打印全文
Processo n.º 364/2012 Data do acórdão: 2013-4-25 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– emprego ilegal
– art.o 16.º da Lei n.º 6/2004
– art.º 1079.º do Código Civil
– relação de trabalho por conta alheia
– falta de prova da contrapartida do trabalho
– conclusão sem suporte fáctico
– absolvição penal
S U M Á R I O

1. O art.o 1079.o do Código Civil define o conceito jurídico de contrato de trabalho por conta alheia, segundo o qual a remuneração é caracterizadora da relação de trabalho por conta alheia.
2. Não estando em causa a execução de alguma obra de construção civil, não se aplica a cláusula de presunção da existência da relação de trabalho, ditada no n.o 2 do art.o 16.o da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, pelo que é de exigir, a montante, a verificação cumulativa de todos os elementos integrantes da relação de trabalho como tal referidos no art.o 1079.o do Código Civil, para a eventual condenação penal da arguida em sede do tipo legal de emprego ilegal previsto no art.º 16.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004.
3. No caso em apreço, foi inicialmente descrita num facto acusado a existência de uma contrapartida pelo trabalho de venda prestado pela interveniente na loja dos autos, contrapartida essa que não veio provada na sentença condenatória ora recorrida pela arguida.
4. Assim, à falta de qualquer outra circunstância fáctica descrita como provada pelo tribunal a quo que fosse capaz de sustentar concretamente a existência de qualquer remuneração ou contrapartida (independentemente do seu tipo) do trabalho prestado pela dita interveniente como empregada de vendas na loja, as referências feitas nos últimos três factos provados descritos na sentença segundo as quais a arguida praticou dolosamente a conduta, a arguida contratou a mesma interveniente para trabalhar em Macau e a arguida bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, não passam de meras conclusões, desprovidas do suporte fáctico, daí que se impõe a absolvição da recorrente do crime de emprego.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 364/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente/arguida: A






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 75 a 77v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR2-11-0190-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, foi decidido condenar a arguida A, aí já melhor identificada, pela autoria material de um crime consumado de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por dezoito meses.
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para, na sua motivação (apresentada a fls. 85 a 89 dos presentes autos correspondentes), pedir a absolvição do crime por que vinha condenada, por alegado erro de direito, devido à falta da prova da remuneração no caso.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 113 a 116), no sentido de improcedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 126 a 126v), pugnando também materialmente pela manutenção do julgado.
Feito subsequentemente o exame preliminar, corridos os vistos, e com audiência feita neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal a quo teceu a seguinte fundamentação fáctica para a sua decisão penal condenatória ora recorrida:
– <<[...]
1. FACTOS PROVADOS.--------------------------------------------------------------
Com relevância para a decisão mostram-se provados os seguintes factos:
----- Em 17 de Janeiro de 2008, cerca das 10H30, o Corpo de Polícia de Segurança Pública segundo a participação recebida pela DSAL, suspeitou que tinha trabalhadores ilegais a trabalharem na “Loja XXX” sito no XXX pelo que designou o guarda policial da Secção de Fiscalização e Registo do Comissariado de Assuntos Gerais (CPSP) para deslocar juntamente com o inspector da DSAL à aludida loja, para efeitos de investigação.---------------------------------------------
----- Na supracitada loja, o guarda policial e o inspector da DSAL encontraram a interveniente B a trabalhar como empregada de vendas na referida loja, pelo que, o guarda policial identificou-se como agente da polícia e pediu à B exibir o documento de identificação.-----------------------------------------------
----- Naquela altura, B apenas exibiu um Salvo-Conduto da RPC para deslocação a Hong Kong e Macau no WXXXXXX, e não conseguiu exibir qualquer documento legal que a permitisse trabalhar em Macau.-------------------
----- A arguida agiu de forma livre e consciente, praticando dolosamente a supracitada conduta.------------------------------------------------------------------------
----- A arguida sabia que B não era residente de Macau, bem como não possuía qualquer documento válido que a permitisse trabalhar na RAEM, mesmo assim, contratou-a para trabalhar em Macau.---------------------------------------------
----- A arguida bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.--------
*****
2. FACTOS NÃO PROVADOS.-------------------------------------------------------
----- Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.>> (cfr. o teor literal de fls. 75v a 76 dos autos).
Enquanto no texto da acusação pública então deduzida contra a arguida (a fls. 36 a 37), era imputado inclusivamente o seguinte no facto acusado n.o 4:
– por cada artigo de vestuário vendido pela dita interveniente, esta poderá receber comissão por isso.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, decidindo agora concretamente da única questão posta no recurso, qual seja, a relativa ao erro de direito na condenação penal da recorrente, por falta, in casu, da prova da remuneração.
O art.o 16.o da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, dispõe, sob a epígrafe de “Emprego”, que:
  1. Quem constituir relação de trabalho com qualquer indivíduo que não seja titular de algum dos documentos exigidos por lei para ser admitido como trabalhador, independentemente da natureza e forma do contrato, ou do tipo de remuneração ou contrapartida, é punido com pena de prisão até 2 anos e, em caso de reincidência, com pena de prisão de 2 a 8 anos.
  2. Para os efeitos previstos no número anterior, presume-se existir relação de trabalho sempre que um indivíduo é encontrado em obras de construção civil a praticar actos materiais de execução das mesmas.
E o art.o 1079.o do vigente Código Civil (CC) define o conceito jurídico de contrato de trabalho (por conta alheia) nos seguintes termos:
  Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
In casu, não estando em causa a execução de alguma obra de construção civil, não se aplica a cláusula de presunção da existência da relação de trabalho, ditada no n.o 2 do art.o 16.o da Lei n.o 6/2004, pelo que é de exigir, a montante, a verificação cumulativa de todos os elementos integrantes da relação de trabalho como tal referidos no art.o 1079.o do Código Civil, para a eventual condenação penal da arguida em sede do tipo legal de emprego ilegal.
Como se sabe, e aliás com assento no citado art.o 1079.º do CC, a remuneração é tipicamente caracterizadora da relação de trabalho por conta alheia. No caso sob apreço, foi inicialmente descrita no facto acusado n.o 4 a existência de uma contrapartida pelo trabalho de venda prestado pela referida interveniente na loja dos autos. Entretanto, do teor da fundamentação fáctica do texto decisório ora recorrido, resulta que essa contrapartida do trabalho (i.e., tal “comissão” a receber…) não chegou a ser provada. Assim sendo, à falta de qualquer outra circunstância fáctica descrita como provada pelo Tribunal a quo que fosse capaz de sustentar concretamente a existência de qualquer remuneração ou contrapartida (independentemente do seu tipo) do trabalho prestado pela dita interveniente como empregada de vendas na mencionada loja, as referências feitas nos últimos três parágrafos de factos provados descritos na sentença recorrida segundo as quais a arguida praticou dolosamente a conduta, a arguida contratou a mesma interveniente para trabalhar em Macau e a arguida bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, não passam de meras conclusões, desprovidas do suporte fáctico, daí que se impõe a absolvição da recorrente do crime por que vinha condenada.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar provido o recurso da arguida A, absolvendo-a, por conseguinte, do crime de emprego por que vinha condenada em primeira instância.
Sem custas nas duas Instâncias.
Fixam em três mil e oitocentas patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso da arguida, a pagar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 25 de Abril de 2013.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
(Vencido. Segue declaração de voto)


Processo nº 364/2012
(Autos de recurso penal)



Declaração de voto

   Com o Acórdão que antecede decidiu-se absolver a arguida A da prática do crime de “emprego”, p. e p. pelo art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, (pelo qual tinha sido condenada pelo T.J.B.).
   
   Não nos parece a melhor solução.
   
   Vejamos.
   
   Está provado, em síntese, que a interveniente B foi encontrada a “trabalhar” na loja da arguida.
   
   E por não se ter dado como provado que era tal trabalho “remunerado”, chegou-se à decisão a que já se fez referência.
   
   Porém, tendo presente que vinha a arguida acusada de “pagar comissões” a dita interveniente, e visto que em sede de factos “não provados” consta apenas na sentença recorrida que “não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa”, cremos nós que olvidou o Tribunal a quo de investigar se efectivamente havia o mencionado “pagamento de comissões”.
   
   De facto, constituindo a “remuneração” um elemento essencial de “relação de trabalho”, e, assim, atenta a fundamentação exposta da sentença recorrida – de que “não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa” – afigura-se-nos que se incorreu em “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
   
   Por sua vez, e a não se entender assim – para o caso de se entender que resultou “não provado” o “pagamento de comissões” – então, em nossa opinião, incorreu o Tribunal a quo em “erro notório na apreciação da prova”.
   
   É que, provado estando que a interveniente estava a “trabalhar”, e não, a “ajudar” ou a “fazer companhia à arguida”, então sentido não faz dar como não provado o “pagamento de comissão”, pois que, como ditam as regras de experiência para situações normais, não há “trabalho gratuito”.
   
   No mínimo, deveria o Tribunal a quo explicitar melhor a sua decisão, e não o fazendo, impõe-se concluir que incorreu no apontado vício, a determinar, igualmente, o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..
   
   Macau, aos 25 de Abril de 2013
   
   José Maria Dias Azedo
   





Processo n.º 364/2012 Pág. 1/11