Processo nº 950/2012
Data do Acórdão: 16MAIO2013
Assuntos:
Impugnação da matéria de facto
Valor da causa
Direito de preferência
Simulação relativa
Negócio dissimulado
SUMÁRIO
1. A razão de ser do ónus imposto no artº 599º/2 do CPC da indicação das passagens da gravação é permitir ao Tribunal ad quem identificar qual é a parte do depoimento que o recorrente entende ter sido incorrectamente valorada pelo Tribunal a quo. Assim, não se exige ao recorrente transcrever e reproduzir palavra por palavra o teor das passagens da gravação do depoimento, mas apenas a identificação dessas mesmas passagens.
2. Decorre do preceituado no artº 629º do CPC que o Tribunal de recurso é permitido funcionar como tribunal de substituição na matéria da questão de facto, relativamente ao Tribunal de primeira instância, desde que, em qualquer das situações aí previstas, se mostrem preenchidos os pressupostos nele exigidos, isto é, se coloquem ao dispor do tribunal ad quem os mesmos meios probatório de que dispunha o tribunal de 1ª instância.
3. Estamos perante uma simulação relativa se o negócio que os Réus no fundo pretenderam realizar é um verdadeiro acto translativo da propriedade da metade indivisa do bem, o transmitente e o transmissário, em vez de terem feito documentar na escritura pública um negócio de doação gratuita, agiram respectivamente no acto notarial na veste do vendedor e na do comprador e ficcionaram um preço manifestamente inferior ao do mercado, pura e simplesmente com o intuito de pagar menos imposto de selo.
4. Não tendo sido impugnada tempestivamente por via de recurso, a decisão fixando o valor da causa tomada no incidente de impugnação do valor da causa forma caso julgado formal para efeitos processuais.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 950/2012
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
B, veio propor contra C e D, todos devidamente identificados nos autos, a acção ordinária, que foi registada com o nº CV1-10-0010-CAO e correu os seus termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, pedindo que lhe fosse reconhecido o direito de preferência para a aquisição da metade indivisa da fracção autónoma identificada nos autos, que os Réus fossem condenados a reconhecer o seu direito haver para si a metade indivisa da fracção autónoma, que fosse declarada ela própria, Autora, compradora da metade indivisa da fracção autónoma e que fosse ordenado o cancelamento da inscrição nº 168334, do Livro G, do direito de propriedade sobre a metade indivisa da fracção autónoma em nome de 2ª Ré D.
Citados os Réus, veio apenas o 1º Réu C contestar deduzindo as excepções da doação dissimulada entre eles, do abuso de direito no exercício do direito de preferência, da caducidade do direito de preferência, da simulação do valor, e impugnando o valor da acção.
Às excepções e à impugnação do valor da acção replicou a Autora pugnando pela improcedência in totum dessas excepções e impugnação do valor da acção.
Na fase de saneamento e preparação do processo, o 1º Réu requereu a produção da prova por depoimento da 2ª Ré D.
Por despacho proferido a fls. 228 dos p. autos pela Exmª Juiz titular do processo, foi indeferido o requerido depoimento de parte pela Co-Ré D.
Inconformado com esse despacho, 1º Réu C veio interpor dela o recurso interlocutório, mediante a petição de recurso a fls. 250 a 253, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido.
Notificada das alegações do recurso, a Autora nada respondeu.
Admitido o recurso e fixados a ele o regime de subida diferida e o efeito meramente devolutivo, continuou a marcha processual na sua tramitação normal e veio afinal a ser proferida a seguinte sentença julgando procedente a acção e condenando os Réus nos pedidos:
I) RELATÓRIO
B, residente de Macau, devidamente identificada na petição inicial (doravante designada por Autora – A.) intentou neste Tribunal Judicial de Base a presente acção ordinária contra C e D (doravante designados por 1º e 2º Réus – RR.), com os fundamentos consignados na petição inicial de fls. 2 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Concluindo, pede, a final, que seja a presente acção julgada procedente, e se reconhece o direito de preferência da A. relativamente à compra da metade indivisa da fracção autónoma “B3”, do terceiro andar B, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, na Estrada ......, s/n, Ilha da Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21621, a fls. 114 verso, do Livro B52 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Nossa Senhora do Carmo sob o n.º 40628; se condenar os RR. a reconhecer o direito da A. haver para si a referida metade indivisa da fracção autónoma e, em consequência, ser a A. declarada compradora da metade indivisa da fracção autónoma sub judice, em substituição da ora 2ª R. para todos os efeitos legais, nomeadamente, para efeitos do respectivo registo de inscrição da titularidade, e ser ordenado o cancelamento da inscrição n.º 168334, do Livro G, do direito de propriedade sobre a metade indivisa da fracção autónoma em nome da 2ª R. e todas as inscrições porventura efectuadas com base em eventuais novas transmissões, relativamente à descrição predial nº 21621, a fls. 114 verso, do Livro B52, da freguesia de Nossa Senhora do Carmo, Ilha da Taipa.
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Citados pessoalmente os RR., apenas contestou o 1º R., tendo suscitado diversas excepções peremptórias, designadamente a existência de acordo simulatório (simulação absoluta) e negócio dissimulado (de doação), actuação da A. com abuso de direito de preferência, caducidade da acção de preferência e simulação de preço.
Mais foram impugnados os factos articulados pela A., pugnando pela improcedência da acção com a absolvição dos RR. dos pedidos.
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Proferido o despacho saneador e seleccionada a matéria de facto juridicamente relevante, realizou-se, oportunamente, a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Face à prova produzida, resulta provada a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa:
Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgada em 22 de Outubro de 1988, no Cartório Notarial das Ilhas, a A. e o 1º R. adquiriram, respectivamente, uma metade indivisa da fracção autónoma designada por “B3”, do terceiro andar B, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, na Estrada ......, s/n, Ilha da Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21621, a fls. 114 verso, do Livro B52 e, actualmente, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nossa Senhora do Carmo sob o n.º 40628 (doravante a “fracção autónoma”), pelo preço de MOP$119.628,00 (cento e dezanove mil, seiscentas e vinte e oito patacas). (A)
Por apresentação n.º 21, de 10 de Dezembro de 1988, a titularidade da referida fracção autónoma foi inscrita a favor da A. e do 1º R., em partes iguais, sob o número 2857 a fls. 52, do Livro F26A. (B)
Em 29 de Outubro de 1988, o 1º R. outorgou, no Cartório Notarial das Ilhas, uma procuração a favor da A., conferindo-lhe todos os poderes e direitos que lhe coubessem enquanto comproprietário da fracção autónoma, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 29 a 31 que aqui se dá por integralmente reproduzido. (C)
Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 28 de Fevereiro de 2008, no Cartório do Notário Privado Porfírio Azevedo Gomes, a fls. 12, do Livro 16, o 1º R. declarou vender e, por sua vez, a 2ª R. declarou comprar a metade indivisa da fracção autónoma supra melhor identificada, pelo preço de MOP$118.160,00 (cento e dezoito mil cento e sessenta patacas). (D)
Por apresentação n.º 33 de 3 de Março de 2008, a aquisição da referida metade indivisa da fracção autónoma foi inscrita a favor da 2ª R. sob o n.º 168334, do Livro G. (E)
O 1º R. não deu conhecimento à A. da venda aludida em D). (F)
A 2ª R. é sobrinha neta do 1º R. (G)
A A. depositou em 24 de Fevereiro de 2010, o preço indicado na escritura referida em D) acrescido das respectivas despesas, no montante global de MOP$124.053,00. (H)
Até ao momento em que atingiu 80 anos de idade, o 1º R. despendeu todas as suas poupanças acumuladas ao longo de vários anos, pelo que, para uma solteira sem ter filhos, não teve outra alternativa senão viver de dinheiro emprestado a familiares e amigos no sentido de custear as despesas quotidianas. (J)
O 1º R., pessoalmente e também através dos seus amigos, entrou em contacto, respectivamente em 2006 e 2008, com a A., dizendo-lhe que pretendia vender a fracção em causa, de modo a poder garantir, com o produto da venda, as condições de vida na velhice e pagar as dívidas contraídas aos amigos para manutenção da vida. (L)
A A., sempre sob pretexto de não considerar bons o mercado imobiliário e o preço do imóvel, recusou-se a vender tal fracção. (M)
Por essa razão, o 1º R. não conseguiu aliviar, através da venda de tal fracção em conjunto com a A., a pressão da vida provocada pela sua situação económica. (N)
Em 2009, a A. contactou a agência imobiliária denominada Empresa de Fomento Predial “XX”, para tratar da venda da fracção autónoma. (1º)
Na primeira semana de Dezembro de 2009, a A. foi contactada pelo Sr. F, agente da referida agência imobiliária que a informou que tinha encontrado um comprador e que este pretendia assinar o contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma. (2º)
Na dia 16 de Dezembro de 2009 a A. foi com o seu agente, Sr. F, ao escritório de advogados do Dr. Luís Reigadas para assinar o contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma. (3º)
Só nessa data, no referido escritório de advogados, a A. foi informada e teve conhecimento da venda aludida em D). (4º)
Em 1986, o 1º R. era empregado do Clube de ...... de Macau. (5º)
Provado apenas o teor da alínea C) dos factos assentes. (9º)
Em Junho de 2006, formou-se a 2ª R. (10º)
A quem o 1º R. conhecia desde os cueiros. (11º)
Aquando da celebração da escritura de compra e venda aludida em D) o rendimento mensal de trabalho da 2ª R. era de cerca de MOP$11.000,00. (17º)
A 2ª R. contribuía mensalmente com MOP$4.000,00 à mãe. (18º)
A 2ª R., na altura, não tinha dado início à liquidação da bolsa-empréstimo, no montante de MOP$136.500,00, atribuída pelo Governo. (19º)
A A. nunca contactou com o 1º R. nem lhe deu a conhecer sua intenção de vender, ou de comprar, a quota parte da fracção em causa. (22º)
A A. pretendia apoderar-se de todos os lucros obtidos com a venda da fracção. (23º)
Conforme o valor de mercado naquele período (14 de Dezembro de 2009), a fracção com um lugar de estacionamento tinha o valor de cerca de MOP$1.600.000,00. (24º)
Actualmente o valor da fracção com lugar de estacionamento já atinge cerca de MOP$2.000.000,00. (25º)
Provado apenas o teor da resposta dada ao quesito 4º. (26º)
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
1) Acordo simulatório e negócio dissimulado
A A. intentou a presente acção ordinária contra os RR., afirmando-se comproprietária da fracção autónoma reportada os autos, em conjunto com o 1º R., tendo este vendido metade indivisa da referida fracção à 2ª R., através de escritura pública datada de 28 de Fevereiro de 2008, sem que lhe tivesse dado conhecimento, terminando, assim, por pedir que seja reconhecido o seu direito de preferência relativamente à compra ao 1º R. da metade indivisa da fracção identificada nos autos e, em consequência, que seja declarada compradora dessa metade indivisa, em substituição da 2ª R. para todos os efeitos legais.
Foi invocada pelo R. na contestação a existência de um acordo simulatório e negócio dissimulado de doação, mas de acordo com a matéria dada como provada, verifica-se que não logrou o R. provar os referidos factos impeditivos, isto é, não tendo os RR. logrado provar qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelos mesmos na escritura pública de compra e venda celebrada em 28 de Fevereiro de 2008, daí que não resta outra alternativa senão julgar improcedente as referidas excepções peremptórias.
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2) Abuso de direito
Invoca o R., em segundo lugar, que a A. actuou com abuso de direito.
De um modo geral, há abuso do direito “quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” – artigo 326º do Código Civil de Macau.
Na verdade, o que está em causa no caso vertente é saber se a A. tem direito de preferência na aquisição da metade indivisa da fracção identificada nos autos, e foi exactamente por causa dessa metade indivisa ter sido vendida à 2ª R. que a A. vem intentar a presente acção de preferência contra os RR..
Nestes termos, salvo o devido respeito por melhor opinião, sem necessidade de delongas considerações, julgo não assistir razão ao R. quando vem referir que a A. actuou com abuso de direito, tendo em conta que esta vem apenas exercer um direito conferido pela lei, e nenhum sentimento ou valor de justiça foi aqui posto em causa.
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3) Caducidade da acção de preferência
O R. alegou ainda a caducidade da presente acção de preferência.
Nos termos do artigo 1309º, nº 1 do Código Civil de Macau, dispõe-se que “o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de 6 meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite, nos 8 dias seguintes ao despacho que ordene a citação, o preço devido, acrescido das despesas, quando e na medida em que o beneficiem, com emolumentos notariais e de registo e com impostos devidos pela aquisição”.
Com efeito, compete ao R. provar que a acção intentada pela A. deu entrada fora do prazo de 6 meses a contar do conhecimento da venda aludida nos autos.
Resulta claramente dos autos que a A. só teve conhecimento da referida venda em 16 de Dezembro de 2009, e tendo a presente acção de preferência sido intentada no dia 29 de Janeiro de 2010, dúvidas não restam de que a acção foi proposta tempestivamente.
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4) Simulação do preço
Finalmente, alegou o R. que houve simulação do preço constante do respectivo contrato de compra e venda, pelo que no caso de vir a ser reconhecido o direito de preferência da A. na aquisição da metade indivisa da fracção autónoma registada em nome da 2ª R., entendia que deve ser exercida pelo valor correspondente a metade do valor actual de mercado da fracção autónoma.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgo igualmente não assistir razão ao R., em virtude de não ter logrado o mesmo a prova da alegada simulação do preço, isto é, embora se encontre provado que o valor da fracção na altura da propositura da acção já atingia cerca de dois milhões, mas provada não está a divergência entre o preço declarado na escritura e o preço efectivamente pago pela 2ª R.
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5) Direito legal de preferência
Apreciamos agora a questão de mérito.
Pretende a A. exercer o direito de preferência consagrado nos termos do artigo 1309º do Código Civil de Macau.
Na esteira do Professor Oliveira Ascensão, in Direito Reais, 2ª edição, página 539 e seguintes, diz que “o direito de preferência atribui a um sujeito a prioridade, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular actual um direito de gozo sobre uma coisa”.
Em termos de direito comparado, referiu-se ainda no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo 08B1868, de 10 de Julho de 2008, in dgsi, o seguinte:
“Como se sabe, traduzindo-se na atribuição ao preferente, por lei, da faculdade de, em igualdade de condições, se substituir ao adquirente de uma coisa, em certas formas de alienação, o direito legal de preferência afecta significativamente o poder de disposição que integra o direito de propriedade, já que retira ao proprietário o direito de escolha do outro contraente. A sua criação resulta, portanto, da verificação da existência de razões de interesse público que se sobrepõem àquela liberdade de escolha, enquanto integrante dos poderes do proprietário.”
Assim, o exercício dos direitos de preferência leva à concentração numa só pessoa dos poderes que integram o direito de propriedade plena sobre uma determinada coisa, tendo em vista o melhor aproveitamento da coisa, bem como a eliminação de eventuais conflitos que se travam entre os proprietários.
No caso sub judice, provada está a qualidade de comproprietária da A. relativamente à fracção autónoma em causa, e o facto da alienação desta a favor da 2ª R., uma vez efectuado o pagamento do respectivo preço e demais despesas, não resta outra alternativa senão julgar procedente a acção, e ser reconhecido o direito de preferência da A. relativamente à metade indivisa da fracção autónoma identificada nos autos, e ser declarada a A. compradora dessa metade indivisa, em substituição da 2ª R. para todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos do respectivo registo de inscrição da titularidade.
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III) DECISÃO
Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo procedente a presente acção ordinária intentada pela A. B contra os RR. C e D, e decido:
- Reconhecer o direito de preferência da A. relativamente à compra da metade indivisa da fracção autónoma “B3”, do terceiro andar B, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, na Estrada ......, s/n, Ilha da Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21621, a fls. 114 verso, do Livro B52 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Nossa Senhora do Carmo sob o n.º 40628;
- Condenar os RR. a reconhecer o direito da A. haver para si a referida metade indivisa da fracção autónoma e, em consequência, ser a A. declarada compradora da metade indivisa da fracção autónoma sub judice, em substituição da ora 2ª R. para todos os efeitos legais, nomeadamente, para efeitos do respectivo registo de inscrição da titularidade, autorizando-se o cancelamento da inscrição n.º 168334, do Livro G, do direito de propriedade sobre a metade indivisa da fracção autónoma em nome da 2ª R. e todas as inscrições porventura efectuadas com base em eventuais novas transmissões, relativamente à descrição predial nº 21621, a fls. 114 verso, do Livro B52, da freguesia de Nossa Senhora do Carmo, Ilha da Taipa.
Custas do processo pelos RR. em partes iguais, mas por beneficiar o 1º R. do apoio judiciário, fica o mesmo dispensado do pagamento das respectivas custas.
Fixo os honorários a favor do patrono oficioso do R. em MOP$5.500,00, a suportar pelo GPTUI.
Registe e notifique.
Inconformado com a sentença, recorreu dela o 1º Réu C para esta segunda instância, concluindo e pedindo:
綜上所述,上訴人認為:
(一) 重新評價被錄製成視聽資料的證據
1) 初級法院裁定疑問點13º、14º、15º、16º、20º和21º不獲得證實。上訴人根據《民事訴訟法典》第629條1a)及599條 的規定對上述疑問的評價點提出爭執。
2) 上訢人認為疑問點13 º根據:
a) 視聽資料: Translator 2 (file: Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人G於時段2:19:30至2:20:37及2:24:00至2:24:20所作之證言,
應獲得證實。
3) 上訢人認為疑問點14 º根據:
a) 視聽資料: Translator 2 (file: Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(Bl07911270)由證人 G 於時段2:24:20至2:25:00所作之證言,
應獲得證賞。
4) 上訢人認為疑問點15º根據:
a) 視聽資料: Translator 2 (file: Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(Bl07911270)由證人 G 於時段2:24:20至2:25:00所作之證言,
應獲得證實。
5) 上訴人認為疑問點16º根據:
a) 視聽資料: Translator 2 (file: Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人 G 於時段2:21:00至2:25:00所作之證言;
b) 被告一於2011年3月28日附入初級法院之文件一、二、 三、四和五;和
c) 法院應被告一聲請而向大西洋銀行取得有關被告二之存款紀錄(見卷宗第235至239頁) ,
應獲得證實。
6) 上訢人認為疑問點20º根據:
a)視聽資料: Translator 2 (file: Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人 G 於時 段2:21:00至2:24:00所作之證言;
b) 被告一於2011年3月28日附入初級法院之文件一、二、 三、四和五;和
c) 法院應被告一聲請而向大西洋銀行取得有關被告二之存款紀錄(見卷宗第235至239頁) ,
應獲得證實。
7) 上訢人認為疑問點21º根據:
a) 視聽資料: Translator 2 (file: Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人 G 於時段2:19:30至2:20:37及2:24:00至2:26:00所作之證言; 和
b) 視聽資料: Translator 2 (file: Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@ (B107911270)由證人H 於時段2:00:00至2:01:34所作之證言,
應獲得證實。
8) 若中級法院於重新評價疑問點13º、16º、20º和21º時裁定上訴人與第二被告的表面買賣行為因虛偽而無效且妨礙原告優先權的行使。
(二) 初級法院於2012年5月10日所作裁判的敗訴部份
➢ 虛偽的買賣行為無效 (行為性質的虛偽)
9) 若中級法院於重新評價疑問點13º、16º、20º和21º時裁定上訴人與第二被告的表面買賣行為因虛偽而無效且妨礙原告優先權的行使。
➢ 隱藏的贈與行為
10) 同樣地,若中級法院於重新評價疑問點13º、16º、20º和21º時裁定上訴人與第二被告在作出虛偽的買賣行為背後確實隱藏著其真正的贈與意願,則不應抹殺該隱藏行為作為正常行為的可能性。
11) 根據《民法典》第233條第1款和第233條第2款的規定,如隱藏之法律行為屬要式行為,則隱藏行為僅在符合法律所要求之方式時方為有效,而《民法典》第233條第1、2款規定如為要式行為,則隱藏的行為必須遵守法定方式方能有效。
12) 綜合Oliveira Ascensão1與 Manuel de Andrade2的見解,若表面的行為的出現是旨在隱藏另一真實的行為,則認為在該表面行為中含有隱藏行為應有的意思表示,是不合邏輯的,亦即是說,隱藏行為的有效是取決於表面行為在形式上符合隱藏行為所需的莊嚴要求,及存有著一些體現隱藏行為在客觀上的實質內容,如權利和義務的主體、標的物等資料。
13 ) 基於本案件中所隱藏的贈與行為符合《民法典》第233條第2、3款對方式方面的要求,因此是為一有效的行為。
14) 贈與行為的成立亦妨礙原告優先權的行使。
➢ 原告優先權的行使是為權利的濫用
15) 上訴人認為不能單憑原告“僅是行使法律賦予其的權利”便能確定不存在權利濫用的情況。相反,權利的濫用往往正是在法律賦予的權利當中出現。
16) 優先權的目的是旨在盡量減少共有的情況,而反觀原告提起此優先權的原因並非是為了能使自己成為單位的唯一所有權人,而是基於原告獨自出售單位及取得所有價金時受阻。
17) 若原告是真正想行使優先權去成為單位的唯一所有權人,就不會長久以來都不與上訴人商討購入其份額一事(見已證事實L、M、22º)。相反原告卻故意拖延上訴人(見已證事實L、M),企圖利用其所持的授權書秘密地出售該單位並獨自取得所有價金(見已證事實1º、2º、3º、22º及23º)。
18) 況且,在上訴人處於生活困難時(見已證事實J、N),親自或透過朋友向原告提出有意賣單位時,原告亦無向上訴人作出任何購買其份額的回應。(見已證事實L、M、22º )
19) 縱使原告持有授權書,這并不代表上訴人放棄其所有權,亦不代表上訴人將其對單位之利益贈送予原告。可是,原告欲透過此授權取代被告,從而不合理地獨自獲得出售單位之全部利益(見已證事實23º)。
20) 這表明原告本以具有欲損害上訴人利益的私心。
21) 若不是上訴人已將自己對單位之份額轉到其親孫侄女(即第二被告)名下,原告便已獨自取得單位價金之全部利益,即港幣1,600,000元(見已證事實24º )。
22) 若此刻原告能行使優先權並以澳門幣118,160元購入上訴人對單位之份額,這不單損害上訴人對該單位應得到的實際利益(因為上訴人對單位所占份額的價值至少應為澳門幣800,000元(見已證事實24º及25º)) ,而且亦有違原告欲將此單位出售的真正原意(見已證事實1º、2º、3º及22º),因為若原告的目的真的只是為了成為單位的唯一所有權人或取得其所應占的價金,而非獨自出售單位並欲取得其不應得到的全部價金(見已證事實23º),一早便可向上訴人購入,或應上訴人的要求一同出售,甚至或可與第二被告一同出售便可。
23) 濫用權利,或“不正當地行使權利” ( Almeida e Costa,《債法》,第6版, p.67)是行使一種雖然本身有效,但有違特定社會公正感的權利。
24) 依據《民法典》第326條,如果某人在行使權利時明顯超越善意(即行為善良者在進行其交易及行為時應當表現的忠誠及正確),良好習俗(即在一個特定及具體社會環境中被行為正確者接受並身體力行的共處規範) ,或該權利的經濟及社會目的(即該權利在被行使的環境中所起的作用)所規定的界限,那麼就存在濫用權利。
25) 如果存在濫用,則有關行為就是不正當的 (87年4月8日最高法院合議庭裁判, BMJ 366-432)。
26) 綜上所述,原告行使優先權只是為了滿足其欲得到的不正當利益,當中不單超越了善意原則給予的限制及超越了優先權本身的目的,亦有違原告真正欲達到的意願。
27) 因此原告現欲行使的優先權是為權利的濫用。
➢ 優先權之訴權失效
28) 上訴人認為根據《物業登記法典》第5條第一款的規定,上訴人及第二被告於2008年3月3日就買賣行為的登記事實在登記之日後對第三人產生效力。
29) 澳門所採用的是一宣告性的登記制度,即當作出登記後,保證了登記當事人可利用該登記所帶來的法律效果,亦即向外宣告其所登錄之權利。
30) 原告提起起訴狀之日為2010年1月29日,相對於第一及第二被告向物業登記局作出登記之日已達1年零10個月。
31) 綜上所述,原告不應受《民法典》第1309條的規定所保護,因其沒有在6個月內提出優先權之訴,訴權已然失效。
➢ 價值的虛偽一以真實的價值行使優先權
32) 若中級法院於重新評價疑問點13º、16º、20º和21º時裁定買賣行為中所申報的價金為虛偽,按照Mota Pinto的見解原告亦不能透過優先權以該價金購入。
33) Mota Pinto所提到的“要防止有人提出以表面行為而導致不合情理地獲得好處和利益" (《民法總論》中文譯本,p.280)就是指這里的情況,如果一宗買賣的行為虛偽申報為澳門幣118,160.00元,那麼一個優先權人仍不得援引自己作為善意第三人的身份來優先得到只付該申報價而購買的權利。
34) 從已證事實24º和25º可見,該單位連車位的價值於2009年12月14日時至少值澳門幣1,600,000.00元(即意味着上訴人所占份額約值澳門幣800,000.00元),而至2012年3月28日(事實之裁判),該單位連車位的價值已為澳門幣2,050,000.00元(亦即是說上訴人的份額值約澳門幣1,025,000.00元)。
35) 無論如何,買賣公證書中所申報的澳門幣118,160.00元與單位當時的真實價值實在相差太遠。如原告欲行使優先權購入上訴人之份額,應向上訴人支付其份額的真實價值(見已證事實24º和25º )。
36) 有司法見解3認為(見文件一) ,對於向子女作出的買賣(等同本案上訴人向第二被告作出的買賣,因上訴人已無其他比第二被告更親的親人(見已證事實G、J)) ,只要能證實到出售方是有意以一個特別低廉的價錢“益”該親人(等同本案的已證事實D、24º和25º) ),此買賣行為便應被定性為一種包含贈與的行為,而且亦應受贈與的法律制度所規範。
37) 本案中的買賣行為應被定性為一種包含贈與的行為,原告便沒有權利行使優先權。
(三)案件利益值
38) 就初級法院於2011年1月20日作出維持原告所定案件利益值的批示(澳門幣118,160.00元),上訴人認為因其訴因是以價金方面的虛偽表示為依據,根據《民事訴訟法典》第252條第3款的規定,案件利益值是應以當事人之間出現爭議的兩個利益值較高者去確定,因此本案的案件利益值應以上訴人對單位所占份額的真實價值去定,即澳門幣1,025,000.00元。
謹請中級法院對以下之請求作出裁決:
1) 重新評價疑問點13º、14º、15º、 16º、20º和21º ;
2) 上訴人及第二被告之買賣行為因虛偽而無效;
3) 上訴人及第二被告背後所隱藏的贈與行為有效;
4) 在請求1)和2)不被接納時,原告就優先權之行使為權利的濫用;
5) 即使原告有權並合法地行使此優先權,但其提起優先權之訴的權利已失效;
6) 若然1)、2)、3)及4)之請求不成立,原告應以市場價值去購入上訴人之份額;
7) 同時,將本案之案件利益值定為澳門幣1,025,000.00元。
A Autora respondeu pugnando pela intempestividade do recurso na parte que diz respeito ao valor da causa e pela improcedência da restante parte do recurso do 1º Réu C – cf. fls. 345 a 381.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Recurso interlocutório
A propósito da prova por depoimento de 2ª Ré, requerida pelo 1º Réu, foi proferido o seguinte despacho pela Exmª Juiz titular do processo:
Não se admite o depoimento de parte da co-ré D, requerido pelo seu comparte, uma vez que toda a matéria que foi indicada para objecto dessas declarações não é desfavorável à depoente, o que significa que é insusceptível de confissão, tendo em conta os fundamentos da acção e independentemente do facto de aquela não a ter contestado.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, e sem prejuízo do acerto das considerações jurídicas tecidas pelo Réu a propósito desta questão, entendemos que o depoimento de parte é o meio de se conseguir que a parte reconheça a realidade de um facto que lhe é desfavorável - independentemente do juízo global que o julgador possa fazer dessas declarações - pelo que, avaliando a matéria indicada para esse depoimento, a admissão de tal meio probatório para além de contrariar disposto no artigo 345.° do Código Civil, redundaria num acto inútil.
Inconformado com o decidido, veio o 1º Réu recorrer desse despacho, concluindo e pedindo que:
綜上所述,第一被告認為:
1) Viriato Manuel Pinheiro de Lima 於其著作《民事訴訟法教程》第 12.7.2.5.章節中提到:“當事人陳述屬於訴訟上的自認的證據程序。向法院提供解釋和資料可能導致當事人的自認,在此,當 事人負有協助查明真相的義務(《民事訴訟法典》第8條第3款) , 同時,提供解釋和資料無需遵從特別程序。”由此可肯定的是,當事人陳述在訴訟上提供解釋和資料,不但可構成訴訟上的自認,與此同時,亦對查明事實真相起著重要的作用。
2) 另一方面,法院理應考慮訴訟程序中取得的一切證據(《民事訴訟法典》第436條)及採取一切必要措施,以便查明事實之真相和合理解決各種爭議(《民事訴訟法典》第6條第3款)。
3) 事實上,為作出一個良好裁判,法院可透過當事人陳述取得一切重要、有爭議、或需要證明的證據(《民事訴訟法典》第433 條) ,並自由評價之(證據自由評價原則) ,而不受自認本身在概念上的限制。
4) 本案中,初級法院在當事人(第二被告)尚未作出陳述前,便已斷定其陳述所將會產生的自認因對其有利而否決其陳述的權利,此舉是不恰當的。初級法院不應單憑預測性的推斷,便為當事人尚未作出的陳述定下結論,認為當事人必定陳述對其有利之事實,而因此駁回其陳述之聲請。
5) 相反,法院應批准當事人作出陳述,在聽取其陳述後,才分析及評價該陳述的內容,是否屬於自認、或是否應如葡國最高法院之裁判般認為該陳述可作為額外、或由法院自由評價之證據等(Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 6238/2008-7; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 237/04.3TCGMR.Sl )。
6) 當虛偽人按照《民法典》第234條第1款的規定相互間透過自認去主張虛偽行為無效時,當虛偽人相互間主張之虛偽行為成立時,其所帶來無效的法律效果,是必然可對抗任何受該無效影響的人,除非該人為《民法典》第235條所指“不得以虛偽行為對抗之善意第三人”。
7) 可是,若原告非屬《民法典》第235條所指“善意第三人”, 則Mota Pinto教授在其著作《民法總論) (見中文譯本p.280)中指出,要防止因有人提出行為屬虛偽而對該第三人造成損害,而不是進一步讓該第三人可不合情理地獲得好處和利益。Mota Pinto教授引述了一例子,如果一宗買賣的價格為一百,但卻虛偽申報為三十,那麼一個優先權人仍不得援引自己作為善意第三人的身份來優先得到只付該申報價而購買的權利;Mota Pinto 教授認為該虛偽行為的無效,是可以對抗他的,亦只承認他有按真實價優先購買的權利。Mota Pinto教授上指的解決辦法亦與Manuel de Andrade教授的見解一致。Mota Pinto教授認為相反的解決辦法(即寧以申報價為準)是不合理的,因為虛偽人的拙劣,並不能使一樣拙劣的第三人(優先權人)發不義之財成為正當。
8) 本案中,針對有關待證事實,第一被告之所以聲講第二被告作出當事人陳述,其一目的是旨在可讓第二被告以主觀的證明方法(直接透過自認)去主張其與第一被告之虛偽法律行為(買賣行為)無效,其二目的是為了可讓法院以客觀的證明方法取得一切屬重要、有爭議、或需要證明的證據(《民事訴訟法典》第433條)並自由評價(證據自由評價原則)是否相真的存在該虛偽的法律行為,而兩種證明方法之間並沒有任何衝突或矛盾,反之兩種證明方法可互相結合並讓法院更有依據地對所獲得的資料作出一客觀持平的分析。
9) 倘若第二被告在訴訟程序開始時是有律師代理,並且就原告的起訴作出答辯,則其訴訟代理人在訴辯書狀中對事實所作之明確陳述或自認,按照《民事訴訟法典》第80條的規定,對當事人有約束力。而按照《民法典》第351條第一款的規定,以書 面方式作出之訴訟上自認,對自認人有完全證明力。既然第二被告可由律師代理透過答辯書狀作出訴訟上自認,卻為何不容許第二被告透過當事人陳述對某些事實在訴訟上作出自認或至少向法院作出解釋?透過答辯書狀和透過當事人陳述作出訴訟 上的自認,需指出,兩者最終的形式和法律效果方面是一致的,因為按照《民事訴訟法典》第467條第1款的規定,透過當事人陳述作出自認的部分,必須以書面記錄之,以便該等自認可以成為完全證據(見Viriato Manuel Pinheiro de Lima 之著作《民 事訴訟法教程〉第12.7.2.3.章節)。
10) 倘若第一被告和第二被告獨立地向法院提出虛偽買賣行為無效之訴,其所帶來的無效法律效果,是必然可對抗任何受該無效影響的人(包括在本訴訟中的原告) ,除非該人(原告)為《民法典》第235條所指“善意第三人”。
11) 綜上所述,法院應允許第一被告之聲請,讓第二被告作當事人陳述。
•
因此,謹請中級法院裁決本上訴理由成立,撤銷初級法院就第一被告聲請第二被告 謝凱恩作當事人陳述之證明措施所作之駁回決定, 繼而允許第一被告聲請第二被告就上述所指定之事實作當事人陳述。
請作出公正裁判!
Ora, tradicionalmente falando, o depoimento de parte é um meio de prova para provocar a confissão judicial – artº 356º/2 do CC de 1966 e artº 349º/2 do CC de 1999.
Com a entrada em vigor do CPC de 1999, não se regista qualquer alteração substancial da função desse meio de prova.
Pois confrontando o artº 477º do actual CPC com o artº 552º do código anterior, verifica-se que o nosso legislador de 1999 se limitou a consagrar expressamente os princípios da oficiosidade e da cooperação, o que no fundo não representa mais do que acolhimento de uma tese que já vinha, desde há muito tempo, a ser defendida por alguns autores, entre outros o Saudoso Prof. Alberto dos Reis.
Entende o Saudoso Professor que o juiz pode ordenar oficiosamente o depoimento de parte, por força do princípio geral de cooperação (hoje permanece consagrado no artº 8º/2 e 3 do CPC) – cf. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, IV, p. 130 a 131.
Assim, não entendemos que a função tradicional do depoimento de parte foi substancialmente alterada, por forma a passar a constituir um verdadeiro testemunho da parte de livre apreciação do tribunal em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente.
Antes pelo contrário, a inovação introduzida no CPC de 1999, se limita a reafirmar a presença dos princípios da oficiosidade e da cooperação na matéria de depoimento de parte, e a manter a natureza do depoimento de parte como a forma de confissão judicial provocada.
In casu, pretendia o 1º Réu que a 2ª Ré depusesse sobre a matéria dos quesitos 10º a 22º, em que se pergunta o seguinte:
10.º
Em Junho de 2006, formou-se a 2ª Ré?
11.º
A quem o 1.º Réu conhecia desde os cueiros?
12.º
O 1º Réu tem apenas como único parente próximo a 2ª Ré?
13.º
Tendo em conta que, ao longo dos anos, o 1º Réu tratou a 2.ª Ré como sua neta e por estar numa idade avançada (82 anos), resolveu doar-lhe a sua quota-parte na dita fracção?
14.º
Em 28 de Fevereiro de 2008, ao pretenderem celebrar, num escritório de advogado, a respectiva escritura de doação do imóvel, foram informados que se tratava de um acto sujeito a imposto de selo à taxa de 5%?
15.º
Devido à má situação económica dos Réus, para pouparem dinheiro, celebraram o negócio aludido em D) de modo a poupar 2% do imposto de selo?
16.º
Não obstante ter sido declarada a vendo pelo preço de MOP$118.160,00 nunca foi efectuada qualquer transacção monetária?
17.º
Aquando da celebração da escritura de compra e venda aludida em D) o rendimento mensal de trabalho da 2.ª Ré era apenas de cerca de MOP$8.000,00?
18.º
Revelando-se suficiente para o sustento da sua própria vida quotidiana e da sua mãe, para quem contribuía mensalmente com MOP$4.000,00?
19.º
A 2ª Ré, na altura, não tinha dado início à liquidação da bolsa-empréstimo, no montante de MOP$136.500,00, atribuída pelo Governo e tinha apenas cerca de MOP$20.000,00 de poupanças?
20.º
A 2.ª Ré, por tais motivos, estava absolutamente impossibilitada de pagar o preço do imóvel acima mencionado?
21.º
Os RR não quiseram realizar o negócio de compra e venda aludido em D) e a sua vontade era praticar um acto de doação gratuita?
22.º
A Autora nunca contactou com o primeiro Réu nem lhe deu a conhecer sua intenção de vender, ou de comprar, a quota-parte da fraçcão em causa;
Ora, dando uma vista de olhos a estes quesitos, verifica-se que, para além do quesito 10º, que pode ser perfeitamente provado pela prova documental a fls. 163 (Diploma do Curso de Licenciatura), a matéria constante dos restantes quesitos, a ser provada, joga sempre a favor da posição de ambos os Réus, ou seja, favorável à tese da existência da simulação de compra e venda e do negócio dissimulado de doação.
Desta maneira, bem andou a Exmª Juiz a quo ao indeferir o requerimento do depoimento da 2ª Ré D.
Improcede assim o recurso interlocutório.
III
Recurso da sentença final
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, de acordo com o vertido nas conclusões de recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da impugnação da matéria de facto;
2. Da invocada doação dissimulada; e
3. Do valor da causa.
E a título subsidiário, ou seja, na hipótese da improcedência dos pedidos fundados nas razões invocadas nas questões suscitas e ora identificadas supra por nós com os nºs 1 e 2, foram também levantadas, numa relação de subsidiariedade entre si, as seguintes questões, :
4. Do abuso do direito de preferência;
5. Da caducidade do direito de preferência
6. Do exercício do direito de preferência mediante o pagamento do preço do mercado.
1. Da impugnação da matéria de facto
Constatando-se nas conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pelo 1º Réu C, que este veio a impugnar as respostas “não provado” dadas aos quesitos 13º, 14º, 15º, 16º, 20º e 21º.
Vem agora o recorrente apontar o erro na apreciação da prova nas respostas dadas a esses quesitos, dado que na óptica do recorrente, o Tribunal a quo não valorou correctamente determinadas provas documentais e parte dos depoimentos das testemunhas G e H prestados na audiência de julgamento.
Pretende com a reapreciação dessas provas ver alterada a parte da matéria de facto ora impugnada, com vista à revogação da sentença recorrida, e consequentemente à absolvição dos pedidos, julgados procedentes em 1ª instância, à declaração da nulidade do negócio simulado de compra e venda e à declaração da validade do invocado negócio dissimulado de doação entre os Réus.
Por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes de primeira instância segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Todavia, a matéria de facto assim fixada pelo tribunal de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.
Reza, por sua vez, o artº 599º, cuja epígrafe é “(ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)” para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.
Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são os documentos e os depoimentos das testemunhas G e H.
E foram indicados nas páginas 2 a 5 da petição do recurso, ou seja nas fls. 322 a 325 dos p. autos, nos termos seguintes:
1· 疑問點13º:“Tendo em conta que, ao longo dos anos, o 1º réu tratou a 2.a Ré como sua neta e por estar numa idade avançada (82 anos), resolveu doar-Ihe a sua quota-parte na dita fração?”
初級法院裁定疑問點13º不獲得證實。
然而,上訢人認為根據:
a) 視聽資料:Translator 2 (file:Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人G 於時段2:19:30至2:20:37及2:24:00至2:24:20所作之證言,
疑問點13º是應獲得證實。
2· 疑問點14º:“Em 28 de Fevereiro de 2008, ao pretenderem celebrar, num escritório de advogado, a respective escritura de doação do imóvel, foram informados que se tratava de um acto sujeito a imposto de selo à taxa de 5%?”
初級法院認為疑問點14º不獲得證實。
然而,上訢人認為根據:
a) 視聽資料 Translator 2 (file:Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人G於時段 2:24:20 至 2:25:00所作之證言,
疑問點14º是應獲得證實。
3· 疑問點15º:“Devido à má situação económica dos Réus, para pouparem dinheiro, celebram o negócio aludido em D) de modo a poupar 2% do imposto de selo?”
初級法院認為疑問點15º 不獲得證實。
然而,上訢人認為根據:
a) 視聽資料:Translator 2 (file:Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人G 於時段 2:24:20 至 2:25:00 所作之證言,
疑問點15º是應獲得證實。
4· 疑問點16°:“Não obstante ter sido declarada a venda pelo preço de MOPl18.160,00 nunca foi efectuada qualquer transacção monetária?”
初級法院認為疑問點16º不獲得證實。
然而,上訢人認為根據:
a) 視聽資料: Translator 2 (file:Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270) 由證人G 於時段 2:21:00 至 2:25:00 所作之證言;
b) 被告一於2011年3月28日附入初級法院之文件一、二、 三、四和五;和
c) 法院應被告一聲請而向大西洋銀行取得有關被告二之存款紀錄(見卷宗第235至239頁) ,
疑問點16º是應獲得證實。
5· 疑問點20º:“A 2.a Ré, por tais motivos, estava absolutamente impossibilidade de pagar o preço do imóvel acima mencionado?”
初級法院認為疑問點20º不獲得證實。
然而,上訢人認為根據:
a) 視聽資料. Translator 2 (file:Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人G於時段 2:21:00 至 2:24:00 所作之證言;
b) 被告一於2011年3月28日附入初級法院之文件一、二、 三、四和五;和
c) 法院應被告一聲請而向大西洋銀行取得有關被告二之存款紀錄(見卷宗第235至239頁),
疑問點20º是應獲得證實。
6· 疑問點21º :“Os RR não quiseram realizar o negócio de compra e vende aludido em D) e a sua vontade era practicar um acto de doação gratuita?”
初級法院認為疑問點21º 不獲得證實。
然而,上訢人認為根據:
a) 視聽資料:Translator 2 (file:Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人G 於時段2:19:30至2:20:37及2:24:00至2:26:00所作之證言; 和
b) 視聽資料:Translato 2 (file:Recorded on 20-Mar-2012 at 10.12.52 (0BIS@(B107911270)由證人H於時段 2:00:00 至 2:01:34 所作之證言,
疑問點21º是應獲得證實。
Evidentemente, o recorrente cumpriu desta forma o seu ónus de especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas documentais que na sua óptica impunham sobre esses pontos da matéria de facto decisão diversa.
Quanto à indicação das passagens da gravação, a recorrida entende nas contra-alegações que não foi cumprido o ónus dado que se limitando o recorrente a indicar os minutos e os segundos das passagens do depoimento das referidas testemunhas, sem proceder à transcrição dessas passagens.
Não tem razão a recorrida.
Pois a razão de ser da exigência da indicação das passagens da gravação é permitir ao Tribunal ad quem identificar qual é a parte do depoimento que o recorrente entende ter sido incorrectamente valorada pelo Tribunal a quo.
Entendemos que a forma como o recorrente as indicou já desempenha perfeitamente essa função de “permitir ao Tribunal ad quem identificar qual é a parte do depoimento que o recorrente entende ter sido incorrectamente valorado pelo Tribunal a quo”.
Aliás não somos nós, julgadores ad quem surdos, para que se exige a redução ao escrito das vozes gravadas?
Na verdade, a exigência, tal como preconizada pela recorrida, de transcrever as passagens da gravação do depoimento será tão absurda como obrigar o recorrente a transcrever integralmente o teor de um determinado documento quando ele pretender impugnar a matéria de facto com fundamento na incorrecta valoração do documento, ou até desenhar as imagens vertidas numa fotografia no petitório do recurso se a prova em causa é a fotografia.
Naturalmente não deve ser assim!
Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.
Ora, decorre do preceituado no artº 629º que o Tribunal de recurso é permitido funcionar como tribunal de substituição na matéria da questão de facto, relativamente ao Tribunal de primeira instância, desde que, em qualquer das situações aí previstas, se mostrem preenchidos os pressupostos nele exigidos, isto é, se coloquem ao dispor do tribunal ad quem os mesmos meios probatório de que dispunha o tribunal de 1ª instância.
O que significa que vigoram para ambas as instâncias as mesmas regras do direito probatório adjectivo e substantivo.
Assim, por força do princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 558º do CPC, este Tribunal de recurso deve igualmente apreciar as provas em causa, segundo o critério de valoração racional e lógica do julgador, com a observação das regras de conhecimentos gerais e experiência de vida e dos critérios da lógica.
Como dissemos supra, foi dado in casu cumprimento ao exigido pelo artº 629º/1-a), in fine do CPC, para a viabilização da reapreciação dos depoimentos prestados na primeira instância.
E face ao preceituado no nº 2 do mesmo artigo, impõe-se ao Tribunal de Segunda Instância reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, procedendo à audição dos depoimentos indicados pelo recorrente.
Defende o recorrente que das passagens da gravação do depoimento das testemunhas G e H e das provas documentais, deve resultar provada a matéria fáctica constante dos pontos 13º, 14º, 15º, 16º, 20º e 21º, quais são:
13.º
Tendo em conta que, ao longo dos anos, o 1º Réu tratou a 2.ª Ré como sua neta e por estar numa idade avançada (82 anos), resolveu doar-lhe a sua quota-parte na dita fracção?
14.º
Em 28 de Fevereiro de 2008, ao pretenderem celebrar, num escritório de advogado, a respectiva escritura de doação do imóvel, foram informados que se tratava de um acto sujeito a imposto de selo à taxa de 5%?
15.º
Devido à má situação económica dos Réus, para pouparem dinheiro, celebraram o negócio aludido em D) de modo a poupar 2% do imposto de selo?
16.º
Não obstante ter sido declarada a vendo pelo preço de MOP$118.160,00 nunca foi efectuada qualquer transacção monetária?
……
20.º
A 2.ª Ré, por tais motivos, estava absolutamente impossibilitada de pagar o preço do imóvel acima mencionado?
21.º
Os RR não quiseram realizar o negócio de compra e venda aludido em D) e a sua vontade era praticar um acto de doação gratuita?
Ora, da leitura dos factos quesitados nesses pontos, verificamos que uns estão relacionados com a situação económica e capacidade financeira da 2ª Ré D, e alguns outros se prendem com o relacionamento do 1º Réu C, ora recorrente, com a família da 2ª Ré D, e os restantes se situam no domínio volitivo e do intelecto do próprio 1º Réu C.
Auscultadas e analisadas as passagens da gravação identificadas e examinados os documentos indicados pelo recorrente, verificamos que a mensagem que podemos extrair do depoimento de cada uma dessas testemunhas e do teor desses documentos tem a virtualidade de nos levar a julgar pelo menos parcialmente provados os factos quesitados nos pontos 13º 15º e 20º.
Ora, a testemunha G, que é mãe da 2ª Ré D, explicou de forma coerente ao Tribunal os motivos que levaram o 1º Réu a resolver doar à 2ª Ré D a sua quota-parte na dita fracção autónoma, isto é, o 1º Réu C está na idade muito avançada (80 e tal anos de idade), não tem nenhum familiar e outros parentes a quem pode confiar a metade da fracção, não obteve a colaboração por parte da Autora, titular da propriedade da outra metade da dita fracção, para a venda do imóvel que sempre pretendia para custear os últimos anos da sua vida, e conheceu a 2ª Ré D desde a sua infância e testemunhou o seu crescimento e adolescência, 2ª Ré D é filha primogénita e única dentre quatro irmãos que se encontrar a trabalhar, e o 1º Réu C resolveu, tendo em conta este circunstancialismo, doar gratuitamente à D, cuja família o tem vindo a tratar bem (por a testemunha G, mãe da 2ª Ré D, ter declarado ao Tribunal que o 1º Réu vem frequentemente tomar refeições na sua casa nos domingos) a fim de dar destino à metade indivisa da dita fracção, na sequência da tentativa fracassada de vender a preço do mercado juntamente com a Autora para custear a sua vida.
Depoimento esse que apontou a existência do bom relacionamento entre o 1º Réu C e a família da 2ª Ré D e das dificuldades e limitações que 1º Réu tinha para resolver por ele próprio no tempo que lhe resta da sua vida.
Assim, a resposta dada ao quesito 13º é de alterar para:
“Por estar numa idade avançada (82 anos), o 1º Réu resolveu doar à 2ª Ré a sua quota-parte na dita fracção.”
Passemos aos quesitos 14º, 15º e 20º onde se pergunta:
14.º
Em 28 de Fevereiro de 2008, ao pretenderem celebrar, num escritório de advogado, a respectiva escritura de doação do imóvel, foram informados que se tratava de um acto sujeito a imposto de selo à taxa de 5%?
15.º
Devido à má situação económica dos Réus, para pouparem dinheiro, celebraram o negócio aludido em D) de modo a poupar 2% do imposto de selo?
20.º
A 2.ª Ré, por tais motivos, estava absolutamente impossibilitada de pagar o preço do imóvel acima mencionado?
Examinados os documentos constantes a fls. 163 a 179, 238 e 239 dos p. autos, verificamos que os tais documentos demonstram, de forma credível, que a 2ª Ré, que se formou em AGO2006, auferia um total de MOP$37.400,00 no período compreendido entre SET2006 e FEV2007, e mensalmente cerca de MOP$10.000,00 a MOP$11.000,00 no período compreendido entre MAR2007 e FEV2008, data em que foi outorgada a escritura de compra e venda da metade da dita fracção, e que pelo menos nessa data era devedora do Fundo de Acção Social Escolar no valor de MOP$136.500,00 cujo reembolso estava escalonado em 84 prestações com início a partir de JUL2009.
Admitimos que os factos quesitados se apresentam um pouco conclusivos, todavia é-nos aceitável uma vez que conjugados com as respostas dadas aos quesitos 18º e 19º (a 2ª R. contribuía mensalmente com MOP$4.000,00 à mãe e não tinha dado início à liquidação da bolsa-empréstimo, no montante de MOP$136.500,00; atribuída pelo Governo), os tais factos algo conclusivos podem ser dados provados por se encontrarem sustentados por outros factos puros dados por assentes.
Além disso, tendo em conta a diferenciação na fixação legal da percentagem da matéria colectável para efeitos de apuramento do imposto de selo a pagar nas compras e vendas e nas doações, já podemos também formar mediante ilação judicial a convicção para julgar assente os factos quesitados nos pontos 14º e 15º.
Portanto, é de alterar a resposta negativa dada a ambos os quesitos, e passar a julgar provada a matéria dos quesitos 14º, 15º e 20º.
Restam agora os factos quesitados nos pontos 16º e 21º.
Nesses quesitos pergunta-se:
16.º
Não obstante ter sido declarada a venda pelo preço de MOP$118.160,00 nunca foi efectuada qualquer transacção monetária?
21.º
Os RR não quiseram realizar o negócio de compra e venda aludido em D) e a sua vontade era praticar um acto de doação gratuita?
Tal como dissemos supra, os tais factos ai quesitados situam-se no domínio do volitivo e do intelecto dos intervenientes de um negócio jurídico, que são ambos os réus.
A propósito de comprovação dos factos dessa natureza, foram tecidas na parte de fundamentação do recente Acórdão deste TSI tirado em 18ABR2013 no processo nº 775/2012, de que é Relator o Colega aqui 2º Adjunto, as seguintes considerações:
Há factos que não deixam de o ser por não serem directamente apreensíveis, por pertencerem ao foro íntimo, por se situarem no domínio do volitivo e do intelecto. Não se pode abrir a cabeça dos declarantes e observar o que quiseram quando proferiram uma determinada declaração, mesmo que formalmente com aparência negocial. Se o declarante A diz vender e o B diz comprar mas não é isso que eles pretendem, antes dizem celebrar um negócio para enganar e prejudicar terceira pessoa, o que se colhe indirectamente de uma factualidade adjuvante - seja a divergência entre o preço de mercado e a negociada, seja a ausência de uma justificação para esse negócio, seja um mau relacionamento entre o casal, seja a falsa declaração quanto ao regime de bens, seja o facto de esse imóvel ter sido adquirido pelo cônjuge alienante em solteiro, seja o facto de ter sobrevindo uma estipulação de comunhão geral de bens, seja a verificação de uma alienação não consentida por ambos os cônjuges, seja o facto de não se comprovarem actos de posse do novo pretenso proprietário, seja o facto de se ter escondido tal alienação -, tudo aponta para existência de um negócio simulado. Esta prova, por vezes, traduz-se numa prova verdadeiramente diabólica e só muito dificilmente se consegue atingir a verdade dos factos. Há então que sair das formas e das formalidades, das aparências evidenciadas e contextualizar aquilo que é visível de forma a perscrutar a realidade das coisas.
Nesta linha vai Manuel de Andrade, ao dizer:
“Pode acontecer que haja prova directa da simulação. Concebe-se, na verdade, que o acordo simulatório tenha sido feito (ou revelado) na presença de outras pessoas, naturalmente muito chegados aos simuladores. Neste caso será possível a prova testemunhal directa. Também se concebe que, para prevenir complicações futuras (dificuldades de prova ou até a deslealdade do simulado adquirente), os simuladores tenham feito um documento donde conste a simulação. Os documentos deste género têm o nome de contradeclarações.
(…)
Mas estes casos são raros. Os simuladores, em geral, procuram as trevas, fogem de testemunhas. Por outro lado está pouco divulgada entre nós a prática das contradeclarações. Em regra, portanto, não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções, mais ou menos frisantes, de onde transpareça e se deixe inferir a existência da simulação. Assim, por ex., tratando-se de uma venda: a insolvência do vendedor ou a iminência de procedimento executivo contra ele; o parentesco ou amizade dos outorgantes; não ter o vendedor necessidade ou não ter o hábito de vender; não ter o comprador posses nem condições de vida que pudessem justificar ou explicar a compra; ter o vendedor continuado na posse dos bens vendidos (seja embora a título de arrendatário) ou a pagar os respectivos impostos; a reserva do usufruto para o vendedor; o modo precipitado ou clandestino da celebração do contrato; referir-se a venda a todos ou quase todos os bens do vendedor (4).
Esses indícios ou presunções, claro está, hão-de provar-se por testemunhas, por documentos, etc. Há que salientar, porém, a decisiva importância que reveste, quanto à prova indiciária ou conjectural da simulação, o demonstrar-se uma causa simulandi apropriada, ou seja, o motivo ou interesse que determinou a simulação. Doutra forma as presunções não serão convincentes, ou só muito dificilmente, porque ninguém simula por simular (5).”
É assim que no caso vertente há todo um circunstancialismo que não se articula entre si, que não joga com a celebração do dito negócio, desde logo a partir de uma injustificada discrepância entre o valor real da coisa e o valor negociado.
Ora sobre essa divergência nem uma palavra justificativa, parecendo que se impunha que o 1º R. viesse justificar a razão dessa perda de 65% do valor do imóvel, fosse pela premência da necessidade de dinheiro, fosse por um especial relacionamento com a 2º Ré - que nem se sabe quem é -, fosse por uma qualquer contrapartida ou obrigação material ou moral que tivesse sido assumida. Nada que explique o negócio aparentemente ruinoso.
Depois, há toda uma factualidade que faz desconfiar de uma intencionalidade em esconder, tendo em vista o prejuízo da A., esposa do 1º R. Esconde-se o negócio, mente-se quanto ao regime de bens. Não nos esqueçamos que se tratava de um imóvel, bem próprio do marido e que por via da convenção antenupcial passou a ser bem comum, prédio onde se situava a casa de morada de família.
Só que a harmonia e o bom relacionamento do casal desagregam-se e o interesse na recolocação da situação patrimonial primitiva por banda da 1º R. é uma hipótese que não deve ser enjeitada.
E para dar uma aparência de normalidade e de não alteração da situação patrimonial e jurídica, celebra-se, se não, disfarça-se um arrendamento, com a dita nova proprietária, pretensamente adquirente.
3.7. Transmitida a propriedade, transmite-se a posse, traditio manu ou com entrega das chaves, mas ainda aqui, aquilo que se podia traduzir numa situação de constituto possessório - acordo pelo qual o possuidor, alienada a posse, reserva por qualquer título a detenção da coisa e se dispensa, assim, de a entregar ao novo possuidor6 - não deixa de evidenciar rabos de palha. Nada se revela em termos demonstrativos de actos praticados pela nova proprietária como senhora da coisa, antes pelo contrário, é o 1º Réu que continua a assumir todos os pagamentos inerentes à coisa, mesmo aqueles que menos duvidosamente não lhe caberiam, como sejam as despesas do condomínio e das antenas.
3.8. Somos, pois, a concluir, ao arrepio do entendimento vertido na douta sentença, por um quadro fáctico integrante de uma divergência entre a vontade declarada na escritura que foi celebrada, enquanto se descortina uma vontade de não transmissão da propriedade, mediante acordo entre o declarante e a declaratária, com o intuito de enganar a autora e até de a prejudicar (se bem que este requisito se torne necessário), haja em vista a factualidade que vem comprovada e a recusa do 1º R. em compensar a autora pela alienação daquele imóvel.
Nesta conformidade, a nulidade do negócio simulado decorre do artigo 232º do CC, nulidade que se declara em relação ao negócio jurídico simulado de compra e venda feito pelo 1.º R. e pela 2.ª R. em 3 de Março de 2009 (negócio jurídico lavrado a fls. 140 do Livro 89 do Cartório de Notário Privado Philip Xavier), e, em consequência, ordenem o cancelamento do registo relacionado com o referido negócio jurídico (inscrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 179938G) nos termos do artigo 8.º n.º 1 em conjugação com o artigo 3.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código de Registo Predial.
Mutatis mutandis, o que defende nessa parte da fundamentação daquele Acórdão acima citado mostra-se perfeitamente pertinente à solução que andamos a encontrar para reapreciação da matéria de facto sobre a verdadeira intenção de ambos os Réus, enquanto declarantes e declaratários no negócio de compra e venda, invocado pelo 1º Réu como negócio simulado.
Ora, ficou provado que “conforme o valor de mercado naquele período (14DEZ2009) a fracção com um lugar de estacionamento tinha o valor de cerca de MOP$1.600.000,00.” – cf. resposta ao quesito 24º.
Tal como sucedeu no caso apreciado naquele Acórdão do TSI de 18ABR2013, há in casu todo um circunstancialismo, especialmente a manifesta discrepância entre o valor do mercado e o valor declarado do bem vendido e a fraca capacidade financeira da 2ª Ré no momento da celebração de negócio, que se não articula entre si e que se mostra pouco compatível com a verdadeira intenção por parte dos Réus de celebrar realmente um negócio de compra e venda.
Antes pelo contrário, da manifesta discrepância entre o valor do mercado e o valor declarado do bem vendido, da relativa fraca capacidade financeira da 2ª Ré para custear o preço e o imposto no valor total de cerca de MOP$120.000,00 no momento da celebração de negócio, assim como o relacionamento da amizade entre o 1º Réu e a 2ª Ré e a sua família, podemos inferir, por meio de presunção judicial, com a segurança razoável, que estamos perante a simulação de compra e venda e que existe realmente um negócio escondido de doação, tal como defendeu o 1º Réu ab initio.
Pelo que, é de proceder à alteração das respostas dadas a esses três quesitos, e passar a julgá-los provados.
Alterada a matéria fáctica impugnada nos termos expostos no ponto 1, estamos em condição para tecer as considerações jurídicas sobre a matéria de facto.
Antes de tudo, é de revogar desde já a sentença recorrida uma vez que o 1º Réu logrou provar factos impeditivos do efeito jurídico pretendido pela Autora dos factos por ela alegados, isto é, o invocado exercício do direito de preferência na aquisição da metade indivisa do bem vendido e consequentemente absolver os Réus de todos os pedidos contra eles formulados na petição inicial da acção.
E além disso, é de declarar nulo, por arguição pelo próprio simulador 1º Réu C, o negócio de compra e venda por ser simulado nos termos prescritos nos artºs 232º e 234º/1 do CC.
Resta saber quais serão as consequências jurídicas que teremos de determinar a este cenário dos factos.
2. Da invocada doação dissimulada
Conforme demonstrado na matéria de facto assente, na versão que fixamos supra, ao negócio simulado está subjacente uma doação querida pelos simuladores.
Trata-se de uma simulação relativa.
Pois o negócio os Réus no fundo pretenderam realizar é um verdadeiro acto translativo da propriedade da metade indivisa do bem, o transmitente e o transmissário, em vez de terem feito documentar na escritura pública um negócio de doação gratuita, agiram respectivamente no acto notarial na veste do vendedor e na do comprador e ficcionaram um preço manifestamente inferior ao do mercado, pura e simplesmente com o intuito de pagar menos imposto de selo.
Ora, o artº 233º do CC, regulador dos efeitos de simulação relativa, reza que:
1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.
3. Para efeitos do número anterior, considera-se suficiente a observância no negócio simulado da forma exigida para o dissimulado, contanto que as razões determinantes da forma do negócio dissimulado não se oponham a essa validade.
Sendo o negócio dissimulado um negócio formal dado que tem por objecto a doação da metade indivisa de um imóvel, é preciso que , seja observada a forma da escritura pública – cf. artº 941º/1 do CC, que remete para o artº 94º/2-g) do Código do Notariado.
Ora, ficou provado nos autos que o negócio ora por nós qualificado como simulação foi titulado na escritura pública entre os Réus, transmitente e transmissário, o negócio dissimulado permanecerá válido face ao disposto no acima citado artº 233º do CC.
3. Do valor da causa
Tendo em conta o acima decidido, fica prejudicada a apreciação das questões identificadas sob nºs 4, 5 e 6 supra e resta-nos a questão da alteração do valor da causa.
Formulou o recorrente, no petitório do recurso, pedido da fixação do valor de causa em MOP$1.025.000,00, alegadamente correspondente ao valor do mercado.
A recorrida respondeu dizendo que o recurso é manifestamente extemporâneo, dado que não foi interposto recurso da decisão proferida por despacho de fls. 143 e 144 dos p. autos, em 20JAN2011, que indeferiu o incidente de impugnação do valor da causa deduzido pelo 1º Réu, ora recorrente, na sua contestação.
Tem razão a recorrida.
Pois, não tendo sido impugnada tempestivamente por via de recurso, a decisão que fixou o valor da causa transitou-se em julgado, tendo formado caso julgado formal.
Não é de admitir esta parte do recurso.
Tudo visto, resta decidir.
IV
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
* Julgar improcedente o recurso interlocutório do 1º Réu C;
* Não admitir o recurso final do 1º Réu C na parte respeitante ao valor da causa;
* Julgar procedente a restante parte do recurso final do 1º Réu C, revogando a sentença recorrida;
* Julgar improcedente a presente acção movida pela B contra C e D e absolver os Réus de todos os pedidos contra estes formulados na petição inicial da acção.
* Declarar nulo o negócio de compra e venda celebrado entre o 1º Réu C e a 2ª Ré D; e
* Reconhecer a validade do negócio dissimulado que é a doação da metade indivisa da fracção autónoma identificada nas fls. 48 e s.s. dos p. autos e da metade indivisa do direito ao uso de um parque do estacionamento do prédio identificado nas mesmas folhas.
Custas pela Autora B, ora recorrida, na proporção do decaimento.
Sem custas a cargo do recorrente por beneficiar do apoio judiciário na dispensa total de custas – vide fls. 143v dos p. autos.
A título de honorários a favor do Ilustre Advogado Estagiário que patrocinou o recorrente, fixa-se em MOP$3.500,00, a suportar pelo GPTUI.
Transitado o presente Acórdão, comunique à DSF para efeitos tidos por convenientes, nomeadamente em matéria do imposto de selo da transmissão do bem em causa.
Registe e notifique.
RAEM, 16MAIO2013
Lai Kin Hong
(Relator)
Choi Mou Pan (Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 A declaração de doar não pode porém, por natureza constar desse instrumento Temos pois que o Artigo 241 n.º 2 implica a dispensa de que figure declaração de vontade relativa ao negócio dissimulado.
2 Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica 1953º Vaz Serra (RLJ 113/64), Pires de Lima Antunes Varela (in Código Civil Anotado, anotação ao Artigo 241 pág. 228) 及 Hörster (A Parte Geral do Código Civil pág. 544) 均持有相同的意見。
3 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 084112, Data do Acórdão 12/07/1993.
4 FERRARA, n.º 11; Acs. do S.T.J., de 4-v-1940 (Col. Of., n.º 39, pág. 162) e 11-III-1949 (Bol., n.º 12, pág. 307); Ac. da Rel. de Lx., de 3-III-1943 (O Direito, 75.°, pág. 106).
5 Todavia, como podem ser dificilmente despistáveis os motivos da simulação, deve admitir-se a possibilidade de o tribunal se convencer da simulação, embora sem conseguir identificá-los: FERRARA, ibid.
6 - P. Lima e A. Varela, CCA, 1ª ed., 2º, 25
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