusação). E apenas desta.
f) Pergunta-se: foram utilizados por quem?
A resposta a esta pergunta teria toda a pertinência pois que, sendo o autor do "crime de passagem de moeda falsa" aquele que o "passa" pelo terminal P.O.S., não consta da matéria assente nenhum facto que permita concluir que foi o arguido recorrente, B, quem alguma vez consumou o crime, passando um cartão de crédito falso que seja, por um terminal "P.O.S." da referida hoja "XX XX Shop".
g) Entende, por isso, o arguido recorrente que, salvo o devido respeito, não se provou quem utilizou tais cartões de crédito falsos - passando-os, alguns deles, pelo terminal "P.O.S." da "XX XX Shop" - sendo irrelevante que os "arguidos, com a colaboração de outras pessoas ... chegaram a acordo para utilizar dados de terceiros em cartões de crédito falsificados para obter proveitos ilícitos" (art.° 30° da acusação).
h) Trata-se de um artigo que contém matéria conclusiva - o conluio dos dois arguidos com terceiros na utilização de cartões de crédito falsos para obter proveitos ilícitos - quando se não provou, na matéria de facto precedente, quem consumou tais crimes, passando alguns dos 145 cartões de crédito falsos pelo terminal "P.O.S." da "XX XX Shop".
i) O facto de se ter provado que, entre os arguidos e terceiros, foi elaborado um plano para a colocação no mercado financeiro de cartões de crédito falsos não consuma o crime de "passagem de moeda falsa", pelo menos, no tocante ao arguido recorrente, B, cuja conduta não está devidamente concretizada na matéria assente.
j) E como apenas se provou (art.° 18° da acusação) que, a partir do início de Dezembro de 2011, a "XX XX Shop efectivou sucessivamente passagem de cartões falsos", não se descortinando na acusação quem efectuou tais "passagens anormais" (v. art.° 19°), afigura-se ao arguido recorrente que a sua conduta, não obstante a sua colaboração - nomeadamente, como titular dos dois estabelecimentos referidos - com terceiros no acordo a que todos chegaram para a concretização de um plano que consistia em "levantar numerário resultante da passagem de cartões de crédito" por um terminal "P.O.S.", "propriedade do Banco Industrial e Comercial de Macau" (art.°18°), tal, conduta, dizíamos, não pode de forma alguna tipificar o crime por que ele, arguido recorrente, veio a ser condenado.
k) É que, convenhamos, utilizar cartões de crédito sem que haja uma transacção de bens ou serviços, poderá concretizar uma conduta irregular, perante o banco emissor dos cartões e perante o banco titular do termiual P.O.S.", eventualmente passível de uma sanção administrativa, mas nunca poderá constituir um crime.
l) Sendo certo que se provou, por umas vezes (a maioria), esta conduta irregular e, por outras vezes, uma conduta criminosa, sem que se tenha descortinado o autor da última - a consumação da "passagem de moeda falsa" - então, o arguido recorrente não poderia ter sido condenado pela prática desta.
Mas também, quando assim se não entenda,
m) A contradição insanável da fundamentação diz respeito à fundamentação da matéria de facto e à contradição da própria matéria de facto.
É, pois, jurisprudência e doutrina unânimes que a contradição, desde que insanável, entre factos provados ou factos provados e não provados, constitui fundamento de recurso.
n) Ora, salvo o devido respeito, é exactamente esta a situação do acórdão em apreço.
o)Na verdade, se por um lado se diz na matéria de facto provada, como supra se referiu, não obstante matéria conclusiva, que: "os arguidos, com a colaboração de outras pessoas ... chegaram a acordo para utilizar dados de terceiros em cartões de crédito falsificados para obter proveitos ilícitos" (art.° 30° da acusação); por outro lado, dá-se como não provado que: "os arguidos C (C) e B, baseados na mesma vontade e acordo comuns, com divisão de trabalhos e harmonia, sabiam bem que os referidos interesses com valor consideravelmente elevado eram oriundos dos negócios de uso de cartões de crédito falsificados ... " (1ª parte do art.° 25° da acusação).
p) Da existência deste vício, se o Tribunal "ad quem" entender que, como supra se referiu, não é ''possível decidir da causa", então, deverá determinar-se o "reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ... " (art.° 418° do C.P.P.).
Finalmente, quando também assim se não entenda,
q) Deu o Tribunal "a quo" como provado que a participação do arguido B neste alegado "iter" criminoso consumou-se com a "ajuda" ao plano na concretização dos dois estabelecimentos comerciais, encabeçando a sua titularidade exclusiva.
Tal deveu-se ao facto de, entre todos, ele ser o único titular de Bilhete de Identidade de Residente de Macau.
r) Desta sua participação - que, como referido por testemunhas em audiência e transcrito no acórdão, se deveu a uma posição de "reverência" perante o arguido C (C) - ele, o arguido recorrente, recebeu directamente do arguido C (C) apenas MOP$5,000.00 por mês, pagamento que terá durado não mais de 4 meses.
s) Ora, perante um "negócio" que envolveu quantias consideravelmente elevadas, a conduta do arguido recorrente, se bem que, como alegado e provado, tenha constituído uma forma de crime, não é comparável à dos demais.
t) Aliás, todo o dinheiro obtido, seja de forma irregular, seja de forma criminosa, foi levantado pelo arguido recorrente, sempre sob "vigilância" de terceiros, e entregue na sua totalidade a um tal D (D) e ao C (C) ou a pessoas que exploravam casas de câmbio ilícitas (art.°s 23° e 24° da acusação).
u) De onde resulta que a participação do arguido neste "negócio" está mitigada comparativamente aos demais.
v) O art.° 65° do C.P., na determinação da medida da pena, deve atender "a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente…”.
w) A pena concreta aplicada ao arguido deveria, assim, situar-se, quando não no âmbito da cumplicidades, a meio da respectiva moldura penal, com a respectiva execução suspensa, nos termos do art.° 48° do C.P., eventualmente, sujeitando um primário às condições adequadas à situação”; (cfr., fls. 783 a 794).
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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 798 a 804).
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Admitido o recurso remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:
“B, ora arguido dos presentes autos, foi condenado, pela prática em autoria material e na forma continuada de um crime de passagem de moeda falsa p.p. pelo art.° 255.° n.° 1 al. a) do C.P.M., com conjugação do art.° 257 n.° 1 do mesmo código, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, pelo douto Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 23 de Novembro de 2012.
Inconformado com a decisão, vem recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando vício de contradição insanável da fundamentação. Requerendo, assim, a re-determinação da medida da pena com uma moldura penal mais leve e a suspensão da mesma como consequência necessária, por força do art.° 48 do C.P.M ..
Analisados os autos, entendemos que não pode ser reconhecida razão ao recorrente, pois não se vislumbra que o douto Acórdão ora recorrido tenha violado as regras e as normas legais acima mencionadas.
Relativamente à questão do vício de contradição insanável da fundamentação, quer pela fundamentação apresentada pelo Digno Magistrado do M.P. na sua resposta à motivação do recurso com suporte na douta decisão do Processo n.° 179/2012 do T.S.I., quer pela citação do recorrente, da ilustre interpretação do mesmo conceito do Dr. Manuel Lopes Maia Gonçalves, no Anotado - Legislação Complementar do Código de Processo Penal da 17.0 Edição a fls. 951 de 2009, não nos duvidamos que o vício de contradição insanável da fundamentação devia ser interpretado como a falta da harmonia entre a fundamentação e a conclusão que se retira do texto da decisão recorrida.
No caso sub judice, após a fase de produção de prova, resulta, da factualidade dada como assente, o ponto 32, constante fls. 16 a 17 do douto Acórdão ora recorrido, enquadrando-a, assim, no crime de passagem de moeda falsa p.p. pelo art.° 255.° n.° 1 al. a) do C.P.M., com conjugação do art.° 257 n.° 1 do mesmo código.
Aliás, tendo em conta a convicção formada durante a audiência de julgamento, como se retira de fls. 18 a 21 do douto Acórdão ora recorrido, o Tribunal ad quo não deu como provados os factos 1 a 3, constantes a fls. 17 a 18 do mesmo Acórdão, nomeadamente, os quais se relacionam ao crime de branqueamento de capitais, como acusado pelo M.P..
Por tanto, não vemos qualquer conflito entre os factos provados e não provados que o recorrente indicou, concretamente sejam o ponto 32 dos factos provados constante de fls. 16 a 17 do douto Acórdão ora recorrido, e o ponto 3 dos factos não provados constante de fls. 18 do mesmo Acórdão, uma vez que o objecto da matéria em apreço pelo Tribunal ad quo é evidentemente distinto, sendo o primeiro do enquadramento no crime de passagem de moeda falsa e o último da absolvição do crime de branqueamento de capitais.
Assim, a imputação do tal vício, através da subversão do entendimento dos factos acima referidos, ao douto Acórdão ora recorrido, é obviamente inaceitável.
Pelo exposto, é de concluir pela improcedência do recurso nesta parte.
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Quanto ao pedido da re-determinação da medida da pena com uma moldura penal mais leve e a suspensão da mesma como consequência necessária, por força do art.° 48 do C.P.M., formulado pelo recorrente, alegando que seja apenas "mitigada" a sua conduta.
Analisados os autos, bem como os elementos referidos no douto Acórdão ora recorrido, há fortes indícios de que o recorrente tenha participado, da sua livre vontade e iniciativa, nas actividades ilícitas que lhe são imputadas nos autos, designadamente ficando com exclusiva responsabilidade de abrir contas bancárias, contratar em nome próprio para alugar o segundo local onde continuavam as actividades criminosas, proceder ao levantamento, dia a dia, dos lucros monetários ilícitos, etc.. Tudo aponta para o dolo intenso e a participação não mitigada, mas essencial como um dos co-autores, por parte do recorrente.
É certo que o Tribunal a quo é livre para fixar a pena, dentro da moldura penal de cada crime, atendendo às exigências de prevenção criminal e da culpa do agente, nomeadamente de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do art.s°40 e 65 do C.P.M..
In casu, não vemos que careça de consideração a atitude de confissão e do nível de participação do recorrente no apuramento da matéria do Acórdão ora recorrido, uma vez que o Tribunal a quo evidenciou de forma perfeitamente detalhada, as provas que lhe serviam de fase à convicção para proferir a sua douta decisão judicial, cfr. fls. 18 a 21 do Acórdão ora recorrido.
Por tanto, concordando com a digna resposta do M.P., reiteramos que não assiste, em nossa opinião, razão ao arguido recorrente, em termos da medida da pena e da suspensão da pena, por não haver mais espaço que permite reduzir a medida da pena além da que decidiu o Tribunal ad quo.
Tudo ponderado, não se afigura excessiva a pena de prisão aplicada ao recorrente, tendo em consideração a molduras abstractas da pena prevista para o crime, bem como o disposto nos arts.° 40, 65 e 71 do C.P.M., não havendo lugar para a aplicação do art.° 48 do mesmo código.
Deve assim ser julgado improcedente o recurso do arguido B e ser confirmado o douto acórdão recorrido”; (cfr., fls. 820 a 821).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Colectivo a quo foram dados como provados os factos seguintes:
“1.
Por volta de Maio de 2011, o arguido B, quando trabalhava na “Sauna ......” em Macau, conheceu C, cidadão do Interior da China, e mais tarde, por via da apresentação deste, conheceu os dois indivíduos do sexo masculino, de nome D e F, ambos provenientes do Interior da China.
2.
Em Agosto de 2011, os arguidos C, B, D e F, de comum acordo, dividindo tarefas entre si, conjuntamente abriram lojas em Macau que não se destinavam a fornecer qualquer transacção concreta de mercadorias ou serviço, mas sim a sua única actividade consistia em utilizar os cartões de crédito (incluindo cartões de crédito falsos que continham dados de cartões de crédito do terceiro ilegalmente reproduzidos) para a conversão em numerário.
3.
Após terem discutido, os quatro combinaram que cabia a D e F fornecerem cartões de crédito e angariarem clientes para o uso de cartões, e cabia ao arguido B, na qualidade de propriedade de loja, proceder às formalidades de início de actividade junto dos Serviços de Finanças, bem como ao pedido, junto de banco, de instalação do aparelho de cartão de crédito (aparelho “POS”). Mais cabia ainda ao arguido B procurar o local adequado para tomar de arrendamento no sentido de servir de loja para a utilização de cartão crédito e mandar fazer tabuleta comercial e carimbo de loja, e cabia ao arguido C responsabilizar-se pelo contacto com o arguido B para transmitir-lhe as ordens emitidas por D e F, bem como prestar auxílio e assegurar o recebimento de numerários provenientes do uso de cartão de crédito.
4.
Por isso, o arguido B mensalmente podia obter MOP5.000 como remuneração que foi paga directamente por D ou pelo arguido C, e o arguido C obteve junto de D e F, pelos menos, HK$17.000,00 como remuneração.
5.
No dia 28 de Setembro de 2011, o arguido B, em seu nome, tomou de arrendamento a loja sita na Travessa de ......, n.º…, Edifício “......”, pela renda mensal de HK$4.000. Essa loja foi apresentada pela senhora F (F), representante da companhia de fomento predial “YY YY” (vd. contrato de arrendamento, fls. 571 dos autos).
6.
No acto de celebração do contrato de arrendamento, também estavam presentes no local os arguidos B e C e, D e os três, após terem discutido, decidiram-se a criar uma loja denominada por “ZZ ZZ Shop”. Na altura, D pagou o depósito e a renda do primeiro mês e detinha um molho de chaves dessa loja, e o arguido B detinha outro molho de chaves.
7.
No dia seguinte, os três deslocaram-se à Direcção dos Serviços de Finanças para tratar o pedido de início de actividade da loja “ZZ ZZ Shop”, entre os quais, o arguido B declarou ser responsável e lhe cabia ainda tratar os demais assuntos tais como mandar fazer tabuleta de loja, etc..
8.
No dia 11 de Outubro de 2011, o arguido B deslocou-se ao Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., sucursal do Edifício “......” para tratar as formalidades de abertura da conta para a loja “ZZ ZZ Shop”, tendo obtido o respectivo número da conta 01101008000XXXXXXXX (MOP) e desde então sempre detinha e guardava o livrete bancário da conta.
9.
Mais tarde, o arguido B, mais uma vez, em seu nome, solicitou junto do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., a instalação na loja do aparelho para cartões de crédito de Visa, Master e UnionPay (aparelho “POS”).
10.
No dia 25 de Outubro de 2011, o Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., enviou funcionário à loja “ZZ ZZ Shop” para instalar o supracitado aparelho de cartão de crédito, e nessa altura, estavam presentes no local os arguidos B e C e mais um indivíduo não identificado do sexo masculino.
11.
Para além do supracitado aparelho de cartão de crédito, na loja “ZZ ZZ Shop”, sempre não existe nenhuma mercadoria.
12.
A partir de princípio de Novembro de 2011, a loja “ZZ ZZ Shop” sucessivamente fez as transacções do “uso de cartão de crédito”, e o arguido B, de acordo com o plano, no dia seguinte após feita a transacção, deslocou-se ao sucursal do Edifício “......” ou ao sucursal do ......, do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., no sentido de levantar os montantes existentes na conta da loja “ZZ ZZ Shop” transferidos pelo banco após as transacções do “uso de cartão de crédito”.
13.
No dia 28 de Outubro de 2011, o arguido B, em seu nome, tomou de arrendamento a loja “D”, sita na Rua de ......, n.º…, …, Edifício “......”, pela renda mensal de HK$3.000. Os arguidos B e C, e D encontraram a dita loja mediante a apresentação feita pela senhora H, representante da companhia de fomento predial “XYZ” (vd. contrato de arrendamento, fls. 64 dos autos).
14.
No acto de celebração do contrato de arrendamento, também estavam presentes no local os dois arguidos B e C, e D, os três, após terem discutido, decidiram-se a criar uma loja denominada por “XX XX Shop” e, o arguido B detinha um dos molhos de chaves dessa loja.
15.
Mais tarde, o arguido B deslocou-se sozinho à Direcção dos Serviços de Finanças para tratar o pedido de início de actividade da loja “XX XX Shop” e declarou ser responsável e lhe cabia ainda tratar os demais assuntos tais como mandar fazer tabuleta de loja, etc..
16.
No dia 4 de Novembro de 2011, o arguido B deslocou-se ao Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., sucursal do Edifício “......” para tratar as formalidades de abertura da conta para a loja “XX XX Shop”, tendo obtido o respectivo número da conta 01191008000XXXXXXXX (MOP) e desde então sempre detinha e guardava o livrete bancário da conta.
17.
Mais tarde, o arguido B, em seu nome, solicitou junto do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., a instalação na loja do aparelho para cartões de crédito de Visa, Master e UnionPay (aparelho “POS”).
18.
No dia 9 de Dezembro de 2011, o Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., enviou funcionário à loja “XX XX Shop” para instalar o supracitado aparelho de cartão de crédito, e nessa altura, estavam presentes no local o arguido C e F para verificar a respectiva instalação e o arguido B já tinha saído da loja, antes de chegada do funcionário do banco.
19.
Para além do supracitado aparelho de cartão de crédito, na loja “XX XX Shop”, sempre não existe nenhuma mercadoria mas sim uma secretária e um altar.
20.
A partir de princípio de Dezembro de 2011, a loja “XX XX Shop”, sucessivamente fez as transacções do “uso de cartão de crédito”, e o arguido B, de acordo com o plano, no dia seguinte após feita a transacção, deslocou-se ao sucursal do Edifício “......” ou ao sucursal do ......, do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., no sentido de levantar os montantes existentes na conta da loja “XX XX Shop” transferidos pelo banco após as transacções do uso de cartão de crédito.
21.
No dia 6 de Janeiro de 2012, o Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A. recebeu uma comunicação por via de e-mail emitida pelo banco canadiano “Royal Bank of Canada”, descobrindo assim as situações anormais sobre as transacções do uso de cartão crédito feitas pelas lojas “ZZ ZZ Shop” e “XX XX Shop”.
22.
Após feita a confirmação, o Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A. verificou que as lojas “ZZ ZZ Shop” e “XX XX Shop”, depois de instalação do aparelho de cartão de crédito, tinham feito no total 530 transacções, incluindo as transacções feitas com sucesso ou não, entre as quais, foram feitas 115 transacções na loja “ZZ ZZ Shop” e 415 transacções na loja “XX XX Hong”, e através do uso de cartão de crédito, na loja “ZZ ZZ Shop”, os montantes que foram convertidos com sucesso em numerário totalizam MOP814.000, e na loja “XX XX Shop”, totalizam MOP2.777.270,01. (vd. registos de transacções fornecidos pelo Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., de fls. 8 a 23 dos autos)
23.
Nas supracitadas 530 transacções, foram utilizados 336 cartões de crédito e, entre os quais, 145 cartões de crédito foram confirmados pelo Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., como cartões falsos. Segundo exibida nesses cartões de crédito falsos, maior parte das instituições emissoras pertencia aos bancos dos Estados Unidos da América e do Canadá, tendo esses bancos já manifestado recusar o pagamento dos montantes já pagos pelo Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A. à loja “XX XX Shop”.
24.
O arguido, de acordo com as instruções dadas por D e pelo arguido C, procedeu ao levantamento da conta bancária, do montante quase integral no valor de MOP814.000 proveniente do uso de cartão de crédito com sucesso na loja “ZZ ZZ Shop” e de MOP2.777.270 proveniente do uso de cartão de crédito com sucesso na loja “XX XX Shop”.
25.
Após o levantamento dos supracitados montantes, o arguido B, por várias vezes, levou esses montantes em numerário para entregar a D ou ao arguido C, em Gongbei, Zhuhai da RPC. Contudo, quanto aos montantes levantados em valor consideravelmente elevado, segundo as instruções dadas por D e pelo arguido C, foram entregues directamente em Macau a D e ao arguido C ou indivíduos designados por estes incluindo J que exercia actividade de “banco clandestino” no Interior da China.
26.
O levantamento dos montantes em valor consideravelmente elevado ocorreu, por quatro vezes, em 3, 4, 5 e 6 de Janeiro de 2012, no sucursal do Edifício “......” ou no sucursal do ......, do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., altura em que foram levantados pelo arguido B da conta bancária da loja “XX XX Shop”, MOP365.800, MOP360.200, MOP674,400 e MOP1.035,700, respectivamente e, depois entregues directamente a D, ao arguido C ou, ao indivíduo designado por estes dois, que exercia actividade de “banco clandestino”.
27.
Os arguidos B e C tinham perfeito conhecimento de que os supracitados montantes eram provenientes das transacções ocorridas em Macau respeitantes ao uso de cartões de crédito falsos ou falsificados.
28.
No dia 11 de Janeiro de 2012, com o consentimento do arguido B, investigadores da Polícia Judiciária encontraram na posse do arguido os artigos seguintes: um telemóvel de cor preta e branca (marca: Sony Ericsson, modelo: U100i, IMEI: 35681703-XXXXXX-9) com uma bateria e um cartão SIM (referência: 060-9061-XXXX-XXXX-R000-P1H3) (vd. Auto de apreensão e Revista, de fls. 51 dos autos)
29.
No mesmo dia, com o sentimento do arguido B, investigadores da Polícia Judiciária deslocaram-se à fracção sita em Macau, na Avenida do ......, n.º…, Edifício “......”, …º andar “…” para proceder à busca onde foram apreendidos os artigos seguintes (vd. auto de apreensão e busca, de fls. 53 dos autos):
1. Um livrete do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., (conta n.º01191008000XXXXXXXX em pataca e nome de titular: ZZ ZZ Shop);
2. Um livrete do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., (conta n.º01191008000XXXXXXXX em pataca e nome de titular: XX XX Shop);
3. Uma agenda de cor branca e verde;
4. Um carimbo da loja “ZZ ZZ Shop”;
5. Um carimbo da loja “XX XX Shop”;
6. Uma factura original de despesa de energia eléctrica respeitante à loja sita na Travessa de ......, n.º…, …, Edifício “......”;
7. Uma factura original de despesa de fornecimento de água respeitante à loja sita na Travessa de ......, n.º…, …, Edifício “......”; (com recibo de pagamento)
8. Duas facturas originais de despesa de energia eléctrica e de água respeitantes à loja sita na Rua de ......, n.º…, …, “D”, Edifício “......” (com recibo de pagamento)
9. Um contrato original de arrendamento provisório da loja sita na Rua de ......, n.º…, …, “D”, Edifício “......”.
30.
No mesmo dia, com o consentimento do arguido B, investigadores da Polícia Judiciária deslocaram-se à loja “ZZ ZZ Shop” sita na Travessa de ......, n.º…, …, Edifício “......” para proceder à busca onde foram apreendidos dois recibos do cartão de crédito UnionPay, com referência n.ºs 00000297 e 00000412 (provenientes do mesmo cartão de crédito, do número 622202******1S, ambos com quantia de transacção MOP10,00) e quantos aos restantes recibos sobre o uso de cartões de crédito nas duas lojas, os quais encontram-se em local incerto. (vd. auto de busca e apreensão, de fls.69 dos autos),
31.
De acordo com os dados fornecidos pelo Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., uma vez que o referido banco não conseguiu fornecer aos bancos emissores de respectivos cartões de crédito os recibos sobre as transacções, os respectivos pagamentos foram recusados pelos bancos emissores, e razão pela qual já foi confirmado o prejuízo no valor de MOP2.457.481,00 que era proveniente das transacções da loja “XX XX Shop”, bem como provavelmente o referido banco tem que assumir ainda um futuro prejuízo no valor de MOP1.133.890,01 (vd. dados fornecidos pelo referido banco, de fls. 612 a 615 dos autos).
32.
Os arguidos C e B, em conjunto com outros, conforme vontade comum e de comum acordo, dividindo tarefas e prestando cooperação entre si, puseram em circulação os cartões de crédito falsos que continham os dados de outrem e, realizaram transacções de consumo falsas, obtendo daí interesses ilícitos de valor consideravelmente elevado.
33.
Os dois arguidos, agiram de forma livre, voluntária e consciente, ao praticarem o supracitado acto ilícito.
34.
Bem sabendo que os seus actos eram proibidos e punidos por lei.
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Além disso, na audiência de julgamento, também ficaram provados os factos seguintes:
Segundo os certificados do registo criminal dos dois arguidos, deles não consta qualquer condenação em Macau.
O arguido C declarou possuir como habilitações literárias o ensino secundário completo, auferindo um salário mensal cerca de RMB$12.000 e, tem a seu cargo os pais e esposa.
O arguido B declarou possuir como habilitações literárias 8º ano de escolaridade, auferindo um salário mensal cerca de RMB$13.000, e tem a seu cargo sua mãe e esposa.
Por sua vez, como “facto não provados”, consignou o mesmo Colectivo os seguintes:
“1. No dia 9 de Dezembro de 2011, o arguido B estava na loja “XX XX Shop” para verificar a instalação do aparelho para cartões de crédito Visa, Master e Unionpay (aparelho “POS”), feita pelo funcionário do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A.
2. Os arguidos B e C, a fim de dissimular a origem ilícita dos interesses provenientes das transacções em Macau respeitantes ao uso de cartões de crédito falsos ou falsificados, ainda os transferiram e prestaram auxílio e facilitaram a transferência desses interesses feita por outrem.
3. Os arguidos C e B, em conjunto com outros, conforme vontade comum e de comum acordo, dividindo tarefas e prestando cooperação entre si, bem sabiam que os supracitados interesses de valor consideravelmente elevado eram provenientes das transacções falsas respeitantes ao uso de cartões de crédito falsos, contudo, a fim de dissimular a origem ilícita dos interesses, ainda os transferiram e prestaram auxílio e facilitaram a transferência desses interesses feita por outrem”.
Do direito
3. Procedendo ao enquadramento jurídico da matéria de facto dada como provada, assim ponderou o Colectivo do T.J.B.:
“Primeiro, quanto ao crime de passagem de moeda falsa, dispõe-se a alínea a) do n.º 1 do art.º 255º do Código Penal:
1. Quem, por qualquer modo, incluindo a exposição à venda, passar ou puser em circulação,
a) como legítima ou intacta, moeda falsa ou falsificada,
b) moeda metálica depreciada, pelo seu pleno valor, ou
c) moeda metálica com o mesmo ou maior valor que o da legítima, mas fabricada sem autorização legal, é punido, no caso da alínea a), com pena de prisão até 5 anos, e, no caso das alíneas b) e c), com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
(…)
Mais, dispõe-se o art.º 257º do Código Penal:
1. Para efeitos do disposto nos artigos 252º a 256º, são equiparados a moeda:
a) Os títulos de crédito constantes, por força da lei, de um tipo de papel e de impressão especialmente destinados a garanti-los contra o perigo de imitações e que, pela sua natureza e finalidade, não possam, só por si, deixar de incorporar um valor patrimonial; e
b) Os cartões de garantia ou de crédito.
2. O disposto no número anterior não abrange a falsificação de elementos a cuja garantia e identificação especialmente se não destine o uso do papel ou da impressão.
Segundo, quanto ao crime de branqueamento de capitais, dispõe-se os n.ºs 1 e 2 do art.º 3º da Lei n.º 2/2006:
1. Para efeitos deste diploma, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de facto ilícito típico punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos, assim como os bens que com eles se obtenham.
2. Quem converter ou transferir vantagens, ou auxiliar ou facilitar alguma dessas operações, com o fim de dissimular a sua origem ilícita ou de evitar que o autor ou participante dos crimes que lhes deram origem seja penalmente perseguido ou submetido a uma reacção penal, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
(…)
Pelos factos provados, revela-se que os arguidos, C (C) e B, agiram, de forma livre, voluntária e consciente, juntamente com outros suspeitos, dividindo tarefas entre si, ao praticar o acto em causa, no sentido de usar, constantemente e várias vezes, os cartões de crédito falsos que continham dados dos cartões de crédito do terceiro, para fazer transacções de consumo falsas, efectuando levantamentos em numerário, e, a partir daí, obtiveram benefício ilegal de valor consideravelmente elevado, assim sendo, evidentemente, os arguidos, C (C) e B, praticaram, em co-autoria material e nas formas continuada e consumada, um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art.º 255º, n.º 1, al. a) e art.º 257º, n.º 1, al. b) do Código Penal.
Por outro lado, os factos provados na audiência mostram que os dois arguidos, juntamente com outros suspeitos, utilizaram os cartões de crédito falsos para fazerem transacções falsas, bem como procederam aos levantamentos em numerário no banco, transferindo directamente o dinheiro levantado para o Interior da China ou incumbindo a outras pessoas a entregá-lo aos demais suspeitos, entretanto, além da aquisição directa e da entrega do valor em numerário proveniente do fruto do crime supramencionado, não se apurou que os arguidos, C (C) e B, tivessem praticado, juntamente com outras pessoas, a conversão ou transferência de vantagens, ou auxílio ou facilitação de alguma dessas operações, com o fim de dissimular a sua origem ilícita ou de evitar que o participante dos crimes que lhes deram origem seja penalmente perseguido ou submetido a uma reacção penal, pois, dado que não se provou a existência dos elementos constitutivos subjectivos e objectivos do crime de branqueamento de capitais praticado pelos dois arguidos, e, salvo o devido respeito à interpretação jurídica do Ministério Público, este Tribunal conclui que os arguidos, C (C) e B, devem ser absolvidos dum crime de branqueamento de capitais, praticado em co-autoria material e na forma continuada, p. e p. pelo art.º 3º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 2/2006, por ser improcedente.
(II) Determinação da pena
Dispõe-se o art.º 40º do Código Penal:
1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
*
Nos termos do art.º 65º do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, assim como, é necessário atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente:
1) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
2) A intensidade do dolo ou da negligência;
3) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
4) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
5) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
6) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
*
A determinação da pena é feita em conformidade com o disposto nos artigos 40º e 65º do Código Penal.
In casu, atendendo às circunstâncias da causa, bem como ao grau de culpa subjectiva e ao modo de prática do crime dos dois arguidos, e, também, tendo em conta as influências negativas causadas pelo crime praticado pelos dois arguidos à ordem social e aos bens da vítima, mais, à luz dos critérios da determinação da pena supracitados, este Tribunal Colectivo considerou que era mais adequado condenar cada um dos arguidos, C (C) e B, pela prática, em co-autoria material e nas formas continuada e consumada, dum crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art.º 255º, n.º 1, al. a) e art.º 257º, n.º 1, al. b) do Código Penal, numa pena de prisão de 3 anos e 9 meses.
(III) Indemnização civil
Não tendo verificado o valor concreto do dano sofrido pela vítima, Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., nos termos do art.º 74º, n.º 1 do Código de Processo Penal, determina-se que o pedido de indemnização civil seja deduzido pela vítima em acção cível separada”.
E, como se viu, inconformado com o assim decidido, veio o arguido B recorrer.
Entende que a matéria de facto dada como assente não permite a sua condenação nos termos decididos pelo Colectivo do T.J.B., considerando, subsidiariamente, que o Acórdão recorrido padece de “contradição insanável da fundamentação”, e, finalmente, que excessiva é a pena que lhe foi decretada.
–– Não estando este T.S.I. vinculado a conhecer das questões pelo recorrente colocadas na mesma ordem em que este as expôs, mostra-se de começar pela alegada “contradição”.
Vejamos.
No caso, diz o ora recorrente que “se por um lado se diz na matéria de facto provada, como supra se referiu, não obstante matéria conclusiva, que: "os arguidos, com a colaboração de outras pessoas ... chegaram a acordo para utilizar dados de terceiros em cartões de crédito falsificados para obter proveitos ilícitos" (art.° 30° da acusação); por outro lado, dá-se como não provado que: "os arguidos C (C) e B, baseados na mesma vontade e acordo comuns, com divisão de trabalhos e harmonia, sabiam bem que os referidos interesses com valor consideravelmente elevado eram oriundos dos negócios de uso de cartões de crédito falsificados ... " (1ª parte do art.° 25° da acusação)”.
Contra-alegando, considera o Exmo. Magistrado do Ministério Público que: “é de salientar que o ponto 32 dos factos provados serve para reconhecer que o recorrente praticou, juntamente com outras pessoas, em forma de comparticipação, o crime de passagem de moeda falsa, enquanto o ponto 3 dos factos não provados serve para reconhecer que o recorrente praticou, juntamente com outras pessoas, em forma de comparticipação, o branqueamento de capitais, assim sendo, o acórdão recorrido absolveu o recorrente do crime de branqueamento de capitais”.
Pugna, assim, pela improcedência do recurso na parte em questão, igual posição assumindo a Ilustre Procuradora Adjunta no seu douto Parecer.
Quid iuris?
Pois bem, o vício em questão tem sido entendido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 13.12.2012, Proc. n° 840/2012).
Nesta conformidade, não se mostra de reconhecer razão ao ora recorrente.
Com efeito, e como bem se observa na Resposta e Parecer do Ministério Público, o “facto provado n.° 32”, (art. 30 da acusação), diz respeito ao crime de “passagem de moeda falsa”, pelo qual foi o recorrente condenado, e o “facto não provado n.° 3”, diz respeito ao imputado crime de “branqueamento de capitais”,em relação ao qual foi o mesmo recorrente absolvido.
Clara parecendo-nos esta solução, mais não é preciso dizer sobre o ponto em questão.
–– Quanto à “qualificação jurídica” e “pena”.
Aqui, e em síntese, diz o recorrente que a matéria de facto dada como provada, não permite a qualificação da sua conduta como a prática do crime pelo qual foi condenado: de “passagem de moeda falsa”.
Vejamos se assim é.
Ora, o Tribunal a quo – recorde-se – após transcrever o art. 255° do C.P.M. que pune o dito crime, consignou, nomeadamente, que:
“Pelos factos provados, revela-se que os arguidos, C (C) e B, agiram, de forma livre, voluntária e consciente, juntamente com outros suspeitos, dividindo tarefas entre si, ao praticar o acto em causa, no sentido de usar, constantemente e várias vezes, os cartões de crédito falsos que continham dados dos cartões de crédito do terceiro, para fazer transacções de consumo falsas, efectuando levantamentos em numerário, e, a partir daí, obtiveram benefício ilegal de valor consideravelmente elevado, assim sendo, evidentemente, os arguidos, C (C) e B, praticaram, em co-autoria material e nas formas continuada e consumada, um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art.º 255º, n.º 1, al. a) e art.º 257º, n.º 1, al. b) do Código Penal”.
E adequado será o assim entendido?
Vejamos.
Resulta, essencialmente, como provado, o “acordo” entre o ora recorrente e os outros arguidos dos autos na concretização de um plano previamente engendrado de utilização de “cartões de crédito falsos”, para o qual, arrendaram, dois locais onde instalaram dois estabelecimentos comerciais, (as lojas “ZZ ZZ SHOP” e “XX XX SHOP”), trataram também da instalação do equipamento (terminal) electrónico necessário e adequado a tal utilização, tendo, efectivamente, levado a cabo tal plano, e concretizado, nomeadamente, 145 utilizações de cartões de créditos confirmados como “falsos”, com o que obtiveram elevadas vantagens patrimoniais e causaram prejuízos a terceiros.
Diz o ora recorrente que “provado não está que tenha sido o arguido a pessoa que efectuou a utilização dos cartões de crédito falsos”; (cfr., concl. F a H).
Pois bem, ainda que assim seja, outro é o nosso ponto de vista.
Na verdade, e, seja como for, importa atentar no seguinte.
Com efeito, está provado o “acordo” do arguido, ora recorrente, quanto ao plano e divisão de tarefas entre os restantes arguidos, estando, igualmente, provado que foi o mesmo recorrente que tomou de arrendamento os espaços (locais) onde foram instaladas as aludidas “lojas”, que foi o mesmo recorrente que tratou das formalidades para tal, incluindo as necessárias para a instalação dos terminais electrónicos, e que houve, efectivamente, utilização de “cartões de crédito falsos” em tais locais, com enriquecimento ilegítimo e prejuízo para terceiros, assente estando também o elemento subjectivo do crime em questão.
Perante isto, evidente se nos mostra que verificados estão todos os elementos para se considerar, como foi, o ora recorrente como “co-autor”, já que, como sabido é, na co-autoria, a decisão conjunta pressupõe um acordo que pode bastar-se com a existência da consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime, sendo também que, quanto à execução não é indispensável que cada um dos comparticipantes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes ao resultado final, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do resultado.
Na verdade, e como já decidiu este T.S.I.:
“São requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob forma de “co-autoria”, a existência de decisão e de execução conjuntas.
O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendendas a atingir o resultado final, importando apenas que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma actuação concertada entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado”; (cfr., v.g., o Ac. de 30.09.2004, Proc. n.° 161/2004).
Dest’arte, e na parte em questão, improcede o recurso.
Diz ainda o recorrente que a “utilização de cartões de crédito” – ainda que “falsos” – “sem que haja uma transacção de bens ou serviços, não constitui crime”; (cfr., concl. K).
Antes de mais, correcto não nos parece este entendimento.
Com efeito, e como já decidiu o T.R. do Porto, a utilização de cartões de crédito de outrem, cuja banda magnética foi sujeita a contrafacção para o pagamento de transacções, simuladas ou efectivas, através de terminais electrónicos do respectivo sistema constitui crime de “passagem de moeda falsa”; (cfr., v.g., o Ac. de 14.03.2001, in C.J., Ano XXVI, 2001, T.II, pág. 211 e segs., aqui citado como mera referência).
Todavia, atenta a factualidade provada, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido distinto, cabe consignar o que segue.
Vejamos.
Para além do crime de “passagem de moeda falsa” p. e p. pelo art. 254° e segs. do C.P.M., existe o de “burla informática”, p. e p. pelo art. 11°, da Lei n.° 11/2009, (“Lei de combate à criminalidade informática”), onde se prescreve que:
“1. É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa quem, com intenção de obter enriquecimento ilegítimo para si ou para terceiro, causando prejuízo patrimonial a outrem:
1) Introduzir, alterar, suprimir ou eliminar dados informáticos;
2) Interferir no resultado de tratamento de dados informáticos;
3) Estruturar incorrectamente programa informático; ou
4) Intervier no funcionamento de sistema informático.
2. A tentativa é punível.
3. Se o prejuízo patrimonial causado for:
1) De valor elevado, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos;
2) De valor consideravelmente elevado, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.
4. Nos casos previstos nos n.os 1 e 2, o procedimento penal depende de queixa”.
Tratando da questão que agora se aprecia, consignou-se no Ac. do S.T.J. de 20.09.2006, Proc. 06P1942, que:
“O crime de burla informática é um crime de execução vinculada, no sentido de que a lesão do património se produz através da intromissão nos sistemas e da utilização em certos termos de meios informáticos.
E é um crime de resultado - embora de resultado parcial ou cortado - exigindo que seja produzido um prejuízo patrimonial de alguém.
A tipicidade do meio de obtenção de enriquecimento ilegítimo (com o prejuízo patrimonial de alguém) consiste, como resulta da descrição do tipo, na interferência «no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático», na «utilização incorrecta ou incompleta de dados», em «utilização de dados sem autorização» ou na «intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento».
A dimensão típica do crime de burla informática remete para a realização de actos e operações específicas de intromissão e interferência em programas ou utilização de dados nos quais está presente e aos quais está subjacente algum modo de engano, de fraude ou de artifício que tenha a finalidade, e através da qual se realiza a específica intenção, de obter enriquecimento ilegítimo, causando a outra pessoa prejuízo patrimonial.
Há-de estar, pois, sempre presente um erro directo com finalidade determinada, um engano ou um artifício sobre dados ou aplicações informáticas - interferência no resultado ou estruturação incorrecta de programa, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou qualquer intervenção não autorizada de processamento.
A burla informática, na construção típica e na correspondente execução vinculada, há-de consistir sempre em um comportamento que constitua um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afectação directa em relação a uma pessoa (como na burla), mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados”; (v.d., www.dgsi.pt, e, no mesmo sentido, o Ac. de Rel. do Porto de 14.03.2012, Proc. n.° 140/10 e de 20.02.2013, Proc. n.° 493/11, no mesmo site, podendo-se também sobre o tema ver, J. Faria Costa e Helena Moniz, “Algumas reflexões sobre a Criminalidade Informática”, in “B.F.D.U.C.”, Vol. LXXIII, 1997).
E, em nossa opinião, cremos que a conduta do ora recorrente, (dada como provada), integra, (também), todos os elementos típicos do dito crime de “burla informática”.
De facto, e em síntese, dúvidas não parece haver que o ora recorrente, introduziu e alterou dados informáticos, intervindo no sistema informático – dos cartões de crédito – e que, com tal conduta, obteve enriquecimento ilegítimo, causando prejuízo patrimonial a outrém, agindo livre e conscientemente, e com conhecimento que punida era a sua conduta.
Nesta conformidade, a questão que então cabe decidir é a de saber se se está perante um “concurso real de crimes”.
Também aqui se nos afigura que a resposta é de sentido afirmativo.
Não se ignora que entendimentos existem no sentido de se dever considerar que os crimes de “passagem de moeda falsa” e de “burla informática” estão apenas numa relação de “concurso aparente”; (v.d., v.g., o Ac. de Rel. de Lisboa de 24.04.2007, Proc. n.° 843/2007-5, e outros aí citados).
Porém, mostra-se-nos de aderir à tese que entende existir um “concurso real de crimes”.
Como, (perante idêntica regulamentação legal), em recente Acórdão decidiu o S.T.J.:
“A norma incriminatória da passagem de moeda falsa não absolve o desvalor de todo o resultado, há um segmento comum, coincidente, o do engano criado em ambos os casos, ficando, contudo, fora, sem protecção penal a manipulação do sistema informático, que reclama tutela jurídica específica, pelo diferente valor jurídico aqui violado, o que, à luz de um critério teleológico adoptado pelo legislador na definição da unidade – pluralidade de infracções, aferida pelo número de tipos legais de crime efectivamente cometidos, leva a conformar uma situação de concurso real, excludente de um concurso aparente de normas, tipicizando uma pluralidade de infracções”.
Mostrando-se-nos de aderir a tal entendimento, que nos parece o correcto feita que foi a advertência sobre tal possível “alteração da qualificação jurídico-penal”, (e assim, observado que foi o contraditório, e certo sendo também que a tal alteração pode este T.S.I. proceder), em conformidade se decidirá.
Face ao montante envolvido, e constituindo o mesmo “valor consideravelmente elevado”, (cfr., art. 196°, al. c) do C.P.M.), em causa está a pena de 2 a 10 anos de prisão; (cfr., n.° 3, al. 2) do art. 11° atrás transcrito).
E ponderando assim em tal moldura penal e na factualidade provada, em especial, no dolo directo e intenso, na forma de cometimento do crime, (em comparticipação), e nos prejuízos causados, crê-se justa e equilibrada a pena de 4 anos de prisão, constatando-se, assim que motivos não há para se reduzir a pena pelo T.J.B. imposta, como pelo recorrente vem peticionado.
De facto, se atento o art. 399° do C.P.P.M., onde se prevê o “princípio da proibição da reformatio in pejus”, não pode este T.S.I., (no caso), agravar a pena pelo T.J.B. aplicada para o crime de “passagem de moeda falsa”, de 3 anos e 9 meses de prisão, evidente também é que motivos não há para qualquer redução, (desta pena).
Com efeito, a mesma pena, face aos critérios do art. 40° e 65°, e à respectiva moldura penal, não merece censura, não sendo de olvidar também que, sendo a pena (parcelar) aplicável ao crime de “burla informática” a de 4 anos de prisão, nunca a pena única resultante do cúmulo jurídico desta mesma pena com a aplicada pelo crime de “passagem de moeda falsa” poderia ser inferior a estes mesmos 4 anos de prisão, consignando-se que atentos os critérios do art. 71° do C.P.M., adequada seria uma pena única de 6 anos de prisão (que só não se decreta por respeito ao mencionado art. 399° do C.P.P.M.).
*
Aqui chegados, uma última questão importa solucionar.
É a seguinte:
Os crimes dos autos foram cometidos em “co-autoria” pelo ora recorrente e o arguido C ou C (C), que não recorreu do Acórdão do T.J.B. e encontra-se a cumprir a mesma pena de 3 anos e 9 meses de prisão no E.P.M..
Atenta a forma do seu cometimento, cremos que o que se deixou decidido em relação ao ora recorrente deve também produzir efeitos em relação a este arguido.
Assim, e observado que foi o contraditório, fica também alterada a qualificação jurídica da conduta deste arguido em conformidade com o decidido, (mantendo-se a pena de 3 anos e 9 meses de prisão imposta pelo T.J.B.).
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso, alterando-se, ex officio, a qualificação jurídica efectuada pelo T.J.B. e mantendo-se a pena aplicada aos arguidos.
Pagará o arguido recorrente a taxa de justiça de 8 UCS.
Honorários à Exma. Defensora Oficiosa no montante de MOP$1.000,00.
Macau, aos 21 de Março de 2013
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
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Proc. 10/2013 Pág. 1