Processo n.º 101/2013
(Recurso cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 27/Junho/2013
ASSUNTOS:
- Marcas;
- Carácter distintivo
- Sã concorrência.
- Denominação geográfica, COTAI
SUMÁRIO :
1. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.
2. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
3. Ficam muitas dúvidas quanto à utilização exclusiva de uma denominação geográfica em vista de uma eventual concorrência desleal. As denominações de origem e as indicações geográficas são instrumentos ao serviço das empresas. São meios de identificação dos produtos no mercado.
4. Uma denominação geográfica pode integrar uma marca, mas deve revestir uma natureza neutra. Quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.
5. A marca “COTAI STRIP COTAIShuttle” não é registável porquanto se presta a engano e confusão em relação aos produtos comercializados numa zona geográfica perfeitamente delimitada e identificada como Cotai - faixa entre Coloane e Taipa -, para mais se é destinada a canetas, lápis, material de escritório e similares, para mais se se evidencia uma vontade de apropriação dessa denominação geográfica num espaço concorrencialmente disputado por outras operadoras de jogo.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 101/2013
(Recurso Cível)
Data : 27/Junho/2013
Recorrentes : - Direcção dos Serviços de Economia da R.A.E.M.
- A
Recorrida : B Limited
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, na pessoa do seu Director, Sou Tim Peng, entidade recorrida, nos autos à margem identificados, inconformada com a douta sentença que determinou a recusa do registo de marca que fora admitido por aquela entidade – registo de marca n.º N/37786 (“COTAI STRIP COTAIShuttle”), veio recorrer e apresentou as suas alegações de recurso, dizendo em síntese conclusiva:
Como se verifica existem duas interpretações judiciais em relação a estas marcas: a primeira, elabora uma análise dissecando a marca palavra por palavra e assim conclui que não existe capacidade distintiva e, por outro lado, o carácter enganoso da marca; a segunda, no sentido da marca ser analisada no seu todo e assim adquirir capacidade distintiva e de não se tratar de marca enganosa porque, a localização geográfica é usada sem conduzir os consumidores a pensar que esses produtos / serviços, que lhe andam associados, têm essa proveniência, no sentido de ali serem fabricados/ prestados, sendo, por sua vez, a localização geográfica verdadeira.
A marca registanda é uma designação de fantasia, tem capacidade distintiva, não contem nenhuma falsa indicação de proveniência e o seu registo não ocasiona actos de concorrência desleal, pelo que, é de manter o despacho de concessão e revogar-se a sentença recorrida.
2. A ("XXX"), também recorre da mesma sentença, dizendo, em termos úteis:
A marca N/37786 COTAI STRIP COTAIShuttle é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já é constitui um topónimo: COTAI.
Tanto STRIP como SHUTTLE constituem, na marca em causa, expressões de fantasia, o que confere à marca um carácter geral de fantasia.
A STRIP correspondem as palavras portuguesas tira, faixa, pista.
SHUTTLE é também uma expressão de fantasia, já que, mesmo que se aceite que se trata de vocábulo que se reporta a uma actividade normalmente ligada a transporte, deslocação e movimentos físicos, conforme consta da fundamentação da decisão recorrida, a marca N/37786, destinada a assinalar produtos diversos da classe 16.ª, nada tem que ver com aquela actividade de transporte, deslocação e movimentos físicos.
Ao considerar que a marca COTAI STRIP COTAIShuttle é toda ela composta por sinais que designam apenas características de bens, isto é, a sua natureza e a sua proveniência geográfica, a decisão recorrida incorre num manifesto erro de julgamento e faz uma errada aplicação da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 199° do RJPI.
Este erro de julgamento resulta, aparentemente, de uma errada leitura do que sejam os produtos que com a marca N/37786 a Recorrente pretende assinalar.
Termos em que, afirma, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, substituindo-se por outra que conceda o registo da marca N/37786.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
a) Em 30.07.2008 a Recorrente requereu o registo da marca N/37786 para a classe de produtos n° 16 a qual consiste no seguinte:
COTAI STRIP COTAIShuttle
b) Por despacho de 13.12.2011 proferido a fls. 18 dos autos de Processo Administrativo apensos, foi concedido o registo da marca N/37786.
c) Tal Despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 1, II Série, de 04.01.2012.
d) Em 03.02.2012 foi apresentado neste tribunal o presente recurso.
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por indagar se se deve manter o registo da marca em apreciação n.° N/37786 (COTAI STRIP COTAIShuttle) para a classe de produtos n.° 16, tal como admitido pela Direcção dos Serviços de Economia ou, ao invés, se se deve manter a sentença recorrida que determinou a recusa do registo.
2. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.1
É essa noção para que aponta o Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante designado por RJPI, no seu artigo 197º, ao prescrever que “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno socioeconómico, retirar-se-ão as suas funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência a uma origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção.2
Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
Pode até constituir uma garantia3, procurando-se assim atestar a qualidade ou a excelência do produto oferecido, bastando pensar nas denominadas “marcas de grande prestígio”.
Daqui decorre que a marca, como sinal distintivo, deve, acima de tudo, ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
3. Embora marcada pelo princípio da liberdade, a composição da marca sofre excepções de variada ordem, sejam elas de natureza intrínseca, tais como as que decorrem do artigo 199º, nº1 do RJPI, v.g. a própria designação do produto, as suas qualidades, a proveniência geográfica, as cores, ou de natureza extrínseca, quando resultem da necessidade de respeitar direitos anteriores, situações previstas nas alíneas b) a f) do artigo 214º do citado diploma, v.g. marcas anteriormente registadas, medalhas, brasões, firma a que o requerente não tenha direito ou sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
Um sinal, para poder ser registado, como marca, como já se disse, deve possuir a necessária eficácia ou capacidade distintiva, não sendo admissíveis o que a doutrina designa normalmente como sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados.
Não fosse este o entendimento unânime na doutrina e na Jurisprudência,4 sempre o disposto no nº 1, al. a) e b) do artigo 199º supracitado não deixa de ser claro: “ Não são susceptíveis de protecção: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;”
Donde decorre, importando reter, como pertinente no caso “sub judice”, a conclusão de que o registo de uma marca tem como restrição o não ter, ela própria, carácter distintivo.
4. Feito este enquadramento somos a ratificar aqui o entendimento vertido na douta sentença recorrida que concluiu:
“Para o sinal que primária e imediatamente é apreendido com como descritivo de características de bens possa ganhar carácter ou eficácia distintivos que constituem a previsão das normas insertas no art. 199°, n° 2 e 214°, n° 3, tem de "abandonar" o seu significado descritivo primário e passar a ser considerada com um outro significado diferente e que não seja também descritivo, mas que seja distintivo. É, pois, essencial que o novo significado que a marca adquiriu não padeça dos "vícios" do "velho" significado, pois, se padecer, também o registo deve ser recusado. É necessário que o sinal passe a ser apreendido e reconhecido pelo público relevante, não com o seu sentido primário descritivo, mas com um sentido de ligação a uma empresa. Ora, como no caso em apreço o sentido primário da marca em causa é descritivo e qualificativo, o secundário não poderia sê-lo para a registabilidade da marca. Assim, mesmo desconhecendo-se a existência de um significado secundário, caso exista com um sentido ainda ligado à espécie e à proveniência de um produto ou serviço, a marca não poderia ser registada por continuar exclusivamente descritiva. Impõem as boas regras da hermenêutica jurídica que se conclua que a norma que proíbe o mais, também proíbe o menos, de forma que, se se proíbe o registo de uma marca com um sentido, também se há-de proibir se a marca ganhou outro sentido com o mesmo cariz.
Conclui-se, pois, que, sendo a marca registanda constituída exclusivamente por uma expressão que pode servir no comércio, e efectivamente serve, para designar uma espécie de bens e a sua proveniência e não estando demonstrado que ela tenha qualquer outro significado ou que já tenha adquirido na prática comercial eficácia distintiva, deve ser recusado o seu registo.
Em resumo, a marca composta de elementos descritivos de género (genéricos) só pode ser registada em duas situações:
- Quando apenas alguns dos seus elementos são descritivos (art. 199°, n° 2 do RIPI5).
- Quando todos os elementos forem descritivos, mas a marca tiver já adquirido um "secondary meaning" que lhe confira eficácia distintiva, isto é quando no seu percurso comercial a marca deixou de ser apreendida pelo público relevante, não pelo seu sentido descritivo das características dos bens marcados, mas por um qualquer outro sentido não descritivo que a liga a determinada empresa.
Ora, a marca registanda é composta exclusivamente por elementos descritivos e, quer da sua "imagem global", quer de qualquer "secondary meaning", que se desconhece, não se lhe descortina qualquer carácter distintivo.”
5. Mas esta ratificação do acima doutamente explanado não pode passar sem alguma complementação, no que aos argumentos que vêm invocados pelos recorrentes concerne.
Argumenta-se, dizendo que há capacidade distintiva, padecendo a decisão recorrida de contradição, pois que não relevaria aqui a palavra Shuttle, ligada a um meio de transporte, já que o registo se destina a outros bens, tais como canetas, material de escritório diverso, congéneres, similares e afins.
Desde logo se evidencia a confundibilidade da expressão, pois que, se por um lado, shuttles há muitos e podem até pertencer a diversas empresas (não deixando de se considerar aqui a apropriação de uma expressão identificadora de uma generalidade de produtos), por outro, o registo destina-se a bens que não têm nada a ver com transportes. É aqui que está o busílis. Não é manifestamente enganador o facto de se pretender uma marca que inculca para meios de transporte e pretendê-la para material de escritório?
Na verdade, não podem ser registadas as marcas que possam causar engano ao consumidor, nomeadamente a respeito da natureza, das qualidades, da utilidade ou da proveniência do produto ou do serviço.
6. Depois, vem um outro argumento que realça a natureza de marca complexa composta pelas expressões “COTAI STRIP” e “COTAIShuttle”, referindo-se que a primeira indica com precisão uma localização geográfica da RAEM com menção de uma faixa dessa zona, pretendendo-se que a expressão Cotai Strip seja uma expressão de fantasia, expressão essa criada pela recorrente A.
Sobre isto diremos tão somente que a recorrente confessa aqui o que já se vem adivinhando, em face do número de processos em que reivindica tais marcas, que há da sua parte uma preocupação em apoderar-se do nome do “Cotai”, zona geográfica delimitada e perfeitamente definida, esquecendo-se que nessa faixa (trip) onde opera, há outras operadoras, donde dever ter-se um especial cuidado de forma a prevenir a monopolização do nome de uma determinada zona, não se podendo permitir que se confunda e identifique uma dada operadora, ainda que a primeira, com uma zona geográfica, o que seria muito injusto para as restantes.
Para além de que a marca em causa não é apenas constituída por essa expressão, não é esta apenas a estar em causa, mas ainda uma outra “CotaiShuttle” que padece dos apontados vícios, aqui redobrados por uma não inconfessável vontade de apropriação do nome Cotai e que aí se repete.
7. Com isto não estamos a dizer que o nome de uma dada cidade, país ou região, não pode compor uma dada marca. Não, o que se diz é que esse elemento não pode ser o elemento nuclear e destrinçador dessa marca. Não podem ser registadas as marcas compostas exclusiva ou essencialmente por elementos que descrevam o produto/serviços (as suas características, qualidades, proveniência geográfica, entre outros aspectos), por elementos usuais na linguagem do comércio, por determinadas formas (forma imposta pela própria natureza do produto, forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou forma que lhe confira um valor substancial) ou por uma única cor - cfr. art. 199º, n.º 1 do RJPI.
No que às denominações de origem e às indicações geográficas respeita têm estas adquirido uma vantagem económica crescente e desempenham uma função relevante no tráfico comercial, valendo aqui uma reflexão, quando é evidente a pretensão de um determinado interessado na sua referência, ainda que em sede do regime da marca e na pretensão do seu registo.6
A indicação geográfica, de acordo com o RJPI aparenta uma fisionomia semelhante à denominação de origem. Todavia, a sua estrutura é débil quando comparada com a denominação de origem, embora mais elástica.
Na verdade, a indicação geográfica individualiza produtos originários de uma região ou localidade quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuível à sua origem geográfica.
Expressamente, resulta do RJPI (art. 254.º/3) que, enquanto na denominação de origem as qualidades e as características dos produtos se devem essencial ou exclusivamente ao meio geográfico, compreendendo os factores naturais e humanos, na indicação geográfica, a reputação, uma qualidade determinada ou outra característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica, independentemente dos factores naturais e humanos. Na indicação geográfica o elo que une o produto à região determinada é mais débil que na denominação de origem. Ou seja, na indicação geográfica a reputação do produto ou uma sua qualidade pode ser atribuída à região sem influência directa dos factores naturais e humanos. Por outro lado, aquela menor ligação, na indicação geográfica, do produto à região determinada resulta, igualmente, da não exigência de que todas as operações de produção, transformação e elaboração ocorram na área determinada (como se estabelece para a denominação de origem), bastando que uma delas ocorra na área delimitada.
A denominação de origem exige um vínculo acentuado do produto com a região demarcada, ao contrário da indicação geográfica que se basta com uma breve aparência de ligação com a região.
Mas ficam muitas dúvidas quanto à utilização exclusiva de uma denominação geográfica em vista de uma eventual concorrência desleal. As denominações de origem e as indicações geográficas são instrumentos ao serviço das empresas. São meios de identificação dos produtos no mercado. Num mercado intercomunicativo, caracterizado por uma acérrima concorrência entre os produtos, por uma maior consciencialização dos consumidores para o factor qualidade, a denominação de origem e a indicação geográfica podem desenvolver um importante papel enquanto afiançadores de um monopólio, podem ser elementos-chave de uma estratégia comercial visando a conquista de um lugar competitivo marcado pela tipicidade de um produto. Para o consumidor um produto com denominação de origem ou indicação geográfica significa qualidade, características determinadas, garantidas. Mas, além de satisfazer o interesse dos consumidores, a denominação de origem e a indicação geográfica são instrumentos do comércio nas mãos dos produtores e dos comerciantes. São instrumentos ao serviço de um interesse reditício: estes direitos privativos permitem às empresas uma margem de rendimento superior; a qualidade tem preço. A denominação de origem e a indicação geográfica são propriedade comum (propriedade colectivística) dos produtores e comerciantes da região determinada. Aliás, estes sinais distintivos do comércio surgiram como meios dos produtores e comerciantes de uma região conseguirem colocar os seus produtos no mercado; associaram os seus interesses comuns (e que são igualmente económicos quando se traduzem num esforço conjunto na luta contra as falsificações e imitações do que é genuíno) em volta de um sinal identificador.7
Ora, estas preocupações, tecidas ainda que a propósito do regime das denominações de origem e indicações geográficas (cap. VI do RJPI,) não devem deixar de estar presentes se, por via da sua inclusão numa determinada marca, se atingem os valores que por outra via não deixariam de ser acutelados, tais como a transparência, benefício de todos os operadores, sã concorrência, tipicidade do serviço por referência a um lugar geográfico em função de uma qualidade e excelência para que todos contribuem e não é apanágio de uma única operadora.
8. Podemos assim concluir, no que ao nome geográfico respeita, COTAI, que, se o nome geográfico for empregue como simples denominação de fantasia, não suscita quaisquer problemas. O mesmo se diga quando estivermos perante uma denominação genérica (v.g. água de Colónia). Uma marca geográfica não tem como função certificar ou sequer informar acerca da proveniência do produto ou serviço, servindo apenas o propósito de o identificar no mercado, na mesma medida que tal ocorre com marcas não geográficas: o nome da região ou localidade funcionará, nestes casos, como uma designação neutra, do ponto de vista geográfico (não tendo, em si mesma, o efeito de valorizar o produto). Mas, quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.
Em contrapartida, se a marca for constituída, exclusivamente, por indicações que possam servir para designar essa proveniência geográfica, estaremos perante uma marca inválida por falta de capacidade distintiva, cujo registo deve ser recusado ou anulado.
Opor-se-á que, neste caso, a palavra Shuttle seria o tal elemento diferenciador. Só que o não é, na medida em que shuttle é uma denominação genérica, aplicada a um conjunto de bens que nada têm a ver com o serviço para que a palavra inculca e, enquanto marca complexa, pretensamente formada por um conjunto autónomo, não é facilmente dissociável da sua composição atomística.
No fundo e por palavras mais simples: Perante aquela marca, destinada a lápis, canetas e congéneres, o que pensa o consumidor? Que está perante algum serviço de transporte do Cotai? Todos os serviços de transporte do Cotai pertencem à empresa que exibe aquela marca? Será que a marca é só para o transporte dos referidos produtos? Todos os bens e produtos daquela espécie, comercializados no Cotai e marcados de tal forma, pertencem à requerente?
A confusão está instalada e permitir o referido registo é contemporizar com ela.
9. Este entendimento, aliás, já foi adoptado noutras decisões deste Tribunal de Segunda Instância, tomada por diferentes Colectivos, respigando-se, a título exemplificativo, das posições devidamente sumariadas, as súmulas que seguem.
No Acórdão do TSI, de 30/5/2013, proc. n.º 25/2013:
“A marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, daí que o seu registo exige a capacidade distintiva.
(…) Tanto “COTAI” como “COTAI STRIP” indicam uma determinada zona específica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento.
(…) Assim, um consumidor médio, ao ver a expressão “COTAI STRIP COTAITravel”, não obstante a existência da palavra “Travel” em itálico e que tem o sentido de uma actividade ligada a transporte, deslocação e movimentos físicos, pode não saber se se tratar duma marca do produto ou duma publicidade à zona geográfica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento, bem como pode não saber, em concreto, qual a entidade exploradora desse produto ou dessas actividades, uma vez que existem diferentes entidades titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar que praticam as mesmas actividades na referida zona.
(…) Não possuindo capacidade distintiva, não pode ser objecto do registo.”
No acórdão do TSI, de 30/5/2013, proc. n.º 103/2013:
“Assim, “Cotai” e “Strip” remetem-nos para conceitos de localização geográfica, inidentificadores de nenhum produto em particular a comercializar, nenhum serviço a prestar. Têm, assim, um cunho totalmente genérico e indeterminado. Os caracteres descritivos que encerram não identificam nenhum produto, bem ou serviço, sendo certo que também não possuem nenhum sentido secundário distintivo, nenhum “secondary meaning”, senão o de que publicitam algo que nesse sítio está disponível ao público consumidor, sem se saber, no entanto, que segmento desse público quer atingir.
(…) A adição de um novo termo à marca, concretamente, “Shuttle”, formando a composição “COTAI STRIP COTAI Shuttle” nada traz de significativo no sentido de uma identificação de produto, serviço ou actividade, se a intenção é reportar-se a bens tão diversos como serviços de segurança para indivíduos ou haveres; serviços de guarda-nocturno; serviços de inspecção de bagagem; serviços de vigilância; serviços de porteiro; serviços de organização de casamentos e de festas para eventos especiais; serviços de acompanhantes; serviços de aluguer de roupa; serviços de aconselhamento e consultadoria relacionadas com os serviços mencionados acima, etc.”
Assim se responde ao argumento utilizado pela DSE de que já foram admitidas a registo as mesmas ou marcas similares. Tal argumento, ainda que possa impressionar, não tem validade jurídica pois que é desmentido por tantas outras decisões, sempre importará saber se essas decisões foram aqui escrutinadas, não sendo despiciendo assinalar que ainda que as decisões dos tribunais devam preservar o valor da segurança e certeza, não é menos certo que elas não são vinculativas, em termos genéricos, salvaguardadas as situações de uniformização de jurisprudência nos respectivos termos legais.
Em face do exposto os recursos não deixarão de soçobrar.
IV- DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento aos recursos, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente A.
Macau, 27 de Junho de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, 1977, pág.37
2 - António Corte Real Cruz, in Dto Industrial I, 2001, pág.81
3 - Oliveira Ascensão, in Dto Comercial II, Dto Industrial, 1988, pág.142; contra, Carlos Olavo, ob. cit. pág. 39
4 - cfr. Pinto Coelho in Lições de Dto Comercial, I, pág. 443 e Ferrer Correia, in Lições de Dto Comercial, 1973, pág..312; Ac STJ de 14/11/79 in BMJ 291,250, de 16/11/93 e 12/12/92 in www. dgsi. pt,;Ac. TSJ, CJ1998, II, pág.110 e TSI, proc. 94/2001 de 21/6/01
5 Neste caso, os elementos genéricos e descritivos da marca não são considerados de utilização exclusiva, excepto se, pela sua utilização na prática comercial já tiverem adquirido eficácia distintiva, isto é, se o público consumidor relevante já tomar tais sinais, não pelo seu sentido literal normal, mas por uma qualquer ligação a determinado produtor ou fornecedor dos bens marcados.
6 - Seguindo o texto de Alberto Francisco Ribeiro de Almeida , Indicações de proveniência, denominações de origem e indicações geográficas., www.apdi.pt , texto que corresponde à exposição feita no 5.º Curso de Pós-Graduação em Propriedade Industrial organizado pela Faculdade de Direito de Lisboa e pela Associação Portuguesa de Direito Intelectual.
7 - Sempre o mesmo texto acima citado.
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