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Processo nº 543/2012
(Revisão de Sentença do Exterior)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 4/Julho/2012

   
   Assuntos:
- Revisão de Sentença do exterior

    
    SUMÁRIO :
    
    É de confirmar uma sentença proferida pelos Tribunais do Interior da China, relativa a um divórcio litigioso por separação de facto por mais de dois anos, com ruptura dos laços e deveres conjugais que comprometem irremediavelmente a vida em comum, desde que se mostre a autenticidade e inteligibilidade da decisão revidenda, desde que transitada, não se tratando de matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau e não se vendo em que tal confirmação possa ofender os princípios de ordem pública interna.
    
    
O Relator,




Processo n.º 543/2012
(Confirmação e Revisão de Sentença do Exterior)
Data : 4/Julho/2013

Requerente : A

Requerida : B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, tendo sido casado anteriormente com B, também ela aí mais bem identificada, vem requerer junto deste Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M., Revisão de Sentença do Exterior, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos :

     Por decisão judicial do Tribunal 廣東省廣州市中級人民法院, de Outubro de 2010, foi dissolvido o casamento celebrado em 14 de Março de 1981 entre o requerente e a requerida (Documento n.º 1).
      2º
     Não existem dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença e tão pouco sobre a inteligibilidade da decisão, a qual é perfeitamente perceptível, cumprindo o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 1200º do CPC.
      3º
     A sentença supra identificada transitou em julgado em Outubro de 2010 (Documento n.º 2), cumprindo o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 1200º do CPC.
      4º
     A sentença que se pretende rever na ordem jurídica da RAEM provém de tribunal cuja competência não foi provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da competência exclusiva dos tribunais da RAEM, cumprindo o disposto na al. c) do n.,º 1 do art. 1200º do CPC.
      5º
     Contra a sentença, cuja revisão e confirmação ora se pretende, não podem ser invocadas as excepções de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta aos Tribunais da RAEM, cumprindo o disposto na al. d) n.º 1 do art. 1200º do CPC.
      6º
     A requerida foi regularmente citada para a acção nos termos da lei do local do tribunal de origem e foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, cumprindo o disposto na al. e) do n.º 1 do art. 1200º do CPC.
      7º
     Mais ainda, a decisão judicial que decretou o divórcio mostra-se inteira conformidade com os princípios de ordem pública de Macau, cumprindo o disposto na al. f) do n.º 1 do art. 1200º do CPC.
      8º
     O presente pedido de revisão e confirmação da decisão judicial proferida pelo Tribunal廣東省廣州市中級人民法院, da República popular da China, visa a sua plena eficácia na ordem jurídica da Região Administrativa Especial de Macau.
      9º
     A necessidade de obter a revisão e confirmação da sentença surge pela necessidade do Autor poder tornar eficaz a decisão judicial na RAEM, após a sua revisão, e poder executá-la junto das instâncias judiciais da Região em face da eventual existência de bens comuns das partes na jurisdição de Macau.
      10º
     Assim, verificam-se todos os pressupostos para que a decisão judicial proferida pelo Tribunal廣東省廣州市中級人民法院 da República Popular da China seja revista e confirmada, o que se requer, ao abrigo dos artigos 1119º e seguintes do CPC.
     Termos em que se requer seja a presente acção considerada procedente, por provada e, em consequência, seja decretada a revisão e confirmação da decisão judicial proferida pelo Tribunal廣東省廣州市中級人民法院 da República popular da China, através da qual foi dissolvido o casamento celebrado em 14 de Março de 1981 entre o requerente e a requerida.
     
    Foi oportunamente citada a requerida que não deduziu qualquer oposição.
    
    O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.

Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
    
    III - FACTOS
    
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    Relativamente ao processo de divórcio, que correu seus termos no Tribunal省廣州市中級人民法院, (Tribunal de 2ª Instância da província de Cantão), de Outubro de 2010, certifica-se o teor do acórdão aí proferido:
中华人民共和国
广东省广州市中级人民法院
民事判决书

(2010)穗中法民一终字第3641号

上诉人(原审被告): B,女,19XX年XX月XX日出生,汉族,住澳门特别行政区XX大马路XX花园第XX座XX阁XX楼XX。
委托代理人: C,广东XX律师事务所律师。
委托代理人: D 女,19XX年XX月XX日出生,汉族,住
广东省广州市XX区XX前XX号。
被上诉人(原审原告): A,男,19XX年XX月XX日出生,
汉族,住澳门特别行政区XX街XX号XX楼XX楼XX。
上诉人B因离婚纠纷一案,不服广州市荔湾区人民法院
(2009 ) 荔法民一初字第1728号民事判决,向本院提起上诉。 本院依法组成合议庭审理了本案,现已审理终结。
原审法院查明,B与A于1981年3月14日登记结婚,于19XX年XX月XX日生育大女儿E, 19XX年XX月XX日生育儿子F,19XX年XX月XX日生育女儿G。婚后初期双方夫妻感情尚好,后由于家庭琐事及经济问题影响了夫妻感情。2007年1月31日,A自行搬出租屋居住至今。
另查,广州经济技术开发区XX路XX街XX号楼503房是H所有的房产。
原审法院认为,(中华人民共和国婚姻法) 第三十二条规定, “有下列情形之,调解无效的,应准予离婚: (一) 重婚或有配偶者与他人同居的; (二) 实施家庭暴力或虐待、遗弃家庭成员的; (三) 有赌博、吸毒等恶习屡教不改的;(四)因感情不和分居满二年的; (五) 其他导致夫妻感情破裂的情形。 ”A自2004年开始,因感情和经济问题,与B时常发生争执,并于2007年1月31日搬出租屋居住至今,双方分居已满两年。因此,A 起诉要求准予其与B离婚,应予准许。
B称登记在H名下的广州经济技术开发区XX路XX街XX号XX楼503房是A、B二人与H共同出资购买的,但其未能提供证据证明该房屋是A、B夫妻二人的共同财产,故本案不作处理。
B认为2007年1月后,女儿G的生活费用全由其负担,要求A从2007年1月起每月补偿2000元给B, 原审认为B该项请求没有法律依据,故不予支持。
据此,原审依照《中华人民共和国婚姻法》第二十二条的规定,判决准予A与B离婚 ,案件受理费300元由A负担。
判后,B不服,向本院提出上诉称: (一) A本是个不错的丈夫、父亲,但不知何时,A包了二奶后,遂于2007年2月抛妻弃子搬到澳门XX街XX号XX楼XX楼XX与二奶同居,犯下了不可原谅的错误。但看在多年的夫妻感情仍在,B还是愿意原谅他,希望A能改正错误,维持和睦的家庭。原审法院把A遗弃妻子、儿女离家出走当作夫妻感情不和分居看待,没有进行双方法庭调解,就儿戏般判决离婚,极不负责任。(二) 如果判离婚,起码应查清个人财产、夫妻共同财产和家庭共同财产,合情合理地予以解决。但原审法院没有对个人财产、夫妻共同财产和共同债务、家庭共同财产进行审查,没有起码的证据质证,对上述问题,当事人只得另行起诉解决,甚至在澳门和内地法院来回折腾,严重损害当事人的利益,特别是无过错的上诉人的利益。因此,请求二审改正一审法院的错误,判决不准A与B离婚; 如判决离婚,应同时处理夫妻财产和债权债务问题。
被上诉人A答辩同意一审判决。
本院经审理查德明,被上诉人A曾于2009年5月向原审法院提起离婚诉讼,后于同年5月25日向原审法院申请撤诉,原审法院于2009年5月26日裁定准许A撤回起诉。A于2009年11月30日向原审法院提起本案诉讼,再次起诉离婚。
另查明,本案一审庭审中A坚持离婚,不同意调解。原:审法官曾征询过双方当事人如果离婚,双方有何夫妻共同财产、债权债务需要法院处理。A称不需要法院处理。而B则提出需要法院处理的夫妻共同财产是: 登记在H名下的位于广州经济开发区XX路XX街XX号503房的房产, 该房屋是其夫妻二人与H共同出资购买的; 需要法院处理的夫妻共同制务是: 2007年1月A离家后没有负担女儿G的生活费用,G的费用均由B负担,要求A从2007年1月起按每月2000元补偿给B。A表示B提出的夫妻共同财产、债权债务需提供相关的证据证明。至于女儿的生活费同意按澳门特别行政区的相关法律规定进行处理。
除上述事实外,本院二审查明的事实与原审法院查明的事实基本一致。
本院认为,被上诉人A与上诉人B因夫妻感情不和于2007年1月31日分居,A曾于2009年5月提起离婚诉讼,撤诉后于同年11月再次提起本案离婚诉讼,此时双方分居已满二年,且庭审中A又坚持不同意调解,足见夫妻感情确已破裂,婚姻关系难以维系,原审法院根据《中华人民共和国婚姻法》第三十二条的规定,判决准予双方当事人离婚,于法有据,应予维持。上诉人B主张原审法院没有进行调解就草率作出离婚判决与事实不符,本院不予采纳。
至于财产分割问题,经查原审庭审记录,原审法官曾征询过双方有无共同财产、 债权债务需要法院处理,而B仅提出两项请求,一是认为登记在H名下的位于广州经济开发区XX路XX街XX号503房的房产是其夫妻二人与H共同出资购买的, 要求对该财产进行分割; 二是要求判令A从2007年1月起按每月2000元补偿给B。经审查,位于广州经济开发区XX路XX街XX号503房登记在H名下,B除其陈述外,未提供任何证据证明该房产系其夫妻二人与H共同出资购买。而且,该房产还涉及到案外第三人的利益,故原审法院在本案中对该房产不作处理,并无不当。至于B要求A补偿其女儿生活费的问题,B主张A从2007年1月起没有负担女儿G的生活费用,女儿的生活费用由其负担,故应由A自2007年1月起每月补偿其2000元。根据《中华人民共和国婚姻法》第十七条的规定,夫妻在婚姻关系存续期间所得的工资、奖金以及生产、经营的收益等财产均属于夫妻共同财产,夫妻对于共同所有的财产有平等的处理权。现B仅陈述女儿G的生活费由其负担,并无提供证据证明其因G的生活费用而举债,故其主张的上述夫妻共同债务不成立,B要求A补偿双方婚姻关系存续期间其负担的女儿生活费,于法无据。另外,G1991年2月16日出生,至2009年2月15日满18周岁时已不属于未成年人,B要求A补偿其2009年2月15日之后的女儿生活费用亦于法无据。
除上诉人B提出的上述财产争议外,双方当事人在原审庭审时并无提出仍有其他夫妻共同财产或夫妻共同债务需要法院处理。上诉人B上诉认为原审法院没有对个人财产、夫妻共同财产和共同债务、家庭共同财产进行审查和作出处理,上诉理由不能成立,本院不予采纳。
综上,审查原审判决认定事实清楚,审判程序合法,实体处理恰当,应予维持。依照《中华人民共和国婚姻法》第十七条,«中华人民共和国民事诉讼法》 第一百五十三条第一款第 (一) 项之规定,判决如下:
驳回上诉,维持原判。
二审案件受理费300元,由上诉人B负担。
本判决为终审判决。
审判长 邓淦华
审判员 徐琳
代理审判员 赵盛和
二零一零年十月
本件与原本核对无异
书记员 陈捻
洗楚琳1
    


     Mais vem certificado o seguinte:

公证书
(2011) 粤穗荔内民证字第5656号
根据广东省广州市中级人民法院 (2010) 穗中法民一终字第3641号《民事判决书》,兹证明A (男,一九XX年XX月XX日出生) 与 B (女, 一九XX年XX月XX日出生) 于二O一O年十月经广东省广州市中级人民法院判决离婚。
中华人民共和国广东省广州市荔湾公证处
公证员 乔娟
二O一一年九月一日2
    
    III - FUNDAMENTOS
   
   1. O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal Popular da Relação de Guangzhou, da República popular da China, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
   
   - Requisitos formais necessários para a confirmação;
   - Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
   - Compatibilidade com a ordem pública;
   
2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
   
   “1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
   
   Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
   
   A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
   
   Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade3, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
   
   3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
   
   Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
   
   Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida em acção de divórcio em sede de recurso, interposto por B, da sentença proferida em 1ª instância pelo Tribunal Popular do Distrito de Liwan do Município de Guangzhou, dela tendo sido interposto para o tribunal de 2ª instância de Guangzhou, aí tendo sido decidido confirmar aquela sentença em acção de divórcio que fora intentada por A, cujo conteúdo facilmente se alcança, por separação prolongada por mais de dois anos, por ruptura conjugal e impossibilidade de recuperação do convívio e harmonia entre o casal, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.4
   
   4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
   
   “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
   
   Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior5, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam6.
   
   É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.7
   Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
   
   5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:

“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
   
   Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio requerido apenas por um dos cônjuges e não contestado pela outra parte.
   
   6. Da ordem pública.
   Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”8
   
   E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
   No caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença que dissolveu o casamento, decretando o divórcio entre o ora requerente e a sua esposa, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
   
   Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, até pelos mesmos motivos, constatando-se da documentação que se alegou que o casamento chegou a um ponto em que já não era possível continuar, por comprovada violação dos deveres e ruptura dos laços conjugais.
   
   O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente.
   
    V - DECISÃO

Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a decisão proferida no processo de divórcio litigioso entre o requerente A e a requerida B, Processo n.º 3641, de 2010, do Tribunal de 2ª Instância da Província de Guangzhou (廣東省廣州市中級人民法院), República Popular da China, decisão transitada, proferida em Outubro de 2010 e que decretou o divórcio dos cônjuges.

Custas pelo requerente.
   Macau, 4 de Julho de 2013
    

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
    
    1 “REPÚBLICA POPULAR DA CHINA
    TRIBUNAL POPULAR DA RELAÇÃO
    DO MUNICÍPIO GUANGZHOU, PROVÍNCIA GUANGDONG
    
    Sentença Civil
    
    Recorrente (arguida no caso original): B, do sexo feminino, nascido a 20 de Dezembro de 1956, da etnia Han, residente actual no EDF. XX, Bloco XX, Edf. XX, XX.º XX, Avenida XX, Região Administrativa Especial de Macau
    Mandatário: C, advogado do Escritório de Advogados XX, Guangdong
    Mandatário: D, do sexo feminino, nascido em XX de XX de 19XX, da etnia Han, actual residente no XX n.º XX Zhuangzhou, Zhuangdong
    Recorrido (autor do caso original): A, do sexo masculino, nascido em XX de XX de 19XX, da etnia Han, residente na Rua da XX XX.º, Edf. XX XX.º XX, Região Administrativa Especial de Macau
    B, recorrente no presente processo, não conforme com a sentença civil n.º 1728 (2009) do Tribunal Popular do Distrito Liwan do Município Guangzhou proferida no âmbito da acção de divórcio, interpôs recurso a este tribunal. Tendo constituído um tribunal colectivo para o efeito da apreciação do caso nos termos legais, já se finalizou o julgamento do caso.
    Pelo Tribunal a quo foi aprovado que em 14 de Março de 1981, B e A casaram-se por meio de registo. Os seus descendentes, a filha mais velha E, o filho F, e a filha G, nasceram, respectivamente, em XX de XX de 19XX, em XX de XX de 19XX e em XX de XX de 19XX. Durante os anos imediatamente a seguir o casamento, a relação conjugal ainda estava harmoniosa. No entanto, a mesma foi deteriorando por trivialidades familiares bem como questões económicas. Desde 31 de Janeiro de 2007, A saiu de casa e foi viver sozinho numa casa alugada até agora.
    Mais se aprovou que é propriedade da H a fracção 503, Bloco XX, Travessa XX, Zona XX de Guangzhou.
    É de entender do Tribunal a quo que atento ao art.º 23.º do Direito Matrimonial da República Popular da China, “se for um dos seguintes casos, realizada conciliação sem que essa tenha efeito, é de autorizar o divórcio: 1) bigamia ou coabitação com alguém senão o cônjuge; 2) violência doméstica ou maus tratos, abandono feito a familiar; 3) recaída em vício de jogo, de drogas ou de outros hábitos perversos mesmo após correctivos; 4) separação durante mais de dois anos por ruptura dos laços conjugais; 5) outras circunstância que originem rompimento de laços afectivos.” Desde 2004 o A discute amiúde com B por questões afectivas e económicas, até ao ponto que em 31 de Janeiro de 2007, ele saiu de casa e foi viver sozinho numa casa alugada, sendo que a separação já demorou mais de dois anos, pelo que o A intentou uma acção que visava divorciar-se da B, à qual deve dar autorização.
    A B alega que a propriedade sita na Travessa XX, Fracção 503, Bloco XX da Zona XX de Guangzhou que tem como dona nominal a H foi, de facto, adquirido por três pessoas, nomeadamente A, B e H, uma vez que cada um tem a sua participação. Mas como ela não conseguiu aduzir qualquer prova de a casa ser bem comum do casal A e B, isso será julgado no presente processo.
    A B entende que desde Janeiro de 2007, a filha G ficou a seu cargo, razão pela qual exigiu que o A lhe pagasse 2000 RENMINBI a cada mês a partir daquela data. O tribunal recorrido julga que não assiste qualquer fundamento jurídico à B a esse respeito, pelo que não sustenta a sua pretensão.
    Perante o exposto, o tribunal a quo decidiu ratificar o divórcio do casal A e B e as custas judiciais no valor de 300 yuans a cargo do A, nos termos do art.º 23.º do Direito Matrimonial da República Popular da China.
    No seguimento do julgamento, não conforme com o veredicto, a ZHAO XIAFEN interpôs recurso defendendo que: 1) em nome da verdade, o A era bom marido e pai. Mas desde não se sabe quando, após de ter uma amante, abandonou a esposa e foi viver com a amante na Rua da XX XX.º, Edf. XX XX.º XX, Região Administrativa Especial de Macau em Fevereiro de 2007 quando cometeu um erro indesculpável. Mesmo assim, tendo em conta os laços afectivos existentes ao longo dos anos, a B ainda estava disposta a desculpá-lo na expectativa de se ele poder corrigir de forma a dar continuidade à família harmoniosa. Ao dar por separação por ruptura de laços afectivos o facto de o A ter abandonado a mulher e os filhos e autorizar por conseguinte o divórcio sem que houvesse conciliação, o Tribunal foi eminentemente como se estivesse perante uma brincadeira inconsequente. 2) Por outro lado, quando julga um caso de divórcio, é essencial apurar os bens próprios, o bem comum do casal e da família, para que o caso seja resolvido de forma razoável ao abrigo da lei. Porém, sem ter feita qualquer averiguação acerca dos bens próprios, o bem e as dívidas comuns do casal, e o bem comum da família, sem se tendo procedido, no mínimo dos mínimos, a confirmação das provas, o Tribunal recorrido prejudicou gravemente os interesses das partes, sobretudo os do inocente, visto que se encontrando obrigadas a recorrer a outros meios para a resolução do problema, as ditas ficaram sujeitas a deslocações frequentes e cansativas entre Macau e a China Interior. Por isso, a B pediu à segunda instância para emendar o erro da primeira instância, não dando deferimento ao divórcio do A e do B; caso dê deferimento, deve simultaneamente abordar a questão do bem, do crédito e das dívidas comuns do casal.
    O recorrido A está de acordo com a decisão proferida pelo tribunal a quo.
    Por este tribunal ficou igualmente provado que em Maio de 2009 o recorrido A intentou uma acção de divórcio junto ao tribunal a quo da qual ele desistiu mais tarde, em 25 de Maio do mesmo ano. Seguidamente, o tribunal a quo deu deferimento à desistência em 26 de Maio de 2009. No entanto, ele intentou mais uma vez, em 30 de Novembro de 2009, a presente acção de divórcio.
    Mais se provou que não aceitando conciliação, A insiste em se divorciar. O juiz recorrido já indagou às partes se precisariam tratamento pelo tribunal dos bens comuns, créditos e dívidas casais na hipótese de divórcio. O A disse que não enquanto a B afirmou que o bem comum casal em causa de que careceria do tratamento pelo tribunal era: a propriedade sita na Travessa XX, Fracção 503, Bloco XX da Zona XX de Guangzhou que tem como dona nominal a H, sendo casa essa adquirida por ela, pelo marido e pela H. E a dívida comum casal que não prescindiria de trato pelo tribunal era: o custo de vida da filha G a cargo exclusivamente da B desde Janeiro de 2007 quando A abandonou a família. Ela exigiu que o A lhe pagasse 2000 RENMINBI a cada mês a partir daquela data. Em resposta, o A defendeu que era preciso mostrar provas em sua defesa quanto ao bem, crédito e dívida comum do casal. Já no que toca a custo de vida, ele concordou que fosse abordado em conformidade com a legislação referente da RAEM.
    Salvo os factos acima referidos, não há grande divergência entre os factos apurados pela segunda instância e os averiguados pelo tribunal a quo.
    Este tribunal entende que o recorrido A e a recorrente B começaram a viver separados a partir de 31 de Janeiro de 2007 por ruptura de laços afectivos, pelo que o A intentou uma acção de divórcio em Maio de 2009 da qual depois desistiu mas em Novembro do mesmo ano instaurou a presente acção de divórcio. Na altura, eles já viviam separados há mais de dois anos. Como é óbvio, os laços afectivos já estavam efectivamente quebrados de forma irreparável, sobretudo tendo em conta o facto de que durante o julgamento o A não aceitou de forma alguma a conciliação pelo tribunal. Tudo indica que já era dificílimo manter os laços matrimoniais. Que o tribunal decidiu ratificar o divórcio das partes nos termos do art.º 23.º do Direito Matrimonial da República Popular da China, está bem fundamentado pelo que deve ser sustentada a decisão. É inadmissível o argumento da recorrente B de que o tribunal agiu de maneira célere e inconsequente sem qualquer tentativa de conciliação, porquanto não corresponde a facto.
    Em relação à partilha de bens do casal, através da consulta da acta da audiência do julgamento, o juiz a quo já indagou às partes se precisariam tratamento pelo tribunal dos bens comuns, créditos e dívidas casais na hipótese de divórcio. A B formulou duas pretensões: a primeira passava pela propriedade sita na Travessa XX, Fracção 503, Bloco XX da Zona XX de Guangzhou que tem como dona nominal a H, sendo casa essa adquirida por ela, pelo marido e pela H, razão pela qual ela solicitou a partilha da casa. A segunda dizia respeito à indemnização no valor de 2000 Renminbi a cada mês a ser efectuada pelo A a partir de Janeiro de 2007. Feito o apuramento, ficou claro que do registo predial consta o nome da H. Apesar da sua declaração, a B não conseguiu mostrar qualquer prova que corroborasse o seu argumento de a casa ter sido adquirida pelos três, ela, a marido e H em conjunto. Demais a mais, como essa casa coloca em causa interesses do terceiro fora do caso, não é inapropriado que o tribunal a quo não tenha tratado problemas relacionados com a propriedade. Quanto à segunda pretensão levantada pela B de exigir a indemnização pelo A correspondente a custo de vida da filha, ela lembrou que o A deixou de pagar pela filha G desde Janeiro de 2007. Como ele se deve responsabilizar pelo custo de vida da filha, o A bem devia indemnizá-la no valor de 2000 Renminbi a cada mês a contar de Janeiro de 2007. Segundo o disposto no art.º 17.º do Direito Matrimonial da República Popular da China, enquanto os laços matrimoniais durarem, fazem parte dos bens comuns do casal os rendimentos, as gratificações e as receitas obtidas por fabricação ou negócio e os dois gozam de direito à igualdade no tratamento dos bens comuns. Ao alegar que a filha G estava a cargo exclusivamente dela, a B não forneceu qualquer prova que evidenciasse que ela se tinha endividado por causa da filha G, pelo que é improcedente essa sua pretensão de dívida comum do casal. Não assiste nenhum fundamento ao pedido de indemnização a ser efectivada pelo A correspondente ao custo de vida da filha G no prazo de duração dos laços matrimoniais. Além disso, G nasceu em 16 de Fevereiro de 1991 e já completou 18 anos de idade em 15 de Fevereiro de 2009 pelo que já não é menor. Portanto, não está fundamentado legalmente a solicitação de indemnização correspondente as custo de vida da filha depois de 15 de Fevereiro de 2009.
    Tirando as supra disputas patrimoniais alegadas pela recorrente B, durante o julgamento realizado no tribunal a quo, as partes não levantaram outras questões relativas a bens, créditos ou dívidas comuns do casal que precisassem do tratamento pelo tribunal. Por isso, dá-se por improcedente o entender da B de o tribunal a quo não ter feito apreciação nem tratamento dos bens próprios, bens e dívidas comuns do casal e bens comuns da família, o qual não é admissível aos olhos deste tribunal.
    Perante o exposto, este tribunal entende que a decisão proferida pelo tribnual a quo deve ser sustentada porque os factos são claros, o procedimento de julgamento, legal, e a sentença de mérito, apropriada. Ao abrigo do art.º 17.º do Direito Matrimonial da República Popular da China e da alínea 1) do n.º 1 do art.º 153.º do Direito Processual Civil da República Popular da China, julga-se como seguinte:
    Rejeita-se o recurso e sustenta-se o julgamento feito na primeira instância.
    As custas judiciais da segunda instância no valor de 300 yuans a cargo da recorrente B.
    Esta é a sentença final.
    
    Juiz relator: Deng Ganhua
    Membro do júri: Xu Lin
    Membro substituto do júri: Zhao Shenghe
    
    (Carimbo: vd. o original)
    (Data: (ilegível) de 20120)
    
    Autenticado conforme o original
    
    Escrivães: Chen Nian
    Xian Chulin”

    2 “Escritura Notarial
    
     CARTÓRIO NOTARIAL DE LIWAN, GUANGZHOU, ZHUANGDONG, CHINA
    
    Em função da Sentença Civil do Tribunal da Relação de Guangzhou da Província Guangdong, n.º 3641 (2010), provo por este meio que A (do sexo masculino, nascido em XX de XX de 19XX) e B (do sexo feminino, nascido em XX de XX de 19XX) já se divorciaram em Dezembro de 2010 pela sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Guangzhou da Província Guangdong.
    
    Cartório notarial de Liwan, Guangzhou, Guangdong, China
    A notária: Qiao Juan
    1 de Setembro de 2011
    (Carimbo: vd. o original)”

3 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002

4 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
5 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
6 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
7 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
8 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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543/2012 1/21