Processo n.º 278/2013
(Recurso cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 20/Junho/2013
ASSUNTOS:
- Providência cautelar de não devolução de uma caução prestada no âmbito de uma empreitada
- Alcance do âmbito da providência
- Oposição à providência
- Omissão de pronúncia
SUMÁRIO :
1. Na determinação do montante indiciário da dívida não pode o Tribunal proceder a um desvio de rubricas e considerar que o montante a acautelar está coberto por uma parcela a título de juros, se não peticionados, ao mesmo tempo que desconsiderou, por não provada, uma dada verba que foi concretizada e peticionada como integrante do montante em dívida, para mais se não se alcançam os parâmetros do cálculo de juros.
2. Se o pretenso devedor alegou que nas contas entre empreiteiro e subempreiteiro haveria que se considerar um montante de despesas relativo a obras que tiveram de ser realizadas por defeito da obra, na decisão a proferir essa questão não deve deixar de ser apreciada, mas cabe ao interessado provar, ainda que indiciariamente, o direito à indemnização.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 278/2013
(Recurso Civil)
Data : 20/Junho/2013
Recorrente :
A – Sociedade Unida de Engenharia, Limitada
Objecto do Recurso :
Decisão que julgou improcedente o pedido de oposição à decisão que decretou a providência
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A - Sociedade Unida de Engenharia, Limitada, requerida dos autos e ora recorrente, inconformada com o despacho do Juiz constante de fls. 498 a 501 dos autos, despacho que indeferiu liminarmente a oposição apresentada pela recorrente ao procedimento cautelar apresentado pelo recorrido B., dele vem recorrer, alegando em síntese útil:
O despacho recorrido viola o princípio de dispositivo e padece do erro no pressuposto de facto por ter tido contado os juros legais.
No requerimento do requerido não se apresenta o valor do arresto nem os juros.
O despacho recorrido também não considerou os novos factos e pedidos apresentados pela recorrente na oposição, designadamente os pedidos que, resultantes da conduta do recorrido, não foram apresentados no processo principal.
Verifica-se o erro no reconhecimento de facto ou omissão de pronúncia sobre assunto apresentado.
Face ao exposto, entende que se deve julgar procedente o recurso e revogar o despacho recorrido.
II - FACTOS
Em sede de oposição à providência foi proferida a seguinte decisão que constitui objecto do presente recurso:
“Enquanto se aguarda por decisão definitiva da acção ordinária apensa, onde já foi realizado o julgamento e decidida a matéria de facto, a requerente da presente providência cautelar alegou que é provável que a requerida venha a ser condenada naquela acção a pagar-lhe determinada quantia em dinheiro e que o único bem com que o poderá fazer é uma caução que prestou numa empreitada de obras públicas enquanto empreite ira e que em breve terá direito a receber.
Na referida acção é autora a aqui requerida e é ré a aqui requerente.
Nessa acção a autora diz ter celebrado um contrato de subempreitada com a ré e que esta não cumpriu sem defeitos, pelo que o resolveu e pretende ser indemnizada. Porém, a ré deduziu reconvenção dizendo que a autora resolveu o contrato de subempreitada de forma injustificada, não pagou a totalidade dos trabalhos efectuados e apropriou-se de móveis que a requerente havia encomendado e pago para aplicar na obra, pelo que pede a condenação da autora a pagar o montante em falta, por ter desistido da subempreitada e o preço dos móveis.
Tendo sido julgada procedente o procedimento cautelar, foi notificado o beneficiário da caução (dono da obra) para que não a devolvesse à requerida Mop.5,000,000,00 daquela caução, enquanto não transitasse em julgado a decisão da acção apensa.
A requerida veio deduzir oposição dizendo1, em suma, que a requerente não cumpriu o prazo da subempreitada e que, por isso, resolveu o contrato, o que é diferente de desistência da subempreitada. Mais, disse que já lhe pagou os móveis cujo preço a requerente reclamou a título reconvencional. Disse ainda que, de acordo com o contrato de subempritada, a requerida deve reter 10% do preço dos trabalhos efectuado, os quais foram feitos defeituosamente tendo feito gastos para reparação dos defeitos.
Conclui que deve ser levantada a providência cautelar decretada e que, não o sendo, não deve ter o valor de Mop.5,000,000,00.
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Foram inquiridas as testemunhas arroladas com a oposição e nada ocorre que obste ao conhecimento do mérito da referida oposição.
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Feita a análise conjunta e crítica da prova produzida, designadamente confrontando os depoimentos das testemunhas indicadas no requerimento de oposição e no requerimento inicial, o tribunal conclui, em termos necessariamente sumários de índole cautelar, que se mantém os factos anteriormente considerados provados e que não se provou qualquer facto dos alegados no requerimento de oposição, designadamente o pagamento do preço dos móveis reclamado pela requerente e invocado pela requerida ou a existência de defeitos nos trabalhos executados pela requerente. Com efeito, os depoimentos das testemunhas indicadas na oposição apresentaram-se reveladores de muito pouco conhecimento directo dos factos em discussão, muito pouco pormenorizados e espontâneos, de forma que ao tribunal se afiguraram interessados e não isentos.
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Dispõe o art. 333°, al. b) do C.P.C. que o requerido que não foi ouvido antes do decretamento da providência, pode deduzir oposição quando:
- pretenda alegar factos ou
- produzir meios de prova.
Infere-se do mesmo normativo que para a procedência da oposição é necessário que se verifiquem dois requisitos, a saber:
- que os factos alegados ou os meios de prova a produzir não tenham sido tidos em conta pelo tribunal;
- que tais factos ou tais meios de prova afastem os fundamentos da providência ou determinem a redução da mesma.
Do sistema legal criado pela nova legislação processual civil antevê-se que a oposição há-de funcionar como o alegar de excepções dilatórias ou peremptórias e como a produção de meios de prova que logrem convencer o julgador em sentido diverso daquele que resultou da análise da prova oferecida pelo requerente da providência.
Factos novos serão aqueles que o tribunal não teve conhecimento, porque não foram alegados. Nem sequer serão aqueles que o tribunal deveria conhecer "ex oficio", porque se o tribunal devia ter conhecido e não conheceu, a decisão deverá ser impugnada por meio de recurso e não pela via da oposição, sendo certo que se tais factos forem alegados no requerimento de oposição, nem por isso serão considerados novos, uma vez que o Tribunal os deveria ter conhecido e não conheceu.
Não tendo o oponente logrado, pela nova prova produzida, levar a que o tribunal desse como não provados os factos que foram tomados por assentes para o decretamento da providência nem provar outros com efeitos de excepção, decide-se manter a decisão que decretou a providência cautelar.
E quanto ao valor de 5,000,000,00 a reter na caução prestada pela requerida, entende-se ser de manter por ser o que acautela a eventual dívida de juros e não ter sido violado o princípio do dispositivo.
Pelo exposto, julga-se improcedente a oposição.
Custas do incidente da oposição pela Requerida.
Notifique.”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- A decisão proferida conheceu de objecto fora do pedido;
- Impossibilidade de aferir das balizas da condenação;
- Omissão de pronúncia.
2. A sociedade requerida no arresto, oponente à providência decretada, ora recorrente, A - Sociedade Unida de Engenharia, Limitada, vem impugnar a decisão proferida, dizendo que a conclusão formada com base nos factos tido como provados não é por eles suportada, faltando fundamentos de direito e de facto à decisão do despacho recorrido de reter o montante no valor de 5.000.000,00 patacas que a recorrente pode cobrar à Administração de Macau.
Segundo o teor e os factos tido como provados no processo n.º CV2-09-0094-CAO, o recorrido só completou parte da obra que corresponde apenas ao valor de 20.301.648,30 patacas – vd. as alíneas K, U e Y dos factos assentes do despacho saneador no processo n.º CV2-09-0094-CAO.
E a recorrente já efectuou, ao recorrido, o pagamento do valor de MOP$17.775.593,05.
Donde o recorrido só poder pedir o pagamento dum montante no valor de MOP$2.526.055,25.
Não se tendo juntado mais nenhuma verba ou custo não há base para considerar o montante de arresto no valor de 5.000.000,00.
Por outro lado o montante relativo aos juros não foi peticionado, o que viola o princípio dispositivo.
Para além de que o montante dos juros não seria quantificável à falta de decisão transitada em julgado ou da decisão de 1ª instância.
3. Quanto à pretensa redução do montante da dívida a MOP$2.526.055,25 não tem razão a recorrente. Na verdade, a esse valor há que somar o de MOP$700.920,00, correspondente ao mobiliário de madeira, como resulta do artigo 15º da matéria de facto da decisão da providência, a fls 102, de fls 107 v. e volta a ser reafirmado, a fls 499 v., da decisão sobre a oposição, não havendo razões que infirmem o julgamento de facto feito sobre essa matéria e que nem se mostra concretamente impugnado com elementos que apontem para um outro julgamento de facto.
Temos assim, em termos indiciários um valor que ascende a cerca de MOP$3.226.975,25.
4. Mas já tem razão a recorrente ao alegar que o restante do valor até aos MOP$5.000.000,00 corresponde a uma derivação feita pelo Mmo Juiz, pois que se atribui essa parcela a título de juros quando tal verba não foi pedida a esse título.
Se atentarmos bem na petição da providência, o que o requerente, aqui recorrido, peticionou foi uma dívida de MOP$3.226.975,25 a título de remanescente do pagamento, MOP$700.920,00 a título de despesas com mobiliário de madeira e MOP$2.030.164,83 a título de retenção da garantia por parte da A pelo contrato de subempreitada celebrado com a C.
Ora, não se concebe facilmente que na decisão proferida se possa desenvolver o raciocínio deste género: se não deves por isto, é bem provável que devas por aquilo, fora do pedido em atropelo ao princípio do dispositivo, para mais quando se trata de um arresto ou providência entre comerciantes, bem sabendo como se deve ser rigoroso nestes domínios, pois que não haverá melhor forma do que cortar as pernas a uma empresa, por via destes procedimentos, inviabilizando os meios por que se rege o giro comercial e a actividade industrial, imobilizando os activos e os meios financeiros que devem estar sempre operacionais para o bom desenvolvimento da actividade das empresas.
5. Acresce que o Mmo Juiz se estribou numa probabilidade de existência de juros, desde uma determinada data, mais concretamente, 31/8/2009, não se alcançando como é que chegou a essa data, se existiu mora, desde quando, por tal quantia certa e perfeitamente determinável, estranhando-se até o facto de se ter como referência uma data que antecede a própria data aprovada para a conclusão dos trabalhos, como resulta do artigo 11º da matéria de facto (cfr. fls 102).
Pode até o Mmo Juiz ter uma razão mui válida para considerar essa data, só que infelizmente não a explicita, nem ela se evidencia facilmente.
Seremos, pois, por aqui, a aceder sempre à necessidade de uma redução do montante a acautelar.
6. Pedido de indemnização deduzido pela recorrente
Há no entanto um outro argumento impugnatório da decisão proferida e se traduz no facto de a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e a CPI - Consultoria e Projectos Internacionais, Limitada terem exigido a realização, de novo, da parte da obra responsabilizada pela empresa do recorrido, C, porque a qualidade não atingiu o nível mínimo ( invocando para tal os documentos 1 e 2 que correspondem às alíneas 10 e 11 referidas no documento 8, constante da contestação apresentada pelo recorrido no processo principal).
Por isso, a recorrente pagou uma sobretaxa de valor elevado resultante da obra feita de novo, facto esse gerador de um pedido de indemnização e correspondente ressarcimento perante o recorrido.
Acontece que o despacho recorrido, ao contrário do afirmado pela recorrente, não é omisso sobre essa matéria e essa questão, que foi devida e oportunamente suscitada no requerimento de oposição à providência, como flui dos artigos 36º e segs, tendo até sido quantificado o valor que estava em causa (cfr. art. 39º), não deixou de merecer pronúncia, ainda que sucinta, dizendo o Mmo Juiz que “não se provou (…) a existência de defeitos nos trabalhos executados pela requerente. Com efeito, os depoimentos das testemunhas indicadas na oposição apresentaram-se reveladores de muito pouco conhecimento directo dos factos em discussão, muito pouco pormenorizados e espontâneos, de forma que ao tribunal se afiguraram interessados e não isentos.”
Como está bem de ver a prova produzida não teve força bastante para inverter o sentido da convicção já anteriormente formada em termos indiciários e o certo é que os documentos juntos, por si só, também não têm essa virtualidade.
Essa alegada omissão, abstractamente geradora de nulidade do despacho, não se verifica, não se impondo a peticionada nulidade da decisão proferida.
Nesta conformidade o recurso não deixará de proceder parcialmente- haja em vista o disposto no artigo 571º, n.º 1, al. e) -, impondo-se a revogação do decidido e prolação de nova decisão por os autos conterem os elementos indispensáveis ao seu conhecimento.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, e, anulando parcialmente a decisão proferida, objecto do presente recurso, determina-se a redução da providência ao montante de MOP$3.226.975,25.
Custas pela recorrente e recorrida na proporção dos decaimentos.
Macau, 20 de Junho de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Na oposição que deduziu, a requerida faz referência aos artigos da petição originalmente apresentada pela requerente e não à que apresentou após convite ao aperfeiçoamento (fls. 59 e 60).
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