Processo nº 472/2012
Data do Acórdão: 25ABR2013
Assuntos:
Competência do Tribunal Administrativo
Lei do Comércio Externo
Aplicação de multas
Sanções acessórias
Director-Geral de Alfândega de Macau
SUMÁRIO
Compete ao Tribunal Administrativo, e não ao Tribunal de Segunda Instância, conhecer dos recursos dos actos de aplicação de multas e sanções acessórias em processos de infracção administrativa no âmbito da Lei nº 7/2003 (Lei do Comércio Externo).
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 472/2012
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
A e B, devidamente identificados nos autos, vêm recorrer do despacho do Senhor Director-Geral de Alfândega de Macau, que lhes aplicou uma multa no valor de MOP$5.000,00 e declarou a perda a favor da RAEM as mercadorias em causa.
Admitida a petição e citada a entidade requerida e feitas as alegações facultativas pelos recorrentes, emitido o parecer pelo Ministério Público em sede de vista final, foi submetido o projecto do Acórdão do julgamento do objecto do recurso à apreciação em conferência.
Ai foi suscitada a questão da incompetência do tribunal.
Adiado o julgamento em conferência e cumprido o contraditório, cumpre agora apreciar a competência deste TSI para julgar o presente recurso contencioso de anulação.
O presente recurso tem por objecto um despacho do Senhor Director-Geral de Alfândega de Macau, que aplicou uma multa no valor de MOP$5.000,00 e declarou a perda a favor da RAEM as mercadorias em causa, por violação pelos recorrentes do disposto no artº 36º da Lei nº 7/2003 (Lei do Comércio Externo).
Ora, a idêntica questão já foi objecto de várias decisões da autoria do Relator do processo, entre os quais temos o despacho proferido pelo Relator do processo, ora o 2º Adjunto deste Colectivo, nos autos do recurso nº 241/2011.
Ai a questão foi decidida nos termos seguintes:
Cumpre apurar assim se o Tribunal competente para conhecer do recurso da aludida multa, aplicada ao abrigo da Lei 7/2003, de 23 de Junho, é este Tribunal de Segunda Instância ou se será o Tribunal Administrativo de Macau.
III - Segue-se aqui o entendimento já adoptado uniformemente por este Tribunal1, reproduzindo a argumentação expendida noutros casos, nomeadamente no âmbito do processo 35/2003, de 5/3/2003 e que se passa a acompanhar.
Com a publicação da Lei n.º 11/2001, de 6 de Agosto, foram criados os Serviços de Alfândega na R.A.E,M. (cfr. o artigo 1.°, n.º 1, dessa Lei), passando a competir-lhe, entre outras, a competência relativa à aplicação de sanções pelas infracções administrativas previstas em vários diplomas – v.g. Decreto-Lei 51/99/M de 27 de Set..; Lei n.º 7/2003
Na verdade, apesar de a norma do artigo 36°, alínea 7), da Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro (Lei de Bases da Organização Judiciária), determinar, em geral, que compete ao Tribunal de Segunda Instância "Julgar em primeira instância recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa, ou dos respeitantes a questões fiscais, parafiscais ou aduaneiras, praticados pelo Chefe do Executivo e Secretários, pela Assembleia Legislativa, seu Presidente e respectiva Mesa, pela Comissão Independente Responsável pela Indigitação dos Candidatos ao Cargo de Juiz e respectivo presidente, pelo Conselho dos Magistrados Judiciais e respectivo presidente, pelo Conselho dos Magistrados do Ministério Público e respectivo presidente, pelo Comissário contra a Corrupção, pelo Comissário de Auditoria, pelo presidente do Tribunal de Segunda Instância, pelo presidente dos Tribunais de Primeira Instância, pelos juízes que superintendam nas secretarias e por outros órgãos da administração de categoria superior à de director de serviços" , o artigo 30.°, n.º 5, alínea 5), da mesma Lei de Bases da Organização Judiciária, preceitua, por outra banda, que compete ainda ao Tribunal Administrativo, no âmbito do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro, conhecer "Dos recursos dos actos de aplicação de multas e sanções acessórias e dos restantes actos previstos na lei proferidos por órgãos administrativos em processos de infracção administrativa"
Anota-se ainda o disposto na subsequente alínea 6) do mesmo n.º 5 do artigo 30° da Lei da Bases da Organização Judiciária, segundo a qual compete também ao Tribunal Administrativo o conhecimento dos "pedidos de revisão das decisões de aplicação de multas e sanções acessórias referidas na alínea anterior".
Importa então determinar se a competência do Tribunal se afere pela qualidade da entidade que pratica o acto ou se é a natureza material do acto em questão que vai determinar a competência.
Sufraga-se o entendimento expresso em despacho já acima citado e que se transcreve, ainda que no âmbito do DL51/99/M, de 27 de Set.:
«Considerando que como o legislador da Lei de Bases da Organização Judiciária não distinguiu quem seriam os "órgãos administrativos" em questão nessa citada norma da alínea 5) do n.º 5 do artigo 30°, o intérprete-aplicador do Direito também não o deve distinguir, por um lado;
e, por outro, tendo presente a natureza especial desta mesma norma em relação à do artigo 36°, alínea 7), da mesma Lei de Bases de Organização Judiciária, pois ali se faz referência específica e concreta aos "actos de aplicação de multas ... proferidos ... em processos de infracção administrativa", enquanto aqui só se limita a aludir, em geral e abstracto, aos "actos administrativos ou em matéria administrativa, ou dos respeitantes a questões fiscais, parafiscais ou aduaneiras";
ao que acresce o facto de o Senhor Director-Geral dos Serviços de Alfândega não deixar de ser ele próprio um órgão administrativo;
- é de aplicar, no caso concreto dos autos em que está em causa um acto administrativo de aplicação de multa em processo de infracção administrativa instaurado ao abrigo d, a norma "especial" do artigo 30°, n.º 5, al. 5), da Lei de Bases da Organização Judiciária, com prevalência, portanto, sobre a do artigo 36°, alínea 7), da mesma Lei, isto, precisamente, devido ao cânone interpretativo de que a norma especial prevalece sobre a norma geral;
- entendimento esse que, ao fim e ao cabo, está a corresponder ao preceito do já supra falado artigo 43°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 51/99/M (veja-se também o artigo 36.°, alínea 11), da própria Lei de Bases da Organização Judiciária, que dispõe que compete ao Tribunal de Segunda Instância "Rever decisões de aplicação de multas e sanções acessórias proferidas pelo competente Tribunal de Primeira Instância em processos de infracção administrativa");
- aliás, crê-se que ao legiferar a norma da alínea 5) do n.º5 do artigo 30° da Lei de Bases da Organização Judiciária, o Legislador não tenha considerado a qualidade ou estatuto do órgão administrativo autor do acto de aplicação de multas e sanções acessórias e dos restantes actos previstos na lei proferidos em processos de infracção administrativa, mas sim tão-só a natureza específica do processo (lato sensu) no seio do qual aqueles actos seriam praticados, i.e., a natureza dos processos de infracção administrativa, infracção administrativa toda essa que seria cometida por pessoas particulares ou como tal consideradas.»
Nem se diga que por via do disposto no artigo 50º da Lei n.º 7/2003 o Tribunal competente seria este TSI, pois que o que aí se prevê é recurso dos actos administrativos e não da aplicação de multas respeitantes às infracções administrativas. E a lei sabe distinguir as situações, como ocorre no artigo 43º, n.º 2 do DL 51/99/M, de 27 de Setembro, ao falar da impugnação da decisão sancionatória pela prática das infracções administrativas previstas no presente diploma, também elas da competência do DGSA (art. 29º, n.º2), quando nesse mesmo diploma distingue os actos sancionatórios dos restantes actos administrativos.
Por outro lado, não se vê por que razão a coerência do sistema determina que a competência se afira por via da autoria do acto, a partir do momento em que é a própria lei que estabelece um regime privativo para os meios processuais relativos a infracções administrativas - cfr. artigos 118º e 119º do Código de Processo Administrativo Contencioso - estabelecendo-se até expressamente uma competência exclusiva do Tribunal Administrativo para o processo de revisão das decisões de aplicação de multas (artigo 119º, nº 4 do C.P.A.C.).
Acresce que, seguindo o recurso de actos de aplicação de multas, os termos do processo de recurso contencioso, com a especialidade decorrente do nº 2 do art. 118º do C.P.A.C. - podendo até conduzir à fixação da multa, espécie e duração da sanção acessória por parte do Tribunal -, o certo é que desapareceu deste Código uma norma como a que resultava do artigo 7º do E.T.A.F. que estabelecia que a competência para o conhecimento dos recursos contenciosos era determinada pela categoria da autoridade que tivesse praticado o acto recorrido, ainda que no uso de delegação de poderes.
Não se deixa ainda de referir que a competência material dos Tribunais em matéria administrativa não se afere apenas em função da autoria do acto praticado, bastando pensar em situações em que a um dado Tribunal se comete exclusivamente, em razão da matéria em causa, a competência para conhecimento de dadas matérias. Referem-se os casos relativos a todos os recursos sobre os diversos registos, incluindo os incidentes sobre as marcas, cometidos ao Tribunal Judicial de Base e já não ao Tribunal Administrativo, como seria de esperar, atenta a natureza da relação jurídica administrativa em jogo e as acções relativas aos contratos administrativos e à responsabilidade civil extra-contratual dos titulares dos órgãos da R.A.E.M. cometidas ao Tribunal Administrativo, independentemente da categoria ou estatuto do autor do acto (cfr. o artigo 30º, n.º2, al. 3) sub-alíneas III e IV da Lei de Base de organização Judiciaria e o artigo 36º da mesma, por exclusão de partes).
A não se entender desta forma, não se compreenderia que algumas multas aplicadas pelo DGSA fossem recorríveis para o TA - expressamente, art. 43º, n.º 2 do DL51/99/M de 27 de Set. e já não outras como as aplicadas no âmbito da Lei 7/2003.
Por fim, visto o espírito do sistema, a interpretação ora acolhida não deixa de ser aquela que, por declarativa, maior conformidade apresenta com a letra das normas, assim se evitando uma interpretação restritiva em sede de recursos relativos à aplicação de multas pela prática de infracções administrativas.
IV - Decisão
Nesta conformidade, sem necessidade de outros desenvolvimentos, nos termos e fundamentos expostos, declaro a incompetência deste Tribunal de Segunda Instância para conhecer do recurso contencioso em causa, e, por conseguinte, ordeno oficiosamente a remessa do presente processo para o Tribunal Administrativo de Macau, nos termos e para todos os efeitos legais, nomeadamente os decorrentes dos artigos 31°, n.º 1, e 33°, n.º 1, do Código de Processo Civil de Macau, ex vi do artigo 1° do CPAC.
Assim, sem mais delonga, é de subscrever a doutrina afirmada nesse Despacho e consequentemente declarar incompetente o Tribunal de Segunda Instância para o conhecimento do presente recurso.
E deve o presente processo ser ex oficio remetido ao Tribunal Administrativo que é competente face ao disposto no artº 30º/5-5) da LBOJM.
Tudo visto, resta decidir.
Pelos fundamentos expostos, acordam declarar incompetente o Tribunal de Segunda Instância para o julgamento do presente recurso e determinar a remessa dos presentes autos ao Tribunal Administrativo.
Custas a final.
RAEM, 25ABR2013
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Estive presente
Mai Man Ieng
1 - cfr. v.g. proc. do TSI 9/2003, 64/2003 e 176/2003 de 4/9/2003 e proc. 343/2009, Despacho de 20/5/09, este no âmbito também da Lei 7/2003
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