Processo n.º 22/2013
(Recurso de Decisões Jurisdicionais )
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 6/Junho/2013
ASSUNTOS:
- Intimação para um comportamento
- Exclusividade da concessionária
- Legitimidade passiva de terceiros que exploram actividade concorrente
- TV por subscrição
- Anteneiros
SUMÁRIO:
1. A actividade concorrencial de retransmissão de sinais televisivos é manifestamente ilegal, viola o contrato de concessão relativo à prestação do Serviço Terrestre de Televisão por Subscrição, viola as normas do Regime Legal das Radiocomunicações e do Regime da Actividade de Radiodifusão e, mantendo-se a situação como actualmente está, com a manutenção de uma actividade ilegal por parte dos recorridos, vulgarmente denominados anteneiros, violadora do direito de exclusividade concedido à recorrente, ver-se-á esta impedida de exercer a sua actividade no que à transmissão de sinais televisivos por cabo (subscrição) diz respeito, em sã e leal concorrência com os restantes operadores de outras formas de transmissão desses sinais, como seja a via satélite.
2. O art. 132º do CPAC dispõe que "qualquer pessoa" pode pedir a intimação de um particular por violação de um contrato administrativo, podendo este ser demandado a título principal e não já como mero contra-interessado.
3. Os terceiros anteneiros, não sendo partes no contrato, não deixam de ser sujeitos de certa forma na relação jurídica de Direito Público originada por aquele contrato.
4. Reconhecer o papel histórico e a importância dos mesmos no que à captação e retransmissão da TV em Macau não consente que se ponha em causa o primado da lei, mantendo a impunidade de condutas ilegais, subvertendo a autoridade do Governo, premiando o não acatamento da ordem e da legalidade.
5. Mas mesmo que se entenda que particulares especificidades da RAEM e necessidades da população mereceriam uma tutela ao nível de uma liberalização no acesso e retransmissão dos sinais de televisão, mesmo que se discuta a bondade e conveniência da exclusividade da referida concessão outorgada sem concurso público, mesmo reconhecendo que eventual peso das tarifas praticadas será dificilmente suportado por parte da população, essa é outra questão que não cabe aos tribunais resolver, sob pena de se imiscuírem ilegitimamente na acção governativa.
6. Eventual direito de acesso a diferentes canais de televisão nada tem que ver com o direito fundamental à informação e mesmo que se entendesse que se traduz numa sua extensão não é por se consentir numa actividade desregulada que se atenta contra tal direito. Esse direito não deve deixar de ser prosseguido por via do exercício de uma actividade regulada, condicionada e licenciada, de forma a garantir o seu acesso a todos os cidadãos.
7. Não obstante as implicações e consequências sociais que possam advir da decisão proferida, ao Tribunal só lhe compete aplicar a lei, valor nuclear a que está adstrito - Lei Básica da RAEM -, para mais não vindo posta em causa a validade e a bondade de um contrato de concessão que o Governo assinou e mantém, não sendo da competência dos Tribunais o exercício da actividade política, governativa ou legislativa.
Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 22/2013
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)
Data: 6 de Junho de 2013
Recorrente: A
Recorridos: - Director dos Serviços de Regulação de Telecomunicações
- B
- C
- D
- E
- F
- H
- TDM - Teledifusão de Macau, S.A.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A recorrente instaurou procedimento cautelar de intimação para um comportamento contra o Exmo Senhor Director de Serviços de Regulação de Telecomunicações ("DSRT") e contra oito particulares, sete dos quais conhecidos generalizadamente pelas designações de "anteneiros" ou "empresas de antenas comuns", e a TDM - Teledifusão de Macau ("TDM").
O Tribunal recorrido declarou-se competente, considerou não existir litispendência nem ilegitimidade passiva do 1º requerido, tendo, porém, absolvido os requeridos 2º a 8º (Anteneiros e TDM) da instância, por ilegitimidade passiva e inadequação do meio processual, e o 1 º requerido (DSRT) do pedido, quanto a este, pelos motivos expostos nas duas últimas folhas das Sentença.
2. A, requerente, notificada dessa douta sentença de fls. 1094 e ss., não se conformando com a mesma, vem dela interpor recurso para este Tribunal de Segunda Instância, alegando em termos de conclusões úteis:
Estando assegurada a questão fundamental substantiva por jurisprudência clara, a recorrente veio desta feita agir contra todos os potenciais alvos: contra os infractores (Anteneiros); contra quem os assiste (TDM); e contra o fiscalizador que não age (DSRT) a fim de ver a sua eficácia reconhecida em vista do princípio tutela jurisdicional efectiva (art. 2º do CPAC).
A recorrente alegou violação de lei (normas de direito administrativo: Lei nº 3/90/M, do Decreto-Lei n.º 18/83/M, e da Lei n.º 8/89/M) e não só violação do contrato administrativo; os argumentos que estão na base da ilegitimidade respeitam só ao contrato, não permitindo concluir pela ilegitimidade relativamente a intimação por violação da lei, pelo que foi violado o art. 132º do CPAC.
Os 2º a 8º requeridos são parte legítima, também relativamente a intimação por violação do contrato de concessão, nos termos do art. 132º, em virtude (i) da autonomia relativa da intimação relativamente ao meio principal, da sua natureza atípica, como meio cautelar não puramente instrumental, (ii) da plenitude normativa do art. 132º, cujos pressupostos são auto-suficientes não dependendo do preenchimento dos pressupostos do eventual meio principal a instaurar, (iii) de se tratar de um meio essencialmente destinado a ser usado contra particulares, como já resultava do regime equivalente do art. 86º LPTA.
A legitimidade para instaurar pedido de intimação resulta unicamente do disposto no art. 132º do CPAC e não também, cumulativamente, do preenchimento de pressupostos do meio principal a instaurar.
Todavia, existem vários meios processuais principais que não seriam rejeitados por ilegitimidade passiva, qualquer deles adequado "à tutela dos interesses a que a intimação se destina" (arts. 132º/2 e 136º/1-a) do CPAC).
Nos termos da lei, da jurisprudência e doutrina, a recorrente não está vinculada ao meio processual principal que indicou na petição de intimação como sendo aquele que pretendia vir a usar para a tutela dos interesses a que a intimação se destina, cuja indicação não é obrigatória (art. 132º a contrario).
Pode ser usado meio gracioso relativamente a cujo procedimento os requeridos sejam interessados (arts. 10º, 54º, 55º, 68º/b) e 144º do CPA), ou meio contencioso em que figurem como contra-interessados ou assistentes (arts. 39º e 123º/3º e 131º/d), e no art. 40º/1, do CPAC), pelo que não pode concluir-se que eles são parte ilegítima para a intimação por não terem (alegadamente) legitimidade passiva para como parte principal em acção de execução de contrato administrativo.
O meio principal pode ser um meio procedimental gracioso (art. 132º/2 e 136º/1-a) do CPAC), pelo que não se pode concluir de uma eventual ilegitimidade para acção de execução de contrato administrativo, pela ilegitimidade para a intimação.
De qualquer modo, os requeridos têm legitimidade passiva, como parte principal, para acção de execução de contrato administrativo, nos termos dos arts. 113º e ss..
Os terceiros não são partes no contrato de concessão, mas são sujeitos na relação jurídica de Direito Público originada por aquele contrato, que não é res inter alios acta face a eles, tratando-se de contratos com eficácia protectora de terceiros.
A concessão de serviço público é outorgada como um direito exclusivo e absoluto do concessionário, criando em seu benefício um direito de oposição contra quem quer que apareça a explorar a mesma actividade no âmbito do seu exclusivo.
Para além de os 2º a 8º requeridos serem partem legítima, encontram-se preenchidos os requisitos do art. 132º do CPAC, em particular, que a recorrente é titular de um direito de que resultam deveres para os requeridos, que estes têm vindo a violar sistematicamente, de modo flagrante, durável e notório, com prejuízos para a recorrente, conforme exposto na petição da intimação, para onde se remete.
O argumento de que o direito exclusivo da Requerente cede perante o direito e a expectativa legítima da maioria dos cidadãos da R.A.E.M do acesso à informação, sendo meramente terceiros de boa fé ao litígio em causa, o qual redunda no aniquilamento prático do direito de exclusivo, não tem mérito.
Tal contradiz a já existente jurisprudência da RAEM e parecer do CACC sobre o conflito em apreço, bem como as afirmações públicas do Director da DSRT, citados nos artigos 35º a 45º e 54º da Petição.
O direito à informação da população, tal como configurado na sentença, não existe.
Resultando o direito de exclusivo de lei expressa, poderia ser infirmado por fonte superior, ou seja, inconstitucionalidade por violação da Lei Básica. Porém, a Lei n.º 3/90/M, o Decreto-Lei n.º 18/83/M, a Lei n.º 8/89/M e o direito de exclusivo não violam a Lei Básica.
O direito à informação a que o Tribunal se refere não seria o de informação gratuita, pois os anteneiros, tal como a recorrente, prestam o seu serviço de forma onerosa.
Os cidadãos da RAEM não são terceiros de boa fé, nem o Tribunal deu como provado os factos com base nos quais a boa fé assenta, nem esclareceu qual o critério legal de boa fé seguido.
Não existe colisão de direitos entre a recorrente e a população (ou os requeridos), porque só existe um direito (o direito de exclusivo), pois população e requeridos não têm qualquer direito (contraposto ao da recorrente), sendo que a colisão real (e não meramente aparente) de direitos pressupõe a efectiva existência de dois direitos.
Os requisitos do art. 121º do CPAC não são aplicáveis à intimação do art. 132º.
Os danos sofridos pela requerente afectam a qualidade do serviço, as perspectivas de futuro, os rendimentos e reinvestimento na rede de telecomunicações a que está obrigada contratualmente e a subscrição de outros canais de interesse público: não só privam a recorrente de lucros, como impedem o investimento no serviço público prestado, com prejuízos patrimoniais para a recorrente, para a Região e subscritores.
A DSRT tem dever de agir no sentido assegurar o exclusivo da recorrente, deveres que estão descritos nos artigos 47º, 48º, 50º, 51º e 71º da petição, para onde se remete, sendo inequívoca a violação desses deveres, conforme jurisprudência da RAEM.
Nestes termos pede seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que, reconhecendo a legitimidade dos 2º a 8º requeridos, os condene nos termos formulados na petição de intimação.
3. O Exmo Senhor Director dos Serviços de Regulação de Telecomunicações, contra-alega, dizendo, em sede de conclusões úteis:
Aquando do início das emissões de radiodifusão televisiva em Hong Kong, nos anos 60 do século passado, surgiu a necessidade de instalar equipamentos de recepção de radiocomunicações, vulgo antenas, nos topos das casas ou dos edifícios, e consequente ligação a cada uma das fracções autónomas - caso se tratasse de edifício - para receber o sinal e visualizar as emissões de radiodifusão televisiva, sendo que, mais tarde, a esses canais de Hong Kong juntar-se-iam os canais públicos de Macau (TDM) e alguns do Interior da China.
Tal actividade não é ilegal e tão pouco está sujeita a qualquer tipo de licenciamento, aliás, qualquer pessoa é livre de instalar em sua casa uma antena, com as respectivas ligações, e de efectuar a sua manutenção, sem necessitar de qualquer licença, nem mesmo da autorização governamental prevista no Decreto-Lei n.º 18/83/M, de 12 de Março, uma vez que o seu artigo 7.°, n.º 1, alínea b) a dispensa expressamente em caso de receptores do serviço de radiodifusão sonora e televisiva.
Macau, sendo um território de reduzidas dimensões, cresceu, sobretudo, em altura, donde que os edifícios mais baixos foram sendo rodeados por edifícios mais altos, impedindo a recepção, por aqueles, do sinal de radiodifusão público, mesmo estando instalada a devida antena no topo desses edifícios mais baixos.
Para terem acesso ao sinal de radiodifusão, a solução encontrada foi ligar por fio a antena instalada num edifício alto ao edifício mais baixo, distribuindo posteriormente o sinal através da rede interna do edifício fazendo-o, assim, chegar a cada um dos condóminos.
Contrato que não é celebrado ao abrigo da Lei n.º 8/89/M, de 4 de Setembro, uma vez que não estamos perante um serviço de radiodifusão televisiva, ou seja, de emissão num só sentido simultaneamente para vários pontos de recepção e sem prévio endereçamento (para o público em geral). Para tal existe o contrato celebrado com a 8.ª requerida, TDM.
Ao contrário do que afirma a ora recorrente, não se pretendeu substituir a actividade dos anteneiros pela actividade da A e o que existia em 1999 era um sistema de recepção de sinais televisivos e a actividade dos anteneiros era a de instalar e manter esse sistema e por tal eram remunerados.
O que a RAEM contratou com a ora recorrente não foi a exclusividade na recepção e transmissão de sinais de televisão, nem o poderia fazer uma vez que existem canais abertos (como os canais públicos da TDM) cujo acesso é livre por parte da população. Aliás, no caso da TDM estamos, aqui sim, perante um verdadeiro serviço público.
A cláusula segunda do contrato de concessão, apenas atribui a exclusividade no que toca à prestação do serviço XXX.
O serviço de televisão por subscrição não é qualificado como serviço público, ao contrário do "serviço público de telecomunicações" e do "serviço público de radiodifusão televisiva".
Não há coincidência, nem colisão, entre os serviços prestados pelas companhias de antenas comuns e pela requerente.
Já em 1999 a requerente tinha perfeito conhecimento da existência de uma rede de telecomunicações que cobria 98% das habitações em Macau e que permitia aos residentes a recepção de canais abertos tais como a TDM, TVB e ATV, e, no entanto, aceitou os termos do contrato de concessão, obrigando-se a dotar o território de um sistema de telecomunicações tecnologicamente avançado e a prestar um serviço de televisão por subscrição de qualidade.
As redes dos anteneiros cobrem, de facto, a quase totalidade dos edifícios da RAEM e permitem o acesso da população a canais abertos, nomeadamente aos canais públicos da RAEM, assegurando-se assim um direito fundamental que é o direito à informação, mormente ao serviço público de radiodifusão, por parte da população, aliás, reconhecido pela sentença ora recorrida.
Quando a requerente "exige" à RAEM que elimine as redes dos anteneiros tem em mente apenas interesses comerciais, enquanto entidade privada que visa o lucro, esquecendo-se que a RAEM, por seu lado, se depara com um problema de interesse público, qual seja o de garantir o direito de acesso a um serviço público e à informação por parte de cerca de 80% da população, fundamentalmente através dos canais abertos e públicos da RAEM.
Mesmo que as redes dos anteneiros fossem eliminadas, nada garantiria que a requerente atingiria toda a faixa de população coberta pelo sistema de recepção de sinais televisivos instalada pelas companhias de antenas comuns - uma vez que os cidadãos continuam a ser livres de instalar os equipamentos necessários para aceder aos canais abertos em vez de optarem pelos serviços da requerente e esta não instalou nem desenvolveu a sua rede de telecomunicações por forma a cobrir toda a RAEM.
A Lei de protecção dos direitos de autor existe desde 1999 e nunca foi accionada pelos legítimos titulares dos direitos de autor.
Do contrato de concessão não advém qualquer obrigação directa ou indirecta relativamente a outras redes de telecomunicações.
Termos em que, defende, não deve ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença ora recorrida
4. C, D, F, G e E, requeridos nos autos acima referidos e neles identificados, contra-alegam, em suma:
Os 2º a 7º recorridos são empresários individuais ou sociedades, mas não órgãos administrativos nem pessoas colectivas públicas.
O contrato de exclusivo celebrado entre a recorrente e o Governo de Macau regula a recorrente mas não os 2º a 7º recorridos. A concessão do contrato à recorrente também não exigiu aos recorridos o cumprimento de qualquer obrigação.
As antenas públicas têm existido por muito tempo, até antes da altura em que a recorrente começou a exploração do comércio. A ora controvérsia é a do contrato administrativo entre a RAEM e a recorrente, mas tem nada a ver com os 2º a 7º recorridos, devendo a recorrente intentar acção administrativa contra o órgão administrativo.
A legitimidade para ser demandado refere-se a parte que se obrigue numa relação jurídica controvertida, normalmente pessoa colectiva jurídica, órgão público ou parte que seja directamente afectado pela procedência do pedido.
O artigo 132º do CPAC não se aplica aos 2º a 7º recorridos que não têm legitimidade para serem demandados.
Mesmo que se demandem os 2º a 7º recorridos, deveria a recorrente intentar acção contra estes junto do TJB, mas não que intentar no TA acção em que o sujeito não se trata do órgão administrativo.
A recorrente intentou anteriormente e com mesmo fundamento e pedido, junto do TJB, processo conservatório, contra os 2º a 7º recorridos, que foi rejeitado pelos dois tribunais. (vd. a decisão n.º 294/2011 do TSI)
Os recorridos têm exercido a actividade por vários anos e começaram a dedicar-se à actividade mais cedo do que a recorrente. Não se vê qualquer urgência do seu pedido de intimação para um comportamento (processo conservatório).
O pedido da recorrente é inviável, por a acção de intimação para um comportamento se traduzir num processo conservatório, mas o que a recorrente pediu não se trata do processo conservatório, mas sim do eventual efeito produzido pela acção principal.
Mesmo que se admita este pedido e se ordene a cessação da actividade por parte dos recorridos, os outros operadores das antenas públicas em Macau continuariam a exercer actividades de mesma natureza, assim, é impossível que o direito da recorrente deixe de ser violado por causa do deferimento do processo.
Além disso, o deferimento do pedido da recorrente afecta necessariamente pelo menos quatrocentos mil residentes de Macau e traz agitação social.
Assim sendo, o pedido da recorrente afecta manifesta e directamente o interesse público. O pedido visa proteger o interesse particular mas ignora o grande prejuízo causará à sociedade.
Face ao exposto, deve este recurso ser julgado improcedente e rejeitado pela falta de fundamento.
5. TDM - TELEDIFUSÁO DE MACAU, requerida nos autos supra indicados e neles devidamente identificada, procedendo a ampliação do âmbito do recurso nos termos do artigo 590º do CPC, contra-alega por seu turno, em termos úteis:
O regime jurídico da arbitragem voluntária, nomeadamente o artigo 24º do Decreto-Lei n.º 29/96/M, de 11 de Junho, não exclui a utilização dos tribunais judiciais para dedução de procedimentos cautelares, desde que esses procedimentos dependam da existência futura ou simultânea do tribunal arbitral.
No caso, a requerente afirmou na petição inicial aperfeiçoada que o procedimento de Intimação para um Comportamento que intentou não está dependente da constituição futura ou simultânea de um qualquer tribunal arbitral, em clara violação da cláusula arbitral constante da cláusula sexagésima sexta do Contrato de Concessão do Serviço Terrestre de Televisão por Subscrição, mas destina-se a salvaguardar os efeitos de uma futura acção sobre a execução do contrato administrativo, nos termos do artigo 113.° do CPAC.
Por outro lado, como a douta decisão refere para fundamentar a rejeição da excepção de litispendência, "nem o facto da efectiva constituição do Tribunal arbitral em si implica uma repetição da causa, nem a relação jurídica contravertida ali está tratada se mostra idêntica ao presente procedimento quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, conforme os artigos 416.° e 417.° do C.P.C.", pelo que, também por este facto, forçoso é concluir que o presente procedimento cautelar não tem qualquer relação com o processo em curso no Tribunal Arbitral entretanto constituído.
Sendo, como tal, o Tribunal Administrativo incompetente para conhecer do presente pedido de intimação para um comportamento, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa e consequente absolvição da instância, nos termos do disposto nos artigos 412°, 413º alínea a) e 230º n.º 1 alínea a), todos do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1º do CPAC.
A requerida foi absolvida da instância com fundamento na sua ilegitimidade passiva e na inadequação do meio processual.
A requerente, na sua petição inicial aperfeiçoada, afirma explicitamente no artigo 110.° que "a acção principal a interpor, da qual a presente providência é um meio acessório, é uma acção sobre contrato administrativo, nos termos previstos no artigo 113.º n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, relativa à execução do contrato, em que se pretende que os ora requeridos adoptem as condutas que permitam a execução cabal das cláusulas do mesmo, em particular as que são relativas ao direito exclusivo da requerente a que já se fez referência."
Ao delimitar a sua pretensão à salvaguarda dos interesses que seriam dirimidos numa futura acção sobre contratos administrativos que, nos termos do artigo 113º do CPAC "tem por finalidade dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, a requerente bem sabia que não estava a incluir na lide qualquer direito ou interesse que pudesse ser salvaguardado por outro motivo, nomeadamente, pela violação de normas legais de natureza administrativa, pelo que não tem razão no argumento expendido.
Como qualquer procedimento cautelar, também a intimação para um comportamento está intimamente relacionada com o meio principal que o requerente pretende utilizar no futuro, sendo uma das suas características, como já foi referido, a instrumentalidade.
Há assim uma dependência umbilical entre a intimação para um comportamento e a acção principal ou o procedimento administrativo que lhe sirva de fundamento, não podendo, a requerente, como ora o faz, alegar vários fundamentos todos com o mesmo objectivo: tentar que o Tribunal decida que ela não está vinculada pelo meio principal indicado na sua petição.
Decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 136.° do CPAC que o não uso em devido tempo do meio procedimental administrativo ou processual contencioso a que o pedido de intimação se destinou determina a caducidade da intimação, devendo os referidos meios, caso não estejam sujeitos a prazo, ser usados no prazo de 30 dias contados da data do trânsito em julgado da decisão.
Assim, forçoso será de concluir que, ao contrário do alegado pela requerente, ela se encontra vinculada ao uso do meio principal a que o processo de intimação se destinou sob pena de caducidade do mesmo.
A intimação para um comportamento só pode ser requerida contra quem for também parte no procedimento principal de que este depende.
Ao ter indicado como meio principal a acção sobre contrato administrativo, a Requerente vinculou-se a esse meio, pelo que a ora Requerida apenas pode ser demandada se for parte legítima no processo principal.
O artigo 114º do CPAC não permite que terceiros possam ser demandados no âmbito de uma acção que apenas pode ser intentada contra os sujeitos da relação contratual, uma vez que só estes estão vinculados ao cumprimento do contrato.
Termos em que deve o Tribunal conhecer, nos termos do artigo 590º do CPC, da excepção de incompetência do Tribunal Administrativo, absolvendo, em consequência, a requerida da instância.
Ou, caso assim não se entenda,
julgar improcedente a alegação da requerente, mantendo a decisão proferida em primeira instância, absolvendo-se a requerente da instância por ilegitimidade passiva.
6. A, recorrente, notificada das contra-alegações dos requeridos, vem, nos termos do art. 613º/5 do CPC, responder oportunamente à matéria de ampliação do recurso .
7. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emitiu o seguinte douto parecer:
A recorrida TDM ampliou o recurso relativamente à matéria de excepção de preterição da competência do tribunal arbitral e consequente incompetência do Tribunal Administrativo para apreciação do procedimento cautelar em causa.
Por se nos afigurar de conhecimento primacial, atenta a prejudicialidade para o restante alegado, a tal matéria nos reportaremos em 1° lugar.
Percebe-se a alegação da requerida em questão, no sentido de que, nos termos do art. 24° do Dec. Lei 29/96/M de 11/6, devendo o requerente dos procedimentos cautelares desencadear as diligências para a constituição do tribunal arbitral no prazo previsto na lei do processo civil para propositura da acção judicial de que o procedimento deve ser dependente, tendo, no caso vertente, o próprio afirmado na sua P.I. que o procedimento que intentou não está dependente da constituição futura ou simultânea de qualquer tribunal arbitral e sendo certo que o presente procedimento não detém relação directa com o processo em curso no tribunal arbitral entretanto constituído (isto, na asserção do próprio julgador "a quo", a propósito da rejeição da invocada litispendência), o T.A. deveria ser considerado incompetente para o conhecimento do presente pedido de intimação para um comportamento.
Só que, o previsto no n.º 1 do normativo citado se apresenta claro ao consignar que "Não é incompatível com a convenção de arbitragem a dedução de procedimento cautelar no tribunal judicial, antes ou depois de constituído o tribunal arbitral ...", razão por que, independentemente da convenção de arbitragem, isto é, de as partes terem concordado em submeter a julgamento do tribunal arbitral a resolução das questões que viessem a suscitar-se entre elas sobre a interpretação, validade e execução do contrato, de, porventura o tribunal arbitral efectivamente já constituído se não reportar ou "não ter relação" com a específica matéria em causa e a circunstância de a requerente ter, na sua PJ., expresso a opinião de que o presente procedimento não está dependente da constituição futura ou simultânea de qualquer tribunal arbitral, não afastam a possibilidade de interposição do procedimento cautelar na via judicial, permitindo ainda o legislador (n° 3 do dispositivo) que, salvo convenção em contrário e a pedido de qualquer das partes, o tribunal arbitral possa ordenar que estas acatem medidas provisórias ou conservatórias que considere adequadas em relação ao objecto em litígio, não se registando, pois, no caso a pretendida preterição da competência do tribunal arbitral, mostrando-se o T.A. competente para o conhecimento da matéria nos termos da al. 4) do n.° 2 da LBOJ.
Prosseguindo, pois.
Tanto quanto ousamos sintetizar da sua longa alegação, pretende a recorrente rebater a absolvição da instância dos 2° a 8° requeridos com fundamento na sua ilegitimidade passiva, argumentando ter assente o seu pedido não só em violação do contrato de concessão, como também em violação de lei, sendo que o tribunal "a quo" concluiu por aquela ilegitimidade fundado unicamente na violação do contrato e não discutindo a intimação por violação de lei, sendo que, de todo o modo, entende serem tais requeridos parte legítima, com procedimento adequado, relativamente ao pedido de intimação por violação de contrato administrativo, dada a autonomia da intimação relativamente ao meio principal, mostrando-se os pressupostos do art. 132° auto-suficientes, não dependendo do preenchimento dos pressupostos do eventual meio a utilizar, espraiando-se e laborando em abstracto sobre a figura da intimação para um comportamento e diferenças com outros procedimentos preventivos e conservatórios, concluindo mesmo terem aqueles requeridos legitimidade passiva em acção relativa à execução de contrato administrativo, sendo este oponível a terceiros.
Vejamos:
Constituindo a intimação para um comportamento um meio processual acessório, a requerente deve alegar no seu requerimento inicial os factos demonstrativos da lesão dos seus direitos e interesses e da viabilidade da respectiva tutela jurisdicional, bem como indicar o meio processual administrativo ou contencioso que considere adequado a essa tutela do qual aquela é subordinado.
Atentando no conteúdo da P.I. aperfeiçoada da requerente, facilmente se alcança ter esta delimitado a sua pretensão à salvaguarda dos interesses a dirimir em futura acção sobre contratos administrativos, disso dando clara conta o expresso no art. 110° "a acção principal a propor, da qual a presente providência é um meio acessório, é uma acção sobre contrato administrativo, nos termos previstos no artigo 113º, n.°1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, relativa à execução do contrato, em que se pretende que os ora Requeridos adoptem as condutas que permitam a execução cabal das cláusulas do mesmo, em particular as que são relativas ao direito exclusivo da Requerente a que já se fez referência", não se vendo incluída na lide qualquer direito ou interesse a ser garantido por outra medida, designadamente pela violação de normas legais de natureza administrativa, conforme pretendido, pelo que, assim delimitado o objecto do pedido, não cabia ao tribunal "a quo" escrutinar da pretensa violação de normas, não alegada.
Toda a douta argumentação teórica em que a recorrente labora acerca da pretensa autonomia da figura da intimação para um comportamento (que se trata de um meio essencialmente a ser usado contra particulares, que o meio principal não requer que os requeridos sejam parte principal do pedido, que o meio principal pode ser contencioso ou gracioso, que o meio contencioso pode ter outra natureza para além da execução do acto administrativo) esbarra, em nosso critério, com o facto, já sublinhado, de a mesma ter expressamente afirmado no seu requerimento inicial que a intimação era um meio acessório de uma acção sobre contrato administrativo, pelo que, tendo-se vinculado a esse meio e estando a intimação para um comportamento intimamente relacionada e dependente do meio principal que o requerente pretende usar no futuro, apenas poderá ser convocado para o efeito quem detiver legitimidade no processo principal.
Deste jeito, não se vendo que os 2° a 8° requeridos possam ser considerados parte, que sejam sujeitos da relação contratual, não nos merece, neste específico, censura o decidido.
O mesmo não se diga, porém, no que concerne à 1ª requerida
Pelo que entendemos, o julgador "a quo", pese embora aceite que
- à requerente foi atribuído o direito de prestação do serviço Terrestre de Televisão por Subscrição (STTvS) pelo Território de Macau, através de contrato de concessão titulado por escritura outorgada em 22/4/99, serviço esse que implica o exclusivo de difusão ou distribuição terrestre de sinais de televisão e áudio a subscritores, mediante o pagamento de tarifas;
- a actividade dos anteriores (2° a 7º requeridos), não se limitando à mera insta ração, manutenção e reparação de antenas dos clientes, mas caindo no conceito de retransmissão de radiofusão, tem violado o exclusivo da requerente, constituindo concorrência "obviamente mediante cobrança de taxa muito competitiva (MOP 30,00 por fogo), num total de mais de 120.000 fogos”;
- tal actividade tem acarretado para a requerente prejuízos e lesões patrimoniais relevantes, decorrentes da farta de penetração no mercado e acentuada perda de clientela possível ;
- o 1º requerido, enquanto representante da entidade fiscalizadora do contrato, com atribuições de assegurar a regulação, fiscalização, promoção e justa concorrência no sector de telecomunicações, ao abrigo do R.A. 5/2006, não se pode afastar da sua responsabilidade de actuar "e tomar medidas adequadas e atempadas para resolver o problema",
acaba, porém, por entender que "o direito exclusivo da Requerente decorrente do contrato controvertido para os próprios interesses patrimoniais, cede perante o direito e a expectativa legítima da maioria dos cidadãos da RAEM do acesso à informação através da transmissão da radiofusão televisiva gozada durante décadas, sendo meramente terceiros de boa fé ao litígio em causa", julgando, consequentemente, improcedente o procedimento, por a medida em questão causar grave lesão do interesse público.
Compreendendo as razões subjacentes, não podemos concordar com tal tese.
Sendo incontrovertido que a actividade dos 2° a 7° requeridos, com a prática gritante de actos de concorrência desleal se revela manifestamente ilegal, violando o contrato de concessão entre a RAEM e a requerente, com evidente prejuízo para esta (sendo verdade não ser possível determinar qual a penetração no mercado dos anteriores e qual a percentagem ou grau da sua responsabilização pelo acumular dos prejuízos, não é menos certo que a sua actividade não deixa de ser ilicitamente concorrencial, contribuindo para aquele efeito) e sendo também certo não poder a concessionária, sob pena de subversão da autoridade do Estado, opôr o seu direito ou fazê-lo valer directamente contra os concorrentes que ilegitimamente ocupam o seu espaço de actuação, compete ao Governo, no domínio dos seus poderes de direcção, fiscalização e regulamentação, legalmente consagrados e designadamente através da 1 a requerida, intervir, e forma a evitar o prosseguimento das actividades ilícitas em questão e garantir o cumprimento do contrato de concessão do serviço público que celebrou com a requerente, assegurando, além do mais, o exclusivo respectivo, não se vendo, de resto, que, não possa a Administração, de alguma forma, dentro do seu poderio económico, obviar a grande parte dos previsíveis transtornos para os cidadãos, decorrentes da reposição da legalidade.
Aliás, temos sérias dúvidas se o verdadeiro interesse público não residirá, no caso, mais nessa salutar reposição da legalidade que nos possíveis transtornos ou incómodos dela decorrentes.
Certo é que não se pode suportar a continuada impunidade da ilegalidade da actividade dos 2° a 7° requeridos, independentemente dos circunstancialismos, designadamente temporais em que a mesma se vem desenrolando, sob pena de, com o entendimento assumido no douto acórdão sob escrutínio, se poder constituir perigoso precedente para o exercício de qualquer actividade ilegal em Macau.
Como bem se acentua no douto acórdão deste tribunal de 21/7/11, no proc. 294/11, compete ao Governo pôr cobro "... a esta situação insólita e degradante para a própria autoridade do Governo, não obstante o melindre da situação e a satisfação de grande parte da população em termos de obtenção e acesso a televisões e programas de todo o Mundo, a preços irrisórios ".
Donde, tudo visto, sermos, neste concreto, a entender merecer provimento o recurso.
8. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
1.º A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício da actividade de radiodifusão televisiva por cabo, nos termos em que vier a ser autorizada a operar, bem como outras actividades complementares conexas, como a gravação, venda e aluguer de registos de som ou imagem, a edição de publicações relacionadas com a sua actividade e a comercialização do patrocínio de programas. (fls. 38 a 51 dos autos).
2.° Por contrato de concessão titulada por escritura outorgada em 22 de Abril de 1999, publicada por extracto no Suplemento ao Boletim Oficial de Macau, II Série, n.° 18, de 05 de Maio de 1999, o então território de Macau, hoje o Governo da R.A.E.M., atribuiu à Requerente o direito da prestação do Serviço Terrestre de Televisão por Subscrição (adiante STTvS) (fls. 52 a 65 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido).
3.° O STTvS, conforme definição da cláusula primeira do contrato, consiste na difusão ou distribuição terrestre de sinais de televisão e áudio a subscritores, mediante a percepção pela Concessionária das taxas correspondentes.
4.° Estipula a cláusula 37ª do contrato que "para a instalação do sistema de telecomunicações a Concessionária poderá adoptar as soluções técnicas que se revelam mais eficientes, designadamente redes de cabos, redes de rádio ou outras".
5.° O contrato de concessão encontra-se em vigor, pois foi celebrado pelo prazo de 15 anos, contado desde 22 de Abril de 1999,conforme cláusula 3a do Contrato.
6.° A Requerente instalou e opera efectivamente na R.A.E.M. um sistema de telecomunicações público através do qual difunde e distribui por via terrestre perto de 100 diferentes canais de televisão de diversos países a assinantes mediante o pagamento de uma taxa, variável em função dos pacotes ou canais subscritos, conforme publicitado no seu website (fls. 69 a 71 dos autos).
7.° O 2.° Requerido, B, é um empresário comercial pessoa singular que sob firma correspondente ao seu nome exerce a empresa XX Instalação Eléctrica, e encontra-se matriculado na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n° 1808 (CO) (fls. 72 a 73 dos autos).
8.° O 3.° Requerido, C, é um empresário comercial pessoa singular que sob firma correspondente ao seu nome exerce a empresa XX Artigos Eléctricos, em chinês XX電業行, e encontra-se matriculado na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.° 1784 (CO) (fls. 74 a 76 dos autos).
9.° O 4.° Requerido, D, é um empresário comercial pessoa singular que sob firma correspondente ao seu nome exerce a empresa XX Instalação Eléctrica, e encontra-se matriculado na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.° 1807 (CO) (fls. 77 a 78 dos autos).
10.° O 5.° Requerido, E, é um empresário comercial pessoa singular que sob firma correspondente ao seu nome exerce a empresa XX電子系統工程, em inglês XX Electronic System Engineering, e encontra-se matriculado na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 1585 (CO) (fls. 79 a 81 dos autos).
11.° O 6.° requerido, F, é um empresário comercial pessoa singular que sob firma XXX個人企業 exerce a empresa XX Electronic System Engineering, e encontra-se matriculado na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.° 9205 (CO) (fls. 82 a 83 dos autos).
12.° O 7° requerido, G, é um empresário comercial pessoa singular que sob firma igual ao seu nome exerce a empresa Técnica Electrónica XX, e encontra-se matriculado na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.° 2652 (CO) (fls. 84 a 85 dos autos).
13.° Os 2° a 7° Requeridos têm instaladas em diversos edifícios de Macau antenas normais e antenas parabólicas com que recepcionam e captam sinais televisivos, com os segundos sinais emitidos por satélite emissores e retransmissores, sinais que numa primeira fase são processados (amplificados, ajustados e convertidos) numa estação central (cable television headend ou head-end).
14.° Cada um dos 2° a 7° Requeridos têm instaladas entre 6 a 8 antenas parabólicas, cada uma direccionada para um só satélite, e entre 4 a 5 antenas normais, dispondo de uma estação central, onde cada um capta, trata e difunde entre 70 a 90 diferentes canais de televisão.
15.° Entre esses canais contam-se canais de diversos países, nomeadamente da China Continental, de Hong Kong e de Macau.
16.° Esses sinais televisivos são numa segunda fase transmitidos e distribuídos pelos 2° a 7° Requeridos através de cabos que se vão dividindo e subdividindo progressivamente, com amplificadores de sinal (boosters) colocados em regra por cada quilómetro, até chegarem à maior parte dos edifícios e a mais de 120 mil fogos, que correspondem a mais de 80% dos fogos ocupados de Macau.
17.° Pela prestação destes serviços de distribuição ou difusão de sinais televisivos os 2° a 7° Requeridos cobram uma retribuição mensal, ou aos condomínios dos edifícios, ou directamente aos residentes dos fogos, especialmente nos prédios onde não existe condomínio, num montante de cerca de MOP30.00 por fogo (fls. 140 a 147 dos autos).
18.° Em carta endereçada à Requerente em 19 de Setembro de 2003, subscrita, entre outros, os 2° a 5° e pelo 7° Requeridos, já os anteneiros afirmavam que distribuíam sinais televisivos a 77,267 fogos e que isso lhes proporcionava receitas mensais de MOP735.883,00 (fls. 148 dos autos).
19.° Os 2° a 7° Requeridos não obtêm qualquer licenciamento junto do Governo da R.A.E.M., para fornecer aos residentes sinais televisivos transmitidos por terceiros autorizados.
20.° Por escritura de 11 de Julho de 2005, foi renovado o (Contrato de Concessão do Serviço de Radiodifusão Televisiva e Sonora) de 25 de Julho de 1990, pelo qual foi atribuído à 8a Requerida TDM - TELEDIFUSÃO DE MACAU, SA, o direito de prestação do serviço de telecomunicações público de radiodifusão televisiva e sonora (fls. 411 a 440 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido).
21.º Por contrato de 18 de Agosto de 2010, a 8a Requerida celebrou com a XXX um contrato pelo qual adquiriu onerosamente o direito de transmissão televisiva gratuita free-to-air dos jogos de futebol da Barclays Premier League (BPL) para a R.A.E.M. durante o triénio desportivo de 2010/11, 2011/12 e 2012/13 (fls. 411 a 440 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido).
22.º Por carta datada de 22-09-2010, a 8a Requerida endereçou a cada um dos 2º a 7º Requeridos, afirmando que adquiriu à XXX o direito de transmissão para Macau dos jogos da BPL do triénio de 2010/11, 2011/12 e 2012/13 por via terrestre gratuita e que podiam difundi-los através dos sinais das companhias de antenas comuns (Doc. 86).
3.º Em Outubro de 2010, os anteneiros, entre os quais, os 2º a 7º Requeridos, transmitiram os jogos da BPL através da retransmissão integral de canais de 8a Requerida, nomeadamente os canais TDM Desporto e TDM HD.
24.º As transmissões televisivas desses jogos são os acontecimentos desportivos regulares mais acompanhados na R.A.E.M.
25.º A Requerente tem agora cerca de 6,000 subscritores.
III - FUNDAMENTOS
1. As questões essenciais a tratar, objecto de impugnação nos recursos interpostos, são as seguintes:
- Ilegitimidade passiva e inadequação do meio processual: 2º a 8º requeridos;
- Questão da excepção de preterição da competência do Tribunal Arbitral no âmbito do recurso subordinado.
- Questão de fundo quanto à absolvição do pedido por parte do 1ª requerido; análise do interesse público subjacente; conflito de interesses; desproporcionalidade entre os interesses a salvaguardar e os que resultariam do decretamento da intimação;
Antes de apreciar o mérito da causa gostaríamos de deixar muito claro que, não obstante as implicações e consequências sociais que possam advir da decisão proferida, a este Tribunal só lhe compete aplicar a lei, valor nuclear a que está adstrito - Lei Básica da RAEM -, não sendo da competência dos tribunais o exercício da actividade política, governativa ou legislativa.
2. O Tribunal a quo fundou a decisão de declarar os 2º a 8º requeridos partes ilegítimas, no procedimento cautelar de intimação, no entendimento de que: (i) a legitimidade para o procedimento cautelar depende da legitimidade para a acção principal a instaurar (fls. 12); (ii) os requeridos não são sujeito do contrato de concessão, do qual não resultam deveres para os particulares (fls. 8 e 13); pelo que (iii) não poderiam ser demandados numa acção principal de execução de contrato administrativo (fls. 17).
Donde, conclui, não podem ser demandados em procedimento de intimação para um comportamento.
Tendo a ora recorrente alegado na petição que da lei e do contrato de concessão resultam deveres para os requeridos, não está já em questão o pressuposto processual de legitimidade, mas uma questão de mérito (no caso, de "legitimidade substantiva"): saber se do contrato e da lei resultam ou não deveres para os requeridos.
A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na petição inicial. Já a denominada "legitimidade substantiva" tem a ver com a posição das partes perante o direito subjectivo invocado, sendo uma questão de mérito e não um pressuposto processual.
3. A questão da violação do contrato de concessão em causa, relativa à prestação do Serviço Terrestre de Televisão por Subscrição, foi já debatida nos tribunais, tendo-se proclamado à saciedade a existência de uma situação espúria e quase inexplicável e remetemo-nos para o que por nós foi já afirmado anteriormente, dando aqui por reproduzido integralmente o que foi exarado em nosso acórdão de 21/Julho/2011, proc. n.º 294/2011.
Aí se afirmou peremptoriamente que tal actividade é manifestamente ilegal e viola o contrato de concessão celebrado entre a RAEM e a recorrente e, mantendo-se a situação como actualmente está, com a manutenção de uma actividade ilegal por parte dos recorridos, vulgarmente denominados anteneiros, violadora do direito de exclusividade concedido à recorrente, ver-se-á esta impedida de exercer a sua actividade no que à transmissão de sinais televisivos por cabo diz respeito, em sã e leal concorrência com os restantes operadores de outras formas de transmissão desses sinais, como seja a via satélite.
Por outras palavras mais simples: A recorrente, para poder retransmitir, por sistema de subscrição, programas, eventos, espectáculos, tem de pagar os respectivos direitos televisivos às diferentes estações ou cadeias internacionais ou interterritoriais (da China Interior); a TDM para poder retransmitir, em espaço aberto, os mesmos (ou outros) programas também tem de pagar os respectivos direitos televisivos; os requeridos e anteneiros em geral, retransmitindo esses mesmos programas, nada pagam e fazem-se cobrar por isso junto dos utentes.
4. O ponto reside em saber neste momento se se impõe a intimação a um comportamento devido em relação aos ora demandados.
A requerente assentou o seu pedido (i) em violação do contrato de concessão e (ii) em violação da lei. Porém, o Tribunal recorrido argumenta unicamente com base na violação do contrato, não discutindo a intimação por violação da lei.
No artigo 70º da petição, entre vários outros (designadamente, artigos 28º, 29º, 32º e 103º), a ora recorrente alega que (para além, e independentemente, da violação de deveres resultante do contrato) a conduta dos requeridos viola normas da Lei nº 3/90/M, do Decreto-Lei n.º 18/83/M, e da Lei n.º 8/89/M, que criam deveres de natureza administrativa, que vinculam inequivocamente os particulares, nomeadamente a norma que proíbe os particulares de explorarem este serviço público sem autorização, em violação grosseira da Lei de Bases de Telecomunicações.
O art. 132º do CPAC estabelece que "Quando os órgãos administrativos, os particulares ou os concessionários violem normas de direito administrativo ou deveres decorrentes de acto ou contrato administrativo ou quando a actividade dos primeiros e dos últimos viole um direito fundamental ou ainda quando em ambas as hipóteses, haja fundado receio de violação pode o Ministério público ou qualquer pessoa a cujos interesses a violação cause ofensa digna de tutela jurisdicional pedir ao tribunal que os intime a adoptar certo comportamento ou a abster-se dele com o fim de assegurar, respectivamente, o cumprimento das normas ou deveres em causa ou o respeito pelo exercício do direito".
Estando nos autos em causa normas de direito administrativo, a legitimidade passiva e a adequação do meio processual estão garantidos por lei expressa.
Assim, ainda que os 2º a 8º requeridos não fossem parte legítima em procedimento de intimação por violação de contrato administrativo, seriam sempre parte legítima em procedimento de intimação por violação de normas legais de natureza administrativa, geradoras de deveres para os particulares.
E, no caso de violação de lei, não se verificam os obstáculos levantados na douta sentença recorrida relativamente à acção principal, pois o argumento ali usado assenta no facto de que não se poderia intentar acção principal de execução do contrato contra os requeridos por dele não resultarem deveres que os vinculem.
5. É verdade que a recorrente veio dizer que se propunha intentar como acção principal acção relativa a cumprimento de contrato administrativo, posição que vai conformar a argumentação expendida na douta sentença e nas alegações produzidas nos autos, já que essa proposta anunciada expressamente excluiria, por ilegitimidade, os 2º a 8º requeridos, pois que o contrato não lhes diria respeito.
Mas a recorrente defende que os requeridos são parte legítima e o procedimento é o adequado, também relativamente ao pedido de intimação por violação de contrato administrativo.
Tal conclusão resulta, como afirma, no que respeita directamente ao art. 132º, (i) da autonomia do pedido de intimação relativamente ao meio principal, da sua natureza atípica, já designado de meio cautelar não instrumental, (ii) da plenitude normativa do art. 132º do CPAC, cujos pressupostos são auto-suficientes não dependendo do preenchimento dos pressupostos do eventual meio principal a instaurar, (iii) de se tratar de um meio essencialmente destinado a ser usado contra particulares, como já resultava do regime equivalente da LPTA.
A mesma conclusão resulta ainda no respeitante ao meio principal a instaurar, pois: (iv) o meio principal adequado à tutela dos interesses a que a intimação se destina não requer que os requeridos sejam parte principal no pedido, podendo ser interessados intervenientes em meio administrativo gracioso e contra-interessados ou assistentes em meio contencioso; (v) o meio principal pode ser gracioso e não contencioso, donde não relevar a legitimidade para a acção de execução de contrato administrativo; (vi) o meio contencioso pode ser de outra natureza, para além do de acção de execução de contrato administrativo; (vii) os requeridos têm legitimidade passiva em acção relativa à execução de contrato administrativo de concessão; (viii) estes contratos são oponíveis a terceiros.
6. Não vamos aqui discutir a natureza atípica e a instrumentalidade reduzida da intimação, considerando que, tal como regulado na lei, este procedimento não deixa de ser um procedimento cautelar e acessório (ainda que de procedimento administrativo), não obstante no parágrafo 17 da Nota de Apresentação do CPAC se poder ler: "”Não obstante se enquadrar nos 'procedimentos preventivos e conservatórios', ensaiam-se hipóteses de valer só por si, não se impondo a posterior instauração de qualquer meio processual principal quando o comportamento adoptado extinga o interesse a cuja tutela o pedido de intimação se destinou", o que não deixa de resultar da situação prevista no n.º 3 do art. 136º do CPAC.
Não se deixa de reconhecer, contudo, alguma plenitude normativa do art. 132º/1, coerente com a ideia de uma certa autonomia, estando a sua invocação unicamente dependente dos seus próprios pressupostos e não também dos pressupostos de uma eventual acção judicial ulterior.
O art. 132º do CPAC dispõe que "qualquer pessoa" pode pedir a intimação de um particular por violação de um contrato administrativo, podendo ser demandados a título principal e não já como meros contra-interessados, como anota Aroso de Almeida, "Ao contrapor 'particulares' a 'concessionários', o artigo 10º, n.º 7, torna claras duas coisas. Em primeiro lugar, que os particulares podem ser demandados a título principal e não apenas na qualidade de contra-interessados (...). Em segundo lugar, que não se tem apenas em vista a situação dos particulares que sejam concessionários de bens, serviços ou poderes públicos, podendo haver também processos dirigidos, a título principal, contra particulares que não tenham o estatuto de concessionários".1,
Logo, independentemente da questão relativa à acção principal a instaurar, parece resultar da lei que se pode pedir a intimação de um particular por violação de um contrato administrativo em que ele não é parte.
O art. 132º do CPAC é, pois, dotado de plenitude normativa suficiente para, por si, permitir fundar a legitimidade dos requeridos, sem que se permita uma interpretação como aquela que foi usada na douta sentença recorrida para afastar a legitimidade dos 2º a 8º requeridos.
Concluiu-se acima que a legitimidade para instaurar pedido de intimação resulta unicamente do disposto no art. 132º do CPAC e não também, cumulativamente, do preenchimento de pressupostos do meio principal a instaurar, contrariamente ao que o Tribunal recorrido decidiu, fazendo assentar a ilegitimidade dos requeridos para a intimação da sua ilegitimidade para o meio principal de acção de execução de contrato administrativo.
Importa então atentar nos meios principais susceptíveis abstractamente de acautelar o direito, tendo em vista a "tutela dos interesses a que a intimação se destina" (artigos 132º/2 e 136º/1-a) do CPAC), pois só assim se pode aferir da pretensa ilegitimidade dos requeridos, anotando-se que que esse exercício não foi feito naquela decisão.
A recorrente referiu, a instância do Tribunal, que pretendia instaurar acção de execução de contrato administrativo. Todavia, a recorrente não está vinculada ao meio processual principal que indicou na petição de intimação como sendo aquele que pretendia vir a usar para a tutela dos interesses a que a intimação se destina, o que desde logo resulta da não obrigatoriedade dessa indicação, tal como flui do artigo 132º do CPAC.
Não sendo obrigatório indicar qual o meio principal, parece, não está a parte vinculada pela indicação que fizer. De facto, o meio principal só terá de ser intentado após o trânsito em julgado da intimação, sendo que esta pode entretanto produzir efeitos que se reflictam na regulação, alterando a situação descrita na intimação. A decisão sobre qual o meio processual a usar - gracioso ou contencioso, e qual a acção de entre as disponíveis possíveis - só será irreversivelmente tomada aquando da sua apresentação em Tribunal, não operando a este propósito qualquer princípio de preclusão.
A lei exige somente que, nos 30 dias seguintes ao trânsito em julgado da intimação, seja usado meio procedimental administrativo ou processual contencioso "adequado à tutela dos interesses a que a intimação se destina". Os interesses a que a tutela se destina são o reconhecimento do direito de exclusivo, a proibição da sua violação e/ou a reconstituição da situação patrimonial em que se encontraria se não tivesse havido violação do direito.
A preocupação da lei é que o meio seja adequado a tutelar aqueles interesses, não impondo que tal seja feito por via de acção judicial em que os requeridos figurem como parte principal, não obstante, em tese, não ser de descartar a possibilidade de esses requeridos serem demandados a reconhecer aquele direito concedido em exclusividade e a deverem agir em conformidade.
7. Não descartando a lei a possibilidade de um qualquer recurso a um meio contencioso ou gracioso, essa via sempre seria adequada à tutela dos interesses da requerente, tal como expressos no pedido de intimação, traduzindo-se num pedido à Administração para que praticasse, junto dos requeridos, os actos necessários à garantia do direito de exclusivo conferido pelo Governo, pedido que, não deixando de ser dirigido ao Governo, não deixaria de conferir legitimidade aos requeridos no procedimento de intimação.
De facto, em procedimento gracioso a noção que desempenha uma função similar à da legitimidade é ampla, desenhando-se o conceito de "interessado". Neste procedimento, não dirigido aos requeridos, eles poderiam e deveriam ser chamados a intervir na qualidade de interessados, em vista do disposto nos artigos 10º, 54º, 55º, 68º/b) e 144º do CPA.
Assim se acentua a distinção entre "direito de intervir" e "direito à iniciativa procedimental", noções que não se confundem, concluindo que a figura do "interessado" - que confere o direito de intervir - vai para além da legitimidade, desenhando "um amplo direito de intervenção segundo a sua capacidade", atribuído a "uma larga faixa de indivíduos", cabendo na definição da norma "todos quantos possam estar directamente na relação administrativa ou, ainda que fora, ao menos indirectamente dela possam vir a sair prejudicados".2
Acresce ainda que os requeridos em acção de intimação podem assumir três qualidades distintas em meios contenciosos principais: réus; contra-interessados; assistentes. Assim, o Tribunal recorrido parece não ter considerado a possibilidade de os requeridos poderem ser chamados como contra-interessados em acção intentada contra o Governo da RAEM.
8. Como dissemos, nos termos dos arts. 132º/2 e 136º/1-a) do CPAC, o meio principal "adequado à tutela dos interesses a que o pedido de intimação se destinou" pode ser um "meio procedimental administrativo" e não uma acção judicial.
Assim, se não é legalmente imposta a instauração de acção judicial de execução do contrato, não se pode fazer depender a legitimidade para instaurar pedido de intimação da legitimidade para a acção de execução do contrato.
Não se tornando necessário definir qual a acção principal ou qual o meio principal que se adoptará para tutela do direito que se visa acautelar, verifica-se que mesmo de entre os meios principais contenciosos disponíveis, vários há que permitem concluir que os requeridos seriam parte legítima, como é o da intimação ser acessória de uma acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido (arts. 100º e ss. do CPAC).
Apesar de esta ter, aparentemente, a sua legitimidade passiva limitada a órgãos da Administração (art. 101º), a intimação seria dela acessória, na medida em que o que se pediria nesta acção seria o reconhecimento do direito ao exclusivo, que, entretanto, não pode ser violado nem por particulares, nem pela Administração.
9. Não deixa ainda de se configurar, em tese, a possibilidade de a recorrente poder intentar eventualmente acção de responsabilidade extracontratual contra os terceiros, os requeridos, pelos danos provocados pela violação de um direito subjectivo público do concessionário, ou seja o direito de em exclusivo retransmitir o sinal de televisão que lhe foi concedido.
Nos termos do artigo 114º, n.º 3 do CPAC concede-se legitimidade activa a outras pessoas para além dos "sujeitos da relação contratual, resultando daí que também têm legitimidade activa titulares de "direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos em função dos quais as cláusulas contratuais tenham sido estabelecidas" (que não os sujeitos do contrato, pois estes já estão expressamente designados na al. a) do nº 3).
Não parece assim correcta a conclusão de que os contratos administrativos só produzem efeitos na esfera jurídica dos que nele figuram como sujeitos. Este preceito reconhece que dos contratos administrativos resultam direitos, nuns casos, e interesses legalmente protegidos, noutros casos, relativamente a pessoas que não são parte no contrato.
Tal não surpreende, pois tratando-se de um serviço, (não interessa aqui discutir novamente se se trata de um serviço público, não obstante havermos já tomado posição no sentido afirmativo nos termos do supracitado acórdão, dados aqui por reproduzidos e não obstante o artigo 33º do Contrato de Concessão constituir um direito para a concessionária em instalar e operar um sistema de telecomunicações público, o que realça o sector mui melindroso da matéria, a sua importância estratégica e as razões de segurança subjacentes, tudo inculcando no sentido de que esta matéria não pode ser desordenada e desregulada e passar ao lado das funções, vitais, diríamos, de uma governação responsável actuante em nome dos superiores interesses públicos), tratando-se de um serviço concessionado, dizíamos, resultam afectados os interesses e direitos dos utentes, em vista de quem foi perspectivado o regime de concessão desses serviços, em vista do necessário superior interesse público subjacente.
E, sublinhe-se, esta norma não confere legitimidade somente a associações defensoras destes direitos ou interesses; confere-a também aos próprios titulares dos direitos ou interesses.
Não se trata de defender, como bem acentua a recorrente, uma espécie de simetria ou reciprocidade entre legitimidade activa e passiva, mas tão só que os contratos administrativos não produzem efeitos somente na esfera jurídica dos sujeitos contratantes, mas também na de terceiros, o que, não só depõe em sentido distinto do apontado na sentença, como revela uma disponibilidade normativa para que os contratos administrativos possam vincular terceiros, com a consequente legitimidade passiva.
10. Acresce que se um particular pode ser intimado por violação de deveres decorrentes de um contrato administrativo de que não é parte, face ao disposto no artigo 132º do CPAC, então deverá concluir-se que também poderá ser demandado por violação desses deveres em sede de acção principal.
Sendo as concessões contratos administrativos com objecto passível de acto administrativo - conceito expressamente adoptado no art. 172º/3-a) do CPA - as mesmas constituem relações multipolares ou multilaterais, tal como os actos administrativos podem originar.
Ora, como ninguém discute que um acto pode produzir efeitos para terceiros, que não sejam os seus destinatários, no quadro dessas relações multilaterais, logo o mesmo acontece com contratos desta natureza.
Neste sentido, a adopção da perspectiva das relações jurídicas multilaterais produz consequências ao nível do procedimento administrativo, permitindo a participação e a representação de interesses dos diferentes sujeitos administrativos.3
Por relação jurídico administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.
Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intradministrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou interorgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem.
Por outro lado as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica. 4
E o certo é que o contrato administrativo é definido no art. 165º/1 do CPA precisamente por referência à criação de "uma relação jurídica administrativa".
11. De facto, a possibilidade de demandar particulares perante os tribunais administrativos não é novidade no Direito Administrativo. Pelo contrário, é uma imposição da lei quando delimita o âmbito da jurisdição administrativa em função do conceito de "relação jurídica administrativa" (art. 165º/1) do CPA), o que significa que não se trata de uma delimitação estatutária, em função da natureza jurídica dos sujeitos da relação.
Com efeito, os traços distintivos da qualificação das normas como sendo de direito administrativo são a atribuição de prerrogativas ou a imposição de deveres, sujeições ou limitações especiais por razões de interesse público, como sucede no caso da atribuição da exploração de um serviço público por via de concessão.
Mesmo na redacção do art. 86º da pré-vigente LPTA, em que a lei referia somente a violação de normas de direito administrativo, e não ainda deveres resultantes de contrato administrativo, já resultava da norma a possibilidade de intimar particulares por violação de contratos de concessão.
De facto, na vigência da LPTA, à época vigente em Macau, o STA de Portugal clarificou que os contratos de concessão constituem "normas de direito administrativo numa situação com alguns contornos paralelos ao nosso caso, aí se tendo estabelecido:
“I - Sendo o contrato de concessão do serviço público de TV celebrado com base no art. 38 da CRP, art. 5 da Lei 58/90 e art. 4 da Lei 21/92, as cláusulas deste contrato comungam da "ambiência de direito público" que dimana da disciplina jurídica que lhes deu origem e as disciplinam.
II - Tais cláusulas por si e porque prescrevem as regras que presidem e condicionam a actividade de concessionários constituem normas inderrogáveis por impostas autoritariamente pelo Estado na prossecução do interesse público a que se destinam, e constituem normas de direito administrativo para efeitos do artigo 86 n. 1 da LPTA.”
12. Do que se vem dizendo não é difícil concluir no sentido de que os terceiros anteneiros, não sendo partes no contrato, não deixam de ser sujeitos de certa forma na relação jurídica de Direito Público originada por aquele contrato.
O que não deixa de derivar do regime da exclusividade ínsito às concessões que se verificam quando a pessoa jurídica de direito público transfere temporariamente para uma entidade privada o exercício dos direitos exclusivos de exploração do serviço público, passando este a correr por conta e risco do concessionário.5
Esta característica temporal perpassa pelo regime das concessões e pode dizer-se que é ínsita à sua natureza.
Como assinala Freitas do Amaral, característica idiossincrática da concessão de serviços públicos é, no entanto, a atribuição ao concessionário da competência, por certo período de tempo, da gestão do serviço público concedido.6
Ou como diz Fernanda Maçãs, na concessão de serviço público, o Estado confere temporariamente, a uma entidade privada, os poderes bastantes para explorar um serviço público, sob fiscalização do concedente, durante o prazo estipulado, incluindo os investimentos necessários para a sua manutenção.7
Como anota Marcello Caetano “O serviço público para ser concedido tem de estar legalmente subtraído à livre concorrência. A actividade só pode ser exercida por certa pessoa se não for livre o seu exercício por qualquer pessoa. Por isso é pressuposto da concessão que tal actividade constitua objecto das atribuições da entidade concedente com exclusão de qualquer outra entidade pública ou particular”8
Ainda Pedro Gonçalves, " O direito de gerir o serviço público é geralmente associado a uma ideia de privilégio, que resulta sobretudo da tradicional garantia da exclusividade conferida ao concessionário. De facto, a concessão de serviço público é frequentemente outorgada como um direito exclusivo e absoluto do concessionário, criando em seu benefício um direito de oposição contra quem quer que apareça a explorar a mesma actividade no âmbito geográfico do seu exclusivo". 9
Entendimento este plasmado na lei, já que, nos termos do art. 2º/b) da Lei n.º 3/90/M, implica a "transferência para outrem do poder de, em exclusivo, explorar, por sua conta e risco, os meios adequados à satisfação de uma necessidade pública individualmente sentida".
O exclusivo é, pois, uma componente essencial da concessão, constituinte da sua própria natureza jurídica.
No caso em apreço, o direito de exclusivo tem origem na lei (enquanto se violam as regras que condicionam o exercício de tal actividade) e no contrato (violação da exclusividade que ele e a lei conferem na concessão) e, vista a relação jurídico-administrativa em presença, como tal configurada, essa situação permite-nos uma outra abordagem, diferente daquela que adoptámos, perante uma relação jurídico-civilista, no processo 294/2011, e em que a primeira responsável pelo cumprimento da concessão, a entidade concedente, não era aí demandada, aliás na esteira daquele Insigne Administrativista que dizia “E se a concorrência surgir ilegalmente é ainda ao concedente que cumpre empregar os meios de polícia necessários para fazer cessar a ilegalidade ou reprimir esta criminalmente, ficando igualmente responsável, se o não fizer, pelos danos decorrentes da sua inacção”. 10
Parece assim fundamentado o direito subjectivo do concessionário ao exclusivo da exploração daquele serviço, o que vincula, em caso de violação por terceiros, não só a Administração, através da intimação, mas também de uma acção de reconhecimento de direitos ou de execução do contrato por violação das suas obrigações, por estar obrigada a fazer respeitar esse direito de exclusivo ou de responsabilidade de terceiros, através da intimação e da acção de responsabilidade civil extracontratual ou da acção de execução do contrato (beneficiando da cumulação que o art. 102º/b) do CPAC admite);
Para além de os 2º a 8º requeridos serem partes legítimas, encontram-se preenchidos os requisitos do art. 132º do CPAC, em particular, que a recorrente é titular de um direito que arrasta deveres para os requeridos, que estes têm vindo a violar sistematicamente, configurando-se uma relação abrangente que respeita não só ao contrato de concessão celebrado, como à própria violação da Lei 14/2001, Lei de Bases de Telecomunicações, sendo já diversas as vozes, os organismos públicos, pela voz de diferentes responsáveis, que tomaram posição expressa condenatória de uma situação a que parece não haver coragem de pôr cobro.
13. Quanto à Requerida TDM, que ampliou o âmbito do recurso nos termos do artigo 590º, n.º 1, continua a pugnar pela verificação da excepção de preterição da competência do Tribunal Arbitral.
A recorrida TDM ampliou o recurso relativamente à matéria de excepção de preterição da competência do Tribunal Arbitral. O argumento desta recorrida é o seguinte: o art. 24º do DL 29/96/M permite a dedução de procedimentos cautelares em Tribunal, "desde que esse procedimentos dependam da existência futura ou simultânea do tribunal arbitral".
Entendemos, como se entendeu na douta sentença recorrida, que não se verifica tal excepção.
Não se deixa de reconhecer que a recorrente na resposta extravasou o âmbito das matérias que se encontravam delimitadas, tal como consignado no despacho de fls 1385 e v., razão por que delas não se conhecerá. Referimo-nos à resposta às contra-alegações dos outros requeridos.
Desde logo se constata que não assiste legitimidade à requerida para arguir esta excepção, pois que não existe cláusula arbitral nas relações entre a recorrente e a recorrida TDM
De todo o modo, acolhe-se aqui a fundamentação expendida na douta sentença que julgou improcedente tal excepção e pela razão simples de a Lei da Arbitragem facultar o recurso a uma providência cautelar a instaurar no Tribunal Judicial mesmo havendo convenção arbitral.
Ainda que se concedesse que não haveria lugar ao presente procedimento, por preterição da competência do Tribunal Arbitral, a requerida, que não foi parte nessa convenção, não deixaria de ser absolvida da instância no meio judicial principal e sempre a recorrente beneficiaria do prazo previsto no nº 2 do art. 231º para intentar nova acção no foro competente, ficando sempre em aberto a possibilidade de se sanar pretensa ilegitimidade.
A alegada preterição do tribunal arbitral relativamente ao meio principal (ainda não instaurado), não teria em qualquer caso o efeito de obstar ao prosseguimento da acção de intimação, não provocando a sua caducidade, nem que o Tribunal se viesse a declarar incompetente para essa acção e absolvesse o(s) réus(s) da instância.
Assim sendo, não pode pretender-se que o pedido de intimação seja rejeitado com base numa eventual absolvição da instância na acção principal, quando a efectiva absolvição da instância nessa acção não teria por si só esse efeito, ou qualquer outro, na intimação.
Negar provimento ao pedido de intimação com fundamento numa decisão que constitui, materialmente, uma declaração de caducidade constituiria uma violação daquele procedimento e do direito de a requerente se pronunciar sobre o meio principal efectivamente usado, seja judicial, seja arbitral, seja gracioso.
Mas esta questão que mui perfunctoriamente se analisou perde sentido perante o que mais adiante, em relação à requerida TDM, se dirá.
14. A questão de mérito relativa ao pedido de intimação contra o Exmo Senhor Director da DSRT (1 º requerido) passa pela análise de dois argumentos:
- existência de um conflito de direitos entre o direito de exclusivo da recorrente e o direito dos cidadãos da RAEM de acesso à informação;
- se da intimação pretendida pela recorrente poderia resultar prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para a recorrente pela violação do exclusivo.
Na sentença recorrida afirmou-se ser um facto notório e do conhecimento público que os anteneiros existem e exploram as mesmas actividades antes da celebração do contrato de concessão.
Mais se afirmou que o direito exclusivo da requerente decorrente do contrato, convertido para os próprios interesses patrimoniais, cede perante o direito e a expectativa legítima da maioria dos cidadãos da R.AE.M no acesso à informação através de transmissão de radiodifusão televisiva, gozado durante décadas, sendo meramente terceiros de boa fé ao litígio em causa.
Mas não se deixa de se realçar que o o Mmo Juiz do TA salienta na douta sentença recorrida a ilegalidade da actividade dos anteneiros, a violação do exclusivo concedido à recorrente, a cobrança indevida de MOP 30,00 por fogo, a utilização de boosters colocados em regra por cada quilómetro, assinalando o dever que cabe ao 1º requerido em actuar e tomar medidas adequadas e atempadas para resolver o problema.
15. Com todo o respeito pela posição vertida na 1ª Instância que relevou os prejuízos advenientes de uma cessação de actividade dos anteneiros, também nós não deixamos de ser sensíveis às consequências de uma decisão que ordene a paralisação de redistribuição de sinais televisivos, só que não encontramos nada na lei que consinta sopesar valores de diferente natureza: por um lado o exercício de uma actividade ilegal, violadora de um contrato e da lei, por outro os inconveniente que resultam de uma mudança do status quo.
Também nós somos a estranhar - embora tal não nos compita - como é possível conceder um exclusivo de um serviço, para mais sem concurso público, que toca de perto no conforto e bem-estar de uma maioria da população, permitindo-se a prática de tarifas que nem todos podem suportar, sem que aqueles interesses da população sejam devidamente acautelados.
A legalidade do contrato não vem posta em causa.
Por outro lado, não só se impõe o seu cumprimento, como se impõe o acatamento das regras reguladoras da captação e redistribuição licenciada dos sinais televisivos, só nos regendo o primado da lei, dessa forma não se deixando de proteger a própria autoridade do Governo, pois de outra forma premiar-se-iam os contraventores e o não acatamento da ordem e da legalidade, permitindo o exercício de actividades económicas e a prestação de serviços à margem da devida regulação.
Persistir na tese da complacência com a situação de facto existente seria o mesmo que dizer que há que pactuar com uma dada situação de natureza criminógena ou anti-social só porque dela tira proveito um significativo sector da população. Isto é um absurdo absoluto. Ninguém pode defender um superior interesse público baseado no não acatamento da lei.
Mas mesmo que se entendesse que particulares especificidades da RAEM e necessidades da população mereceriam uma tutela ao nível de uma liberalização no acesso aos sinais de televisão (fosse por uma resolução do contrato, fosse por uma renegociação do mesmo, fosse por uma liberalização do sector, fosse por uma compensação aos cidadãos - não seria caso virgem -, fosse por uma revisão dos valores da tarifas cobradas aos utentes, o que se afigura, em termos meramente abstractos, porventura, exorbitante e incomportável por um sector significativo da população), essa é outra questão que não cabe aos tribunais resolver, sob pena de se imiscuírem ilegitimamente na acção governativa. Aos tribunais cabe, neste particular assunto, decidir de acordo com os critérios legais que mais não são do que aplicação do diversos diplomas pertinentes e do que foi definido e contratualizado, politica e administrativamente assumido pelo próprio Governo, reforçando assim a sua própria autoridade
Em suma, diremos que não pode haver superior interesse público na ilegalidade, sob pena de as disposições legais e contratuais terem de ser postergadas, o que só pode acontecer em nome de uma ordem normativa de natureza e valor superior.
16. Insustentável é a posição de que a maioria da população da RAEM tem um direito à actividade ilegal dos requeridos, pelo facto de estes já transmitirem sinais antes de a concessão ter sido atribuída. Tratar-se-ia da perpetuação de práticas ilegais em áreas de interesse público (serviço público), apesar de a lei, actos administrativos e contratos disporem em contrário. Interesse público é o interesse de uma comunidade, ligado à satisfação das necessidades colectivas, ao bem comum daquela, mas a definição do interesse público é monopólio da lei, é a lei que define os interesses públicos a cargo da Administração.11
Sobre o conceito de interesse público, Vieira de Andrade,12refere-o ainda como um conceito de grandeza homogénea e objectivada que comanda as actuações administrativas, legitimando as suas escolhas. Esta concepção confronta-se hoje em dia com a proliferação de interesses públicos conflituantes e com a necessidade de instituir mecanismos de escolha e selecção dos interesses públicos prevalecentes. A escolha do interesse público prevalecente constitui ainda a função primária reservada ao poder político. Trata-se apenas de controlar a actividade administrativa de implementação das políticas, aquilatando da sua conformidade com os princípios jurídicos. Mas a prossecução do interesse público deve ser feito em obediência à lei, observando-se que o princípio da legalidade visa também proteger o interesse público e não apenas os interesses dos particulares.13
17. É certo que a lei ou a aplicação do contrato poderia ser infirmada, como se assinalou já, por fonte superior, no caso, inconstitucionalidade por violação da Lei Básica. Mas não é defensável a inconstitucionalidade da Lei n.º 3/90/M, do Decreto-Lei n.º 18/83/M, da Lei n.º 8/89/M ou do próprio direito de exclusivo.
Tal como, por outro lado, não se observa qualquer situação integrante de um estado de necessidade justificativo de um afastamento do princípio da legalidade que deve nortear a actividade da Administração nesta particular situação.
18. O direito à informação a que o Tribunal a quo se refere não será nem o da informação gratuita, pois os anteneiros cobram-se pelo serviço que prestam, exercendo uma actividade lucrativa, que nem se esgota sequer numa interpretação restrita do direito à informação, sendo que muitos dos canais redistribuídos têm natureza lúdica, desportiva, permitindo-se afrontar direitos que internacional ou inter-regionalmente deviam ser respeitados, pondo a nu a desfaçatez de um abuso sem limites e dando-se o flanco a que a situação de Macau possa ser dolorosamente referida como terra sem lei.
Não existe na Lei Básica qualquer direito à informação a preço reduzido ou inferior ao preço custo. Existe o direito à liberdade de expressão e de imprensa (art. 27º), mas não o direito a receber a informação a um determinado preço.
Nem existe tal direito na Lei n.º 7/90/M (Lei da Liberdade de Imprensa e Direito à Informação), cujo art. 3º/1 se limita a conferir o direito a ser informado.
Eventual direito de acesso a diferentes canais de televisão nada tem que ver com aquele direito fundamental e mesmo que se entendesse que se traduz numa sua extensão não é por se consentir numa actividade desregulada que se atenta contra tal direito. Esse direito não deve deixar de ser prosseguido por via do exercício de uma actividade regulada, condicionada e autorizada, de forma a garantir o seu acesso a todos os cidadãos.
O direito à informação de que se fala na sentença não passa necessariamente pelo serviço prestado numa situação à margem da lei e à custa de quem foi mandatado para o efeito por via do contrato de concessão celebrado.
Como bem anota o recorrente, “Existe o direito de jogar em casino, mas não o direito de jogar barato; como o direito à informação não inclui o direito a receber jornais mais baratos; como o direito à alimentação não inclui o direito a locupletar-se à custa de restaurantes ou supermercados; etc.. Trata-se de direitos que são objecto de regulamentação pelo Governo, que estabelece as condições do respectivo exercício. Assim sucede com o direito à informação.”
19. Pensamos ser precipitada a alegação de que os cidadãos da RAEM são terceiros de boa fé relativamente ao litígio em causa, retirando-se dessa asserção uma decisão protectoral dos seus interesses.
Desde logo se afirma que não é ao tribunal que cabe agir em termos de medidas tendentes à protecção daqueles potenciais interessados.
Não cabendo ao caso a invocação dessa figura jurídica - enquanto partes que são alheias a certo negócio jurídico, mas que por se encontrarem em relação jurídica com um dos sujeitos dele, têm, por via dessa relação jurídica, um direito que colide com o próprio acto em questão - não se vê onde possa radicar essa protecção, não se podendo confundir uma prossecução do superior interesse público que passa pelo cumprimento da lei, das normas reguladoras de uma determinada actividade, com os interesses egoístas, ainda que respeitáveis, de uma maioria muito significativa da população.
20. Também inexiste qualquer colisão de direitos, na exacta medida em que a população muito significativa que recebe um sinal ilegalmente distribuído pelos anteneiros não tem direito a receber um sinal em condições ilegais, como estes não têm direito a retransmiti-lo.
21. O segundo argumento da sentença recorrida consiste na ideia de que da intimação pretendida pela recorrente poderia resultar prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para a recorrente pela violação do exclusivo.
Mas não tem razão a Mma Juíza.
O Tribunal aplicou os requisitos do art. 121º do CPAC à intimação para um comportamento. Sucede, porém, que tal norma não se aplica à intimação. De facto, o art. 121 º constitui norma relativa à suspensão de eficácia, não extensiva aos procedimentos preventivos e conservatórios, não encontrando reflexo no regime dos arts. 132º e ss.
Mas, considerando uma situação de eventual tutela de determinados interesses, ainda que de natureza diferente, como se assinalou já, não deixará de haver meios de colmatar os inconvenientes causados com a presente medida. Com certeza que não é este Tribunal que vai dizer, nem tem competência para tal, como poderá ser minorada a insatisfação que poderá gerar uma medida impositiva de cessação de redistribuição ilegal de sinais televisivos.
22. Quanto aos deveres da DSRT e da RAEM estão eles perfeitamente identificados, passando, no fundo, pelo dever de regular, fiscalizar e perseguir quem emita ilegalmente sinais televisivos, por um lado, por outro, o dever que lhe compete de garantir o direito exclusivo concedido à recorrente.
Não se deixa de anotar que foi por o pedido não ser dirigido a esta entidade, numa conformação jurídica de mero direito privado, que no acórdão deste TSI, processo n.º 294/2011, de 21 de Julho, se decidiu julgar improcedente o pedido então formulado.
Estranha-se até a posição que esta entidade assume nestes autos, defendendo a actividade dos anteneiros, escudando-se numa actividade que agora vem dizer ser legítima (nem vamos aqui discutir da pretensa legalidade da mera actividade de recepção, bastando atentar tão simplesmente na simples proibição de antenas constante do artigo 6º do DL 18/83/M), dando aqui cobertura a quem tem vindo reconhecida e reiteradamente a prevaricar, - depois até de várias entidades e responsáveis diversos terem chamado a atenção para a necessidade de intervenção por parte do regulador -, confundindo a captação dos sinais abertos de televisão (internos e externos) com a sua redistribuição, bem como a actividade de difusão televisiva por subscrição, tudo à revelia da matéria de facto que ficou consignada e dada por assente.
Aliás sobre a ilicitude manifesta das actividades dos anteneiros e sua concretização, a fundamentação vertida no nosso acórdão sempre citado 294/2011 deste TSI.
Não esquecemos que já nesse mesmo processo deste Tribunal se consignou “…a sua actividade (dos anteneiros) não se resume à instalação, manutenção e reparação de antenas aos seus clientes.
Mas mais do que isso, recebem os sinais televisivos captados por essas antenas, e depois de ampliados, redistribuem esses sinais por cabo pelos mais variados prédios contíguos, percebendo rendimentos do fornecimento desses sinais.”
O problema, reafirma-se, não está fundamentalmente na instalação dos equipamentos, na operação das redes de telecomunicações, mas sim na retransmissão televisiva de sinais não autorizada, sabendo-se, como se sabe, e como se provou já em momento próprio, que a actividade dos anteneiros não passa apenas pela captação de sinais, mas sim pela distribuição dos mesmos, havendo por vezes cabos de prédio para prédio, pretextando um serviço de manutenção de antenas aos condomínios, cobrando por isso um determinado pagamento.
A sufragar-se o entendimento desta entidade esvaziar-se-ia de conteúdo o contrato de concessão celebrado entre a Administração e a A.
É muito confortável e muito mais simpático que esta entidade venha defender os milhares de pessoas que poderiam ser atingidas com a cessação de tal actividade, mas esquece-se que quem criou a situação foi a entidade concedente ao atribuir o exclusivo sem acautelar os diferentes interesses, na certeza de que não deixa de haver meios para evitar os males anunciados se a medida for implementada.
23. No que à actividade da TDM concerne, na verdade, não se vê em que medida a actuação desta requerida viole os direitos de concessão da recorrente.
A requerente A, na sua petição, formula um pedido concreto que pretende materializar essa violação. Pede-se que se intime a TDM a comunicar aos 2º a 7º requeridos que a sua actividade é ilegal, mas com franqueza, este pedido não faz qualquer sentido, sob pena de se subverter a autoridade que tutela aquela actividade e a quem cabe em primeira linha regular e inspeccionar as ditas actividades.
Depois, a recorrente não consegue concretizar o que pede em relação à TDM - que inviabilize pelas formas que lhe são possíveis a que os direitos que detém para a transmissão free-to-air sejam utilizados por via da transmissão de sinais televisivos por via terrestre mediante subscrição -, mas o certo é que não diz como é que isso se faz.
Aqui cabe bem a diferenciação entre captação e a redistribuição. Não resulta da matéria provada que tenha havido da parte desta requerida qualquer actividade de retransmissão e a permissão (passada) ou incentivo à retransmissão é inócua. A TDM comprou os direitos e é livre de os emitir em espaço livre e aberto e quem tiver antenas (se autorizadas) que capte esses sinais, não se vendo em que medida isso contende com os direitos da requerente.
Tanto quanto baste para que, por falta de concretização do comportamento a empreender, ou melhor, a falta de comprovação de desenvolvimento de uma actividade que beliscasse a exclusividade e o exercício da concessionária, esta requerida não devesse deixar de ser absolvida do pedido contra si dirigido. Só que esta absolvição do pedido não foi colocada, não foi pedida, não foi objecto de recurso autónomo. Sendo assim, este Tribunal não pode agora alterar o decidido num segmento decisório que acabou por ser admitido pela parte interessada ou por ela não foi impugnado.
Esta questão que se vem observando e que a nosso ver conduziria até a uma absolvição do pedido formulado contra esta requerida não foi, contudo, configurado por ela nas suas alegações, para além de que não recorreu autonomamente e no alargamento do âmbito do recurso deduzido ao abrigo do artigo 590º do CPC equaciona tão somente a questão da preterição da competência do Tribunal Arbitral. Temos, assim, que esta recorrida, para além daquela invocação, que não se acolheu, como acima visto, conforma-se com o decidido, acabando por pugnar, em última análise, pelo que foi decidido quanto a si, ou seja, a absolvição da instância pela reclamada ilegitimidade.
Ora, por esta via, pelas razões acima aduzidas, já se viu que não se acolhe tal tese que ditou a ilegitimidade das requeridas, vista a abrangência da relação jurídica administrativa alargada que pode dimanar de um contrato de concessão a terceiros que estejam a ocupar o espaço concessionado.
Não obstante, pensa-se que é possível ainda manter a absolvição da instância da requerida TDM, ainda que por outras razões, ao abrigo de disposições adjectivas que, ainda que não invocadas, não deixam de ser de conhecimento oficioso e se prendem com a ininteligibilidade e falta de concretização ou sentido útil do pedido intimatório. Vamos admitir que se condenava a TDM no pedido, mas se nos debruçarmos sobre o mesmo, logo vemos das dificuldades que haveria em concretizar o que a TDM devia fazer neste processo de intimação para comportamento devido: que se intimasse a TDM para dizer aos anteneiros que a sua actividade é ilegal? Perfeito disparate, pois que não é a TDM que tem esse dever. Que adoptasse as condutas que em seu critério evitassem a actividade dos anteneiros? Outro disparate, para mais sem se saber da concreta cumplicidade entre a TDM e as actividades ilegais desenvolvidas por aqueles. Parece que nem a requerente, no fundo, sabe, ou pelo menos, não o concretiza, em que se traduz essa colaboração, cumplicidade ou comparticipação.
Ora, a ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir (quanto a esta, teríamos eventualmente até a sua falta), gera, nos termos do artigo 139º, n.º 1 e n.º 2, a) do CPC a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial. Esta excepção é de conhecimento oficioso - artigos 412º, n.º 2, 413º, b) e 414º do CPC -, o que permite a este Tribunal manter a absolvição da instância desta requerida, ainda que por outros fundamentos.
24. O 5º Requerido E veio, já em fase adiantada do processo, juntar documentação comprovativa de que deu baixa das suas actividades, dizendo ter encerrado formalmente as suas actividades.
Para além dessa junção e de ter dado conta do facto mais nada se requer.
O requerido foi demandado em nome individual imputando-se-lhe uma prática de retransmissão de sinais televisivos.
Essa actividade não é necessariamente desmentida pela documentação junta, não obstante a cessação formal da actividade, como afirma.
Não se vê assim razão para o excluir da intimação de abstenção de actividade ilegal.
Tudo visto e ponderado, resta, pois, decidir.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, revogando o decidido:
I - Determinam intimar, para que no prazo de 90 dias:
1 - O 1º requerido assegure o cumprimento das obrigações consagradas no contrato de concessão celebrado com a A, garantindo a esta o respectivo exclusivo e fazendo cessar a retransmissão ilegal de sinais televisivos;
2 - os 2º a 7º requeridos respeitem aquele contrato de concessão, abstendo-se de retransmitir os sinais televisivos não autorizados.
II - Absolvem da instância a 8ª requerida TDM.
Custas pelos recorridos (2º a 7º requeridos, com 8 UC de taxa de justiça, individual, estando isento o 1º) e pela recorrente em relação à absolvição de IV- 3, em 2 UCs.
Macau, 6 de Junho de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 - Novo Regime de Processo nos tribunais administrativos, Almedina, 2005, 4ª ed., 57
2 - Lino Ribeiro e Cândido Pinho, CPA de Macau Anot. E Com., 1998, 354
3 - Vasco Pereira a Silva, em Busca do Acto Administ. Perdido, Almedina, 1996, 279
4 - Gomes Canotilho, “Relações jurídicas poligonais, ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n°1, Junho 1994, págs. 55 e ss
5 - Marcello Caetano, Princípios Fundamentais de Direito administrativo, 1977, 294. Vd. ainda Man. Dto Adm., II, 1972, 1075
6 - Curso de Dto Adm. II, Aledina, 2002, 541
7 - Estudos de Contratação Pública, I, Coimbra editora, 2008379
8 - Man. Dto Administ., II, 1972, 1076
9 - A Concessão de Serviços Públicos, Coimbra, 1999,, 266
10 - Marc. Caetano, ob. cit, 1098
11 - Freitas do Amaral, Curso de Dto Adm., II, 2002 Almedina, 36
12 - Interesse publico, DJAP, vol. V, pp. 275 e ss
13 - Freitas do Amaral, ob. cit. 42
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22/2013 62/62