Processo nº 348/2013 Data: 20.06.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “desobediência”.
Pena.
SUMÁRIO
1. Devem-se evitar penas de prisão de curta duração.
2. Porém, se o arguido foi já por duas vezes condenado, e, mesmo assim, num espaço de meses, insiste em delinquir, em pleno período de suspensão da execução da pena antes aplicada, há que concluir que inadequada é a opção por pena não detentiva, impondo-se então a condenação em pena privativa da liberdade.
3. De facto, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 348/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em processo sumário respondeu A, com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 312°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 5 anos e 15 dias de prisão; (cfr., fls. 35 a 38-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu para, impugnando apenas a pena aplicada, afirmar que a decisão recorrida viola os art°s 64°, 44°, 45° e 48° do C.P.M., pedindo uma pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução; (cfr., fls. 43 a 45-v).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso deve ser rejeitado dada a sua manifesta improcedência; (cfr., fls. 48 a 48-v).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:
“A, ora arguido dos presentes autos, foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência (de entrada no casino), p.° p.° pelo art.° 312 n.° 1 al. b) do C.P.M., na pena de 5 meses e 15 dias de prisão efectiva.
Inconformado com a decisão, vem recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando vício previsto no art.° 400 n.°1 do C.P.P.M., bem como violação dos art.°s 64, 44, 45 e 48 do C.P.M..
Analisados os autos, em completa sintonia com a Digna Magistrada do M.P. na sua resposta à motivação do recurso, entendemos correcta a decisão da aplicação da pena de prisão efectiva pelo Tribunal a quo, por força da consequência jurídica exigida pelos art.° 312 n.° 1 al. b) do C.P.M., não havendo lugar a aplicação do disposto do art.° 48 do C.P.M ..
Quanto à alegação da excessiva severidade da pena aplicada, não assiste, em nossa opinião, razão ao arguido recorrente.
O Tribunal é livre para fixar a pena, dentro da moldura penal de cada crime, atendendo às exigências de prevenção criminal e da culpa do agente, nomeadamente de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do art.s° 40 e 65 do C.P.M ..
Como já foi demonstrado na fundamentação da decisão recorrida, tendo ponderado todas as circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis ao recorrente, para além de não ser primário, bem como os fins das penas, concordamos com o entendimento da aplicação da pena de prisão efectiva pelo Tribunal a quo, nomeadamente face à inutilidade da ameaça da prisão ao recorrente, conforme os antecedentes criminais constantes respectivamente a fls. 27 a 32 dos autos.
Não se afigura excessiva a pena de prisão aplicada ao recorrente, tendo em consideração as molduras abstractas das penas previstas para os crimes, a culpa do recorrente e as exigências de prevenção criminal previstos no art.° 40 do C.P.M., tendo em linha de conta a necessária ponderação dos fins da protecção de bens jurídicos e a reintegração do recorrente na sociedade previstos no art.° 40 do mesmo Código.
A pena de 5 meses e 15 dias de prisão efectiva não é exagerada, face as circunstâncias ponderadas durante a formulação da decisão recorrida, especialmente a repetição de entrada ilegal em casinos de Macau.
Não se vislumbra a violação dos art.°s 64 e 44 do C.P.M. por ser necessário prevenir o cometimento de futuros crimes, essencialmente do crime de desobediência (de entrada em casinos), não havendo assim lugar da aplicação nem violação do art.° 45 do C.P.M ..
Quanto ao título da suspensão da execução da pena do recorrente, é matéria regulada no art. 48° do C.P.M ..
Sobre esta matéria tem o Ilustre Tribunal da Segunda Instância afirmado, recente e designadamente, nos processos n.°s 1010/2012, de 07/02/2013, 837/2011, de 01/03/2011 e 435/2012, de 04/10/2012, que:
"O artigo 48° do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
- a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
- conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.° 40.°), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime."
Nunca duvidamos que o juízo de 'prognose favorável ao recorrente cabe, subjectivamente, à opção do Tribunal a quo, mas não podemos deixar de destacar que este juízo está sempre limitado, objectivamente, pela consideração de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a sua condenação como uma advertência e que o delinquente não cometerá no futuro nenhum crime.
Sendo como pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução que a pena de prisão em medida não seja superior a três anos, enquanto como pressuposto material uma conclusão de "um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena…… Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente à condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto." (As Consequências Jurídicas do Crime do Código Penal Português, 2.° Reimpressão, fls. 342 e 343).
Nesta conformidade, parece-nos que deve ser afastada a hipótese de suspensão, visto que o recorrente não é primário, desempregado e com uma vida instável, condições estas manifestas que, tendo em conta as necessidades de prevenção, pelo menos, especial desse delito, sempre haverá perigo sério de reiteração criminosa.
Assim concordamos com a hipótese da não aplicação ao recorrente da suspensão da execução da pena de prisão. Pelo exposto, deve ser julgado improcedente o recurso do arguido A”; (cfr., fls. 62 a 63).
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida, a fls. 36 a 36-v, que não vem impugnados, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Insurge-se o arguido contra a sentença que o condenou como autor da prática de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 312°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 5 anos e 15 dias de prisão, afirmando que a decisão recorrida viola os art°s 64°, 44°, 45° e 48° do C.P.M., pedindo uma pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução.
Cremos porém que não se pode acolher a pretensão apresentada, sendo o recurso de rejeitar, dada a sua “manifesta improcedência”; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).
Vejamos, o porque deste nosso entendimento, (ainda que de forma abreviada).
Pois bem, resulta (essencialmente) dos autos e assim se deu como provado que o ora recorrente já foi por duas vezes condenado pela prática de idêntico crime de “desobediência”, a primeira, em 14.01.2013, em pena de multa, (cfr., fls. 29), e a segunda, em 21.02.2013, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 24 meses, (cfr., fls. 30), vindo a cometer o crime dos autos em 08.05.2013. menos que 3 meses após o anterior, onde também foi julgado em processo sumário, (presencialmente), e onde, como se disse, se lhe aplicou uma pena de prisão suspensa na sua execução.
E, perante isto, cremos que pouco há a dizer.
Com efeito, ao crime em questão cabe, a pena de prisão até 1 ano e multa até 120 dias; (cfr., art. 312° do C.P.M.).
E, atenta a conduta do arguido, que insiste em delinquir, fazendo descaso absoluto das advertências que lhe foram feitas, assim como das oportunidades que lhe foram, igualmente, concedidas – repare-se que o ora recorrente, num espaço de poucos meses, (4), foi por 3 vezes condenado pelo mesmo crime – evidente nos parece que totalmente inviável é a opção por uma pena não detentiva, (art. 64° do C.P.M.), e, atentos os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., não se mostrando de considerar excessiva uma pena como a aplicada, de 5 meses e 15 dias de prisão, (que nem chega ao meio da moldura legal), da mesma forma, não se vê possibilidade de a substituir nos termos do art. 44° do C.P.M., pois que prementes são as necessidades de prevenção criminal.
Por sua vez, e como já entendeu este T.S.I.:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 23.05.2013, Proc. n° 269/2013).
No caso, e como se viu, inviável é um “juízo de prognose favorável”, pelo que, logo por aí, improcede também o recurso quanto ao pedido de suspensão da execução da pena.
Como também já teve este T.S.I. oportunidade de consignar:
“Devem-se evitar penas de prisão de curta duração”; (cfr., Ac. 09.02.2012, Proc. n.° 10/2012).
Porém, se o arguido foi já por duas vezes condenado, e, mesmo assim, num espaço de meses, insiste em delinquir, em pleno período de suspensão da execução da pena antes aplicada, há que concluir que inadequada é a opção por pena não detentiva, impondo-se então a condenação em pena privativa da liberdade; (cfr.,v.g., Ac. supra citado, e, mais recentemente, de 07.02.2013, Proc n.° 852/2012).
De facto, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta.
Assim, e nestas situações, há pois que recorrer às penas de prisão, ainda que de curta duração; (“short, sharp, shock”, cfr., v.g., Prof. Costa Andrade, in “Jornadas de Dto. Penal, Fase I”, Edição do C.E.J., pág. 212).
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$2.500,00.
Macau, aos 20 de Junho de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 348/2013 Pág. 14
Proc. 348/2013 Pág. 1