Processo n.º 154/2012
(Recurso contencioso)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 9/Maio/2013
ASSUNTOS:
- Demolição de prédio por perigo para a segurança pública
- Princípio da procedimentalização
- Princípio da imparcialidade
SUMÁRIO :
Se o particular não acata uma ordem de demolição de um prédio que ameaça ruir e no âmbito do processo junta fotografias que demonstram que colocou uma vedação metálica e junta ainda um projecto de obras que intenta ali empreender, não é de anular o acto que indeferiu o recurso hierárquico daquela ordem de demolição, se a Administração, não obstante aquela actuação dos particulares, continua a entender que o perigo se verifica, não só da segurança para as pessoas e bens, mas ainda para a saúde pública, tal o estado de abandono e ruína do prédio em causa, não relevando a proposta de desenvolvimento do projecto de obras por entender que o mesmo carece dos indispensáveis requisitos para ser valorado enquanto tal, se bem que não se pronuncie definitivamente no procedimento em curso sobre a autorização dessas projectadas obras, não o relevando tão somente, em termos de facto superveniente, com força para extinguir o acto proferido.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 154/2012
(Recurso Contencioso)
Data : 9 de Maio de 2013
Recorrentes: A e B
Entidade Recorrida: O Chefe do Executivo da RAEM
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A e B, mais bem identificados nos autos,
vêm interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO
do despacho proferido pelo Exm.º Senhor Chefe do Executivo da R.A.E.M., datado de 3 JAN 2012 e notificado ao recorrente em 27 JAN 2012, que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto pelos recorrentes do despacho de 4 AGO 2011 da Exma. Sr.ª Directora Substituta da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (D.S.S.O.P.T.) que, invocando o estado de ruína, constitutivo de perigo para a segurança pública, determinou, nos termos dos artigos 54° e 55° do R.G.C.U., a desocupação do prédio, a sua demolição, limpeza e a construção de um muro de vedação do terreno com tapume adequado (cfr. documento 1),
Tendo concluído, para tanto:
1.ª - O acto recorrido está ferido de um vício de violação de lei por manifesta falta superveniente de um pressuposto de facto essencial (a existência de uma situação de perigo iminente para a segurança pública) - cfr. 124.° do C.P.A. e art. 54.° n.º 1 do R.G.C.U.
2.ª - Ao ter sido postergada a consideração holística e global de todo o material hábil à tomada crítica da melhor decisão possível no caso concreto - concretamente a remoção da fonte de perigo para a segurança pública, documentada e levada ao procedimento, -, o acto a quo mostra-se ferido de um vício gerador da sua nulidade atenta a violação frontal do princípio da imparcialidade na sua dimensão positiva - cfr. artigos 4°, 7° e 122° n.º 2 al. d) do C.P.A..
3.ª - O despacho recorrido configura ainda um quadro de frontal violação do princípio da procedimentalização, isto por ter subvertido a cadência e faseamento próprios de um procedimento administrativo em curso junto da D.S.S.O.P.T., vício gerador da sua nulidade atenta a violação frontal do princípio da procedimentalização administrativa – cfr. artigos art. 1º n.º 1, art. 3° n.º 1, art. 4° e art. 122° n.º 2 al. d) e al. f), todos do C.P.A..
NESTES TERMOS,
deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se o acto recorrido, atento o vício de violação de lei por falta de um pressuposto de facto essencial, a violação do princípio da imparcialidade na sua dimensão positiva e, bem ainda, a violação frontal do princípio da procedimentalização, estes dois últimos vícios geradores da nulidade do acto.
O Exmo Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, entidade recorrida nos autos de recurso contencioso à margem identificado, apresentou a sua contestação, o que fez, em síntese:
1.ª - O objecto do presente recurso contencioso é o despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Janeiro de 2012, que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto pelos Recorrentes do despacho de 4 de Agosto de 2011, da Directora Substituta da DSSOPT, que ordenara a desocupação, demolição, limpeza e vedação do terreno com tapume adequado, do prédio sito na Taipa, no Caminho das Hortas, Povoação de C.
2.ª - O acto impugnado não enferma do assacado vício de violação de lei por manifesta falta superveniente de um pressuposto de facto essencial, porquanto existem todos os factos tomados como fundamento da decisão, constam do auto de vistoria, e os Recorrentes não lograram provar que as conclusões desse auto de vistoria não traduzem o verdadeiro estado em que se encontra o prédio em causa, isto é, que devido ao seu estado de degradação, a ameaça de ruína constitui perigo para a segurança de pessoas e bens.
3.ª - O acto também não padece da invocada violação do princípio da imparcialidade, pois conforme pode constatar-se de toda a factualidade que resulta do processo administrativo, a actuação da Administração ao longo do procedimento em questão não consubstancia qualquer desrespeito do dever de imparcialidade, muito pelo contrário, a decisão tomada mostra-se perfeitamente justa e adequada.
4.ª - Pois que, nem aquando da prolação do acto a quo nem com a decisão recorrida (que indeferiu o recuso hierárquico), se denota que a Administração, no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, não tenha procedido com isenção na determinação da prevalência do interesse público em causa segurança de pessoas e bens - ou que tenha sacrificado de forma desnecessária e desproporcionada os interesses dos Recorrentes - manutenção de um prédio em ruínas, sem qualquer possibilidade de reparação.
5.ª - Quanto à invocada violação do princípio da procedimentalização, também não têm razão, porquanto, no presente caso, a Administração, seja em 1.º grau de decisão (despacho de 4 de Agosto de 2011), seja em 2.° grau (despacho de 3 de Janeiro de 2012, que decidiu o recurso hierárquico) praticou os respectivos actos tendo observado na íntegra e rigorosamente todo o procedimento legalmente definido.
6.ª - Ambas as decisões foram totalmente procedimentalizadas, tendo sido seguidas todas as formalidades e de acordo com os procedimentos ou regras vinculadamente definidos, quer no RGCU, nomeadamente as regras estatuídas no artigo 54.°, enquanto procedimento especial, quer no CPA, enquanto procedimento comum.
Nestes termos, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por não verificação de qualquer dos alegados vícios, mantendo-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos.
A e B ofereceram as seguintes alegações facultativas:
Os autores dão aqui por inteiramente reproduzidos os argumentos por si expendidos em sede do seu recurso contencioso.
O acto recorrido encontra-se ferido de um vício de violação de lei por manifesta falta superveniente de um pressuposto de facto essencial, qual seja a inexistente situação de um verdadeiro perigo iminente para a segurança pública - cfr. 124.º do C.P.A. e art. 54.º n.º 1 do R.G.C.U.
Por outro lado, ao ter sido postergada a consideração holística e global de todo o material hábil à tomada crítica da melhor decisão possível no caso concreto concretamente a remoção da fonte de perigo para a segurança pública, documentada e levada ao procedimento, -, o acto a quo mostra-se ferido de um vício gerador da sua nulidade atenta a violação frontal do princípio da imparcialidade na sua dimensão positiva - cfr. artigos 4.°, 7.° e 122.° n.º 2 al. d) do C.P.A.
O despacho recorrido configura ainda um quadro de frontal violação do princípio da procedimentalização.
Isto por ter ocorrido uma subversão da cadência e faseamento próprios de um procedimento administrativo em curso junto da D.S.S.O.P.T., vício gerador da sua nulidade atenta a violação frontal do princípio da procedimentalização administrativa - cfr. artigos art. 1.º n.º 1, art. 3.° n.º 1, art. 4.° e art. 122.° n.º 2 al. d) e al. f), todos do C.P.A.
NESTES TERMOS,
deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se o acto recorrido, atento o vício de violação de lei por falta de um pressuposto de facto essencial, a violação do princípio da imparcialidade na sua dimensão positiva e, bem ainda, a violação frontal do princípio da procedimentalização, estes dois últimos vícios geradores da nulidade do acto.
O Emo Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau ofereceu as seguintes alegações facultativas:
Nas suas alegações facultativas, os recorrentes nada acrescentam ao que haviam dito na petição inicial e nada contrapõem à argumentação expendida pela entidade recorrida em sede de contestação.
Mantém-se, assim, tudo quanto foi dito em sede de contestação, dando-se aqui por inteiramente reproduzido o teor da sua resposta à petição de recurso.
Na verdade, não se vislumbra que o acto ora posto em crise esteja afectado por qualquer dos vícios apontados pelos recorrentes, capazes de gerar a sua nulidade ou anulabilidade.
No demais,
Invocando ainda o merecimento que, da análise dos autos, vier a resultar, a entidade recorrida,
pugna pela manutenção do acto recorrido, nos seus precisos termos.
O Exmo Senhor Procurador-Adjunto emite o seguinte douto parecer:
Vêm A e B impugnar o despacho do Chefe do Executivo de 3/1/12 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão da Directora substituta da DSSOPT de 4/8/11 que determinou a desocupação, demolição limpeza e vedação do terreno com tapume adequado do prédio sito no Caminho da Hortas - C - Taipa, por o mesmo se encontrar em avançado estado de ruína, constitutivo de perigo para a segurança pública, assacando-lhe vícios de violação de lei por falta superveniente de um pressuposto de facto essencial, afronta do princípio da imparcialidade na sua vertente positiva e atropelo do princípio da procedimentalização.
Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
De breve análise do argumentado, é possível colher, com clareza, que os dois primeiros vícios se reportam, na sua génese, ao facto de, na decisão tomada, não ter sido contemplada a nova situação gerada pela circunstância de, após a produção do acto primário, ter sido, em Setembro de 2011, mandada erguer pelos recorrentes uma vedação metálica em redor do prédio em questão, alegadamente impeditiva de qualquer aproximação às paredes exteriores do imóvel, prevenindo-se o risco de qualquer pessoa poder aceder ou aproximar-se dele, com o que os mesmos recorrentes entendem ter acabado, além do mais, por cumprir voluntariamente o determinado por aquele acto, quebrando-se o "perigo" fundamentador do decidido.
Pois bem:
Atentando-se no conteúdo do acto aqui sob escrutínio, não é difícil constatar nunca o mesmo se ter debruçado sobre esta matéria, isto é, nunca, quer em sede do despacho propriamente dito, quer no seio da informações e pareceres a que o mesmo aderiu, a questão da implantação da nova vedação metálica e respectivas consequências foi apreciada, para quaisquer efeitos.
Serve isto por dizer que, sendo certo não poder o tribunal, sob pena de usurpação de poderes, substituir-se à Administração nessa apreciação, restará, em nosso critério, a propósito, a averiguação sobre se esta, de facto, na conjuntura apresentada, teria ou não o dever de apreciar tal matéria.
Afigura-se-nos claro que não.
Sendo certo que "Na decisão final expressa, o órgão competente deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido decididas em momento anterior" (art° 100°, CPA), a verdade é que, apreciando o procedimento "sub juris" será fácil constatar que, inequivocamente, a situação, tal como configurada aquando da produção do acto primário, não configurava a implantação da dita rede metálica, situação que, aliás, terá sido representada em termos de recurso hierárquico como mero projecto de intenção, de resto com contornos bem diversos (cfr art° 15° respectivo)).
O que acontece é que os recorrentes, posteriormente à interposição do recurso hierárquico e alegadamente como forma de comprovação do mencionado articulado, fizeram questão de juntar ao procedimento uma série de fotografias supostamente comprovativas da implantação da referida rede metálica.
Neste contexto, sendo certo que o que se encontrava em causa, o objecto do recurso hierárquico era o conteúdo do acto primário que havia sido produzido sem o registo do pressuposto anunciado, o qual, aliás também não era referido, com reporte efectivo, mesmo na argumentação expendida naquele recurso, não vemos, em boa verdade, que a entidade recorrida houvesse que contemplar ou pronunciar-se sobre a matéria.
Entendendo que a nova circunstância, que só agora alega, e produzida já após a interposição do recurso hierárquico, poderia ou poderá, de alguma forma, alterar o "status" do prédio em questão, deveriam os interessados promover procedimento autónomo para o efeito.
Neste contexto, quer-nos parecer encontrar-se o argumentado pelos recorrentes relativamente aos 2 primeiros vícios anunciados como destituído de conteúdo útil, já que a possível ocorrência dos mesmos não deixa de assentar na "superveniência'' da implementação da rede metálica em questão, matéria que, como se frisou, não foi (nem tinha que o ser) abordada no despacho em crise.
E, bem vistas as coisas, avaliada a situação nesses parâmetros, acabam por ser os próprios recorrentes a abandonar, nesta sede, o que, de essencial, haviam compaginado em termos do acto primário, ou seja, não afastando a ocorrência do perigo para a segurança pública decorrente do estado de ruína do prédio, avaliada à luz dos pressupostos existentes aquando da produção do acto primário.
Quedará, pois, a questão da procedimentalização.
Ora, a este nível, para além de, perante o argumentado, não se assistir, de facto, à concretização daquela violação, com especificação de eventuais normas procedimentais porventura não observadas, parecem, contudo, os recorrentes assentar a mesma no conteúdo específico dos pontos 16° e 17° da Informação 72/DJUDEP/2011, o qual os recorrentes terão como apreciação, como decisão do que ainda nem sequer foi submetido a consideração, nos termos normais.
Ora, o que se retira de tais pontos, embora referindo-se à possibilidade de aprovação do projecto de reconstrução do prédio é, no momento, do afastamento dessa possibilidade, na falta de requisitos legais, desde logo por falta de apresentação de documento comprovativo da situação jurídica do terreno e do prédio, matéria que, pese embora dever ser apreciada em sede própria, não deixa, como é óbvio, de ter conexão e poder ser importante na decisão a tomar no procedimento que nos ocupa.
Aliás, bem vistas as coisas, não deixam de ser os próprios recorrentes a reportar-se à mesma no respectivo recurso hierárquico (art°s 12° a 17°) pelo que mal se alcança a referência ao atropelo da procedimentalização no caso.
Tudo, pois, razões que nos impelem à consideração de não merecer provimento o presente recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Respiga-se do processo instrutor a factualidade seguinte:
Os Serviços das Obras públicas procederam oportunamente à seguinte vistoria:
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes
Autos de vistoria predial
Em 19 de Julho de 2011 às 10h00 da manhã em ponto, esta comissão efectuou uma vistoria predial que teve como objecto um prédio sem número de polícia situado no Caminho das Hortas da Povoação de C, Taipa (cuja localização se encontra melhor especificada na imagem incluída em anexo), em conformidade com o despacho dado pelo Chefe da Divisão de Fiscalização da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes em 14 de Julho de 2011 o qual consta da 4.ª folha dos autos n.º 5/RP/2011/F, com o Regulamento Geral da Construção Urbana e com todos outros diplomas legais que lhe sejam aplicáveis. Eis os autos:
1. Trata-se de uma construção de um piso composta por paredes de tijolo, taipa, vigas travessas de madeira e telhas tradicionais. (foto 1)
2. Mediante a vistoria, foram detectadas as seguintes condições:
2.1 A parede de taipa voltada para o Caminho das Hortas encontra-se parcialmente desabada. Entrando no prédio através da parte derrubada, encontram-se algumas peças de madeira soltas. A construção está neste momento desabitada, sem ninguém a servir-se dela; (fotos 1 a 5)
2.2 Uma grande parte do telhado está caída, na qual há plantas a crescerem. (foto 6)
3. Nos termos do Decreto-Lei n.º 56/84/M de 30 de Junho, do Decreto-Lei n.º 83/92/M de 31 de Dezembro, bem como do Despacho do Chefe do Executivo n.º 202/2006 de 24 de Julho, o prédio em referência não está incluído em áreas ou arquitecturas já classificadas.
4. Conclusão: tendo em conta o estado de decadência em que o prédio em apreço está, uma vez que o dito implica ameaça à segurança pública, o proprietário tem que demoli-lo dentro do prazo de 20 dias a contar da data de recepção dos presentes autos. No entanto, antes da realização da obra, o proprietário deve apresentar a esta Direcção um projecto de obra, fazendo cumprimento do Decreto-Lei n.º 79/85/M de 21 de Agosto.
Comissão de vistoria predial:
Eng.º Sam Iam Peng
(Rubrica: vide o original)
Eng.º Pun I Chung “
Os recorrentes foram notificados editalmente mediante anúncio publicado na edição de 10 AGO 2011 do jornal Hoje Macau da decisão proferida pela Ex.ª Senhora Directora Substituta dos Serviços da DSSOPT de 4 de Agosto de 2011, nos termos do qual foi ordenado aos recorrentes a desocupação e demolição total do prédio, bem como limpeza e vedação do terreno com tapume adequado, ao abrigo do disposto nos artigos 54.º e 55.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M.
Não se conformando com tal decisão, interpuseram em 25 de Agosto de 2011 junto do Exm.º Senhor Chefe do Executivo o competente recurso hierárquico necessário, cujos termos aqui se dão por reproduzidos (cfr. documento 2).
Aí, alegou-se, nomeadamente, o seguinte:
“- a inexistência de um estado de ruína causador de perigo para a segurança pública;
- que o prédio é reparável ou, ainda que se concluísse diferentemente, sempre seria viável e desejável a respectiva reconstrução;
- que, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, deveria ser admitida a sua viabilização;
- que o referencial cultural e histórico do prédio é único e, portanto, digno de reconhecimento e protecção - cfr. terceiro parágrafo do art. 125.° da Lei Básica, que consagra o princípio da preservação e da valorização do património cultural e histórico da R.A.E.M.;
- que qualquer determinação que, sem mais, determinasse a erradicação de um património edificado que vale, entre o mais, pelo seu valor de conjunto, estaria a ferir de forma flagrante o referido princípio;
- Motivos estes que, militando contra a manutenção da então impugnada medida, impunham a sua revogação e, até que fosse adoptada tal revogação, a sua imediata suspensão, o que se invocou e requereu.
Mediante requerimento de 31 de Agosto de 2011 dirigido ao Exmo Senhor Chefe do Executivo, os recorrentes juntaram ao processo 9 (nove) fotografias para prova e demonstração do que haviam alegado em sede de recurso hierárquico (cfr. documento 3).
Alegaram com tal junção, nomeadamente:
“- com a junção das Fotografias 1 e 2, os recorrentes pretenderam provar que o prédio não comportava perigo de queda causador de perigo para a segurança pública.
- com a junção das Fotografias 3, 4 e 5 pretenderam provar que o local onde está implantado o prédio não é facilmente acessível pelo público, situando-se numa rua interior e pouco percorrida da povoação de C.
- com a junção das Fotografias 6, 7, 8 e 9 pretenderam demonstrar de que forma outros habitantes e proprietários da Povoação de C procederam à respectiva reconstrução das suas habitações e, pois, a linha em harmonia da qual os recorrentes se propõem proceder à reconstrução da sua habitação.”
Mediante requerimento de 6 de Outubro dirigido ao Exmo Senhor Chefe do Executivo, os recorrentes juntaram ao processo 8 (oito) fotografias para prova e demonstração do que haviam alegado sob o artigo 15.º em sede de recurso hierárquico (cfr. documento 4).
Nesse seu requerimento de 6 de Outubro de 2011 dirigido ao Chefe do Executivo, os recorrentes protestaram ainda apresentar no prazo de 45 dias junto dos competentes Serviços da R.A.E.M. um projecto tendente à viabilização do seu prédio
Em 7 de Outubro de 2011 a D.S.S.O.P.T. enviou aos requerentes, através do seu mandatário, o Ofício 106/DJUDEP/2011, informando encontrar-se ainda em curso a análise do recurso hierárquico (cfr. documento 5).
Mediante requerimento de 11 de Outubro de 2011 dirigido à D.S.S.O.P.T., os recorrentes deram a conhecer a estes Serviços o requerimento por si dirigido em 6 de Outubro ao Chefe do Executivo, para tanto juntando uma cópia deste (cfr. documento 6).
Através de requerimento de 10 de Novembro de 2011, os recorrentes informaram a D.S.S.O.P.T. que o projecto tendente à viabilização do seu prédio estava quase concluído e que no prazo previsto de 30 dias seria apresentado, mais reiterando que caso o conjunto edificado a que se reporta o procedimento se mostrasse passível de reparação ou de reconstrução em harmonia com os prédios adjacentes inseridos na povoação, seria esse o desejo e intenção dos ora recorrentes (cfr. documento 7).
A 22 de Novembro de 2011 a D.S.S.O.P.T. enviou aos requerentes, através do seu mandatário, o Ofício 12822IDJURDEP12011, em cuja epígrafe/assunto se pode ler "reconstrução da habitação" (cfr. documento 8).
Aí se deu nota aos recorrentes de que, ao abrigo do despacho de 28 de Outubro de 2011 do Chefe do Departamento de Urbanização da D.S.S.O.P.T., deveriam elaborar o respectivo projecto da obra de construção, de acordo com o DL 79/85/M e seus requisitos previstos no art. 19°, a fim de tal projecto ser objecto de apreciação.
Mediante requerimento de 24 de Novembro de 2011 dirigido à D.S.S.O.P.T., os recorrentes informaram estes Serviços terem já em seu poder um plano/anteprojecto inicial elaborado pela empresa IAO HOU CONSTRUCTION ENGINEERING LIMITED tendente à viabilização do seu prédio, cuja junção aos autos efectuaram (cfr. documento 9).
Nesse mesmo requerimento, requereram ainda que fossem informados quanto à respectiva viabilização e, em caso afirmativo, solicitaram que lhes fossem indicados que outros documentos e/ou elementos deveriam apresentar, exibir ou requerer para dar andamento ao processo, tudo de forma a poderem dar início ao pedido autónomo para a reparação/reconstrução do seu prédio, mediante a respectiva formalização junto da D.S.S.O.P.T.
Mais aí solicitaram que com o deferimento do então requerido fosse de imediato extinto o procedimento administrativo em virtude da sua inutilidade superveniente, nos termos do art. 103°, n.° 2, al. b) do C.P.A.
Mediante requerimento de 25 de Novembro de 2011, os recorrentes deram conhecimento ao Exmo Senhor Chefe do Executivo do seu requerimento dirigido em 24 de Novembro de 2011 à D.S.S.O.P.T., para tanto juntando uma cópia deste (cfr. documento 10).
Com tal decisão não se conformando, interpuseram recurso hierárquico necessário para o Exmo Senhor Chefe do Executivo.
A decisão que indeferiu o recurso hierárquico e que constitui o objecto do presente recurso contencioso louvou-se na informação seguinte:
“1. O recurso referido no assunto em epígrafe, foi remetido pelo Departamento de Urbanização (DURDEP) ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para apreciação.
2. Com o presente recurso apresentado no Gabinete do Chefe do Executivo (GCE) em 25 de Agosto de 2011, pretendem os recorrentes, A e B, que seja revogado o despacho da directora substituta da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), publicado em edital de 10 de Agosto de 2011, proferido no Processo n.º 5/RP/2011F, relativo ao prédio em ruína sito no Caminho das Hortas da Povoação de C - Taipa.
Dos factos
3. Em virtude de avançado estado de ruína em que se encontra o prédio acima identificado, no uso das competências delegadas, previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 13 do Despacho n.º 09/SÕTDIR/2009, publicado no Boletim Oficial n.º 16, II Série, de 22 de Abril de 2009, por despacho do Chefe da Divisão de Fiscalização (DFS) da DSSOPT exarado sobre a Informação n.º 4650I/DURDEP/2011, foi realizada uma vistoria ao prédio acima identificado em 14 de Julho de 2011.
4. No âmbito dessa vistoria, em 19 de Julho de 2011, a Comissão de Vistoria, composta por dois engenheiros da DSSOPT, procedeu à avaliação do prédio em causa e elaborou o respectivo «Auto de Vistoria», tendo concluído o seguinte:
4.1 Trata-se de um edifício de construção mista (cimento, pedra e madeira), de piso térreo e abandonado;
4.2 As fachadas do prédio encontram-se em avançado estado de ruína e as estruturas de madeira que suportam o seu interior estão soltas;
4.3 Todo o prédio está coberto de arbustos e as suas principais estruturas estão parcialmente ruídas;
4.4 O edifício não está situado na zona protegida e não é considerado de interesse arquitectónico abrangido no despacho do Chefe do Executivo n.º 202/2006 de 24 de Julho, no Decreto-Lei n.º 83/92/M de 31 de Dezembro e no Decreto-Lei n.º 56/84/M de 30 de Junho;
4.5 O avançado estado de ruína em que se encontra o prédio constitui perigo para a segurança pública, pelo que urge que seja ordenada a sua demolição total.
5. Na sequência disso, por despacho da directora substituta da DSSOPT de 4 de Agosto de 2011, foi ordenada a demolição total do prédio, limpeza e vedação do terreno com tapume adequado, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 54.° do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto - Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU).
6. Não tendo sido possível notificar pessoalmente os interessados, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 72.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, os mesmos foram notificados do referido despacho por edital (n.º 131/E/2011), publicado nos jornais em línguas chinesa (Diário de Macau) e portuguesa (Hoje Macau) de 10 de Agosto de 2011, tendo esse mesmo edital sido também afixado na porta principal do dito prédio.
7. Em virtude do referido prédio encontrar-se em avançado estado de ruína, o que constitui perigo para a segurança pública, a DSSOPT determinou a sua demolição total, devendo os interessados, querendo, realizá-la por iniciativa própria no prazo de 20 (vinte) dias, ou no prazo de 15 (quinze) dias, contado a partir da data da publicação do referido edital, interpor recurso hierárquico necessário da decisão para o Chefe do Executivo (cfr. n.º 1 do artigo 59° do RGCU).
8. No decurso do referido prazo, em 25 de Agosto de 2011, os interessados B e A, através do seu mandatário Dr. XXX, advogado com escritório em Macau, na XXX, apresentaram recurso hierárquico necessário (Reg. n.º 105629/2011) junto do GCE, solicitando a revogação do despacho da directora substituta da DSSOPT de 4 de Agosto de 2011, alegando os motivos seguintes:
8.1 Inexistência de um estado de ruína causador de perigo para a segurança pública;
8.2 O prédio é reparável ou, ainda que se conclua diferente, sempre seria viável e desejável a respectiva reconstrução;
8.3 Em homenagem ao princípio da proporcionalidade, deve ser admitida a sua viabilização;
8.4 O referencial cultural e histórico do prédio é único e, portanto, digno de reconhecimento e protecção - cfr. terceiro parágrafo do artigo 125° da Lei Básica, que consagra o princípio de preservação e da valorização do património cultural e histórico da RAEM;
8.5 Qualquer determinação que, sem mais, determinasse a erradicação de um património edificado que vale, entre o mais, pelo seu valor de conjunto, estaria a ferir de forma flagrante o referido princípio.
9. Em 24 de Novembro de 2011, através do mandatário acima referido, os recorrentes apresentaram na DSSOPT, projecto de arquitectura para a reparação/reconstrução do prédio em causa.
Do Direito
10. Nos termos dos artigos 145.°, 147.°, 153.° do CPA, o recurso é o próprio, os recorrentes estão em tempo e são partes legítimas, pois se consideram lesados pelo acto administrativo praticado pela directora substituta da DSSOPT de 4 de Agosto de 2011.
11. Debruçando sobre as questões suscitadas no recurso, os recorrentes invocam que o prédio não constitui perigo para a segurança pública, nomeadamente para eventuais transeuntes ou habitantes da povoação de C, porquanto as suas paredes-mestras não ameaçam perigo de queda para a via pública, e o prédio localiza-se numa rua no interior da referida povoação, pouco percorrida pelos transeuntes.
12. Todavia, não nos parece que isso seja verdade, porquanto as fotografias tiradas in loco pelo fiscal da DSSOPT em 30/6, 1/7 e 19/7 de 2011, bem como o auto de vistoria elaborado pela Comissão de Vistoria em 19 de Julho de 2011, demonstram claramente que as paredes-mestras do prédio encontram-se em avançado estado de ruína e ameaçam perigo para a segurança pública.
13. Os recorrentes limitam-se apenas a invocar que as paredes-mestras do prédio em causa encontram-se em bom estado de conservação mas não provam através de aferição técnica em que medida essa conservação oferece adequada sustentabilidade das estruturas para que o mesmo possa ser objecto de uma eficaz reparação ou correcção.
14. Também o facto do prédio se situar numa rua no interior da povoação de C e pouco percorrida pelos transeuntes não exclui o risco de perigosidade para a saúde pública e para a segurança das pessoas, porquanto o eventual desmoronamento do mesmo resultante de avançado estado de ruína das suas estruturas essenciais é um acontecimento imprevisível e de danos incalculáveis.
15. Ora, verificando-se que os recorrentes não demonstram através de aferição técnica em que medida as estruturas essenciais do prédio são passíveis de reparação, julga-se que é de considerar e manter a conclusão do auto de vistoria elaborado pelos engenheiros da DSSOPT, cuja apreciação técnica aponta para a sua urgente demolição total dado ao avançado estado de ruína das suas estruturas essenciais.
16. De igual modo, também é de afastar a possibilidade de aprovação do projecto de reconstrução do prédio apresentado pelos recorrentes, porquanto essa aprovação depende de apresentação pelos mesmos do projecto inicial de construção do prédio, acompanhado de documento comprovativo da situação jurídica do terreno e do prédio, nomeadamente título de registo de propriedade, de arrendamento, de aforamento ou de autorização de ocupação a título precário (cfr. n.º 1 e 2 do artigo 19º do RGCU).
17. Por esse motivo, mesmo se a Administração quisesse aprovar o projecto de reconstrução do prédio, não podia fazê-lo porque não estão reunidos os requisitos legais para o efeito.
18. Para o caso vertente, pode afirmar-se que acto administrativo praticado pela directora substituta da DSSOPT obedeceu aos trâmites legais previstos no n.º 1 do artigo 54º do RGCU, preceito específico que permite a Administração ordenar a demolição parcial ou total das construções que ameaçam ruína ou ofereçam perigo para a saúde ou segurança públicas.
19. Ao contrário do que alegam os recorrentes, trata-se de um prédio em avançado estado de ruína, situado numa zona não protegida e não considerado de interesse patrimonial ou arquitectónico, por isso, não se nos afigura existir qualquer vício que se possa assacar ao acto administrativo que ordenou a sua demolição total.
20. Por conseguinte, e se se tratasse na realidade de um prédio de valor inestimável, cabia aos interessados o dever de providenciar a realização periódica de todas as obras necessária à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético, e não deixá-lo abandonado e invadido de arbustos. Por isso, a sua demolição total não viola o princípio da proporcionalidade, da preservação e da valorização do património cultural e histórico da RAEM.
21. Pelo exposto, pode afirmar-se que o recurso hierárquico necessário em apreço não tem por fundamento a ilegalidade ou a inconveniência do acto administrativo impugnado, pelo que, não é de conceder provimento ao mesmo, mantendo-se a decisão de demolição total do aludido prédio.
22. Se for este o entendimento superior, deve a DSSOPT, por força do disposto no n.º 1 do artigo 59° do ROCU, remeter o processo ao Chefe do Executivo para os devidos efeitos.
23. Notifique-se os recorrentes e o seu mandatário Dr. Ricardo Gaspar Rosado de Carvalho, advogado com escritório em Macau, na Av. Almeida Ribeiro, n.º 39, Edifício Central Plaza, 11° andar, Unit A, do conteúdo do despacho do Chefe do Executivo relativo ao presente recurso hierárquico necessário.
À consideração superior.
Os técnicos superiores
XXX.”
IV - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso reconduz-se ao conhecimento dos vícios que vêm assacados ao acto recorrido, a saber;
- Da não verificação do pressuposto de facto essencial
- Violação do princípio da imparcialidade na sua dimensão positiva
- Violação do princípio da procedimentalização
2. Trata-se de um acto consubstanciado num despacho do Exmo Senhor Chefe do Executivo que indeferiu o recurso hierárquico sobre um despacho que determinou a desocupação, demolição, limpeza e construção de um muro em redor de um prédio que ameaçava ruína e que pertencia aos recorrentes.
Alegam estes, fundamentalmente, que colocaram uma rede de protecção, razão por que se deixaram de verificar os pressupostos que motivaram aquele despacho, não havendo mais perigo para a segurança para eventuais transeuntes ou habitantes da povoação.
E fizeram-no logo em meados de Setembro de 2011, juntando os respectivos comprovativos com o seu requerimento de 6/OUT/ 2011.
Tendo sido ultrapassada satisfatoriamente essa potencial fonte de perigo mediante a intervenção voluntária dos ora recorrentes, deixou o acto administrativo de 4/AGO/2011 de ter subjacente o até aí legítimo leitmotiv que continha e lhe dava fundamento.
O acto de 4/AGO/2011aqui colocado em crise - Despacho do Exm.º Senhor Chefe do Executivo que recaiu e se louvou per relationem na Informação n.º 72/DJUDEP/2011 - refere nos seus pontos 12 e 14 que as paredes-metras do prédio ameaçavam perigo para a segurança pública, conclusão esta que na mesma Informação se ancora em fotografias tiradas in loco pelo fiscal da D.S.S.O.P.T. em 30/JUN/2011, 1/JUL/2011 e 19/JUL/2011 e em relatório de 19/JUL/2011.
Insurgem-se por a Administração não ter carreado para o núcleo actualizado de factos posteriores atendíveis os factos documentados pelas 8 fotografias que os recorrentes juntaram em 6/OUT/2011.
3. Não é linear que o acto praticado não se tenha debruçado sobre a actuação posterior do particular relativamente ao levantamento da referida vedação metálica. Mas não é menos verdade que também não caberia a este Tribunal, sob pena de usurpação de poderes, substituir-se à Administração nessa apreciação.
Caberá, pois, tão somente apreciar a actuação da Administração e da relevância da actuação superveniente dos administrados.
Se é certo que o artigo 100º do CPA determina que "Na decisão final expressa, o órgão competente deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido decididas em momento anterior", não é menos certo que, face ao acto primário, essa actuação ainda não tinha ocorrido, o que só se concretizou já em sede do recurso hierárquico, tendo os recorrentes juntado ao processo administrativo gracioso uma série de fotografias supostamente comprovativas da implantação da referida vedação metálica.
Desde logo, o que se observa não é um vício que se traduza em qualquer erro de facto, antes se podendo dizer que a actuação dos particulares, ao colocarem a referida vedação, confirma exactamente o pressuposto de facto em que se louvou o acto recorrido e se traduzia no perigo de ruína.
O que ressalta é que os recorrentes não deram cumprimento ao determinado, no despacho de 4 de Agosto de 2011, da Exma Senhora Directora Substituta da DSSOPT, antes fizeram uma outra coisa qualquer, ficando-se sem saber, nem isso resulta inelutavelmente da prova produzida, que a vedação obstaria ao perigo de ruína e pudesse de alguma forma suster os efeitos que dessa ruína pudessem derivar.
Sendo certo que o cumprimento dessa ordem implicaria, numa primeira fase, a desocupação e demolição do prédio que se encontra em ruínas e, posteriormente, a limpeza e construção de um tapume adequado no terreno, o que é bem diferente da colocação de uma vedação metálica.
4. A referida ordem de demolição de uma construção em ruína e perigosa - determinada ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 54.° do RGCU, baseada no auto de vistoria, assentando no estado de degradação do imóvel e da necessidade de salvaguardar valores e interesses de ordem pública, como a segurança de pessoas e bens, não se compagina facilmente com a interpretação que dela fizeram os recorrentes materializada na vedação que ali colocaram e que aparece bem documentada nas fotos juntas aos autos.
Efectivamente, a lei - n.º 1 do artigo 54.° - estabelece que "Compete ao Director da DSSOPT ordenar a demolição parcial ou total das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde ou segurança públicas".
Defende a entidade recorrida que, face ao auto de vistoria, devido ao avançado estado de ruína em que se encontra, o prédio constitui perigo para a segurança pública, toma-se perfeitamente claro que o prédio não era passível de obras de reparação, como pretendem os recorrentes, mas antes ser sujeito a obra de demolição, no sentido de destruição da totalidade da construção existente, como medida necessária e indispensável à eliminação das péssimas condições de salubridade e segurança evidenciadas naquele auto (cfr. subalíneas m.2, m.5 e m.8 da alínea m) do n.º 2 do artigo 2.° do RGCU), posição esta que não se mostra minimamente abalada.
5. Acresce que daquela norma se retira que um acto que ordene a demolição de uma construção tanto poderá ter como fundamento a ameaça de ruína, como o perigo para a saúde ou segurança públicas, isto é, não é necessária a verificação cumulativa daqueles 3 requisitos.
E se é verdade que no auto de vistoria se fala apenas em segurança, face ao estado da estrutura do prédio que ameaçava ruína, já na informação que suporta a decisão se refere circunstanciadamente que aquele estado de ruína ameaçava ainda a salubridade e a saúde pública, vista a zona da sua implantação.
Em boa verdade não será necessário ser-se grande especialista para atingir que um prédio daqueles, nas condições em que estava, abandonado, na referida zona, não deixaria de ser uma fonte de doenças, polo insalubre, refúgio de rataria e outra bicharada.
Não se deixa de configurar, pois, uma situação em que se evidencia que os valores que a norma em que se louvou a decisão proferida não deixaram de se verificar, tanto na vertente da segurança, como na da saúde pública.
São, aliás, os próprios recorrentes que não deixaram de reconhecer o perigo e de o tentar remediar com a actuação desenvolvida, mas que ficou aquém do que fora determinado, não cabendo a este Tribunal pronunciar-se sobre a suficiência ou não das medidas num novo quadro, em termos de um procedimento porventura autónomo.
6. Os recorrentes, de qualquer modo não apresentaram prova bastante no sentido de abalar as conclusões a que chegou o auto de vistoria, pelo que não se pode considerar que inexistisse o declarado perigo para a segurança de bens e pessoas, para não falar sequer do perigo para a saúde, também este que não deixou de ser considerado no acto proferido.
Somos assim a sufragar o douto entendimento do MP, enquanto diz:
Neste contexto, sendo certo que o que se encontrava em causa, o objecto do recurso hierárquico era o conteúdo do acto primário que havia sido produzido sem o registo do pressuposto anunciado, o qual, aliás também não era referido, com reporte efectivo, mesmo na argumentação expendida naquele recurso, não vemos, em boa verdade, que a entidade recorrida houvesse que contemplar ou pronunciar-se sobre a matéria.
Entendendo que a nova circunstância, que só agora alega, e produzida já após a interposição do recurso hierárquico, poderia ou poderá, de alguma forma, alterar o "status" do prédio em questão, deveriam os interessados promover procedimento autónomo para o efeito.
(…)
E, bem vistas as coisas, avaliada a situação nesses parâmetros, acabam por ser os próprios recorrentes a abandonar, nesta sede, o que, de essencial, haviam compaginado em termos do acto primário, ou seja, não afastando a ocorrência do perigo para a segurança pública decorrente do estado de ruína do prédio, avaliada à luz dos pressupostos existentes aquando da produção do acto primário.
Violação do princípio da imparcialidade na sua dimensão positiva
7. Alegam ainda os recorrentes que o acto a quo se mostra ferido de um vício gerador da sua nulidade por violar o princípio da imparcialidade na sua vertente positiva, ao abrigo do disposto nos artigos 4.°, 7.° e alínea d) do n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), porquanto se aponta para a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 122.° do CPA, porém não se alcança que direito fundamental é que possa ter sido violado.
O princípio da imparcialidade, consagrado no artigo 7.° do CPA, é um dos princípios gerais da actividade e do procedimento administrativo e está conexionado com o princípio da igualdade, significando que a Administração deve tratar de forma imparcial todos os que com ela entrem em relação, exigindo aos titulares de poderes públicos que assumam uma posição isenta e equidistante em relação a todos os particulares, assegurando a «igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público.1
Este princípio inscreve-se no relacionamento da Administração pública com os cidadãos, procurando assegurar que a tomada de decisão administrativa leve em consideração todos os interesses públicos e privados relevantes, ao mesmo tempo que procura evitar que a prossecução de um interesse público se confunda com quaisquer interesses privados com que a actividade administrativa possa contender ou se possa envolver.
Ora, na ponderação dos interesses em presença e potencialmente conflituantes, não se vê que a Administração não tenha sido imparcial na avaliação a que procedeu e na precedência que deu aos interesses públicos que manifestamente se evidenciavam, conforme se pode constatar de toda a factualidade que resulta do processo administrativo, a actuação da Administração ao longo do procedimento em questão não consubstancia qualquer desrespeito do dever de imparcialidade, muito pelo contrário, a decisão tomada mostra-se perfeitamente justa e adequada.
A pretensa postergação da consideração holística e global de todo o material hábil à tomada crítica da melhor decisão possível no caso concreto não preenche o substrato da violação do aludido princípio, na exacta medida em que tal alegação não destrói a avaliação a que a Administração procedeu e se esta devia ou não avaliar a actuação superveniente dos particulares essa é questão recondutível à questão que adiante se analisará.
Do alegado nos artigos 32.º a 42º da petição do recurso, não se vislumbra em que medida a Administração possa não ter actuado de forma isenta no presente caso, pois aquilo que, de forma incongruente, os recorrentes alegam é que na tomada de decisão final não foram tidos em conta factos supervenientes trazidos ao processo pelos próprios.
Violação do princípio da procedimentalização
8. Consideram os recorrentes que o despacho recorrido configura ainda um quadro de frontal violação do princípio da procedimentalização, consagrado no n.º 1 do artigo 1.°, n.º 1 do artigo 3.° e artigo 4.°, cuja violação determina a nulidade do acto, ao abrigo do disposto nas alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 122.°, todos do CPA.
Para isso, alegam que foi violada a garantia do procedimento e o artigo 19.° do Decreto-Lei n.º 79/85/M (RGCU).
Refere-se também no acto aqui colocado em crise - Despacho do Exm.º Senhor Chefe do Executivo que se louvou per relationem na Informação n.º 72IDJUDEP/2011 -, nos seus pontos 16 e 17 que seria de afastar a aprovação do projecto de reconstrução do prédio por essa aprovação depender da apresentação pelos mesmos dos elementos a que aludem os n.º 1 e 2 do art. 19° do R.G.C.U. e que «(...) Por esse motivo, mesmo se a Administração quisesse aprovar o projecto de reconstrução do prédio, não podia fazê-lo porque não estão reunidos os requisitos legais para o efeito (…)»...
Antecipa-se um resultado decisório final de um procedimento administrativo ainda em curso e que ainda aguarda a apresentação pelos aqui recorrentes dos elementos peticionados pela própria D.S.S.O.P.T.
Tal representa uma obliteração do ritualismo procedimental constante do R.G.C.U., designadamente do seu art. 19°.
Na óptica dos recorrentes, depois de estancada a fonte imediata de perigo, o procedimento administrativo evoluiu, tanto por força do requerimento dirigido pelos recorrentes à D.S.S.O.P.T. como do convite endereçado por esta àqueles, para a fase da consideração da (re)construção do prédio à imagem do demais edificado naquela zona da Taipa.
E, já nesse âmbito “e nessa fase, em que se encontra em finalização um projecto para apreciação junto da D.S.S.O.P.T., sobrevém inesperada e inexplicavelmente a mencionada Informação 72 em cujos pontos 16 e 17 se opera o impossível salto para a frente dando por apreciado e decidido o que nem sequer foi ainda submetido à consideração”
9. Mais uma vez os recorrentes agitam a possibilidade de se estar perante uma nulidade quando o que estaria em causa seria uma mera anulabilidade, mas não nos vamos debruçar sobre esta questão, face à ausência de razão que lhes assiste no que concerne à violação substantiva de tal princípio.
É verdade que a procedimentalização da actuação da Administração é uma garantia e um direito fundamental dos particulares (dos "administrados") e constitui um factor de estabilização, previsibilidade e racionalização do modo-de-agir da Administração.
Segundo o princípio da legalidade procedimental, afirmado nos artigos 1.° e 2.° do CPA, a Administração, na sua actuação deve obedecer a um conjunto de normas que se encontram codificadas no CPA, de procedimento administrativo comum, ou em diplomas materiais, com procedimentos administrativos especiais, em que aquele se aplica supletivamente.
Alegam os recorrentes que foi violado o princípio da procedimentalização, mas sem qualquer razão.
10. Dentro da sua plurifuncionalidade2 o procedimento administrativo é um espaço no qual confluem dimensões de racionalização da actividade da Administração, de tratamento de informação, de participação dos interessados e de protecção dos administrados antes da decisão, tudo ao serviço da solução justa.
O CPA é informado pelo princípio do inquisitório consagrado no art. 59º, nos termos do qual “os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos particulares, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir.”
Este princípio significa que, também na vertente instrutória do procedimento, a Administração tem a posição dominante, cabendo-lhe indagar a verdade de modo autónomo, sem estar limitada às provas apresentadas ou requeridas pelo administrado, mesmo nos casos em que o procedimento é de iniciativa particular.
De entre as normas que no CPA concretizam este princípio destaca-se a do nº 1 do art. 86º cujo enunciado linguístico é o seguinte: “o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito”.
Ora, em presença desta norma é inequívoco que a actividade probatória da Administração se desenvolve ao abrigo do princípio da livre admissibilidade dos meios de prova.
Mas interessa saber qual é o papel instrutório do requerente do procedimento. O procedimento administrativo é um espaço que está aberto à participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito - art. 10º do CPA. E, para assegurar tal garantia é forçoso que o interessado tenha uma intervenção probatória relevante, uma vez que uma participação efectiva depende de um conjunto de meios instrutórios que lhe permitam “ a possibilidade de sustentar juridicamente, de forma consistente, os interesses que titula e que possibilitem, ao mesmo tempo a sua defesa adequada” 3
Particularmente acomodada a esta necessidade e reveladora de que o interessado tem um papel de relevo na fase instrutória, crucial no procedimento, por ser votada a alcançar a certeza da base factual da decisão, é a norma do nº 2 do art. 87º do CPA que dispõe: “os interessados podem juntar documentos ou requerer diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão”.
Ora, decorrendo da lei de procedimento o reconhecimento da importância da participação instrutória do interessado, não há qualquer justificação racional, nem se descortina fundamento legal, para subtrair a actividade do particular, ao princípio geral que nesta matéria vale para a Administração que é, como ficou já dito, o da livre admissibilidade dos meios de prova.
É certo que, a Administração, na sua veste de primeira responsável pela descoberta da verdade material, avalia o valor probatório dos documentos apresentados, recusará, porventura, a realização das diligências requeridas que se mostrem inúteis, dilatórias ou impertinentes (art. 60º CPA) e pode “determinar aos interessados a prestação de informações e a colaboração noutros meios de prova” (art. 88º nº 1 CPA), podendo excluir do objecto da diligência os pontos indicados pelos interessados que não se mostrem necessários à decisão (art.º 90º, n.º 3).
11. Perante este quadro, no presente caso, o que se observa é que a Administração, seja em 1.º grau de decisão - despacho de 4 de Agosto de 2011-, seja em 2.° grau - decisão do recurso hierárquico - praticou os respectivos actos tendo observado na íntegra e rigorosamente todo o procedimento legalmente definido.
Há duas vertentes que não se deixarão de analisar. Uma refere-se à junção de fotos comprovativas de uma tosca vedação metálica e demonstrativas do respectivo alinhamento com outras moradias; outra, relativa a um projecto de obras em que se pretendia dar satisfação ao ordenado, fazendo as obras, como aliás outros vizinhos já teriam feito. No primeiro requerimento pretende-se apenas demonstrar o não acesso pelo público e a remoção do aludido perigo para a segurança pública; no segundo, pede-se que seja extinto o procedimento.
Ora, perante isto, não se vê que estes dados não tenham sido valorados, não se podendo dizer que foram ignorados os primeiros elementos, na medida em que no despacho prolatado se continua a afirmar e reforça o argumento do perigo para a segurança e para a saúde, se fala nas conclusões da vistoria, em fotos que foram tiradas, se reafirma e desenvolve a perigosidade imanente, o perigo de derrocada, a passagem por perto de pessoas daquela povoação, o estado degradado das estruturas, sendo evidente que tais fotografias não têm a virtualidade de infirmar as conclusões do Parecer que informou o despacho recorrido.
Quanto ao segundo, não deixa o mesmo de ter uma resposta implícita na exacta medida em que foi desatendido, adiantando-se que foram avançadas razões técnicas que viabilizassem a reparação da estrutura, mais se aduzindo razões de ordem legal condicionantes das obras requeridas.
12. Não foi violado aquele princípio, tanto mais que nem sequer concretiza minimamente em que consistiu essa violação e se pretendem reportar-se à referida violação do RGCU, aludido no artigo 19º, tal norma visa a instrução dos pedidos de aprovação dos projectos e se entendiam que o projecto estava bem instruído então só teriam de reagir no local próprio face à não aprovação.
No fundo o que pretendiam era enxertar neste procedimento um facto superveniente que levasse à sua extinção, face a um pedido de obras que devia ser, porventura, analisado autonomamente.
Não se vê, assim, de que modo o referido nos pontos 16 e 17 da Informação n.º 72/DJUDEP/2011 tenha colocado em causa o princípio da procedimentalização administrativa e violado o artigo 19.º do RGCU, como é afirmado pelos recorrentes, pois o que ali se diz é que o projecto de obras estava dependente da apresentação do projecto inicial de construção do prédio, acompanhado da situação jurídica do mesmo.
O que os recorrentes vieram dizer no recurso hierárquico (cfr. 37 e 38 do PA) é que tinham um projecto, umas plantas, tinham acertado com uma Companhia de construção o acompanhamento e execução de trabalhos de construção civil necessários, mas, em boa verdade, essa alagação e a junção das plantas não se podem tomar como um pedido de aprovação de um projecto, circinstancialismo esse é que não respeitou o artigo 19º do RGCU.
A Administração limita-se a dizer que não pode apreciar o projecto apresentado pelos recorrentes naquele momento não estando reunidas as condições legais para a DSSOPT o aprovar.
Pretendeu-se apenas esclarecer que o pedido de licenciamento de obras particulares, que se inicia com a submissão do projecto para apreciação da DSSOPT, deve ser instruído com os documentos comprovativos da qualidade de titular de qualquer direito que confira a faculdade de realização da operação pretendida, ou seja, o requerente tem que fazer prova da sua legitimidade, não se podendo considerar que houve ali pronúncia definitiva em termos de não aprovação, sendo o despacho bem claro, no entanto, em desatender essa alegação, esse projecto, essa ideia, como habilitantes a paralisar o despacho que ordenou a demolição.
Como a própria entidade recorrida afirma, os recorrentes ainda não fizeram essa prova, pelo que a Administração continua a aguardar que a mesma seja feita para poder iniciar a análise do projecto apresentado, não deixando de acrescentar que, de todo o modo, atenta a impossibilidade de reparação, o projecto apresentado apenas poderá ser para a reconstrução do prédio, isto é, a "execução de uma construção no mesmo local, cingindo-se ao projecto primitivo" (cfr. subalínea m.7) da alínea m) do n.º 2 do artigo 2.º do RGCU), o que implica necessariamente a sua prévia demolição.
12. Tudo visto, conclui-se no sentido de negar razão aos recorrentes, na medida em que não lograram demonstrar que inexistiam os referidos perigos para a segurança e saúde públicas evidenciados no despacho recorrido e que os documentos e proposta de realização de obras não terão deixado de ser ponderados no contraponto que não deixou de ser feito como flui, directa ou indirectamente, da invocação de argumentos e elementos probatórios mais impressivos e convincentes.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pelos recorrentes, com 8 UC de taxa de justiça
Macau, 9 de Maio de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Presente
Victor Coelho
1 João Caupers, Int. ao Dto Adm., 6ª ed., 2001, 82
2- M. Esteves de Oliveira e outros in “Código do Procedimento Administrativo”, Comentado, 2ª ed., p. 33 e segs
3 - David Duarte, in “Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa Como Parâmetro Decisório”, 151
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154/2012 1/40