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Processo nº 372/2012
Data do Acórdão: 25ABR2013

Assuntos:

Contrato a favor de terceiro
Princípio da verdade formal


SUMÁRIO

1. Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários).

2. Como se sabe, vigora o princípio da verdade formal no processo civil, nele está incluído naturalmente o presente processo que, sendo embora processo do trabalho, não deixa de ser um verdadeiro processo civil, regulado especialmente pelo CPT e subsidiariamente pelo CPC. O princípio da verdade formal anda sempre associado ao princípio dispositivo, fixando as regras do jogo para o apuramento da verdade processualmente válida no processo civil. Assim, no processo civil recai em regra sobre as partes todo o risco de condução do processo, através do ónus de alegar, contradizer e impugnar. Tratando-se de matéria disponível, o juiz terá de considerar não necessitados de prova todos os factos que tendo sido alegados por uma parte, não tenham sido impugnados por outra. Pode todavia acontecer que esses factos, na verdade não são verdadeiros, são tidos como tais intraprocessualmente.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 372/2012

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº CV1-09-0018-LAC, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi na audiência de julgamento proferido, a requerimento da Ré, pela Exmª Juiz titular do processo, o despacho que determinou o aditamento dos quesitos 16º, 17º e 18º à base instrutória – vide a fls. 386 a 387 dos p. autos.

Inconformado com o despacho, veio o Autor recorrer dele mediante o requerimento motivado constantes das fls. 390 a 402, concluindo e pedindo a revogação do despacho e o indeferimento do requerido aditamento dos tais quesitos.

Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal e veio a final ser proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:

   I. Relatório:
   A, de nacionalidade filipina, com residência em Macau na Rua XXX, nº XX, Edifício XXX, Xº andar X, instaurou contra B - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$219.289,00, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
   - MOP$70.920,00 a título de diferença no vencimento base;
   - MOP$18.184,00 a título de diferença por trabalho extraordinário prestado;
   - MOP$56.475,00 a título de subsídio de alimentação;
   - MOP$45.360,00 a título de subsídio de efectividade;
   - MOP$18.900,00 a título de diferenças retributivas pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
   - MOP$9.450,00 a título de indemnização pelo não gozo dos dias de descanso compensatório a que tinha direito;
   Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 9 de Fevereiro de 1998 e 31 de Maio de 2008 prestou a sua actividade de guarda de segurança sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante uma contrapartida salarial, acrescentando que, por ser um trabalhador não residente na RAEM, a sua contratação só foi autorizada porque a Ré celebrou previamente um contrato de prestação de serviços com uma terceira entidade fornecedora de mão de obra não residente, contrato esse que foi sujeito à apreciação, fiscalização e aprovação da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para obedecer aos requisitos mínimos previstos na alínea d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro (diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes).
   Conclui assim que, de acordo com o definido nesses contratos de prestação de serviços aprovados pela DSTE, ao longo da sua relação laboral, teria direito a auferir um salário superior ao que lhe foi pago pela Ré, teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário a uma remuneração horária superior ao que a Ré lhe liquidou, deveria ter recebido subsídio de alimentação e subsídio de efectividade que nunca lhe foram pagos, reclamando tais diferenças retributivas por via desta acção.
   Por outro lado, alega ainda o Autor que a Ré não lhe pagou a compensação legal pela prestação de trabalho em dias de descanso semanal durante 07 de Abril de 2000 e 15 de Abril de 2002, nem lhe concedeu um dia de descanso compensatório nos trinta dias seguintes, quantias de que pretende ser indemnizado nos termos supra expostos.
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  Frustrada a conciliação veio a Ré requerer a intervenção principal da Sociedade de Apoio às Empresas de Macau – o que não foi admitido, tal como resulta do douto despacho de fls. 201 a 202 – e contestar, excepcionando a competência do tribunal, por entender haver preterição de tribunal arbitral, e impugnando os fundamentos da acção, argumentando que o contrato de prestação de serviços só pode vincular os respectivos outorgantes, nunca terceiros estranhos a essa relação, acrescentando que cumpriu todas as obrigações que assumiu perante o Autor e decorrentes dos contratos individuais de trabalho que com ele celebrou.
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  Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, se julgou improcedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral arguida pela Ré, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
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Interposto recurso pela Ré, da decisão que julgou este tribunal competente para decidir esta causa, veio o mesmo a ser julgado improcedente pelos fundamentos do douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância lavrado nos autos.
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  A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal decidido ampliar a base instrutória, conforme melhor se colhe da acta de fls.385 a 387, e tendo, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
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  Questões a decidir:
  - se o contrato de prestação de serviços, ao abrigo do qual a Ré foi autorizada a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes;
  - se ao Autor são devidas as quantias peticionadas, nomeadamente a título de descanso semanal não gozado;
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II. Fundamentação de facto:
  1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores.(A)
  2) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada o contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior».(B)
  3) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os«contratos de prestação de serviços»: n.º 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994.(C)
  4) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o "Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/94, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 Dezembro de 1994, de admissão de novos trabalhadores vindos do exterior, juntos aos autos a fls. 32 a 37, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.(D)
  5) Daquele resultava que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau.(E)
  6) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviços» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes.(F)
  7) Entre 9 de Fevereiro de 1998 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”.(G)
  8) Trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré.(H)
  9) Sendo a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.(I)
  10) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor.(J)
  11) A Ré e o Autor acordaram nos termos constantes dos documentos juntos aos autos a fls. 46 a 63, cujos teor se dá por integralmente reproduzido.(L)
  12) Entre 9 de Fevereiro de 1998 e 31 de Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,800.00. (M)
  13) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$2,000.00. (N)
  14) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais.(O)
  15) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais.(P)
  16) Entre 9 de Fevereiro de 1998 e 30 de Junho de 1999 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora.(Q)
  17) Entre Julho de 1999 e Junho de 2002 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora.(R)
  18) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora.(S)
  19) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora.(T)
  20) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora.(U)
  21) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora.(V)
  22) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em Julho de 2008.(1.º)
  23) Entre 9 de Fevereiro de 1998 e 30 de Junho de 1999, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia.(2.º)
  24) O Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia.(3.º)
  25) Entre Julho 1999 e Junho de 2002 o Autor prestou 3644 horas de trabalho extraordinário.(4.º)
  26) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 o Autor prestou 141 horas de trabalho extraordinário.(5.º)
  27) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 o Autor prestou 3820 horas de trabalho extraordinário.(6.º)
  28) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 o Autor prestou 355 horas de trabalho extraordinário.(7.º)
  29) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 o Autor prestou 1150 horas de trabalho extraordinário.(8.º)
  30) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.(9.º)
  31) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia Ré – deu qualquer falta ao trabalho.(10.º)
  32) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias».(11.º)
  33) Entre 7 de Abril de 2000 e 15 de Abril de 2002 o Autor não gozou qualquer descanso semanal.(12.º)
  34) Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo.(13.º)
  35) Não lhe tendo a Ré concedido um dia de descanso compensatório.(14.º)
  36) Foi por declaração de vontade do próprio Autor, que durante o período compreendido entre 7 de Abril de 2000 e 15 de Abril de 2002, trabalhou voluntariamente nos dias de descanso semanal.(15.º)
  III. Fundamentação jurídica:
  A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes, na defendida imperatividade das regras estabelecidas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro incorporadas no clausulado mínimo do contrato de prestação de serviços exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal.
  Ficou provado que a Ré foi autorizada a contratar o Autor, enquanto trabalhador não residente, através da celebração de um contrato de prestação de serviços com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que posteriormente era apresentado junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para aprovação dessas condições de contratação (tal como ficou assente nos n.ºs 3 a 6), pelo que nesta acção importa, a nosso ver, como bem defende o Autor, analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
   Os factos dados como assentes em 7) a 11) revelam que contrato estabelecido entre as partes é de trabalho, uma vez que está demonstrado que o Autor se obrigou, mediante uma retribuição, a prestar a sua actividade de guarda de segurança à ora Ré, fazendo-o sob a sua autoridade e direcção recebendo como contrapartida da sua actividade um salário mensal.
   A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais (1) no artigo 9.º admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
   Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (2) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea d).
   Essas normas especiais são (e foram), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no passado dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
   Enquanto regime especial não podem restar dúvidas quanto à sua directa aplicabilidade a esta relação jurídica, bem como quanto à circunstância de se tratar de um regime imperativo no que toca à contratação de mão-de-obra não residente no território da RAEM, afastando as regras gerais que o contrariem estabelecidas no Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, e assim é em face dos artigos 1.º, n.º 2 e 6.º, n.º 3 ambos do Código Civil).
   E as suas normas, que aqui transcrevemos para uma melhor compreensão do caso concreto, referem:
   As empresas de Macau podem, no entanto, estabelecer contratos de prestação de serviços com terceiras entidades, visando a prestação de trabalho por parte de não-residentes, desde que obtido, para o efeito, despacho favorável do Governador (cfr. n.º 3 do citado Despacho).
   O despacho referido no número anterior será proferido a requerimento da entidade interessada, depois de instruído com pareceres do Gabinete para os Assuntos de Trabalho e da Direcção dos Serviços de Economia (n.º4).
   O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
   a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
   b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
   c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
   d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
   d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
   d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
   d.3. Assistência na doença e na maternidade;
   d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
   d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
   e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau (n.º 9).
    Foi exactamente este o procedimento adoptado pela Ré para contratar o Autor: definiu e obteve a aprovação das condições mínimas da sua contratação através do despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Dezembro de 1994, conforme resulta provado nos autos.
   Quanto a nós, essas condições, não só, são aplicáveis à relação contratual que se estabeleceu entre o Autor e a Ré em 09 de Fevereiro de 1998 (data em que se inicia de facto esta relação laboral), como não poderiam deixar de ser observadas pela Ré porque são essas, e não apenas as do contrato de trabalho que formalizou, que regem essa relação e foram condição da emissão da autorização necessária à celebração do contrato de trabalho, por parte da autoridade administrativa.
   No domínio do Direito do Trabalho existem várias relações jurídicas a merecerem um tratamento especial e têm um regime especial justificado pela especificidade do trabalho a desenvolver (3) sendo certo que no vertente caso a especialidade do regime da contratação de trabalhadores vindos do exterior se justifica por razões de política de emprego, preocupações sociais e regular funcionamento do mercado do trabalho.
   Como ensina Pedro Romano Martinez (4) Como em qualquer negócio jurídico, as partes têm liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador. E continua não obstante esta especificidade, como em qualquer outro negócio jurídico, no contrato de trabalho importa distinguir as regras imperativas das supletivas. A liberdade de estipulação no contrato de trabalho encontra-se limitada, porquanto o número de normas injuntivas é superior àquele que se estabeleceu com respeito a outros negócios jurídicos.
   O contrato de trabalho em apreço nestes autos tem, como já se afirmou, um regime especial que não poderia ser derrogado, afastado pelas partes.
   Tendo a Ré optado por recorrer a este regime legal de contratação de trabalhadores terá de o observar integralmente, concedendo ao Autor e a todos aqueles que foram admitidos ao seu serviço a ele recorrendo, as condições mínimas constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a entidade fornecedora de mão de obra, uma vez que é esse contrato que define as condições mínimas, os limites, da prestação de trabalho por parte de não residentes, tal como decorre dos n.ºs 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro. Só há liberdade de estipulação na parte não regulada nesse contrato de prestação de serviço pelo que, quando a Ré decide formalizar o contrato de trabalho que já tinha estabelecido com o Autor (uma vez que o seu processo de contratação, tal como imposto normativamente pelo mencionado Despacho, já estava concluído), só poderia acordar em matérias que não atentassem contra esses requisitos mínimos e contra o regime jurídico a que está sujeito o contrato individual de trabalho em Macau, conforme infra se defenderá.
    Note-se que nunca o Autor poderia ser admitido como trabalhador da Ré, na RAEM, por via de um contrato de trabalho individual que com ele celebrasse, verbalmente ou por escrito, antes ou depois da sua admissão (entenda-se contratação), nos termos deste regime legal especial.
   De qualquer forma, relativamente ao enquadramento da relação jurídica estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços, o Tribunal de Segunda Instância decidiu, unanimemente, que estamos na presença de contratos a favor de terceiro, ou seja, que têm como beneficiário o ora Autor.
   Como se pode ler na douta fundamentação de um desses arestos (5) o regime jurídico aplicável a esta relação jurídica “deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras” e, “numa perspectiva de direito obrigacional puro”, deve enquadrar-se a obrigação assumida pela Ré perante a Sociedade de Apoio às Empresas como uma prestação de facere a favor do trabalhador, ou seja, os denominados contratos de prestação de serviços contêm cláusulas a favor de terceiro, sendo-lhe aplicável o regime previsto no artigo 437.º do Código Civil.
   Assim sendo, dúvidas não restam que, como parte beneficiária, o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo constante do contrato de prestação de serviços, através do qual foi admitido ao serviço da Ré, para reclamar as diferenças remuneratórias e os complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
   Não podemos, no entanto, deixar de analisar a pretensão manifestada pela Ré, através do requerimento de fls. 317 a 320, onde a mesma vem defender que os contratos de prestação de serviços que estavam em causa nesta acção (cuja existência e respectivo conteúdo já tinha sido dado como assente em C), não foram os únicos a regular a relação jurídica entre as partes, dado que em 15.01.2001, esses contratos deixaram de vigorar e as respectivas vagas passaram a estar agrupadas nas vagas previstas nos contratos de prestação de serviços n.ºs 1/1 e 14/1, com condições de contratação mínimas diferentes daqueles outros.
  Ora, nessa sequência, o tribunal decidiu admitir a junção aos autos do contrato de prestação de serviços n.º 1/1, com as suas sucessivas renovações e decidiu ampliar a base instrutória para esclarecer esta nova factualidade e aquilatar se o Autor esteve ao serviço da Ré, entre 09 de Fevereiro de 1998 e 31 de Maio de 2008, ao abrigo de outros contratos de prestação de serviços, para além dos já mencionados na alínea C) dos factos assentes, bem como para apurar se as vagas desses contratos se fundiram nos contratos n.ºs 1/1 e 14/1 e se, por força dessa fusão, todos os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré passaram a estar abrangidos pelas novas condições mínimas desses contratos.
  Conforme se extrai da factualidade supra exposta, nada se apurou para além da realidade já confessada pela Ré e, nessa sequência, dada como assente pelo tribunal aquando da selecção da matéria de facto.
  Sabemos, pois, (atento o acordo das partes quanto a este ponto), que foi o contrato de prestação de serviços n.º 2/94, que esteve na base da autorização concedida à Ré para admitir o Autor como seu trabalhador, e que esse contrato estabeleceu o tal conteúdo substantivo mínimo da futura relação laboral a favor do trabalhador.
  E não se apura, ao contrário do que defendia a Ré, que essas condições mínimas, constantes do contrato de prestação de serviços n.º 2/94, supra discriminadas no facto 5, tenham sido alteradas durante a vigência da relação laboral que uniu as partes.
   A prova que fica a cargo do Autor, no que concerne aos elementos constitutivos do seu direito derivados do contrato de prestação de serviços, circunscreve-se à demonstração de que a Ré foi sucessivamente autorizada a contratá-lo com base num contrato de prestação de serviços que lhe garante determinadas prestações, tal como supra assente em 1. a 7. Enquanto titular de uma relação jurídica de trabalho, o Autor tem de provar os respectivos elementos, ou seja, que prestava a sua actividade a outra pessoa, com subordinação jurídica e económica, concretizando, quando se mostre necessário, as prestações a que tem direito como contrapartida do seu trabalho (e esses factos foram todos demonstrados pelo Autor).
  Ressalvando sempre melhor opinião, ao configurarmos o aludido contrato de prestação de serviços como um contrato a favor de terceiro, ao Autor, enquanto beneficiário das prestações nele previstas, incumbia provar o conteúdo dessas prestações e provar que a Ré as assumiu a seu favor, constituindo ónus da Ré, demonstrar em juízo, que tais obrigações se extinguiram ou se modificaram.
   Em conclusão, em face da matéria de facto apurada, julgamos que ao caso serão aplicáveis os valores reclamados pelo Autor com base no contrato de prestação de serviços n.º 2/96, durante todo o período em que durou a relação laboral (tendo em mente que está igualmente provado que a Ré foi sucessivamente autorizada a contratar o ora Autor, que decorre do regime legal supra exposto que o fez obrigatoriamente com base num contrato de prestação de serviços, sendo que certo que, conforme se infere do clausulado nesses contratos, a duração de cada contrato de prestação de serviços variava entre um e dois anos, com renovação por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do governo) .
   Vejamos, pois, se os montantes peticionados pelo Autor lhe são efectivamente devidos.
   O Autor reclama MOP$70.90,00 a título de diferenças remuneratórias entre o salário pago efectivamente pela Ré durante todo o período de execução do contrato e os valores a que estava obrigada através das condições definidas para tal contratação.
   Está provado que:
   - entre 9 de Fevereiro de 1998 e 31 de Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,800.00, quando de acordo com o valor mínimo aprovado para a sua admissão deveria ter recebido MOP$90.00 diárias, ou seja, MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$900,00 mensais.
   Assim, relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$1.500,00 (1,6666 meses x 900,00);
   - entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$2,000.00, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$700,00 mensais, num total de MOP$58.100,00 (83meses x 700 patacas);
   - entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$600,00 mensais, num total de MOP$7.200,00 (12 meses x 600 patacas);
   - entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$412,00 mensais, num total de MOP$4.120,00 (10 meses x 412 patacas);
   Assim, verificamos que a título de diferenças retributivas tem o Autor direito a receber da Ré a quantia global de MOP$70.920,00.
   No que tange ao trabalho extraordinário prestado pelo Autor à Ré também se verificam diferenças entre aquilo que era devido e o efectivamente pago, tendo em mente o que dispõem os artigos 10.º, n.º 2 e 11.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 24/89/M e o facto dado como assente em 5.
    Assim, constatamos que:
   - entre 9 de Fevereiro de 1998 e 30 de Junho de 1999 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, havendo uma diferença de MOP$1.95, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 16, 23 e 24 é o Autor credor da quantia global de MOP$3.954,60 (correspondente a 4 horas x 507 dias, ou seja, 2028 horas prestadas);
   - entre Julho de 1999 e Junho de 2002 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, havendo uma diferença de MOP$1.95, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 17 e 25 é o Autor credor da quantia global de MOP$7.105,80 (correspondente a 3644 horas x 1,95 patacas);
   - entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, havendo uma diferença de MOP$1.25, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 18 e 26 é o Autor credor da quantia global de MOP$176,25 (correspondente a 141 horas x 1,25 patacas);
   - entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, havendo uma diferença de MOP$0.25, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 19 e 27 é o Autor credor da quantia global de MOP$955,00 (correspondente a 3820 horas x 0,25 patacas);
   A partir de 1 de Março de 2005 e até Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 ou MOP$11.50 por hora, pelo que entendemos que nenhuma diferença lhe será devida a partir dessa data, sendo certo que dos factos dados como provados não se vislumbra matéria que permita a aplicação do “diferencial especial” que o Autor quantificou em MOP$1.00 por cada hora de trabalho.
   Em conclusão, a título de diferenças retributivas devidas ao Autor por trabalho prestado para além do horário normal de trabalho incumbe à Ré pagar a quantia total de MOP$12.191,65.
   O Autor reclama, ainda, o pagamento de subsídio de alimentação e efectividade previstos no contrato de prestação de serviços.
   Neste ponto está provado que durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca este - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho (cfr. facto 31), sendo que esta nunca lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação e qualquer quantia a título de «subsídio mensal efectividade de montante igual ao salário de 4 dias» (factos 30 e 32).
    A ré obrigou-se a pagar MOP$15.00 diárias a titulo de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço (cfr. facto 5).
   Assim sendo, haverá que julgar procedente o pedido do Autor de lhe ser paga a quantia de MOP$56.475,00 a título de subsídio de alimentação por 3765 dias de trabalho efectivamente prestado durante 10 anos, 3 meses e 22 dias
   Idêntica conclusão se retira quanto ao subsídio de efectividade, dado que o Autor demonstrou nunca ter dado qualquer falta ao serviço durante esses 10 anos, 3 meses e 22 dias, razão pela qual lhe será devida a quantia peticionada no montante de MOP$45.360,00 (correspondentes a MOP$360,00 mensais x 12 meses x 10 anos, 3 meses e 22 dias).
  Por fim, o Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou entre 07 de Abril de 2000 e 15 de Abril de 2002, facto demonstrado em 33.
   Está igualmente provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e que não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório nos trinta dias seguintes – cfr. factos 34 e 35.
Conforme era alegado pela Ré, está assente que o Autor, durante o período em que vigorou o seu contrato de trabalho, trabalhou voluntariamente nesses dias de descanso semanal, conforme decorre do facto 36.
  O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril (6) dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
  A propósito desta questão e face à redacção da alínea b) do nº 6 do artigo 17º citado, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, impõe-se definir se no caso em apreço o Autor auferia um salário ao dia, à semana ou ao mês.
   No caso dos autos, o que está demonstrado é que o salário era pago mensalmente pelo que, para efeitos daquela disposição legal como tal deve ser considerado (que o Autor era remunerado mensalmente resulta igualmente claro da cláusulas dos seus sucessivos contratos de trabalho onde sempre se fez constar que estava garantido um valor base correspondente a um período de 30 dias, a ser depositado, também mensalmente, no dia 06 de cada mês).
  O n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
   É totalmente irrelevante que esse trabalho seja prestado por iniciativa do empregador ou do trabalhador; sendo prestado em dia destinado ao descanso semanal a entidade patronal sabe que, nos termos da lei e independentemente de qualquer declaração do trabalhador a permitir que esses dias sejam pagos em singelo, terá de os compensar com uma retribuição acrescida. Se não quiser ter esse encargo o empregador deve admitir ao seu serviço trabalhadores em número suficiente para os organizar em trabalho por turnos de forma a garantir, a todos eles, o direito básico ao descanso semanal, e impor-lhes, atento o seu poder de direcção, essa paragem semanal.
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos e tendo em consideração a jurisprudência unanime do TSI nesta matéria (ou seja, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
  Aqui chegados, como sabemos que o rendimento diário devido ao Autor era de MOP$90,00, tendo em conta o facto dado como assente em 5, e como entre 07 de Abril de 2000 e 15 de Abril de 2002, teria direito a gozar 105 dias de descanso semanal, podemos concluir que é credor da quantia de MOP$18.900,00, a este título.
   Tendo ficado provado que o Autor, durante todo esse período trabalhou voluntariamente nos dias de descanso semanal, consideramos que nenhum valor lhe será devido a título de descansos compensatórios não gozados nos trinta dias seguintes, na esteira do defendido por José Carlos Bento da Silva e Miguel Arruda Quental (7), e das decisões do Tribunal de Segunda Instância.
A todas as quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório (8) .
***
IV. Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:
   a) MOP$70.920,00.a título de diferenças salariais;
   b)MOP$12.191,65 a título de diferença retributiva por trabalho extraordinário prestado;
   c) MOP$56.475,00 a título de subsídio de alimentação;
   d) MOP$45.360,00 a título de subsídio de efectividade;
   e) MOP$18.900,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
   f) juros moratórios sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal a contar do trânsito em julgado desta sentença.
As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga o primeiro.
Registe e notifique.

Não se conformando com essa sentença, veio a Ré recorrer dela concluindo e pedindo que:

I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, em 30 de Novembro de 2011, e pela qual foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Autor, ora Recorrido, os seguintes montantes:
• MOP$70,920.00 a título de diferenças salariais;
• MOP$12,191.65 a título de diferença retributiva por trabalho extraordinário;
• MOP$56,475.00 a título de subsídio de alimentação;
• MOP$45,360.00 a título de subsídio de efectividade;
• MOP$18,900.00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
• juros moratórios sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal a contar do trânsito em julgado desta sentença.
II. O Autor, ora Recorrido, foi contratado pela Ré, ora Recorrente, em Fevereiro de 1998 ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços 2/94 celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., contrato de prestação de serviços que tinha um prazo de vigência de 1 ano, renovável por igual período mediante o acordo das partes e precedente acordo do Governo.
III. Dos elementos de prova constantes dos presentes autos, e também dos factos alegados pelas partes, apenas se pode apurar que o contrato de prestação de serviços 2/94 foi sujeito a renovação em 21 de Marco de 1997, pelo prazo de um ano - cfr- fls. 38 a 45 dos autos - sendo que, decorrido o período pelo qual foi assim renovado, nenhuma outra matéria foi apurada quanto a outras renovações, nomeadamente, até Maio de 2008.
IV. Sem prova de tal facto, o douto tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em renovação, não a extrapolando e dando também como provado que esse contrato, com as condições salariais nele previstas, justificou a subsistência do vinco laboral que ligou a Recorrente ao Recorrido por mais de 10 anos.
V. A decisão é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 10 anos que durou a relação laboral.
VI. O facto constante do ponto 4) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a matéria que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade, nos termos do 571 n.º 1 al. c) do C.P.C, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
VII. O Despacho nº 12/GM/88, de 01 de Fevereiro não constitui a fonte das normas especiais que regem as relações laborais que se estabeleçam entre empregadores de Macau e trabalhadores não residentes, a que alude a alínea d) do nº 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei nº 24/89/M.
VIII. As normas específicas constantes do Despacho nº12/GM/88 regulam apenas o procedimento administrativo para admissão em Macau de trabalhadores não residentes e não determinam um regime jurídico regulador das relações laborais que se estabeleçam entre o empregador e um trabalhador não residente, porquanto, tratando-se de um Despacho, nos termos do então vigente Estatuto Orgânico de Macau, o mesmo foi proferido pelo Governador no âmbito das suas funções executivas, (cfr. artigo 16.º, nº 2 do Estatuto Orgânico de Macau).
IX. O Despacho do Secretário para a Economia e Finanças mais não é do que um acto administrativo proferido no âmbito do procedimento previsto no Despacho 12/GM/88, de 01 de Fevereiro.
X. O Despacho 12/GM/88 estabelece um processo e um conjunto de condições administrativas para efeitos de obtenção de autorização de contratação de mão-de-obra estrangeira que culmina na prolação de um Despacho de Autorização, mas deste processo e condições administrativas não resulta a obrigatoriedade para a Requerente de contratar em determinadas condições, uma vez que o diploma em apreço carece da imperatividade subjacente ao direito do trabalho.
XI. E, ainda que resultasse de tais condições administrativas aquela obrigatoriedade, por estarmos perante um puro processo administrativo, também as consequências da sua violação se poderiam apenas reflectir no campo administrativo, não tendo qualquer reflexo na relação contratual de trabalho celebrada entre a Recorrente e o Recorrido.
XII. Face à natureza jurídica do Despacho 12/GM/88 não poderá o mesmo, ou qualquer acto administrativo ao abrigo do mesmo praticado, coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
XIII. Nem as normas do Despacho n.º 12/88/GM, que o douto Tribunal a quo considerou tratarem-se das normas especiais a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-lei 24/89/M, de 03 de Abril, e nem as condições constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. e sobre o qual recai o Despacho de Aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, são passíveis de regular o conteúdo das relações laborais que se venham a estabelecer na sequência da contratação autorizada.
XIV. A relação laboral que se estabeleceu entre a ora Recorrente e o Recorrido rege-se somente pelo princípio da liberdade contratual, princípio esse que foi devidamente observado aquando da celebração do contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, o qual foi integralmente cumprido pela ora Recorrente.
XV. A Sentença ora em recurso padece do vício de erro na aplicação do direito, tendo incorrectamente interpretado e aplicado as disposições constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, sendo que deveria ter considerado que tal diploma legal, ou qualquer acto ao abrigo do mesmo praticado, não constitui o regime especial regulador da relação laboral que se estabeleceu entre a Recorrente e o Recorrido (entidade empregadora de Macau e trabalhador não residente).
XVI. Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
XVII. Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância:"[...] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor ( ... ) desta acção não é parte do mesmo, como tal o contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: "2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei." (...) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores (...) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro [...]"
XVIII. À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
XIX. Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
XX. Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
XXI. Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contraentes-ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
XXII. De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
XXIII. Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
XXIV. Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que o contrato de prestação de serviços 45/94 ao abrigo do qual o Autor, ora Recorrido, foi inicialmente contratado pela Recorrente é fonte do direito reclamado pelo Autor, (quer por força do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, ou por se tratar de um contrato a favor de terceiro), sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob Recurso não é permitido concluir-se que o contrato de prestação de serviços 2/94, com um prazo de validade de 1 ano, ao abrigo do qual o Autor, Recorrido, foi contratado em 09 de Fevereiro de 1998, foi renovado sucessivamente por iguais períodos até ao ano de 2008.
XXV. A simples previsão da possibilidade de renovação, sujeita ao acordo das partes e à aprovação do Governo, não permite, salvo devido respeito por melhor opinião, ao douto Tribunal a quo presumir, sem base legal que lho permitisse, que o contrato de prestação de serviços 2/94, ou qualquer outro mencionado na decisão recorrida, foi sendo objecto de renovações sucessivas até Maio de 2008.
XXVI. A ora Recorrente não confessou que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde Fevereiro de 1998 e 31 de Maio de 2008, e nem que tenha sido um dos contratos mencionados no ponto 3) da fundamentação de facto da sentença recorrida a fundamentar a manutenção de tal vinculo laboral.
XXVII. O Autor não alegou ter estado todos os anos que durou a relação laboral ao abrigo de um único contrato de prestação de serviços, limitando-se a alegar que foi contratado ao abrigo de um deles e procurando estender as cláusulas desse contrato a todo o período da relação laboral, não tendo produzido qualquer prova de que assim tenha sido, prova essa que lhe cabia, por invocar tal contrato como fonte do seu direito, e que não fez.
XXVIII.O teor da factualidade apurada e transcrita na decisão sob recurso é o espelho dessa falta de prova, sendo visível o esforço argumentativo avançado pelo douto Tribunal a quo para justificar a condenação da Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor diferenças salariais durante todo o período que durou a relação laboral uma vez que não se retira de nenhum ponto da matéria de facto apurada que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado tenha sido objecto renovações até 31 de Maio de 2008.
XXIX. Ao beneficiário de um contrato a favor de terceiro ou aceita ou não aceita o beneficio que lhe é concedido, não lhe sendo lícito extrapolar o período pelo qual lhe foram atribuídas as vantagens previstas nesse contrato e nem modificar os termos em que a mesma foi feita, caso não prove que a promessa foi renovada, em que termos foi renovada e por que período adicional o foi.
XXX. Assim, na falta de prova da renovação da promessa de atribuir ao Autor, por um período de 1 ano, as condições mencionadas no referido contrato de prestação de serviços, o direito do Autor, ora Recorrido, a ver-lhe atribuídos tais condições/benefícios apenas se contém dentro do período pelo qual foi realizada a promessa, ou seja, dentro do período da última renovação do contrato de prestação de serviços apurada nos autos, ou seja, de 21 de Março de 1997 a 21 de Março de 1998.
XXXI. Pelo que, ao ter extrapolado as condições da promessa de que o Autor era beneficiário, nomeadamente, extravasando largamente o período temporal pelo qual os benefícios prometidos o foram, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437.º e 438.º, ambos do Código Civil.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deverá ser revogada a Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo e substituída por douto Acórdão que absolva a ora Recorrente do pedido, ou,
Caso V. Exas. assim não entendam, o que por mera cautela de patrocínio se concede, deve a Sentença em recurso ser revogada e substituída por douto Acórdão que condene a ora Recorrente a pagar ao Recorrido apenas o valor das diferenças salariais que se reportam ao período de vigência do contrato de prestação de serviços 2/94.
Termos em que farão V. Exas. a costumada
JUSTIÇA!

Notificado o Autor ora recorrido, contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso (vide as fls. 510 a 524 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.


Comecemos pela apreciação do recurso interlocutório.

Ora, o recurso tem por objecto o despacho que determinou o aditamento dos três quesitos, os 16º a 18º, à base instrutória.

Todavia, como se vê na decisão da matéria de facto a fls. 430, em relação ao quesito 16º ficou provado apenas o que resulta assente em C), D) e F), ao passo que os quesitos 17º e 18º acabaram por ficar não provados.

Ou seja, nenhuma matéria aditada ficou provada e o despacho recorrido torna-se supervenientemente inócuo por nada ter influído na decisão final.

Pelo que, não vamos tomar conhecimento desse recurso interlocutório por extinção pela inutilidade superveniente.

Então rapidamente passemos à apreciação do recurso da decisão final.

Antes de mais, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica como contrato individual de trabalho do celebrado entre o Autor e a Ré.

Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.

Por razões que passaremos a expor infra, não se vê razão para não manter o já decidido acerca dessa mesma questão.

Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda..

Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., foram definidas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e a serem afectados ao serviços à Ré.

E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.

O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.

Ao passo que a Ré, ora recorrente, não concorda a tal qualificação, sustentando antes que o Autor não poderia reivindicar mais do que o estipulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.

Então vejamos.

Reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.

Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. (promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor do Autor (trabalhador) estranho ao contrato (beneficiário), que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.

Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.

Finalmente nem se diga o sufragado no Acórdão do TSI tirado em 15DEZ2009 no processo nº 1026/2009 contraria o acima preconizado por nós, pois nesse Acórdão o Colectivo se limitou a dizer que a cláusula compromissória de competência do tribunal arbitral abrange apenas a relação entre o promitente (a B) e o promissário (a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda,) e não já a relação entre o promitente e o terceiro (o trabalhador), uma vez que este, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação promitida, tem o direito à prestação que nasce imediatamente na sua esfera jurídica, naturalmente beneficia da autonomia na escolha do meio de tutela, judicial ou arbitral, que lhe se mostra mais conveniente, para o defender, quando o seu direito tiver sido violado ou estiver posto em perigo. Portanto, a cláusula compromissória nunca poderia vinculá-lo.

O que em nada se mostra incompatível com a circunstância de o Autor, enquanto terceiro beneficiário no âmbito do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e aquela Sociedade, poder adquirir, por efeito desse contrato, o direito a ser contratado nas condições que a Ré se comprometeu garantir.



De resto, de acordo com o sintetizado nas conclusões do recurso, só nos resta para apreciar é a questão da alegada nulidade da sentença e da impugnação da matéria de facto

Passemos então a apreciá-la.

A recorrente entende que a decisão recorrida em si mesma é contraditória, porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 10 anos que durou a relação laboral.

Ora, a recorrente só teria razão se o contrato de prestação de serviço tivesse a duração absolutamente não prorrogável de 1 ano.

Só que de acordo com a matéria de facto provada, na parte que reproduziu a parte relevante à decisão da causa do clausulado no contrato, o tal contrato tem duração de 1 ano renovável por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território.

Além disso, ficou provado que “ entre 9 de Fevereiro de 1998 e 31 de Maio de 2008, o autor esteve ao serviço da ré, exercendo funções de guarda de segurança.” – cf. G) da matéria de facto assente.

Ora, independentemente da questão do alegado erro do julgamento de facto levantado pela recorrente, que será objecto de apreciação logo a seguir, a decisão de direito mostra-se totalmente compatível com a matéria de facto assim comprovada.

Improcede assim a tese da alegada contradição.

Então passemos a apreciar as impugnações da matéria de facto.

Conforme se vê na decisão da matéria de facto, ora constante das fls. 430 dos p. autos, a Exmª Juiz a quo deu por assente a matéria dos quesitos 1º a 15º por acordo das partes.

Como se sabe, vigora o princípio da verdade formal no processo civil, nele está incluído naturalmente o presente processo que, sendo embora processo do trabalho, não deixa de ser um verdadeiro processo civil, regulado especialmente pelo CPT e subsidiariamente pelo CPC.

O princípio da verdade formal anda sempre associado ao princípio dispositivo, fixando as regras do jogo para o apuramento da verdade processualmente válida no processo civil.

Assim, no processo civil recai em regra sobre as partes todo o risco de condução do processo, através do ónus de alegar, contradizer e impugnar. Tratando-se de matéria disponível, o juiz terá de considerar não necessitados de prova todos os factos que tendo sido alegados por uma parte, não tenham sido impugnados por outra. Pode todavia acontecer que esses factos, na verdade não são verdadeiros, são tidos como tais intraprocessualmente.

In casu, em vez de contestar em sede própria, que é a fase de articulados, a Ré, ora recorrente, só veio a contradizer e impugnar a matéria afirmada pelo Autor na sua petição inicial em sede de recurso, imputando erro ao julgamento de matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, que como vimos supra, deu por assente a matéria de facto (pontos de matéria C, D e E na especificação do saneador) por confissão ficta por parte da Ré que se traduz na falta da impugnação e na ineficaz impugnação.

De facto, a recorrente em sede de contestação não chegou a contradizer eficazmente o facto, alegado pelo Autor, de os sucessivos contratos individuais de trabalho celebrados com ele terem sido outorgados com base num mesmo contrato de prestação de serviço, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., nos termos do qual os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau.

Assim, entendemos que bem andou a Exmª Juiz ao fixar como fixou a matéria de facto.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar extinto o recurso interlocutório interposto pelo Autor e negar provimento ao recurso interposto pela Ré, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 25ABR2013

Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira


(1) Aprovada pela Lei n.º4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série.
(2) Altura em que entrou em vigor a Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho.
(3) Como acontece, por exemplo, no direito português com o contrato de trabalho rural, de trabalho portuário, de trabalho a bordo, profissionais do espectáculo ou do desporto; e como se verifica em Macau quanto à relação de serviço doméstico.
(4) In Direito do Trabalho, Almedina, Janeiro de 2004, pág. 603 e seguintes.
(5) Acórdão proferido no Processo n.º 779/2010, de 16.06.2011.
(6) Diploma que, segundo os contratos de trabalho, escritos, celebrados entre as partes, regularia as questões neles não previstas.
(7) In Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2006, pág. 96.
(8) Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02.03.2011.


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