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Processo nº 57/2013 Data: 18.04.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Processo Contravencional.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Reenvio.

SUMÁRIO

1. Ocorre insuficiência da matéria de facto provada para a decisão quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 57/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Nos Autos de Processo Contravencional n.° CR2-12-0524-PCT, proferiu-se sentença com o teor seguinte (na parte que revela para a questão a decidir):
“O Ministério Público substituiu a apresentação da acusação pela leitura da notificação n.° N001831/2012 junto aos autos, nos termos do art.° 370°, n.° 3 do C.P.P..
Sendo este Tribunal o competente e o processo o próprio, e tendo o Ministério Público legitimidade para a acção penal, e na ausência de outras questões prévias ou acidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa de que se pudesse, desde logo, conhecer, procedeu-se ao exame dos documentos juntos aos autos nos termos e para os efeitos do art.° 336°, n.° 1 do Código Processo Penal e à discussão da causa com observância de todo o formalismo legal.
Finda a produção da prova, foi dada a palavra respectivamente ao Digno Magistrado do Ministério Público e ao ilustre defensor oficioso para alegações orais.
Pela convicção fundada na análise na audiência de documentos juntos aos presentes autos, resultam provados todos os factos constantes da notificação n.° N001831/2012, nomeadamente:
Em 28 de Abril de 2012, cerca das 12:16 horas, o transgressor estava a conduzir o automóvel ligeiro com chapa de matrícula MG-78-XX, na Avenida da Amizade, perto do Terminal Marítimo de Macau, com a velocidade de 76km/h.
Factos não provados: nada a assinalar.
*****
Relativamente ao comportamento do transgressor, o mesmo cometeu uma contravenção p. e p. pelo art° 31° n° 1 da L.T.R., punida com a multa de mil patacas (MOP$1.000,00) a cinco mil patacas (MOP$5.000,00), e a inibição de condução por um período de um (1) mês a seis (6) meses.
*****
Em face do exposto, o Tribunal julga a acusação procedente por provada e, em consequência, condena o transgressor A pela prática de uma contravenção p. e p. pelo art° 31° n° 1 e art° 98° n° 4, ambos da L.T.R., na pena de multa de três mil patacas (MOP$3.000,00), a que correspondem seis (6) dias de prisão subsidiária, e na pena acessória da inibição de condução por um período de quatro (4) meses”; (cfr., fls. 14 a 15-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu para, em síntese, dizer que a sentença recorrida padece de “erro na qualificação jurídica dos factos” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 20 a 21-v).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público:

“O recorrente entende que apenas está provada na sentença a contravenção por si praticada em 28/04/2012, não estando provado que nos 2 anos anteriores tivesse cometido idênticas contravenções. Assim, no seu entender, a norma incriminadora deveria ser a do art° 98, n° 1 e não a do art° 98°, n° 4 da Lei 3/2007.
Ora, o que consta, expressamente, da sentença é que “pela convicção fundada na análise na audiência de documentos juntos aos presentes autos, resultam provados todos os factos constantes da notificação n° N001831/2012, nomeadamente…” e acrescenta “factos não provados: nada a assinalar”.
Dos documentos, a que faz referência a douta sentença, faz parte a “listagem das transgressões”, elaborada pelo Departamento de trânsito da PSP, donde consta o pagamento, em 15/06/2011, de multas, ambas de 750 patacas, pela prática de duas contravenções de excesso de velocidade praticadas pelo recorrente.
(…)
O transgressor não foi surpreendido com a pena que lhe foi aplicada porque a norma incriminadora, com referência à reincidência, consta, expressamente, do auto de notificação…
Não assiste, pois, razão ao recorrente.
Quanto à alegada “aplicação de pena demasiado severa” pugne também pela sua improcedência”; (cfr., fls. 31 a 33-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou a Ilustre Procuradora Adjunta Parecer subscrevendo o entendimento assumido na Resposta ao recurso; (cfr., fls. 43).

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Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação


2. Vem o arguido dos autos recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de uma contravenção p. e p. pelo art° 31° n° 1 e art° 98° n° 4, ambos da L.T.R., na pena de multa de três mil patacas (MOP$3.000,00), a que correspondem seis (6) dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por um período de quatro (4) meses.

Entende que os factos provados não permitem a decisão condenatória proferida, imputando assim àquela o vício de “erro de direito” e “excesso de pena”.

Vejamos.

Preceitua o art. 31° da L.T.R. que:

“1. Sem prejuízo da fixação, através de sinais adequados, de limites máximos ou mínimos de velocidade nas vias em que as condições de trânsito o aconselhem, os veículos estão sujeitos aos limites máximos genéricos previstos em diploma complementar.

2. Considera-se excessiva a velocidade sempre que o condutor ultrapasse os limites máximos de velocidade referidos no número anterior”.

Por sua vez, nos termos do art. 98° da mesma Lei:

“1. É punido com pena de multa de 600,00 a 2 500,00 patacas, quem infringir os limites de velocidade com excesso de velocidade inferior a 30 km/h sobre os limites impostos, no caso de ciclomotor, de motociclo ou de automóvel ligeiro, ou a 20 km/h, tratando-se de automóvel pesado.

2. É punido com pena de multa de 2 000,00 a 10 000,00 patacas e inibição de condução pelo período de 6 meses a 1 ano, quem infringir os limites de velocidade com excesso de velocidade igual ou superior a 30 km/h sobre os limites impostos, no caso de ciclomotor, de motociclo ou de automóvel ligeiro, ou a 20 km/h, tratando-se de automóvel pesado.

3. Em caso de reincidência, o infractor é punido:

1) Com pena de multa de 750,00 a 3 500,00 patacas, caso a segunda infracção tenha sido cometida com excesso de velocidade indicado no n.º 1;

2) Com pena de multa de 2 000,00 a 10 000,00 patacas e inibição de condução pelo período de 6 meses a 1 ano, caso a infracção anterior tenha sido cometida com excesso de velocidade indicado no n.° 1 e a segunda com excesso de velocidade referido no número anterior;

3) Com pena de multa de 4 000,00 a 20 000,00 patacas e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se a primeira e segunda infracções tiverem sido cometidas com excesso de velocidade indicado no número anterior.

4. É punido com pena de multa de 1 000,00 a 5 000,00 patacas e inibição de condução pelo período de 1 a 6 meses, quem praticar a contravenção prevista no n.º 1 pela terceira vez e seguintes, no prazo de 2 anos contado a partir da data da prática da primeira das duas infracções anteriores, desde que sobre estas tenha havido pagamento voluntário das multas ou as sentenças tenham transitado em julgado e caso as infracções anteriores tenham sido cometidas com excesso de velocidade indicado no mesmo número.
(…)”; (sub. nosso).

Como se vê, a primeira questão a tratar consiste em saber se a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida permite a condenação do arguido nos termos decididos pelo Mmo Juiz do T.J.B..

E, cremos que a resposta terá que ser de sentido negativo.

De facto, o arguido foi punido nos termos do art. 31°, n.° 1 e art. 98°, n.° 4, ambos da L.T.R., e, como se viu, nada da matéria de facto dada como provada nos dá conta da situação prevista no n.° 4 do dito art. 98°, ou seja, que o arguido praticou uma contravenção por “excesso de velocidade pela terceira vez, no prazo de 2 anos contado a partir da data da prática da primeira…”.

Com efeito, não nos parece que se possa manter a decisão recorrida por se ter dado como “provados todos os factos constantes da notificação n.° N001831/2012”.


É que a dita “notificação” também nada diz sobre eventual “reincidência” do arguido na condução com “excesso de velocidade”, e muito menos quanto às “datas destas”.

E, assim, ainda que aí conste o “art. 98°, n.° 4 da L.T.R. ”, afigura-se-nos (patente) que tal “referência”, (que não constitui “matéria de facto”), não basta.

Então quid iuris?

Cremos, possíveis, duas soluções: uma, que passa pela alteração da decisão proferida, e outra, pelo reenvio do processo para novo julgamento, por insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.

Afigura-se-nos de adoptar a segunda das soluções, que, em nossa opinião, e independentemente do demais, melhor se harmoniza com a “verdade material”.

Vejamos.

No que toca ao sentido a alcançar do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, tem este T.S.I. entendido que “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 25.09.2012, Proc. 706/2012).

E, em recente Ac. do Vdo T.U.I. voltou-se também a afirmar que “para que se verifique o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que essa matéria se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada”; (cfr., o Ac. de 20.03.2013, Proc. n.° 3/2013).

Ora, no caso dos autos, da referida notificação constava o “art. 98°, n.° 4 da L.T.R.”, e como tal, (também pela existência nos autos da “listagem das transgressões”), mostra-se de concluir que devia o Tribunal a quo investigar, (sob o princípio do contraditório), se era o arguido “reincidente”, e emitir pronúncia em conformidade, dando como provada ou não provada tal “circunstância” (e respectivas datas).

Diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que “dos documentos, a que faz referência a douta sentença, faz parte a “listagem das transgressões”, elaborada pelo Departamento de trânsito da PSP, donde consta o pagamento, em 15/06/2011, de multas, ambas de 750 patacas, pela prática de duas contravenções de excesso de velocidade praticadas pelo recorrente”.

É certamente um entendimento que se respeita.

Todavia, o que se consignou na sentença recorrida foi (apenas) que:
“Pela convicção fundada na análise na audiência de documentos juntos aos presentes autos, resultam provados todos os factos constantes da notificação n.° N001831/2012, nomeadamente:
Em 28 de Abril de 2012, cerca das 12:16 horas, o transgressor estava a conduzir o automóvel ligeiro com chapa de matrícula MG-78-XX, na Avenida da Amizade, perto do Terminal Marítimo de Macau, com a velocidade de 76km/h”.

E, ainda que dos autos conste a aludida “listagem das transgressões”, que foi objecto da análise pelo Tribunal a quo para a formação da sua convicção, o certo é que nada se diz em sede de “factos provados” quanto às duas transgressões pelo recorrente (alegadamente) cometidas, e pelas quais, em 15.06.2011, pagou as respectivas multas.

Dest’arte, em causa estando “matéria de facto” para cuja decisão necessário é que observado seja o princípio do contraditório, feita que foi a advertência e sendo o vício de “insuficiência” em questão de conhecimento oficioso, impõe-se o reenvio dos autos para novo julgamento, nos termos do art. 418° do C.P.P.M..

Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, determina-se o reenvio dos autos para novo julgamento no T.J.B..

Sem tributação.

Macau, aos 18 de Abril de 2013
  
  José Maria Dias Azedo
  
  Tam Hio Wa
  
  Chan Kuong Seng (vencido, por entender que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não é de conhecimento oficioso).

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