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Proc. nº 59/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Abril de 2013
Descritores:
-Acidente de trabalho
-Cedência de trabalhador
-Responsabilidade da seguradora


SUMÁRIO:

I- Ao contrário do que se passa no regime jurídico das relações laborais que decorre do DL nº 24/89/M (alterado pelo DL nº 32/90), que estabelece uma relação directa entre empregador e trabalhador, em que um tem o outro directamente sob a sua autoridade e direcção, no regime jurídico dos acidente laborais, tal relação directa de emprego deixa de constituir factor central para a assunção de responsabilidade, deixando, por isso, de ser importante a natureza do acto pelo qual os serviços são prestados (pode ser contrato de trabalho, cedência precária e temporária, “empréstimo”, locação de mão de obra, etc.).

II- Se uma empresa, que detém o vínculo laboral com um trabalhador, o cede, porém, a empresa terceira, que lhe dá ordens e instruções como se fosse a sua empregadora durante o período de cedência, será esta, enquanto “tomadora do serviço” a responsável pelos sinistros que venham a ocorrer no local de trabalho vitimando o trabalhador.

III- E se o trabalhador vier a sofrer um acidente de trabalho, será a seguradora desta empresa – empresa beneficiária da actividade do trabalhador – para quem fora transferida a responsabilidade pelos acidentes de trabalho, a responsável pela indemnização.




Proc. nº 59/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
B, com os demais sinais dos autos, por intermédio do Ministério Público, intentou acção para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, contra a “Companhia de Seguros C, SARL”.
Fundamentou o pedido indemnizatório numa incapacidade parcial permanente sofrida em resultado de acidente de trabalho quando, após ter sido contratado à “Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada”, se encontrava a trabalhar para a subempreiteira “Companhia de Maquinaria F (Macau) Limitada” nas obras de ampliação do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco que a “Companhia de G (Macau) Limitada”, como empreiteira, estava a levar a cabo. E tendo esta empreiteira transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho de empregados seus e da subempreiteira para a Ré, dela pediu a condenação no pagamento da importância de Mop$ 181.440,00.
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O processo prosseguiu os seus normais trâmites, vindo na oportunidade a ser proferida sentença no TJB, que julgou a acção procedente e condenou a ré a pagar ao autor a peticionada quantia acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até ao integral pagamento, absolvendo do pedido as intervenientes “Companhia de Seguros H (Macau)” e “Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada”.
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É contra essa sentença que a ré da acção, “Companhia de Seguros C, SARL”, recorre jurisdicionalmente, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
“I. O douto Tribunal a quo determinou na Sentença a fls. 283 e ss. que o A. manteve a sua qualidade de empregado da D, a qual o tinha cedido, na data do acidente, à F.
II. Através da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo não é possível deduzir, sem mais, que inexistem ou se extinguiram os poderes de direcção da D sobre o trabalhador sinistrado, ora A.
III. Antes pelo contrário, se o douto Tribunal determinou como provado que “quando correu o acidente, o ator era empregado da Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada”, cfr. ponto 16 da matéria de facto, ter-se-á necessariamente de concluir que a D continua a exercer poderes de direcção sobre o A, uma vez que esta presunção não foi ilidida.
IV. Acresce que a prova vertida nos autos indica o contrário, a saber, que era a D quem exercia o poder de direcção sobre o A, não apenas na data do acidente, mas também durante toda a tramitação subsequente a este.
V. Tendo-se por assente que a D também era a entidade patronal do A à data do acidente, e não se tendo provado que a mesma tivesse deixado de exercer as funções de entidade patronal, não se pode extrair as conclusões do Tribunal a quo relativamente à responsabilidade exclusiva da R.
VI. Pelo contrário, são as duas entidades patronais solidariamente responsáveis pela indemnização ajuizada nos presentes autos, nos termos gerais do artigo 490º n.º 1 do Código Civil de Macau (CC), articulado com o artigo 4º do DL 40/95/M.
VII. Tendo estas entidades patronais transferido cada uma a sua responsabilidade para a respectiva Companhia de Seguros, aplicar-se-á o artigo 1002º n.º 4 do Código Comercial de Macau (CCom).
VIII. Assim, são, pelo menos, responsáveis solidárias pelo pagamento da indemnização a R. e a Companhia de Seguros da H (Macau), S.A, na qualidade de seguradoras da F e da D, respectivamente, pelo que se requer seja a Sentença recorrida revogada quanto a esta parte, e o pagamento da indemnização ao A. repartido entre a R. e a interveniente principal provocada.
Ainda concluindo,
IX. Concedeu igualmente no seu raciocínio que não foram apuradas todas as condições desta cedência do trabalhador pela D à F (cfr. fls. 288);
X. No entanto, ressalva o douto Tribunal a quo que tal facto não tem qualquer relevância para a boa decisão da causa, pois que tal omissão “não gera para a ‘Companhia de Gruas D’ obrigação de reparar os danos emergentes do acidente, porquanto o sinistrado não estava ao seu serviço”.
XI. Ora, tendo ficado assente que o acidente se encontrava coberto por duas apólices de seguro, existe de facto extrema relevância no esclarecimento deste ponto que informou (in absentia) a decisão do douto Tribunal a quo sobre o caso em análise.
XII. Caso as condições de cedência previssem uma atribuição de responsabilidade em caso de acidente de trabalho diferente daquela que foi dirimida pela douta Sentença ora recorrida, a solução a dar à contenda seria irremediavelmente alterada.
XIII. O facto do douto Tribunal ter concluído, no mesmo raciocínio, que “o sinistrado não estava ao seu serviço [da D]” conflitua com as conclusões retiradas do ponto 16 da matéria de facto supracitado, no qual se deu como provado que o A. mantinha a sua relação laboral com a D,
XIV. Tanto mais que a prova vertida em sede de audiência mostrou que todas as relações laborais passavam pelo crivo e intermediação da D,
XV. Não constando do processo (ou não se encontrado devidamente esclarecidos) todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação pelo douto Tribunal ad quem da matéria de facto, existe in casu lugar à anulação da decisão proferida em primeira instância, nos termos do artigo 629º n.º 2 do Código de Processo Civil de Macau (CPC), sendo repetido o julgamento quanto ao apuramento das condições da “cedência” nos termos do artigo ora citado.
Ainda concluindo,
XVI. Deveria o Tribunal a quo ter condenado a ora Recorrente no pagamento dos juros de mora à ora Recorrida nos termos estabelecidos no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 69/2010, ou seja, a sua contagem dever-se-á iniciar apenas aquando da liquidação definitiva das eventuais quantias a indemnizar, o que não acontece neste momento, em virtude de não existir ainda trânsito em julgado e consequente liquidação definitiva, no âmbito das diversas matérias em discussão e objecto de recurso;
XVII. Assim, atento o exposto, deve a Sentença recorrida ser revogada no que a esta parte concerne, por conter decisão contrária à jurisprudência obrigatória estabelecida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 69/2010, proferido pelo TUI em 02.03.2011, substituindo-se por decisão que contemple a condenação da ora Recorrente Subordinada no pagamento dos eventuais juros legais calculados pela forma decidida e uniformizada pelo TUI.
Nestes termos, nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser Julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, fazendo V. Exas., mais uma vez, a devida e costumada JUSTIÇA”.
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O autor da acção, B, respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1) Segundo os factos provados e assentes deste caso, foi verificado que no dia da ocorrência do acidente de trabalho, a CCEXX era empreiteira das Obras da Ampliação do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco - Fase II, e a Companhia J (Macau), Limitada era sub-empreiteira desta obra.
2) No dia 1 de Junho de 2009, cerca das 11h00 de manhã, o autor foi empregado pela Companhia J (Macau), Limitada na forma de empregado substituto, e trabalhava no local de trabalho supracitado, sob as instruções, a direcção e orientação desta companhia, isto é, trabalhava no local e no tempo de trabalho determinados pela Companhia J (Macau), Limitada, e ocorre este acidente de trabalho.
3) Este acidente de trabalho causou corte das falanges médias e distais dos dedos esquerdos médio e anelar, portanto, segundo o relatório de medicina legal, a incapacidade permanente parcial do autor é classificado como 9%.
4) O autor prestou trabalho directamente a favor da Companhia J (Macau), Limitada devido à sua relação laboral com esta, sem dúvida, a Companhia J (Macau), Limitada deve assumir a responsabilidade de indemnização ao trabalhador (autor B) que prestou trabalhos directamente a favor dela.
5) No momento da ocorrência do acidente, o autor trabalhava apenas a favor da Companhia J (Macau), Limitada (não a favor da Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada), e prestou serviços no local e no tempo de trabalho indicados pela Companhia J (Macau), Limitada.
6) Mais, o local do acidente tem nada a ver com a Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada, isto é, o local supracitado não se situa no local onde se realizam as obras de construção civil da companhia supracitada e a mesma companhia não era empreiteira ou sub-empreiteira das obras do local do acidente. Segundo regra comum, não há empregador iria disponibilizar e ordenar o seu trabalhador para trabalhar num local de trabalho não próprio, nem trabalhar a favor de “outros”.
7) Nos termos do art.º 3.º al. a) do D.L. n.º 40/95/M, «Acidente de trabalho» ou «Acidente» - o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou incapacidade temporária ou permanente de trabalho ou de ganho. (sublinhado nosso)
8) E nos termos do art.º 10.º n.º 1 al. a) do mesmo D.L., a lesão pelo trabalhador considera-se consequência de acidente de trabalho quando se verificar no local e no tempo de trabalho. (sublinhado nosso)
9) Segundo os factos provados, no dia da ocorrência de acidente, o autor não trabalhava no local e no tempo de trabalho determinados pela Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada, e a Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada desempenha, ao máximo, um papel de intermediário, quer dizer, a Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada seleccionou os indivíduos adequados para a Companhia J (Macau), Limitada. Uma vez que os indivíduos relativos foram empregados pela Companhia J (Macau), Limitada, esta Companhia deve distribuir os trabalhos concretos aos indivíduos supracitados.
10) Face ao exposto, o recorrido não concordou com o ponto de vista da recorrente de que o recorrido e a Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada devem assumir, de forma solidária, a indemnização.
11) Além disso, quanto à segunda questão formulada contra objecto do recurso, é de salientar que a única indemnização que ainda não foi paga ao autor neste caso era a indemnização pela incapacidade permanente parcial devido ao acidente de trabalho
12) Tal como se refere no segundo parágrafo na parte do direito (B) da decisão, ninguém põe em causa os danos resultantes do acidente de trabalho e a classificação da incapacidade permanente parcial causada pelo acidente de trabalho (9%).
13) Portanto, combinando com os pontos 2 e 7 dos factos provados, no dia da ocorrência do acidente, o autor tinha 49 anos de idade e recebia salário diário no valor de MOP 700,00, o valor da indemnização em dívida pode ser calculado nos termos do art.º 47.º n.º 1 al. c) ponto 4 e al. d), n.º 3 al. a) e do art.º 54.º n.º 8 do D.L. n.º 40/95/M.
14) Face ao exposto, o recorrido entende que o valor da indemnização condenado neste caso já foi líquido deste dia de citação da recorrente e foram calculados os juros de mora a partir deste mesmo dia”.
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Respondeu também a interveniente principal “Companhia de Seguros da H (Macau) SA”, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
“1. A recorrente impugnou a decisão de facto do Tribunal a quo que deu por provada a existência da relação de trabalho entre o autor e a F;
2. Em consonância com os depoimentos da testemunha XXX (XXX) e com as provas documentais constantes nos autos, designadamente o EMPLOYEES’ COMPENSATION INSURANCE CLAIM FORM a fls. 58 a 59 dos autos, a F confirmou a existência de uma relação empregado-empregador entre si e o autor;
3. A forma como foi negociado o salário do autor e a competência da entidade patronal para escolher trabalhadores são apenas condições comerciais da cedência de trabalhadores pela D à F, e não elementos definidores da relação de trabalho;
4. De acordo com os factos provados neste caso concreto, quando ocorreu o acidente, o autor recebia da F ordens, instruções e orientações de trabalho;
5. Das provas produzidas na audiência e invocadas pela recorrente nas suas alegações, é obviamente impossível chegar a uma conclusão contrária à de que “a F era empregadora do autor, sendo responsável pela reparação dos danos causados pelo acidente de trabalho”;
6. Não existe uma relação necessária entre o facto de que os empregados têm (ou não) a obrigação de justificar a sua ausência e os poderes de direcção da entidade patronal;
7. Dest’arte, quando ocorreu o acidente, existia uma relação de trabalho evidente entre o autor e a F.
8. O Tribunal a quo já procedeu ao reconhecimento concreto e exacto das cobertas dos “Employees’ Compensation Insurance Contracts” (Contratos de Seguro de Indemnização a Empregados) constantes a fls. 148 e 35 dos autos, os quais se associam respectivamente à recorrente e à interveniente principal;
9. O seguro de indemnização a empregados comprado pela D junto da Companhia de Seguros da H (Macau), S.A. é seguro de indemnização aos trabalhadores gerais;
10. O seguro comprado pela empreiteira das obras em causa K Engineering Construction Company (Macau) Ltd. junto da recorrente Companhia de Seguros C S.A.R.L. pertence à modalidade de seguro de indemnização aos trabalhadores nas obras de construção;
11. Daí que os danos causados ao autor pelo dito acidente de trabalho não se encontram cobertos pelo contrato de seguro celebrado entre a D e a interveniente principal;
12. No processo sub judice, não se vislumbra qualquer situação em que se segure pelo mesmo interesse, relativamente ao mesmo risco e pelo mesmo período de tempo;
13. A entidade patronal do autor, F (subempreiteira das obras), mediante o contrato de seguro celebrado com a recorrente, já transferiu para esta o respectivo dever de indemnização;
14. A recorrente Companhia de Seguros C S.A.R.L. é a única entidade seguradora que garante os riscos relativos ao acidente de trabalho na causa vertente;
15. A sentença recorrida não enferma de qualquer erro ou vício, uma vez que foi proferida pelo Tribunal a quo com base nos factos provados e ao abrigo das leis vigentes e das cláusulas dos respectivos contratos de seguro, devendo assim ser mantida;
16. Por outro lado, as condições concretas desta cedência não se mostram relevantes para determinar a quem recai a responsabilidade pelos danos emergentes do acidente de trabalho;
17. Se a recorrente entende que o apuramento das “condições da cedência de trabalhadores” acordadas entre a D e a F levará o Tribunal a quo a fazer uma decisão diversa da recorrida em relação ao dever de indemnização da F (transferido para a recorrente), cabe à recorrente comprovar que o respectivo “Acordo de Cedência de Trabalhadores” tem cláusulas de limitação de responsabilidade da F ou de responsabilidade solidária das contratantes;
18. Analisados sinteticamente os dados constantes nos autos, detecta-se que nem a recorrente nem o seu segurado apresentou provas substanciais nesse sentido;
19. Ademais, com referência às provas constantes nos autos, o autor recebia da F ordens, instruções e orientações de trabalho;
20. Em consonância com o estatuído no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, tal facto já atribui à F responsabilidade na reparação dos danos sofridos pelo autor, que era trabalhador ao seu serviço, em consequência do acidente;
21. Sendo imperativa a aludida norma, é nulo qualquer acordo formado entre as partes que seja contrário à mesma (tal como a limitação de responsabilidade);
22. Sem prejuízo das mencionadas impugnações, mesmo que a D seja eventualmente responsável pela reparação dos danos sofridos pelo autor, a respectiva obrigação de indemnização não necessariamente ficará transferida para a interveniente principal;
23. Como o contrato de seguro da interveniente principal é seguro de indemnização aos trabalhadores gerais, os danos causados ao autor pelo acidente de trabalho ocorrido no local das obras não se encontram cobertos pelo contrato de seguro celebrado entre a D e a interveniente principal;
24. Assim sendo, a interveniente principal não tem a obrigação de pagar a respectiva indemnização;
25. A sentença recorrida não padece de qualquer vício ou nulidade, daí, não há fundamentos suficientes que justifiquem a repetição do julgamento quanto ao apuramento das condições da cedência de trabalhadores;
26. Nestes termos, a decisão do Tribunal a quo deve ser mantida e a recorrente tem o dever de reparar os danos sofridos pelo autor”.
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E, por fim, também respondeu a “Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada”, concluindo as suas alegações da seguinte maneira:
“1. Segundo os pontos 1 e 2 dos factos provados na sentença recorrida, a Companhia J (Macau), Limitada, empreitou, na qualidade de sub-empreiteira, as respectivas obras.
2. Segundo o ponto 16 dos factos provados, o autor foi empregado pela Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada, aliás, segundos os pontos 8, 10 e 13 dos factos provados na sentença recorrida, no momento da ocorrência do acidente, o autor estava a trabalhar sob as instruções, a direcção e a orientação da Companhia J (Macau), Limitada, no local e no tempo de trabalho indicados pela Companhia J (Macau), Limitada. E o local de ocorrência de acidente situa-se onde se realizam as obras da Companhia J (Macau), Limitada.
3. Obviamente, na altura, o autor prestou trabalho apenas a favor da Companhia J (Macau), Limitada e não de outras entidades (nomeadamente, a Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada).
4. Portanto, nos termos do art.º 4.º do D.L. n.º 40/95/M, a Companhia J (Macau), Limitada era empregadora que deve assumir responsabilidade nos termos da lei.
5. Ao mesmo tempo, segundo o ponto 4 dos factos provados, a responsabilidade de indemnização pelo acidente de trabalho do empregado entre a Companhia de Construção e Engenharia K, Limitada (Macau) (daqui em diante designada por CCEXX) e o seu subcontratado, Companhia J (Macau), Limitada já foi transferida, através de contrato de seguro, à recorrente, e o acidente aconteceu dentro do prazo de validade de seguro.
6. No dia da ocorrência de acidente, a Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada não empreitou nenhuma obra relativa ao estaleiro de construção civil deste caso, nem distribui trabalhos ao autor. Apenas “transferiu” o autor (“empregado substituto”) à Companhia J (Macau), Limitada, e a Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada não assumiu qualquer indemnização, uma vez que o autor não prestou trabalho a favor da Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada na altura (vide fl. 288 da sentença recorrida).
7. Portanto, à Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada e à sua seguradora Companhia de Seguros da H (Macau), S.A. não cabe a responsabilidade de indemnização ou responsabilidade solidária.
8. A recorrente entende que, nos termos do art.º 490.º n.º 1 do Código Civil, conjugado com o art.º 1002.º n.º 4 do Código Comercial, tem direito de regresso contra a Companhia de Seguros da H (Macau), S.A.. Por seu lado, a Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada não concordou com isso.
9. O art.º 1002.º do Código Comercial dispõe-se relativamente a quem que se segurar pelo mesmo interesse, relativamente ao mesmo tipo e pelo mesmo período de tempo, junto de várias seguradoras.
10. Segundo os pontos 4 e 5 dos factos provados, o contrato de seguro celebrado entre a recorrente e a CCEXX destina-se a indemnização da CCEXX e do seu subcontratado, Companhia J (Macau), Limitada (no caso de acidente de trabalho), aos seus empregados que prestavam trabalho no estaleiro de construção civil neste caso; enquanto o contrato de seguro celebrado entre a Companhia de Seguros da H (Macau), S.A. e a Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada destina-se apenas a indemnização a trabalhadores que prestavam trabalhos - obras empreitadas pela Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada - a favor desta mesma.
11. A sentença recorrida corresponde às disposições legais e não padeceu de qualquer vício.
12. Os fundamentos da recorrente não satisfazem o art.º 629.º n.º 2 do Código de Processo Civil”.
*
Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
1. Na data do acidente, a Companhia de Construção e Engenharia K (Macau) Limitada era empreiteira das obras de ampliação do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco - Fase 2.
2. E deu por subempreitada uma parte das obras à Companhia de Maquinaria F (Macau) Limitada.
3. O autor já recebeu indemnização pelas despesas médicas e medicamentosas e pela incapacidade temporária absoluta que sofreu em consequência do acidente em discussão nos presentes autos.
4. Por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º LFH/EWP/2008/000121, “K Engineering Construction Company (Macau) Ltd.” Transferiu para a ré a responsabilidade por danos decorrentes de acidente de trabalho sofridos pelos seus empregados e pelos do seu subempreiteiro (Companhia “J (MACAU) CO., LTD”/Companhia de Maquinaria F (Macau) Limitada) que trabalham nas obras de ampliação do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco durante o período compreendido entre 8 de Maio de 2008 e 7 de Dezembro de 2009.
5. A “Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada”, por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º CIM/EGI/2009/000187, transferiu para a Companhia de Seguros da L (Macau), S.A. (isto é, “Companhia de Seguros da H (Macau), S.A.”), a sua responsabilidade por acidentes de trabalhos sofridos pelos seus trabalhadores que se encontrem em Macau e que trabalham para a “Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada” durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2009, e que sejam motoristas e auxiliares de trabalhos diversos; trabalhador de instalação, remoção e reparação de gruas de torre/electricista/trabalhador que exerce funções de transporte de mercadoria; auxiliar de trabalhos diversos/trabalhadores que acompanham o veículo/trabalhador que exerce funções de transporte de mercadoria; trabalhadores que exercem trabalhos no exterior”.
6. O salário diário que o autor auferia na data do acidente não era inferior a MOP$300,00.
7. A transferência de responsabilidade referida em 5. foi feita tendo o salário diário de MOP300,00 como base de cálculo do montante a indemnizar.
8. No dia 1 de Junho de 2009, através da Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D Limitada, o autor foi contratado pela Companhia de Maquinaria F (Macau) Limitada para trabalhar no estaleiro das obras de ampliação do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco - Fase 2, como substituto.
9. Auferindo o salário diário de MOP$700,00 (setecentas patacas).
10. Recebia da Companhia de Maquinaria F (Macau) Limitada ordens, instruções e orientações de trabalho, e trabalhava sob indicações e directrizes da Companhia de Maquinaria F (Macau) Limitada.
11. No dia 1 de Junho de 2009, por volta das 11H00 da manhã, quando o autor se encontrava a executar trabalho de abaixar a grua do estaleiro, o colega encarregado para movimentar a peça móvel de baixo não deu força em simultâneo com o colega de cima, fazendo com que esta peça móvel ficasse inclinada por desequilíbrio e, na sequência da inclinação, os dedos médio e anelar da mão esquerda do autor ficaram presos entre a peça móvel e o disco, sendo assim decepados o dedo médio e a primeira falange do dedo anelar.
12. Em consequência do acidente o autor ficou com incapacidade permanente parcial de 9% após 4 de Janeiro de 2010.
13. O autor executava o trabalho distribuído no local e tempo indicados pela Companhia de Maquinaria F (Macau) Limitada quando sofreu o acidente.
14. O autor tinha 49 anos na data do acidente.
15. Até agora, a ré ainda não pagou ao autor a indemnização da incapacidade permanente parcial resultante do acidente de trabalho.
16. Quando correu o acidente, o autor era empregado da Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada.
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III- O Direito
1- A dupla investida que a ora recorrente jurisdicional, ré na acção, “Companhia de Seguros C, SARL”, desfere contra a sentença repousa nos seguintes fundamentos:
1º - Em primeiro lugar, por não se considerar responsável pelo pagamento dos danos invocados na acção, face à relação jurídica estabelecida entre a sua segurada “Companhia de Maquinaria F (Macau) Limitada” e o autor acidentado;
2º - Em segundo lugar, em virtude de discordar que os juros de mora possam ser devidos desde a citação, em vez de contados da decisão judicial que fixa o respectivo montante, conforme jurisprudência uniformizada pelo TUI no seu aresto nº 69/2010.
São estes, portanto, os assuntos que prendem a nossa atenção e fixam o objecto do recurso.
Enfrentemos o primeiro.
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2- O caso é o seguinte:
O autor da acção era empregado da “Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada”, empresa que tinha transferido a sua responsabilidade para a “Companhia de Seguros H (Macau por acidentes de trabalho que viessem a sofrer os seus trabalhadores no período compreendido entre1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2009.
No dia 1 de Junho de 2009 o autor foi contratado pela “Companhia de Maquinaria F (Macau) Limitada” “através da Companhia de Gruas e Obras de Engenharia D, Limitada” (sic: facto 7) para trabalhar no estaleiro das obras de ampliação do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco que esta empresa, em regime de subempreitada estava a realizar para a empreiteira “Companhia de Construção e Engenharia K (Macau) Limitada”.
Nesse mesmo dia 1 de Junho de 2009, pelas 11 horas, o autor teve um acidente de trabalho que o incapacitou parcial e permanentemente.
*
3- A questão jurídica coloca-se assim: Quem é responsável pelo pagamento da indemnização? A ré, “Seguros C”1 seguradora da “Maquinaria F”, empresa para a qual o autor estava a trabalhar no dia do acidente? Ou a interveniente “Seguros H”, seguradora da “Gruas e Obras”, entidade patronal do autor no momento do acidente?
A sentença da 1ª instância, na tarefa de subsunção dos factos ao direito, por palavras próprias, asseverou: Apesar de o autor da acção ser empregado da “Gruas e Obras”, tinha sido “cedido” em condições não apuradas para a “Maquinaria F”, entidade para a qual ele estava a trabalhar no momento do acidente. Disse mais: O trabalhador autor estava a trabalhar nessa data sob as ordens, instruções e orientações da “Maquinaria F”, no local e tempo por esta determinados. E concluiu: Assim sendo, o sinistrado não estava ao serviço de “Gruas e Obras”, sua entidade patronal, mas sim da “Maquinaria F”, sendo esta a responsável pela reparação dos danos através da seguradora ré em virtude do contrato de seguro celebrado.
A recorrente discorda de tal entendimento e aponta os erros nas conclusões I a VIII. Diz ela:
Se o autor era empregado da “Gruas e Obras”, conforme ponto 16 da matéria de facto, não era possível que o tribunal “a quo” concluísse que essa empresa não detinha poderes de direcção sobre o autor por ocasião do acidente. E não reunindo os autos elementos em contrário, a presunção de que o trabalhador estava sob a direcção da sua entidade patronal não foi ilidida.
E conclui:
O que significará, pois, a responsabilidade solidária das seguradoras, a da sua entidade patronal e a da “Maquinaria F”, nos termos do art. 490º, nº1, do Código Civil de Macau, 1002º, nº4, do Código Comercial de Macau e 4º do DL nº 40/95/M.
Vejamos.
De acordo com o Regime Jurídico das Relações Laborais que decorre do DL nº 24/89/M, de 3/04 (alterado pelo DL nº 32/90/M), “empregador” é «toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva que directamente disponha da actividade laboral de um trabalhador, conforme contrato de trabalho com ele estabelecido, independentemente da forma que o contrato revista e do critério de cálculo da remuneração, que pode ser dependência do resultado efectivamente obtido» (art. 2º, al.a)) (bold nosso).
E, por outro lado, “trabalhador” «é aquele que, usufruindo do estatuto de residente em Macau, coloque à disposição de um empregador directo, mediante contrato, a sua actividade laboral, sob autoridade e direcção deste, independentemente da forma que o contrato revista e do critério de cálculo da remuneração, que pode ser dependência do resultado efectivamente obtido» (art. 2º, al. b)).
Destas disposições emerge a noção de que entre empregador e trabalhador há, desde logo, uma relação directa (o trabalhador está à disposição do “empregador directo”, ao passo que o empregador “dispõe directamente da actividade do trabalhador”) assente num “contrato de trabalho”. Da mesma maneira, da conjugação de ambas flui que, independentemente da forma desse contrato, o trabalhador fica sob a autoridade e direcção do empregador, no que se não afasta do disposto art. 1079º do C.C.M.
Por conseguinte, empregador é aquele que tem determinado trabalhador directamente sob a sua autoridade e direcção, o que lhe permite dar ordens e emitir instruções sobre o modo como deve prestar-lhe a sua actividade laboral.
Vejamos, agora, se estes conceitos têm correspondência com os do diploma que estabelece o regime aplicável aos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, o DL nº 40/95/M, de 14/08.
Para este articulado, “Trabalhador”, é “aquele que, mediante retribuição, presta a sua actividade a outra pessoa, independentemente da natureza e da forma do acto pelo qual esses serviços ou actividade laboral são estabelecidos, bem como aquele que presta a sua actividade em regime de aprendizagem ou de tirocínio, ficando, em qualquer caso, excluídos da definição de trabalhador” (art. 3º, al. d)).
E “Empregador” ou “Entidade patronal” é “toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem o trabalhador presta, directa ou indirectamente, os seus serviços ou a sua actividade laboral, independentemente da natureza e da forma do acto pelo qual esses serviços ou actividade laboral são estabelecidos” (art. 3º, al. e)).
Se bem os concatenarmos, logo notamos algumas diferenças de vulto.
Se excluirmos a 2ª parte da alínea d) acima transcrita, por irrelevante ao caso, imediatamente daremos conta que o “trabalhador” presta a sua actividade a outra pessoa (afastou-se da noção a relação “directa”), independentemente da natureza e da forma do acto pelo qual os serviços ou actividade laboral são estabelecidos, enquanto o “empregador” é a pessoa a quem o trabalhador presta, “directa” ou “indirectamente” (sublinhe-se, outra vez, a irrelevância da relação directa como elemento essencial) os seus serviços ou a sua actividade laboral.
Ou seja, para o legislador do regime dos acidentes laborais, a “relação directa” de emprego entre A e B deixou de constituir factor central para a assunção da responsabilidade. E é por isso mesmo que, para tal efeito, não é importante (“independentemente da…”) a natureza do acto pelo qual os serviços são prestados (pode ser “contrato de trabalho”, pode ser uma cedência temporária e precária, etc.). Dito de outra maneira, e parafraseando o que noutro aresto deste TSI (Ac. de 26/07/2012, Proc. nº 388/2012) foi já adiantado “No Decreto-Lei n.º 40/95/M, sendo um regime jurídico da reparação por danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, o diploma focaliza a determinação e efectivação da responsabilidade da reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais e a conceptualização da “entidade patronal” não tem por pressuposto o estabelecimento de uma relação jurídica laboral como no Decreto-Lei n.º 24/89/M” (bold nosso). É exactamente isso.
No caso em apreço, segundo se deduz da matéria de facto provada, cremos estar em presença de um fenómeno muito próximo daquilo a que alguma doutrina estrangeira apelida “Locação de mão-de-obra”. Ainda que esta figura não tenha na RAEM amparo legal, isto é, mesmo não estando prevista e regulamentada, pode sempre acontecer que uma empresa ceda o seu trabalhador a outra, de quem irá receber ordens directas, com quem se vai relacionar constante e directamente, inserindo-se no meio empresarial do tomador do serviço. Muitas vezes sucede que entre as duas empresas ou há relações de dependência, ou de parceria, ou pertencem ao mesmo grupo ou são sócias de uma mesma outra grande sociedade.
Coisa parecida sucede, frequentemente, nas chamadas “falsas subempreitadas”, em que a empresa que tem a seu cargo a execução de um serviço vai cedendo a outrem a execução desse serviço sem o carácter de uma verdadeira subcontratualização.
E acontece isso também nos chamados “empréstimos” em que uma empresa, com o acordo do seu trabalhador (por exemplo, nela pouco utilizado, por qualquer razão), o empresta a outra durante um determinado período. Os “empréstimos” de jogadores entre clubes de futebol são bom exemplo do que se acaba de dizer.
Na locação de mão de obra, assim como na falsa subempreitada e nos ditos “empréstimos”, quem dispõe à partida dos “seus” trabalhadores coloca-os simplesmente à disposição de outro empresário, que lhes vão pagar o salário e dar ordens, com quem se relacionam constante e directamente. Os trabalhadores ficam inseridos no meio empresarial do tomador do serviço, muito mais do que no de quem os contratou inicialmente; o “fornecedor” do trabalhador acaba por ser em muitos dos citados casos mero intermediário. Por vezes é o que acontece com a figura do “merchandage”, termo que provém do Direito Francês, que pode ser traduzido como a comercialização do trabalho com a exploração pura e simples, através de uma empresa interposta com características mais ou menos nítidas e que é proibida em vários países. Tanto num caso como noutro, entende-se que a relação empregatícia passa a ficar estabelecida, pelo menos enquanto dura a prestação de serviço, entre o trabalhador e o tomador do serviço ou actividade laboral.
Não é bem o que resulta da matéria de facto apurada, mas ainda assim há alguns pontos de contacto. E sendo assim, para lá da natureza do negócio (ponto 8 da matéria de facto), a verdade é que a “Gruas e Obras” colocou ao serviço da “Maquinaria F” o trabalhador recorrente, que foi trabalhar para o local da obra que esta empresa estava a efectuar em regime de subempreitada (ponto 8 referido), recebendo desta o salário de 700 patacas por dia (ponto 9 da matéria de facto), e recebendo dela ordens, instruções, orientações de trabalho, indicações e directrizes (ponto 10 da matéria de facto). Vale dizer, portanto e em suma, que, apesar do vínculo inicial que mantinha com a empresa de origem, o autor da acção estava, durante o tempo da duração desse novo contrato, sob a autoridade e direcção da empresa subempreiteira2.
E com esta conclusão, fica sem pé a afirmação da recorrente segundo a qual a presunção de que os poderes de direcção da “Gruas e Obras” sobre o trabalhador não foi ilidida. Na verdade, ao invés, o que se provou é que os poderes de direcção que caracterizam uma relação laboral foram efectivamente transferidos para a “Maquinaria F”.
Consequentemente, não sufragamos a tese da solidariedade que a recorrente descobre nos arts. 4º do DL nº 40/95/M e 490º do CC. Na verdade, pelo acidente verificado não pode a entidade patronal do autor da acção, a “Gruas e Obras”, ser responsabilizada por um acidente ocorrido num tempo em que o vínculo com o trabalhador não tinha na prática uma verdadeira correspondência material. O que se pode dizer é que, enquanto durasse a “prestação do trabalho” ao “tomador do serviço”, a responsabilidade pelos sinistros apenas recairia sobre o beneficiário da actividade ou do serviço, pois era ele quem ao mesmo tempo punha e dispunha do trabalhador, que tinha que executar as ordens e instruções como se fosse a sua actual empregadora. Em boa medida, o vínculo firmado pelo autor da acção com a “Gruas e Obras” estava, por assim dizer, suspenso temporariamente. De resto, como se afirmou, o diploma sobre o regime dos danos emergentes dos acidentes de trabalho desvaloriza esse vínculo da relação jurídica, para sublinhar a relação material trabalho-benefício. O que para o legislador importa é que uma “pessoa” beneficie dos serviços ou da actividade laboral prestados pelo trabalhador (alínea e) citada), pouco se importando já com a forma e a natureza do acto pelo qual esses serviços ou essa actividade vêm sendo prestados.
Aliás, se o art. 490º citado não se apresenta no caso concreto como a norma criadora da responsabilidade pelos danos (trata-se de uma norma-efeito), tão pouco a norma-causa invocada (art. 4º do DL nº 40/95/M) aqui lhe serve de algum préstimo.
O texto deste art. 4º prescreve o seguinte: “São responsáveis pela reparação e demais encargos previstos neste diploma as entidades patronais relativamente aos trabalhadores ao seu serviço, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º e no regime geral de segurança social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 58/93/M, de 18 de Outubro”.
E diz o art. 17º ali mencionado, com a epígrafe, “Período de imputabilidade”: “1. São responsáveis pela reparação de doença profissional, na proporção do tempo de trabalho prestado a cada uma delas, as entidades patronais por conta de quem a vítima trabalhou na mesma indústria ou ambiente, por um período mínimo de três meses, nos dois anos anteriores à cessação do trabalho causador da doença ou, em termos idênticos, as respectivas seguradoras. 2. A reparação é efectuada na íntegra pela última entidade patronal do trabalhador, ou pela respectiva seguradora, com direito de regresso sobre as outras entidades responsáveis, nos termos do número anterior”.
Ora, como nos parece, o segundo segmento da norma “sem prejuízo do nº1, do artigo 17º…” não vem senão trazer à luz do dia a possibilidade de cumulação do direito à reparação por acidente de trabalho com o direito à reparação por doença profissional”3. Na verdade, se faz sentido que a doença profissional possa ser adquirida pelo trabalhador enquanto prestou a sua actividade para duas ou mais entidades profissionais em tempos diferentes, num período mais ou menos longo e durante o qual a(s) doença(s) tenha(m) evoluído silenciosa e paulatinamente - e para isso serve a previsão do art. 17º -, pouco sentido já tem dizer-se que um acidente de trabalho – evento brusco, inopinado e de ocorrência esgotada num só instante – possa responsabilizar simultaneamente duas entidades distintas (pode acontecer, mas não é normal que suceda e, seguramente, não o será ao abrigo deste segmento da norma, que tem um alcance diferente).
E de qualquer maneira, também não será a coberto da 1ª parte desse artigo 4º que a responsabilidade se deve repartir. É que a responsabilidade que ali está patente é a que se imputa à entidade patronal relativamente ao trabalhador ao “seu serviço”. Ora, no momento do acidente, o autor estava no local da obra e ao serviço da “Maquinaria” e não da”Gruas e Obras”. Isto por si só derruba o exercício de raciocínio que a recorrente desenvolveu nas suas alegações e conclusões respectivas.
Por fim, e como elemento adicional de fundamentação, sempre haveria que dizer que em caso algum o seguro celebrado entre “Gruas e Obras” e “Companhia de Seguros da L (Macau), SA” cobriria a responsabilidade por este acidente, pois, como decorre do ponto 5 da matéria de facto, ele apenas previa os trabalhos que nós poderíamos dizer “gerais”, aqueles que não eram propriamente referentes às obras de construção/demolição. Para esses trabalhos só o seguro referido no ponto 4, celebrado entre “K Engineering Construction Company (Macau), Ltd” haveria de proteger.
E se a recorrente também fez apelo ao art. 1002º, nº4 do Código Comercial, também por aí lhe não serve a invocação, não só por versar sobre actividades comerciais, diferentes por conseguinte da actividade industrial que aqui se discute e dos acidentes de trabalho que possam ocorrer no exercício desta, mas também porque o que subjaz à previsão desse artigo é a existência simultânea de vários contratos de seguro celebrados pela mesma pessoa com diferentes seguradoras, sobre o mesmo risco, pelo mesmo interesse e para o mesmo período de tempo. Ora, nada disso tem similitude com o caso em apreço, que nos patenteia dois contratos de seguro celebrados por pessoas diferentes e com coberturas distintas, tal como já afirmado.
À primeira vista, por conseguinte, nenhuma censura se pode imputar à sentença em análise. Mas, continuemos.
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4- Mergulhemos agora naquilo a que podemos designar o 2º capítulo das conclusões alegatórias, espelhadas nas conclusões IX a XV.
Nelas, a recorrente manifesta discordância relativamente ao julgado posto em crise por entender que a circunstância de não terem sido apuradas as condições de cedência do trabalhador da “Gruas e Obras” à “Maquinaria” deveria ter levado a conclusão diferente daquela que a sentença alcançou. Bastaria, diz a insurgente, que as condições de cedência previssem uma atribuição de responsabilidade em caso de acidente de trabalho diferente daquela que foi dirimida na sentença para que a solução a dar à contenda já fosse irremediavelmente outra. E nesse pressuposto, tornando-se necessário apurar estes dados, impor-se-ia a anulação da sentença. Eis a posição da recorrente sobre esta matéria.
Pois bem. Não foi a ré, ora recorrente, capaz de demonstrar as reais condições da “cedência” do trabalhador e sobre ela recairia tal ónus, uma vez que se tratava de matéria exceptiva (art. 412º do CPC). E, agora, no recurso dirige a esgrima contra o tribunal “a quo” por entender que este deveria ter dado por provada coisa diferente (conclusão XIV).
Todavia, quanto a isso, e se a intenção da recorrente é impugnar a matéria de facto, deveria ter procedido como o manda fazer o art. 599º, nº1, al. b), do CPC, apontando os meios probatórios concretos, constantes do processo ou do registo nele realizado, que impunham, sobre determinados pontos da matéria de facto, decisão diversa. Não o fez, porém, a recorrente. Consequentemente, torna-se inócua a sua alegação sobre o assunto, assim como nem se nos afigura necessária a anulação invocada ao abrigo do art. 629º do CPC.
De resto, face à matéria provada, realmente também somos a concluir que as condições de “cedência” não se mostram essenciais ao desfecho da acção. Quer dizer, se a “cedência” foi feita sem aspectos de pormenor provados que pudessem relevar para o caso em apreço, valerá a incidência das normas acima citadas, nomeadamente o art. 4º do DL nº 40/95/M, para destacar a responsabilidade da ré demandada, por ser ela a seguradora pelos acidentes de trabalho ocorridos na obra.
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5- No último grupo das conclusões, a recorrente discorda da forma como foram determinados os juros de mora. Em sua opinião, deveria a sentença recorrida ter observado os termos do acórdão uniformizador de jurisprudência lavrado pelo TUI em 2/03/2011, no Proc. nº 69/2010. Ou seja, a sua contagem deveria iniciar-se aquando da liquidação definitiva das eventuais quantias a indemnizar.
Tem razão a recorrente quanto a este aspecto. O TUI, com os fundamentos legais que ali invocou e para os quais remetemos, por comodidade, considerou no referido aresto que “A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, nºs 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação” (itálico nosso).
E para se entender melhor a dispositividade da uniformização jurisprudencial, esclarecera tal aresto o seguinte parâmetro: Se em recurso jurisdicional o tribunal superior confirma os valores fixados na sentença da 1ª instância, a mora conta-se a partir da data desta; se houve uma parte não confirmada e, em consequência disso, o tribunal de recurso arbitra definitivamente o valor da indemnização devida em montante diferente, será, nessa parte, a partir da data do acórdão que os juros se calcularão.
Sendo isto assim, e uma vez que o valor da indemnização fixado na primeira instância foi acolhido inteiramente na segunda, os juros deverão calcular-se desde a data da sentença recorrida.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder parcialmente ao recurso e, em consequência:
- Confirmar a sentença recorrida quanto à condenação da “Companhia de Seguros C, SARL” no pagamento da indemnização ao autor da acção no valor de Mop$ 181.400,00;
mas,
- Revogá-la na parte referente aos juros de mora, os quais se passarão a contar da data da sua prolação, ou seja, de 09/10/2012.
Custas pelas parte em ambas as instanciar conforme decaimento.
TSI, 18 / 04 /2013
(Relator) José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan

1 Por razões de comodidade, doravante encurtaremos a designação das empresas em causa.
2 Não se admire a recorrente que um trabalhador possa manter um vínculo jurídico-formal com o seu empregador enquanto presta serviço para outra, de quem recebe ordens, instruções e directivas e executando as tarefas para ela exactamente como ela quer que preste. Ressalvando as devidas diferenças, um magistrado que pertença aos quadros dos tribunais de Portugal, por exemplo, pode prestar na RAEM o seu serviço, sem que isso destrua o vínculo que o mantém a Portugal, mas também sem que não fique sujeito a um quadro de obrigações e direitos para com a Administração de Macau.
3 Ao contrário do que é suposto pela recorrente, estamos convencidos que ali está prevista uma fonte de conjunção, e não de solidariedade, na medida em que cada entidade se mostrará responsável na proporção do trabalho prestado a cada uma delas.
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