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Processo nº 163/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 02 de Maio de 2013

ASSUNTO:
- Marca
- Capacidade distintiva

SUMÁRIO:
   - A marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, daí que o seu registo exige a capacidade distintiva.
- Tanto “COTAI” como “COTAI STRIP” indicam uma determinada zona específica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento.
- A marca nominativa composta pela expressão “COTAI STRIP COTAIExpo” não possui capacidade distintiva, pelo que não pode ser objecto do registo.
O Relator,







Processo nº 163/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 02 de Maio de 2013
Recorrentes: Direcção dos Serviços de Economia
A Corp.
Recorrida: B Entertainment Limited

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 03/08/2012, foi decidido julgar procedente o recurso judicial interposto pela B Entertainment Limited e, em consequência, anulou-se a decisão da Direcção dos Serviços de Economia (DSE), recusando assim a concessão do registo da marca nº N/37758 a favor da A Corp., para a classe de produtos nº 43.
Dessa decisão vêm recorrer tanto a Direcção dos Serviços de Economia, como A Corp., alegando, em sede de conclusão, respectivamente, o seguinte:
Conclusões da DSE:
“Como se verifica existem duas interpretações judiciais em relação a estas marcas: a primeira, elabora uma análise dissecando a marca palavra por palavra e assim conclui que não existe capacidade distintiva e, por outro lado, o carácter enganoso da marca; a segunda, no sentido da marca ser analisada no seu todo e assim adquirir capacidade distintiva e de não se tratar de marca enganosa porque, a localização geográfica é usada sem conduzir os consumidores a pensar que esses produtos / serviços, que lhe andam associados, têm essa proveniência, no sentido de ali serem fabricados / prestados, sendo, por sua vez, a localização geográfica verdadeira.
A marca registanda é uma designação de fantasia, tem capacidade distintiva, não contem nenhuma falsa indicação de proveniência e o seu registo não ocasiona actos de concorrência desleal, pelo que, é de manter o despacho de concessão e revogar-se a sentença recorrida.”
Concluões da A Corp.:
a) A marca N/37758 COTAI STRIP COTAIExpo é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já é constitui um topónimo, COTAI, e uma outra alusiva aos serviços marcados, EXPO.
b) O termo STRIP constitui, na marca em causa, expressões de fantasia.
c) A STRIP correspondem as palavras portuguesas tira, faixa, pista.
d) EXPO, sendo alusivo a alguns dos serviços marcados, surge integrada no conjunto COTAIExpo, com isso adquirindo carácter inovador e de fantasia.
e) Ao considerar que a marca COTAI STRIP COTAIExpo é toda ela composta por sinais que designam apenas características de bens, isto é, a sua natureza e a sua proveniência geográfica, a decisão recorrida incorre num manifesto erro de julgamento e faz uma errada aplicação das normas contidas no artigo 197.° e na alínea b) do n.º 1 do artigo 199.° do RJPI.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
a) Em 30.07.2008 A Corp. requereu o registo da marca N/37758 para a classe de produtos n° 43 a qual consiste no seguinte:
COTAI STRIP COTAIExpo
b) Por despacho de 13.12.2011 proferido a fls. 22 dos autos do Processo Administrativo apensos, foi concedido o registo da marca referida.
c) Tal Despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n° 1, II Série, de 04.01.2012.
d) Em 03.02.2012 foi apresentado no Tribunal a quo o recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III – Fundamentação
   O presente recurso consiste em saber se a marca N/37758 possui capacidade distintiva, susceptível de ser objecto de protecção pelo registo.
   Como se sabe, a marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas.
   A constituição da marca, em princípio, é livre. Pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, fonéticos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente. Pode ser ainda composta pelo formato de um produto ou da respectiva embalagem (artº 197º do RJPI)
   Todavia, esta liberdade de composição da marca não é ilimitada.
   A lei estabelece, a este respeito, várias restrições, uma das quais é justamente a constituição da marca tem de ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
   Assim, a marca não pode ser exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem, a época de produção dos produtos ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (artº 199º do RJPI).
   Referem-se aqui, nas palavras do Prof. Ferrer Correia, os chamados sinais descritivos dos produtos.
   Para o mesmo autor, os sinais descritivos dos produtos só não poderão preencher, de per si, o conteúdo da marca se forem usados sem modificação. A proibição já não valerá quando, através de alterações gráficas e fonéticas, se lhes atribua um conteúdo original e distintivo.
   No caso em apreço, a marca registanda é composta simplesmente por caracteres “COTAI STRIP COTAIExpo” e o Tribunal a quo negou o registo da mesma pelas seguintes razões:
“...
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
   E, em primeiro lugar, cabe dizer que a questão a decidir, tendo em conta que este é um recurso de plena jurisdição, consiste em saber se ocorre motivo de recusa do registo concedido. Assim, caso se conclua que ocorre um motivo de recusa, procederá o recurso, ficando prejudicada a necessidade de decidir se se verificam outros motivos de recusa, não estando o tribunal impedido de conhecer de qualquer dos motivos de recusa do registo ainda que não façam parte da fundamentação da decisão recorrida, pois o facto de se tratar de recurso de plena jurisdição impede a limitação dos poderes de cognição do tribunal pelos fundamentos da decisão recorrida e pela motivação e conclusões do recurso.
   Tendo a recorrente colocado em discussão a falta de carácter distintivo e a existência de carácter enganoso da marca, é por estas questões que se deve começar.
   Do carácter distintivo da marca registanda ("COTAI STRIP COTAIExpo").
   Resulta do disposto no art. 197º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante designado por RJPI, que só são susceptíveis de registo como marcas os sinais adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
   Temos, pois, um primeiro limite para que os sinais possam ser registados como marca de comércio: a sua adequação para distinguir bens.
   E resulta da al. b) do n° 1 do art. 199° do mesmo diploma legal que os sinais constituídos apenas por indicações de características de bens (produtos e serviços) não são adequados a distinguir esses bens em função das suas empresas ou da sua origem comercial e, por isso, não são adequados a desempenhar a função de marca, sendo insusceptíveis de registo para protecção.
   Na verdade, os sinais que indicam apenas características de bens são descritivos desses bens, podendo servir para os distinguir de outros bens que tem outras características, mas nada distingindo em relação às empresas de uns e dos outros. O que só serve para distinguir os bens pelas suas características não deve servir para os distinguir pelas suas empresas - não é adequado a tal distinção. Destinando-se o direito de marca a proteger os sinais adequados a distinguir os bens em função das empresas, deve recusar-se a protecção decorrente do registo da marca àqueles sinais que só servem para distinguir os bens em função das características destes. De outra forma, o registo conferirá eficácia jurídica distintiva a sinais que, pela sua natureza descritiva, não a têm. Os sinais que distinguem ou designam características dos produtos e, ou, serviços não têm aptidão distintiva enquanto marca, isto é, não são aptos a distinguir produtos e serviços de um empresa dos de outra. Não são aptos a distinguir a origem comercial dos bens.
   Vejamos então.
   Os sinais que compõem a marca registanda são palavras: "COTAI STRIP COTAIExpo".
   Não há dúvida que, em geral, as palavras têm adequado carácter distintivo da origem comercial dos produtos e serviços que assinalam. É o art. 197º do RJPI que o afirma expressamente. Assim, há que ver, em concreto, se a marca nominativa registanda, composta pelas palavras simples COTAI e STRIP e pela palavra composta por justaposição COTAIExpo, tem carácter e aptidão distintivos da origem comercial dos bens que se destina a assinalar, sendo certo que basta para a concessão do registo um mínimo de aptidão para distinguir no espírito do público de referência (médio) aquela origem comercial.
   O método para aferir se determinado sinal tem, ou não, aptidão distintiva tem de considerar os bens que, em concreto, visa assinalar e distinguir e o público perante o qual vão ser assinalados (público de referência). Não basta a aptidão geral das palavras, sendo necessário testá-la (art. 197º do RJPI), através de tal método, em confronto com o motivo de recusa em análise (art. 199°, n° 1, al. b) do mesmo diploma legal). E a presença ou ausência de carácter distintivo há-de procurar-se na "imagem global" da marca e não na análise individualizada de cada um dos seus elementos. É na marca, como um todo, que há-de afirmar-se ou negar-se o carácter distintivo ou a adequação para distinguir a origem comercial dos bens que se destina a marcar.
   A marca registanda contém duas palavras, uma da língua inglesa, (cotai e strip) que indicam com precisão uma localização geográfica na RAEM. Disso parece não poder duvidar-se. E contém outra palavra que indica, de forma genérica, a natureza de uma actividade (expo) normalmente ligada a convenções e exposições. A marca em apreciação é composta por sinais - palavras - que designam um local e uma actividade. Tais palavras permitem ser utilizadas no comércio para designar a proveniência geográfica e a natureza dos bens a marcar. Deste modo, a marca registanda é, toda ela, composta por sinais que designam apenas características de bens: a sua natureza e a sua proveniência geográfica. E acresce que a espécie e a proveniência designadas pelos sinais que compõem a marca registanda são de bens que pertencem ao grupo daqueles que a marca se destina a assinalar.
   A marca registanda não tem, assim, carácter distintivo mínimo das empresas que produzem ou fornecem tais bens em relação àquelas que o não fazem, pelo que não lhe pode ser atribuída através do registo eficácia distintiva que não tem correspondência no seu carácter que é descritivo de características de bens.
   O carácter distintivo de uma marca significa que essa marca permite identificar os produtos e os serviços para os quais é pedido o registo como provenientes de uma empresa determinada e, portanto, distingue esses bens dos de outras empresas. Ora, só dificilmente se concebe que o nome de um local e uma actividade possa ter carácter distintivo intrínseco da origem comercial, antes se devendo considerar desprovido de carácter distintivo.
   A marca em apreço não poderá ser registada por ser meramente descritiva. E totalmente descritiva das características de bens, consistindo apenas na designação de um local e de uma espécie de actividade. E não contém qualquer elemento de fantasia, tendo todos os seus elementos um significado literal imediato incontornável, inclusivamente os termos "strip" e "expo". Assim, a marca em apreço não pode ser registada. Com efeito, dispõe o art. 199°, n° 1, al. b) do RJPI que "não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos". Ora, sendo a marca registanda exactamente um local geográfico e um nome de um serviço, é constituída exclusivamente por sinais que, no comércio, designam a origem geográfica e a espécie desse serviço. Por isso, tais sinais não podem ser protegidos como marca. São destituídos de carácter distintivo tendo em conta os bens que se destinam a assinalar e tendo em conta a percepção que de tais sinais tem o público relevante.
   O único elemento de fantasia que se admite poder existir consiste na justaposição de duas palavras existentes, na abreviatura "expo" e na escrita em itálico deste último vocábulo formando uma outra palavra diferente e sem significado preciso - COTAIExpo. Mas isso não chega para lhe retirar o cunho de totalmente descritiva de características dos bens a marcar - natureza e proveniência geográfica. Na verdade, este cunho não deve ser visto em termos meramente linguísticos de significante/significado, pois a palavra cotaiexpo não existirá em qualquer código linguístico presente ou passado, pelo que não tem significado. Tal cunho deve ser visto na perspectiva de poder servir no giro comercial. Por isso é que a al. b) do n° 1 do art. 199° se refere aos sinais "que possam servir no comércio para designar ... características" de produtos ou de serviços, assim se abrangendo quaisquer sinal susceptível de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, formas, sons, combinações de cores. Ora, COTAIExpo é um termo que pode perfeitamente servir no ambiente do comércio para designar a proveniência geográfica e a natureza de bens comerciáveis.
   Também não é de considerar se a marca registanda adquiriu já eficácia distintiva através de um sentido secundário distintivo (secondary meaning) diverso do sentido literal descritivo, porquanto isso não foi alegado nem demonstrado, razão por que não ocorre a excepção do n° 3 do art. 214° do RJPI.
   Para o sinal que primária e imediatamente é apreendido com como descritivo de características de bens possa ganhar carácter ou eficácia distintivos que constituem a previsão das normas insertas no art. 199°, n° 2 e 214°, n° 3, tem de "abandonar" o seu significado descritivo primário e passar a ser considerada com um outro significado diferente e que não seja também descritivo, mas que seja distintivo. É, pois, essencial que o novo significado que a marca adquiriu não padeça dos "vícios" do "velho" significado, pois, se padecer, também o registo deve ser recusado. É necessário que o sinal passe a ser apreendido e reconhecido pelo público relevante, não com o seu sentido primário descritivo, mas com um sentido de ligação a uma empresa. Ora, como no caso em apreço o sentido primário da marca em causa é descritivo e qualificativo, o secundário não poderia sê-lo para a registabilidade da marca. Assim, mesmo desconhecendo-se a existência de um significado secundário, caso exista com um sentido ainda ligado à espécie e à proveniência de um produto ou serviço, a marca não poderia ser registada por continuar exclusivamente descritiva. Impõem as boas regras da hermenêutica jurídica que se conclua que a norma que proíbe o mais, também proíbe o menos, de forma que, se se proíbe o registo de uma marca com um sentido, também se há-de proibir se a marca ganhou outro sentido com o mesmo cariz.
   Conclui-se, pois, que, sendo a marca registanda constituída exclusivamente por uma expressão que pode servir no comércio, e efectivamente serve, para designar uma espécie de bens e a sua proveniência e não estando demonstrado que ela tenha qualquer outro significado ou que já tenha adquirido na prática comercial eficácia distintiva, deve ser recusado o seu registo.
   Em resumo, a marca composta de elementos descritivos só pode ser registada em duas situações:
   - Quando apenas alguns dos seus elementos são descritivos (art. 199°, nº 2 do RJPI).
   - Quando todos os elementos forem descritivos, mas a marca tiver já adquirido um "secondary meaning" que lhe confira eficácia distintiva, isto é quando no seu percurso comercial a marca deixou de ser apreendida pelo público relevante, não pelo seu sentido descritivo das características dos bens marcados, mas por um qualquer outro sentido não descritivo que a liga a determinada empresa.
   Ora, a marca registanda é composta exclusivamente por elementos descritivos e, quer da sua "imagem global", quer de qualquer "secondary meaning", que se desconhece, não se lhe descortina qualquer carácter distintivo.
   Conclui-se, assim, que merece procedência o recurso e deve ser recusado o registo...”
Trata-se de uma decisão que aponta para a boa solução do caso e que está em conformidade com a jurisprudência que tem sido adoptada recentemente e de forma unânime por este Tribunal nos processos congéneres, nomeadamente nos Procs. nºs 127/2013, 43/2013, 172/2008 e 102/2013, em que as ora recorrentes também eram partes nos mesmos.
Assim, ao abrigo do disposto do nº 5 do artº 631º do CPCM, é de negar provimento ao recurso, com fundamentos constantes na decisão impugnada.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos interpostos, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelas recorrentes, sendo a DSE gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 02 de Maio de 2013.


_________________________
Ho Wai Neng
(Relator)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)




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163/2013