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Processo nº 619/2012
Data do Acórdão: 30MAIO2013


Assuntos:

Autorização de residência
Quadros dirigentes


SUMÁRIO

Face ao disposto no Decreto-Lei nº 14/95/M, só se justifica a manutenção da autorização de residência concedidas a quadros dirigentes enquanto estes se encontrarem a prestar serviços na RAEM, contribuindo, com a sua formação académica, qualificação e experiência profissional, para o desenvolvimento e bem-estar da RAEM através da sua contratação efectiva por empresas sediadas em Macau.

É justamente por isso que o Decreto-Lei nº 14/95/M impõe no seu artº 7º/3 o cancelamento da autorização de residência quando cessar a situação jurídica determinante da sua concessão primitiva ou das sucessivas renovações da autorização e se o interessado não se constituir atempadamente em nova situação jurídica atendível para o efeito da concessão da autorização de residência temporária.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 619/2012

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A e B, devidamente identificados nos autos, vieram recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que lhe indeferiu o pedido da renovação da autorização temporária, com fundamento no incumprimento por parte do 1º recorrente do disposto nos artºs 7º e 8º do Decreto-Lei nº 14/95/M, alegando e pedindo:

1. Os Recorrentes foram notificados do despacho de S. Exa. o Secretário para a Economia e Finanças, em 28 de Maio de 2012, por ofício do IPIM n.º 07527/GJFR/2012;
2. Na referida notificação refere-se expressamente que do acto em causa cabe recurso contencioso a interpor para o Tribunal de Segunda Instância da RAEM, no prazo de 30 dias, a contar da data da notificação, assim, o presente recurso deve ser considerado tempestivo, nos termos da alínea a), do n.º 2 do art.º 25° do CPAC.
3. Os Recorrentes são os titulares dos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos directamente lesados pelo acto recorrido e têm um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do presente recurso, pelo que, atento o disposto na alínea a) do artigo 33° do CPAC, têm legitimidade para o interpor.
4. Refira-se, por fim, que, atento o disposto no artigo 36°, n.º 8, alínea (2) da Lei de Bases de Organização Judiciária (Lei n.º 9/1999), o Tribunal de Segunda Instância é o tribunal "competente para julgar em 1ª instância recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa (...) praticados pelos Secretários (... )".
Vem o presente recurso do Despacho de S. Exa. o Secretário para a Economia e Finanças da R.A.E.M., de 27/04/2012, que indeferiu o pedido de renovação de residência temporária dos ora Recorrentes, com base no parecer do IPIM.
5. Os ora Recorrentes não se conformam com o Acto recorrido e pugnam pela sua anulação, porquanto o mesmo é ilegal, por ter sido praticado em clara violação do disposto nas alíneas 1) e 2) do artigo 22° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, no n.º 3 do artigo 7° e no n.º 3 do artigo 8°, ambos do Decreto-Lei n.º 14/95/M, de 27 de Março, e, bem assim, em violação dos princípios da legalidade e da boa fé plasmados, respectivamente, nos artigos 3.° e 8.° do Código do Procedimento Administrativo ("CPA"). Vejamos porquê.
6. Em 19 de Maio de 2005 foi autorizada a fixação de residência em Macau do ora 1ª Recorrente, A A, como quadro dirigente, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M de 27 de Março (doravante abreviadamente designado por "Diploma Aplicável"), na sequência de requerimento apresentado para o efeito pelo mesmo junto do IPIM.
7. Com base no disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M, o 1° Recorrente requereu também a extensão do pedido de fixação de residência à sua esposa, ora 2ª Recorrente, elemento do seu agregado familiar, tendo essa mesma autorização de fixação de residência sido deferida, pela primeira vez, em 2 de Maio de 2006.
8. A autorização de residência do 1° Recorrente e, por efeito reflexo, da 2ª Recorrente, foi sendo sucessivamente renovada junto do IPIM, e por despacho de S. Exa. o. Secretário para a Economia e Finanças da R.A.E.M., datado de 29 de Dezembro de 2008, por competência delegada por S. Exa. o Chefe do Executivo, foi autorizada a renovação da fixação de residência dos ora Recorrentes, com validade até ao dia 19 de Maio de 2011.
9. Sucede, porém, que a supra referida entidade patronal do 1° Recorrente, alegando dificuldades financeiras e a consequente necessidade de reduzir despesas, viu-se forçada a despedi-lo, com efeitos a partir de 2 de Setembro de 2010, tendo tal sido comunicado ao IPIM em 27 de Setembro de 2010.
10. Porém, dado procurar um cargo de chefia com um salário elevado, não conseguiu encontrar um emprego de imediato, assim, no início de Outubro de 2010, o 1° Recorrente dirigiu-se ao IPIM para explicar que estava ainda à procura de novo emprego, tendo-lhe sido transmitido verbalmente pelos funcionários do IPIM que teria de apresentar os elementos referentes ao novo emprego no prazo de 3 meses e, bem assim, que o novo trabalho não podia oferecer condições inferiores às do emprego anterior.
11. Em 23 de Novembro de 2010, o 1° Recorrente começou a trabalhar na Sociedade “XX電子資訊有限公司”, como gerente do Departamento de Finanças, auferindo um salário mensal de MOP$37,000.00, porém, como este emprego oferecia um salário inferior ao salário do anterior emprego e atenta a advertência efectuada a esse respeito pelos funcionários do IPIM, o 1° Recorrente continuou à procura de um emprego em que auferisse um salário mais elevado.
12. Por conseguinte, em 5 de Janeiro de 2011, o 1º Recorrente começou a trabalhar na empresa YY管理(澳門離岸商業服務)有限公司, como Gerente de Contabilidade, auferindo um salário mensal de MOP$55,000.00, tendo tal sido comunicado ao IPIM em finais de Janeiro de 2011.
13. Em 9 de Março de 2011 os Recorrentes requereram, pela última vez, a renovação da sua autorização de residência junto do IPIM, altura em que, conforme se expôs supra, o 1° Recorrente se encontrava empregado na empresa YY管理(澳門離岸商業服務)有限公司, com condições similares às do vínculo contratual alegado no pedido inicial de fixação de residência, facto que comprovou devidamente junto do IPIM.
14. Porém, por ofício do IPIM com a referência n.º 03677 /GJFR/2011, de 15 de Março de 2011, o 1° Recorrente foi notificado para se pronunciar, no prazo de 10 dias, em sede de audiência escrita, sobre o facto de (alegadamente) não ter mantido qualquer relação laboral em Macau durante o período compreendido entre 3 de Setembro de 2010 e 4 de Janeiro de 2011, o que, atento o disposto no artigo 18°, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 - diploma que, conforme se verá infra, é inaplicável in casu -, importaria o cancelamento da autorização de permanência temporária que lhe havia sido concedida.
15. Refira-se, no entanto, que nesse mesmo ofício foi ainda solicitado ao 1º Recorrente que, caso tivesse efectivamente mantido uma relação laboral durante o período de 4 meses supra referido, procedesse à apresentação dos documentos comprovativos da mesma, nomeadamente dos referentes à entidade patronal, caso em que o IPIM daria seguimento ao seu pedido de renovação da autorização de permanência temporária.
16. Assim, em cumprimento do ofício supra referido, o 1° Recorrente apresentou junto do IPIM, em 18 de Março de 2011, certificado de trabalho comprovativo de que trabalhou para a companhia XX電子資訊有限公司 durante o período compreendido entre 23 de Novembro de 2010 e 4 de Janeiro de 2011, conforme supra alegado nos artigos 18° a 20°, demonstrando, assim, cabalmente que durante o referido período se manteve contratado pela mencionada sociedade, com a qual estabeleceu uma relação laboral no âmbito das suas competências de técnico especializado.
17. Assim, não obstante o 1° Recorrente não ter mantido até à data do pedido de renovação da sua autorização de residência o vínculo contratual alegado no pedido inicial - facto que, de resto, e atento o disposto no n.º 3 do artigo 8° do Diploma Aplicável, é absolutamente irrelevante -, a verdade é que, conforme supra se expôs, se constituiu "em nova situação jurídica atendível" em 23 de Novembro de 2010, que substituiu por "nova situação jurídica atendível" em 5 de Janeiro de 2011 - pelo que não se verificam in casu os requisitos cumulativos estabelecidos no n.º 3 do artigo 7° do Diploma Aplicável conducentes ao cancelamento da sua autorização de residência - e, no âmbito do seu pedido de renovação, fez prova desses novos exercícios profissionais e da reposição da sua situação jurídica anterior, em plena concordância com o disposto no n.º 3 do artigo 8° do Diploma Aplicável.
18. Sucede, porém, que, desgraçadamente, também os negócios da companhia YY管理(澳門離岸商業服務)有限公司 começaram a correr mal, pelo que, atendendo à diminuta antiguidade do ora 1° Recorrente ao serviço da dita sociedade e ao seu elevado salário, acabou por ser despedido em 14 de Julho de 2011, facto que o ora 1° Recorrente comunicou ao IPIM em 12 de Agosto de 2011.
19. Não obstante o 1° Recorrente ter comunicado ao IPIM, nos termos constantes dos dois artigos que antecedem o presente, a perda da titularidade da situação jurídica anterior, o IPIM não lhe fixou qualquer prazo não inferior a 30 dias para o mesmo se constituir em nova situação jurídica atendível, conforme impunha o n.º 3 do artigo 7° do Diploma Aplicável.
20. Não obstante, em 5 de Outubro de 2011, o 1° Recorrente começou a trabalhar para a companhia ZZ軟件有限公司, como Gerente das Operações e das Finanças, auferindo o salário mensal de MOP$50,000.00, facto que comunicou ao IPIM em 17 de Outubro de 2011.
21. Porém, no dia 28 de Maio de 2012, foram os Recorrentes notificados do acto ora recorrido - o acto administrativo de S. Exa. o Secretário para a Economia e Finanças, datado de 27 de Abril de 2012 -, indeferindo o pedido de renovação da autorização de residência temporária dos ora Recorrentes, por eles apresentado em 9 de Março de 2010.
22. Da ilegalidade do indeferimento do pedido de renovação de residência temporária dos Recorrentes por violação de lei: com o acto administrativo de 27 de Abril de 2012, ora recorrido, a Administração indeferiu o pedido de renovação da fixação de residência temporária apresentado pelos Recorrentes, junto do IPIM, em 9 de Março de 2011, com base na (alegada) falta de cumprimento, por diversas vezes, da obrigação de comunicação, no prazo de 30 dias, da terminação do contrato de trabalho, sem a apresentação atempada dos documentos comprovativos da nova situação jurídica, por parte do 1° Recorrente.
23. Refira-se, antes de mais, que a obrigação de os interessados comunicarem ao IPIM a extinção ou alteração dos fundamentos que conduziram à concessão da autorização de residência no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração, sob pena de a respectiva autorização poder vir a ser cancelada - decisão que é deixada ao poder discricionário da administração -, só encontrou consagração legal com a entrada em vigor do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, aprovado em 1 de Abril de 2005, nos termos previstos nos n.os 3 e 4 do seu artigo 18°.
24. Acontece, porém, que por força da norma transitória plasmada no artigo 22.°, n.º 1, alíneas 1) e 2) do referido Regulamento Administrativo n.º 3/2005, aprovado em 1 de Abril de 2005, (i) às autorizações de residência temporária concedidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M, de 27 de Março, (ii) à respectiva renovação e, bem assim, (iii) aos pedidos de extensão da autorização de residência temporária para os membros do agregado familiar, apresentados pelos interessados ao abrigo do mesmo diploma, continua a aplicar-se o Decreto-Lei n.o 14/95/M, de 27 de Março.
25. De resto, o Tribunal de Última Instância teve oportunidade de se pronunciar neste sentido sobre a continuação da aplicabilidade do Decreto-Lei n° 14/95/M, aos processos iniciados ao abrigo deste diploma, no âmbito do recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa n.º 55/2010.
26. Ora, estabelece o artigo 7.°, n.º 3 do Decreto-lei n.º 14/95/M - Diploma Aplicável ao caso em apreço -, que “Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível” (destacados e sublinhados nossos).
27. De acordo com o artigo 8°, n.º 2, do mesmo diploma, a "renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência (...)"; ainda de acordo com o artigo 8°, n.º 3, do mesmo diploma, "sem prejuízo do disposto no número anterior, a renovação dos títulos de residência dos indivíduos a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º não está dependente da manutenção do vínculo contratual alegado no pedido inicial, desde que seja feita prova de novo exercício profissional como tal devidamente tributado" (sublinhados e destacados nossos).
28. Em face das normas supra transcritas, é inegável que o Decreto-Lei nº 14/95/M - Diploma Aplicável in casu - não impõe aos interessados o dever de comunicar ao IPIM a alteração da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência no prazo de 30 dias, pelo que o alegado incumprimento por parte do ora 1° Recorrente de tal obrigação de comunicação, não pode, em face da lei aplicável, servir do fundamento ao Acto ora recorrido, que, tendo-o feito, é ilegal.
29. Com efeito, o Acto Recorrido baseando-se em diploma legal que não é aplicável ao caso concreto (Regulamento Administrativo n° 3/2005), dá uma consequência jurídica, não suportada pela lei, à não comunicação da alteração da situação laboral do 1° Recorrente - obrigação legal que não impendia sobre o mesmo em face da legislação aplicável in casu – e faz uma errada interpretação do artigo 7° do Decreto Lei nº 14/95/M, único aplicável ao caso.
30. Assim, em face das disposições legais aplicáveis in casu, só poderia eventualmente ser cancelada a autorização de residência concedida aos ora Recorrentes, se, em face das comunicações de cessação da relação laboral que o 1° Requerente espontaneamente efectuou, o IPIM tivesse fixado, ao 1° Recorrente, prazo não inferior a 30 dias para o mesmo se constituir em nova situação jurídica atendível - i.e. para estabelecer uma nova relação laboral -, e o 1 ° Recorrente não o tivesse feito dentro do prazo especialmente concedido, caso a caso, para o efeito.
31. Porém, a verdade é que o IPIM, ao verificar a perda da titularidade da situação jurídica, não concedeu um prazo não inferior a 30 dias para o 1 ° Recorrente constituir nova situação jurídica atendível.
32. Assim, o IPIM não cumpriu o procedimento obrigatório estipulado na lei, que devia anteceder a tomada da decisão de não renovação da autorização de residência temporária dos ora Recorrentes, pelo que agiu em clara violação do nº 3 do artigo 7º do Decreto Lei nº 14/95/M.
33. O certo é que o 1° Recorrente sempre repôs atempadamente a sua situação jurídica laboral, tendo comunicado ao IPIM, por sua iniciativa, as sucessivas cessações do seu vínculo laboral e procedido à junção dos elementos comprovativos das suas novas relações laborais, nomeadamente no decurso do seu pedido de renovação,
34. muito embora o IPIM nunca lhe tenha concedido qualquer prazo para constituir nova situação jurídica atendível, em face das comunicações de cessação da relação laboral por si efectuadas.
35. E a verdade é que, embora o IPIM tenha conhecimento dos factos supra descritos, como, de resto, resulta do parecer que fundamenta o Acto Recorrido, não os valora nem apresenta qualquer fundamentação para essa não valoração.
36. Assim, aquando do acto de indeferimento, datado de 27 de Abril de 2012, o IPIM já estava ciente que a situação jurídica laboral do ora 1° Recorrente já tinha sido reposta, porquanto o mesmo já havia feito prova de tal facto, pelo que atentas as normas supra invocadas do Decreto Lei n° 14/95/M (que regula a situação em causa), o indeferimento ora recorrido é ilegal.
37. Pelo que o Acto Recorrido, ao indeferir o pedido de renovação da autorização de residência dos ora Recorrentes, (i) com fundamento na alegada violação de uma obrigação legal inaplicável in casu, (ii) sem que os interessados tivessem sido notificados para repor a situação jurídica anterior e, mais importante ainda, (ii) quando os interessados já haviam reposto, por sua iniciativa, a situação jurídica atendível, salvo o devido respeito, violou de forma directa as alíneas 1) e 2) do artigo 22° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o n.º 3 do artigo 7° e o n.º 3 do artigo 8°, ambos do Decreto-Lei n.º 14/95/M, de 27 de Março, e, bem assim, em os princípios da legalidade e da boa fé plasmados, respectivamente, nos artigos 3° e 8° do Código do Procedimento Administrativo ("CPA") , devendo, pois, ser anulado, o que a final se requer.
38. Os Recorrentes estão de boa fé, e sempre respeitaram todas as suas obrigações legais.
39. Os Recorrentes são pessoas humildes, sérios e trabalhadores, tanto assim é que, o 1° Recorrente tem uma oferta de emprego à sua espera, para trabalhar na Universidade de Macau como "Principal Administrative Officer".
40. Relativamente à 2ª Recorrente, esta encontra-se empregada na "KK (Macau) Property Agency Limited", desde 22 de Maio de 2007, assumindo funções de Gerente da Contabilidade, tendo o seu trabalho sido avaliado em excelente e com elogio da sua entidade patronal.
41. Por outro lado, os Recorrentes têm um filho de 2 anos de idade, que viveu sempre em Macau desde o seu nascimento, encontrando-se a estudar na Creche de St. …….
42. Por fim, refere-se que ao 1° Recorrente faltava menos que um mês para fazer 7 anos de residente de Macau na data do indeferimento da renovação do pedido de residência temporária.
NESTES TERMOS,
Requer-se a V. Exa. que seja dado provimento ao presente recurso, anulando-se o acto recorrido, atento o vício de violação de lei por incorrecta aplicação e interpretação do artigo 8°, n.º 3, conjugado com o artigo 7°, n.º 3, ambos do Decreto-lei n.º 14/95/M, acrescido de violação dos princípios da legalidade e de boa fé.

Citado, veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças oferecer o merecimento dos autos.

Realizadas as inquirições das testemunhas arroladas pelos recorrentes, foram estes e a entidade recorrida notificados para a apresentar as alegações facultativas.

Apenas vieram os recorrentes apresentar alegações facultativas.

Em sede de vista, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Dos elementos existentes nos autos e das provas testemunhais produzidas resulta assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* Por despacho do Senhor Chefe do Executivo datado de 19MAIO2005, foi concedida ao recorrente A a autorização da residência temporária na RAEM na qualidade de quadro dirigente, pelo período de três anos, renovável;

* Esta autorização foi notificada ao recorrente A pelo ofício do IPIM nº 9271/GJFR/P0020/2005, através do qual o mesmo recorrente foi também alertado da sua obrigação de comunicar ao IPIM a cessação da relação de trabalho justificativa da autorização da residência temporária e apresentar prova do exercício de novas actividades profissionais, no prazo de 30 dias após a cessação, sob pena de cancelamento da autorização da residência temporária – vide fls. 85 dos autos do procedimento administrativo;

* A tal autorização foi estendida ao seu cônjuge B, ora recorrente;

* E foi posteriormente renovada até 19MAIO2011;

* Em 27SET2010, o recorrente A comunicou ao IPIM que em 02SET2010 tinha deixado de ser empregado pela LL Macau Limited, onde começou a trabalhar a partir de 22MAR2010;

* Em 21JAN2011, o recorrente A comunicou ao IPIM que foi contratado pela YY Management (Macao Offshore Comercial) Limited, como seu empregado a partir de 05JAN2011 – vide fls. 76 dos autos do procedimento administrativo;

* Em 09MAR2011, o recorrente A apresentou o pedido de renovação da autorização de residência;

* Em 09MAR2011, o recorrente A entregou ao IPIM a declaração, por ele redigida e assinada, do seguinte teor – vide fls. 75 dos autos do procedimento administrativo:
聲明書
本人知悉由LL(澳門)有限公司於2010年9月2日離職後,事隔3個多月才尋找相關機構任職,其間3個多月時間可能會導致影響有關居留申請。

其實在這3個月期間,本人於另一機構作短暫工作,由於工作條件及福利各方面不適合,所以只作短暫工作,没有向貴申報。

A
2011年3月9日

* Por via do ofício do IPIM nº 03677/GJFR/2011 datado de 15MAR2011, foi o recorrente A notificado para dizer o que se lhe oferecesse a propósito do facto, entretanto detectado pelo IPIM, de o recorrente se não encontrar vinculado a qualquer relação de trabalho em Macau, durante o período compreendido entre 02SET2010, data em que deixou de trabalhar na LL Macau Limited, e 05JAN2011, data em que começou a trabalhar para a YY Management (Macao Offshore Comercial) Limited e para se pronunciar sobre a eventualidade do cancelamento da autorização temporária de residência por falta de comunicação da nova situação laboral na sequência da cessação do vínculo com a anterior entidade patronal, conforme a cominação que lhe foi feita através do ofício nº 12482/FJFR/2010, datado de 20JUL2010;

* Em 18MAR2011 o recorrente A apresentou ao IPIM documento alegadamente comprovativo do facto de ser empregado pela XX Electronic Information Ltd., durante o período compreendido entre 23NOV2010 e 04JAN2011;

* Na sequência daquela notificação efectuada em 15MAR2011 com vista a assegurar a sua audição, veio o recorrente A apresentar em 25MAR2011 a defesa escrita, limitando-se a alegar que não conseguiu, mesmo após várias tentativas, obter o original, mas apenas a cópia, do contrato de trabalho, junto da entidade patronal XX Electronic Information Ltd.;

* Sem que todavia tivesse justificado a não comprovação da constituição da nova situação jurídica atendível, dentro do prazo de 30 dias que lhe foi fixado naquele ofício nº 9271/GJFR/P0020/2005;

* Em 12AGO2011, o recorrente A comunicou ao IPIM que em 15JUL2011 tinha deixado de trabalhar na YY Management (Macao Offshore Comercial) Limited;

* Em 17OUT2011, o recorrente A apresentou documentos alegadamente comprovativos da sua contratação a partir de 05OUT2011 pela ZZ Software Limited;

* Por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, lançado em 27ABR2012 sobre a informação nº 0020/居留/2005/02R do IPIM, foi indeferido o pedido de renovação da autorização de residência temporária, que ao recorrente A foi concedida e posteriormente renovada, com validade até 19MAIO2011, com fundamento nas razões expostas nessa mesma informação;

* Desse despacho foi o recorrente A notificado através da carta registada expedida em 25MAIO2012; e

* Em 27JUN2012, A e o seu cônjuge interpuseram o presente recurso contencioso de anulação.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Na esteira desse Douto ensinamento e de acordo com as conclusões no petitório do recurso e as englobadas nas alegações facultativas, são as seguintes questões que delimitam o objecto da nossa apreciação:

1. Da errada aplicação do Regulamento Administrativo nº 3/2005;

2. Da violação dos artºs 7º/3 e 8º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M; e

3. Da violação do princípio de boa fé.

Apreciemos.

1. Da errada aplicação do Regulamento Administrativo nº 3/2005

In casu, o pedido da renovação da autorização de residência temporária foi indeferido com fundamento no incumprimento tempestivo da obrigação de comunicar ao IPIM a cessação da relação de trabalho justificativa da autorização da residência temporária e na não comprovação atempada do exercício de novas actividades profissionais, no prazo de 30 dias que lhe foi fixado no ofício do IPIM nº 9271/GJFR/P0020/2005.

Para os recorrentes “a obrigação de os interessados comunicarem ao IPIM a extinção ou alteração dos fundamentos que conduziram à concessão da autorização de residência no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração, sob pena de a respectiva autorização poder vir a ser cancelada - decisão que é deixada ao poder discricionário da administração -, só encontrou consagração legal com a entrada em vigor do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, aprovado em 1 de Abril de 2005, nos termos previstos nos n.os 3 e 4 do seu artigo 18°”. E por força da norma transitória plasmada no artº 22º/1-1) e 2) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, é in casu aplicável o D. L. nº 14/95/M de 27MAR.

Assim, na esteira desse entendimento, os recorrentes entendem que, ao aplicar o disposto no artº 18º/3 e 4 do Regulamento Administrativo nº 3/2005 para impor ao recorrente A a tal obrigação de comunicar e indeferir o pedido da renovação da autorização de residência temporária com fundamento no incumprimento da tal obrigação, o acto administrativo ora recorrido está a aplicar um diploma inaplicável ao caso da situação concreta dos recorrentes.

Concordamos que à situação concreta dos recorrentes, autorizados a residir temporariamente em Macau ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M, se deve aplicar o D. L. nº 14/95/M de 27MAR, por força das disposições transitórias do artº 22º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, que rezam:

1. O disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M, de 27 de Março, com a redacção dada pelos Decretos-Leis n.º 22/96/M, de 22 de Abril, e n.º 22/97/M, de 11 de Junho, continua a aplicar-se:
1) Às autorizações de residência temporária concedidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M e à respectiva renovação;
2) Aos pedidos de extensão da autorização de residência temporária para os membros do agregado familiar, apresentados pelos interessados aos quais tenha sido concedida a autorização de residência temporária ao abrigo do Decreto-Lei n.º 14/95/M;
3) Aos pedidos já apresentados nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau à data de entrada em vigor do presente diploma.
2. Consideram-se também como já apresentados, para efeitos da alínea 3) do número anterior, os pedidos ainda não formalmente aceites mas que se encontrem em lista de espera para serem apresentados, como tal registados nas bases de dados do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau.

Todavia, conforme se vê no texto do acto recorrido, o Regulamento Administrativo nº 3/2005 nunca foi aplicado nem invocado como fundamento de direito para a prolação da decisão negatória nele vertida.

Os únicos preceitos legais que foram ai aplicados são os artºs 7º e 8º do Decreto-Lei nº 14/95/M de 27MAR.

O que conforme se verá infra não é de censurar.

Por outro lado, é verdade, tal como alegaram os recorrentes no ponto 14 das conclusões da petição do recurso, que na notificação do recorrente para se pronunciar sobre a eventualidade do cancelamento da autorização temporária de residência, a Administração fez referência ao Regulamento Administrativo nº 3/2005.

Não tendo todavia sido englobada nas conclusões obrigatórias das alegações facultativas, conforme impõe o artº 68º/4 do CPAC, a tal parte das conclusões não é tida por nós em conta para a apreciação da questão da alegada errada aplicação do Regulamento Administrativo nº 3/2005.

De qualquer maneira, cremos que a questão da alegada errada aplicação do Regulamento Administrativo nº 3/2005 é uma questão falsa, uma vez que a decisão recorrida não se apoiou juridicamente nesse regulamento administrativo, mas sim apenas no Decreto-Lei nº 14/95/M de 27MAR.

Improcede essa parte do recurso.

2. Da violação dos artºs 7º/3 e 8º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M

Os recorrentes imputaram ao acto recorrido a violação dos artºs 7º/3 e 8º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M.

Para sustentar a sua tese, alegaram nos pontos 26º a 28º e 30º a 35º das conclusões do petitório do recurso, reiteraram grosso modo nos pontos 8º a 10º e 12º a 16º das conclusões das alegações facultativas o seguinte:

26. Ora, estabelece o artigo 7.°, n.º 3 do Decreto-lei n.º 14/95/M - Diploma Aplicável ao caso em apreço -, que “Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível”.
27. De acordo com o artigo 8°, n.º 2, do mesmo diploma, a "renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência (...)"; ainda de acordo com o artigo 8°, n.º 3, do mesmo diploma, "sem prejuízo do disposto no número anterior, a renovação dos títulos de residência dos indivíduos a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º não está dependente da manutenção do vínculo contratual alegado no pedido inicial, desde que seja feita prova de novo exercício profissional como tal devidamente tributado".
28. Em face das normas supra transcritas, é inegável que o Decreto-Lei nº 14/95/M - Diploma Aplicável in casu - não impõe aos interessados o dever de comunicar ao IPIM a alteração da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência no prazo de 30 dias, pelo que o alegado incumprimento por parte do ora 1° Recorrente de tal obrigação de comunicação, não pode, em face da lei aplicável, servir do fundamento ao Acto ora recorrido, que, tendo-o feito, é ilegal.
…….
30. Assim, em face das disposições legais aplicáveis in casu, só poderia eventualmente ser cancelada a autorização de residência concedida aos ora Recorrentes, se, em face das comunicações de cessação da relação laboral que o 1° Requerente espontaneamente efectuou, o IPIM tivesse fixado, ao 1° Recorrente, prazo não inferior a 30 dias para o mesmo se constituir em nova situação jurídica atendível - i.e. para estabelecer uma nova relação laboral -, e o 1 ° Recorrente não o tivesse feito dentro do prazo especialmente concedido, caso a caso, para o efeito.
31. Porém, a verdade é que o IPIM, ao verificar a perda da titularidade da situação jurídica, não concedeu um prazo não inferior a 30 dias para o 1 ° Recorrente constituir nova situação jurídica atendível.
32. Assim, o IPIM não cumpriu o procedimento obrigatório estipulado na lei, que devia anteceder a tomada da decisão de não renovação da autorização de residência temporária dos ora Recorrentes, pelo que agiu em clara violação do nº 3 do artigo 7º do Decreto Lei nº 14/95/M.
33. O certo é que o 1° Recorrente sempre repôs atempadamente a sua situação jurídica laboral, tendo comunicado ao IPIM, por sua iniciativa, as sucessivas cessações do seu vínculo laboral e procedido à junção dos elementos comprovativos das suas novas relações laborais, nomeadamente no decurso do seu pedido de renovação,
34. muito embora o IPIM nunca lhe tenha concedido qualquer prazo para constituir nova situação jurídica atendível, em face das comunicações de cessação da relação laboral por si efectuadas.
35. E a verdade é que, embora o IPIM tenha conhecimento dos factos supra descritos, como, de resto, resulta do parecer que fundamenta o Acto Recorrido, não os valora nem apresenta qualquer fundamentação para essa não valoração.

Ora, reza o artº 7º/3 do Decreto Lei nº 14/95/M que “em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível.”.

Compreende-se perfeitamente mens legislatoris dessa norma, que aliás está bem reflectida no disposto artº 1º do mesmo diploma, que diz:

1. Podem fixar residência no território de Macau ao abrigo do disposto no presente diploma:
a) Os titulares de projectos de investimento considerados relevantes, em apreciação nos competentes serviços da Administração;
b) Os titulares de investimentos relevantes no Território;
c) Os quadros dirigentes e técnicos especializados por virtude da sua formação académica, qualificação e experiência profissional, consideradas de particular interesse para a RAEM.
2. Podem ainda habilitar-se à fixação de residência no Território as pessoas do agregado familiar dos indivíduos referidos no número anterior.

Ao permitir a fixação da residência de quadros dirigentes na RAEM, o que pretende o nosso legislador é justamente que esses indivíduos, qualificados como quadros dirigentes, possam contribuir, com a sua formação académica, qualificação e experiência profissional, para o desenvolvimento e bem-estar da RAEM, nomeadamente no melhoramento da qualidade e no reforço dos recursos humanos existentes do mercado interno, no aumento da competitividade da RAEM no mercado internacional e no aumento da qualidade da população em geral da RAEM.

Ora, o pretendido contributo para o desenvolvimento e bem-estar da RAEM por parte desses quadros dirigentes academicamente qualificados e profissionalmente experientes, só se concretiza com a contratação efectiva desses indivíduos por empresas sediadas em Macau.

Assim, só se justifica a manutenção da autorização de residência concedidas a esses indivíduos enquanto eles se encontrarem a prestar serviços na RAEM, contribuindo, com a sua formação académica, qualificação e experiência profissional, para o desenvolvimento e bem-estar da RAEM através da sua contratação efectiva por empresas sediadas em Macau.

É justamente por isso que a lei impõe o cancelamento da autorização de residência quando cessar a situação jurídica determinante da sua concessão primitiva ou das sucessivas renovações da autorização.

Vêm agora os recorrentes questionar a legalidade da imposição da obrigação de comunicar a alteração ou cessação dessa situação jurídica determinante da sua concessão primitiva ou das sucessivas renovações da autorização, dizendo que face ao disposto no artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M, o recorrente não tem obrigação de as comunicar.

Ora, face ao disposto no artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M, o cancelamento da autorização depende da verificação cumulativa dois pressupostos, isto é, a cessação da situação jurídica determinante da concessão da autorização e a não comprovação da constituição, dentro do prazo fixado pela Administração, da nova situação jurídica atendível para o efeito da concessão da autorização.

Ou seja, a modificação da situação jurídica determinativa da autorização ou a interrupção temporária não implicará o cancelamento da autorização, se o interessado se constituir atempadamente em nova situação jurídica atendível para o efeito da concessão da autorização de residência temporária.

Ora, como se sabe, a fim de implementar um comando legal, é às vezes preciso que seja assegurada à Administração a possibilidade de criar certas condições ou adoptar determinadas medidas ou regras com vista à viabilizar a boa execução da lei.

É o que sucede in casu.

Ao competir ao IPIM a execução do comando normativo consagrado no artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M, a lei permite-lhe implicitamente criar as condições que lhe permitem realizar a finalidade a que a lei visa.

Mais concretamente falando, para activar o mecanismo do cancelamento da autorização previsto na citada norma, é preciso que o IPIM tenha conhecimento de eventual extinção ou alteração da situação jurídica determinante da concessão da primitiva autorização ou das sucessivas renovações da autorização.

Assim, ao impor aos beneficiários da autorização de residência a obrigação de comunicar a eventual extinção ou alteração da situação jurídica e a comprovação da constituição da nova situação jurídica atendível, o IPIM limita-se a criar condições secundum legem para dar execução ao comando normativo plasmado no artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M.

Isto compreende-se porque quando a lei fixar o fim, deve conferir ao aplicador os meios para o atingir.

Não nos parece que a Administração está a agir praeter legem, muito menos contra legem, pois a tal obrigação de comunicar se mostra estritamente necessária para que a Administração se mantenha sempre tempestivamente informada de eventuais alterações ou extinção da situação jurídica determinantes da concessão da autorização de residência temporária.

Pois de outro modo, seria extremamente difícil, senão impossível para a Administração acompanhar de perto as eventuais alterações ou extinções da situação jurídica determinante em cada um dos procedimentos administrativos.

O que enfraqueceria o controlo da efectividade da situação determinante do deferimento da autorização de residência temporária e tornar-se-ia difícil intimidar os beneficiários para não defraudarem a lei.

Para o interessado, não vejamos que a obrigação de comunicar e comprovar lhe represente um dever cujo cumprimento lhe seja inexigível, pois o objecto da comunicação e o da comprovação são meros factos pessoais dos próprios beneficiários da autorização que, enquanto tais, estão em melhores condições para levar ao conhecimento da Administração a eventual alteração ou extinção daquela situações jurídica determinantes e a constituição da nova situação jurídica atendível.

Portanto, não têm razão os recorrentes, ao defenderem que o recorrente não tem obrigação de comunicar face ao disposto no artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M.

Os recorrentes avançaram ainda com outro argumento alegando que “só poderia eventualmente ser cancelada a autorização de residência concedida aos ora Recorrentes, se, em face das comunicações de cessação da relação laboral que o 1° Requerente espontaneamente efectuou, o IPIM tivesse fixado, ao 1° Recorrente, prazo não inferior a 30 dias para o mesmo se constituir em nova situação jurídica atendível - i.e. para estabelecer uma nova relação laboral -, e o 1 ° Recorrente não o tivesse feito dentro do prazo especialmente concedido, caso a caso, para o efeito.”.

São argumentos falsos com aparência de verdadeiros.

Pois a regra estabelecida na norma em causa é quando cessar a situação jurídica justificativa da autorização, é cancelada a autorização, a não que se constitua uma nova situação jurídica, igualmente justificativa da concessão da autorização, imediatamente a seguir à cessação da anterior, ou pelo menos dentro de um curto, mas razoável, período de tempo.

A tese defendida pelos recorrentes, se procedesse, invalidaria de todo em todo essa regra e a utilidade do artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M.

Uma vez que ficaria completamente manipulável pelo interessado o terminus a quo do prazo para se constituir em nova situação atendível, isto é, se ele não comunicasse à Administração a cessação da situação jurídica nem a Administração pudesse ter conhecimento pelos seus meios, esse prazo nunca poderia iniciar-se, ou seja, só se poderia iniciar se o interessado comunicasse a seu bel-prazer à Administração ou por qualquer via ou por sorte tivesse sido levada aos ouvidos da Administração a alteração ou extinção de tal situação jurídica.

O que obviamente não é o querido pelo legislador.

In casu, para nós, a Administração escolheu a forma muito sensata para dar execução ao comando normativo, ao fixar ab initio em 30 dias a duração de tempo do prazo e determinar que o terminus a quo do prazo seja o momento da ocorrência da alteração ou extinção da situação jurídica determinante da concessão da autorização.

Trata-se de uma solução vantajosa e conveniente quer para a Administração quer para o particular interessado.

Para a Administração, esta ficará dispensada de averiguar permanentemente a subsistência ou não da situação jurídica determinante da concessão da autorização e de fixar o prazo para repor a situação sempre que descubra alteração ou extinção daquela situação jurídica.

Ao passo que o interessado ficará logo a saber qual é o prazo para a reposição da situação jurídica atendível no caso da alteração ou extinção da situação anterior e o terminus a quo desse prazo, se pretender continuar a residir e trabalhar em Macau.

Tal como vimos na matéria de facto assente, pelo ofício do IPIM nº 9271/GJFR/P0020/2005 o recorrente ficou ab initio notificado da obrigação de comunicar qualquer alteração ou extinção da situação jurídica determinante da concessão e apresentar a prova da constituição da nova situação jurídica atendível, num prazo cuja duração estava claramente fixada e cujo terminus a quo lhe era absolutamente cognoscível por se tratar de um facto pessoal dele próprio.

É verdade o alegado pelos recorrentes no ponto 31º das conclusões da petição de recurso, isto é, “o IPIM, ao verificar a perda da titularidade da situação jurídica, não concedeu um prazo não inferior a 30 dias para o 1 ° Recorrente constituir nova situação jurídica atendível.”.

É claro que não lho concedeu! Não concedeu porque um prazo não inferior a 30 dias já lhe foi concedido ab initio mediante o ofício do IPIM nº 9271/GJFR/P0020/2005!

Portanto é de concluir que bem andou a Administração ao dar como verificados os pressupostos de cancelamento da autorização ao abrigo do disposto no citado artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M de 27MAR.

Ademais, imputaram os recorrentes ao acto recorrido a violação do artº 8º/3 do mesmo diploma.

Diz o artº 8º do Decreto-Lei nº 14/95/M que:

1. A renovação dos títulos de residência deve ser requerida ao IPIM até trinta dias antes do termo do respectivo período de validade.
2. A renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência e é concedida por igual período de validade.
3. Sem prejuízo do disposto no número anterior, a renovação dos títulos de residência dos indivíduos a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º não está dependente da manutenção do vínculo contratual alegado no pedido inicial, desde que seja feita prova de novo exercício profissional como tal devidamente tributado.

Defenderam os recorrentes que “aquando do acto de indeferimento, datado de 27 de Abril de 2012, o IPIM já estava ciente que a situação jurídica laboral do ora 1° Recorrente já tinha sido reposta, porquanto o mesmo já havia feito prova de tal facto, pelo que atentas as normas supra invocadas do Decreto Lei n° 14/95/M (que regula a situação em causa), o indeferimento ora recorrido é ilegal.”.

Mais uma vez estamos perante um sofisma.

E os recorrentes só teriam razão se ignorássemos o disposto no artº 7º e no artº 8º/1 e 2 e interpretássemos isoladamente o nº 3 do artº 8º.

O que o legislador pretende dizer com o nº 3 é apenas a não exigência de manter inalterada a situação jurídica inicial determinante da primitiva autorização.

Mas impõe sempre, como vimos supra, que a tal situação jurídica só possa vir a ser alterada ou substituída nos termos prescritos no artº 7º/3, ou seja, com a constituição imediata de nova situação jurídica atendível ou pelo menos dentro de um curto prazo razoavelmente fixado pela Administração.

Ditas por outras palavras, a renovação da autorização de residência temporária pressupõe a não alteração da situação jurídica determinante da sua concessão primitiva ou a constituição da nova situação jurídica atendível, imediatamente ou dentro de um curtíssimo período de tempo.

Pois de outro modo, a alteração ou a extinção da situação jurídica já deveria ter sido tomada em conta para o cancelamento da autorização, antes do momento da renovação.

Assim, a simples comprovação do novo exercício profissional por parte do interessado no momento da renovação da autorização não conduz necessariamente ao sucesso da renovação, pois a Administração deverá averiguar se entretanto se verificaram alterações ou extinção da situação do vínculo contratual anterior determinante da concessão da primitiva autorização.

Caso haja alterações ou extinções fora das condições autorizadas pelo artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M, como in casu sucedeu, a Administração terá de cumprir o comando imperativo ai prescrito indeferindo a requerida renovação.

Conforme se vê na matéria de facto assente, terminado em 02SET2010 o vínculo laboral que tinha com a LL Macau Limited, o recorrente estava em situação de desemprego durante mais de 80 dias e veio a ser de novo contratado pela XX Electronic Information Limitada em 23NOV2010; em 05JAN2011, estava de novo desempregado e só voltou a ser contratado pela YY Management Limited em 21JAN2011; mas em 15JUL2011 ficou desempregado de novo e só voltou a ser contratado em 05OUT2011 pela ZZ Software Limited.

Ou seja, na vigência da última renovação que terminou em 29MAIO2011, pelo menos registou-se a interrupção da situação jurídica justificativa da (renovação) autorização de residência sem que houvesse sido constituída nova situação atendível por um período superior a 80 dias (de 02SET2010 a 23NOV2010).

E antes do momento do indeferimento da renovação da autorização em 27ABR2012, registou outra interrupção da situação jurídica determinante da concessão da autorização de residência por um período igualmente superior a 80 dias (de 15JUL2011 a 05OUT2011).

Havendo perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência ao recorrente e não se tendo o recorrente constituído em nova situação jurídica atendível no prazo de 30 dias que lhe fixou a Administração para o efeito, não pode deixar de ser cancelada a autorização de residência de que são beneficiários os recorrentes face ao imperativamente disposto no artº 7º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M.

Assim, bem andou a Administração ao indeferir como indeferiu o pedido da renovação formulado pelo recorrente A.

Nem se diga que esse artº 7º/3 só prevê “cancelamento” e não a “não renovação”, dado que se lei permite o cancelamento, deve por maioria de razão autoriza a não renovação.


3. Da violação do princípio de boa-fé

Imputaram finalmente à entidade recorrida a violação do princípio da boa-fé.

Todavia, pelo que ficou decidido supra, cai por terra essa acusação, uma vez que conforme se vê no ponto 37 das conclusões da petição de recurso, a tal imputação apoia-se na alegada violação do disposto nos artºs 7º/3 e 8º/3 do Decreto-Lei nº 14/95/M, que acabou por ser rebatida e infirmada supra.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça fixada a cargo de cada um deles em 10 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 30MAIO2013


(Relator) Estive presente Lai Kin Hong Mai Man Ieng

(Primeiro Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan

(Segundo Juiz-Adjunto) João A. G. Gil de Oliveira