Processo n.º 372/2011
(Recurso Cível)
Data: 11/Julho/2013
Recorrente: Companhia de Seguros A, S.A.
(A 股份有限公司)
Recorrida: B (XXX)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Companhia de Seguros A, S.A., autora nos autos à margem referenciados e aí mais bem identificada, inconformada com a sentença que julgou improcedente o pedido formulado pela autora de reembolso da quantia de MOP$1,024,610.52 e respectivos juros vincendos contados à taxa legal desde 27 de Outubro de 2008, até integral pagamento, quantia essa paga pela aqui recorrente Seguradora às demandantes do pedido cível, efectuada no âmbito dos autos de processo comum colectivo n° CR2-04-0178-PCC, do 2° Juizo Criminal do Tribunal Judicial de Base em que foi arguida a ré, aqui recorrida, B, veio recorrer oportunamente, alegando em sede de conclusões.
1ª Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pela Meritíssima Juiz Presidente do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, que julgou improcedente o pedido formulado pela Autora de reembolso da quantia de MOP$1,024,610.52, e respectivos juros vincendos contados à taxa legal desde 27 de Outubro de 2008, até integral pagamento, quantia essa paga pela aqui Recorrente Seguradora às Demandantes do pedido cível, efectuada no âmbito dos autos de processo comum colectivo n° CR2-04-0178-PCC, do 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base em que foi Arguida a Ré, aqui Recorrida, B;
2ª Considerou o douto Tribunal a quo que, apesar de ter ficado demonstrado que a ingestão de álcool provocou na Ré a diminuição das suas capacidades de atenção, reacção e visão, nada terá ficado verdadeiramente provado acerca do efeito do álcool na verificação do acidente, e que o mero facto de a Ré conduzir sobre o efeito de bebidas alcoólicas, por si, não significa que foi o álcool que levou à verificação do acidente;
3ª A Recorrente não pode concordar com o argumento aduzido, pois existe matéria de facto dada como provada e também matéria de Direito que apontam para a factualidade de que foi o álcool ingerido pela Recorrida que deu causa ao acidente;
4ª O legislador de Macau no art. 16° alínea c) do Decreto-Lei n° 57/94/M estabelece que a Seguradora tem direito de regresso contra o condutor que "tiver agido sob a influência do álcool", e a definição do que seja "condução sob influência de álcool" há que ser encontrada no seio do ordenamento jurídico, buscando a respectiva coerência e unidade, havendo que estabelecer a definição que se encontra plasmada no art. 96° da Lei n° 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário) que estabelece, "1. É proibido conduzir na via pública sob influência de álcool, considerando-se, para os efeitos da presente lei, sob influência de álcool, o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 0,5 gramas por litro ( ... )";
5ª No aludido preceito legal, o legislador de Macau estabeleceu uma presunção legal “juris et de jure” de que, a partir do limite mínimo de 0,5 g/l, o álcool influencia o condutor na sua actividade de condução, uma vez que inevitavelmente, para além de tal limite, o álcool afecta a capacidade de percepção, os reflexos, a capacidade motora, a destreza de movimentos, a visão e a atenção;
6ª Não se pode aceitar assim a conclusão ínsita na sentença ora recorrida, em que a condutora circulava com uma taxa de alcoolemia de 0,89 g/l, para se concluir que, em relação ao nexo de causalidade entre a TAS que a Ré apresentava e o embate, nenhuma prova foi feita do mesmo;
7ª O nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e a produção do acidente presume-se sempre que se ultrapasse a taxa de alcoolémia fixada por lei, uma vez que além deste limite o legislador entendeu que o condutor se encontra, necessariamente, com manifesta falta de perícia e destreza pois que as suas capacidades de reacção e reflexão, imprescindíveis a uma condução segura e cuidada, se encontram reduzidas;
8ª A condução sob influência do álcool se basta com a alegação e prova de: uma condução com taxa de alcolémia superior à permitida por lei -0,5 g/l; e a culpa exclusiva do condutor alcoolizado na produção do acidente;
9ª No caso dos vertentes autos, a Ré, ora Recorrida, estando embriagada (alínea B) dos factos assentes), conduzia com uma taxa de alcoolémia de 0,89 g/l, e ao aproximar-se da curva, perto do poste de iluminação n.º 743006, a Ré, ia a conduzir a alta velocidade em cima da linha contínua dessa via, a seguir, ultrapassou a linha contínua e embateu violentamente com o motociclo do ofendido que se aproximava de frente e , em consequência do embate, o ofendido e o seu motociclo foram projectados para trás (alínea E) dos factos assentes), sendo que, quando, o automóvel da Ré, ultrapassou a linha contínua, a velocidade a que ia não era menos do que 60/km/h (alínea F) dos factos assentes);
10ª Só o grau de álcool no sangue com que a Ré estava afectada - cerca do dobro acima do máximo permitido por Lei (0,5 g/l) - determinou a falta de sensibilidade e reflexos que levaram a Ré a não adequar a sua condução às características do local, e a não conseguir controlar o seu veículo, de modo a evitar ultrapassar a linha contínua e embater violentamente com o motociclo do ofendido;
11ª Não podia assim o douto Tribunal a quo considerar como não provado o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia da Ré e a produção do acidente dos autos, quando a culpa exclusiva da mesma está mais do que assente, e quando ela, enquanto condutora, seguia com uma TAS cerca do dobro acima do limite legalmente imposto;
12ª Conjugando a taxa de alcoolémia registada com a própria dinâmica do acidente o Tribunal, sempre se deveria, à luz das mais básicas regras da experiência e senso comum, concluir sobre a existência de nexo de causalidade;
13ª Em todo o caso, é certo que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado na douta Sentença recorrida, e cuja doutrina nele acolhida fundamentou a decisão ora em crise, não dispensa a prova por parte da Seguradora do nexo de causalidade, e sendo também verdade que a condução sob a influência de álcool começa por ser condição sine qua non para o reconhecimento do direito de regresso;
14ª Se a mera prova da condução sob o efeito de álcool se mostra insuficiente para se considerar provado o nexo de causalidade, isso não implica que, em termos de apreciação crítica dos factos, esteja o Tribunal impedido de os relacionar e de, tendo em conta o caso em apreço, pela forma como o mesmo ocorreu e em face da inexistência de outra explicação razoável e plausível conclua pela existência daquele nexo.
15ª E sempre o fará com o recurso às presunções, tratando-se afinal de inferir factos desconhecidos a partir de factos conhecidos (artigo 342º do CC);
16ª As presunções conforme se encontram estatuídas no artigo 3420 do CC são meios de prova figurando, aliás, em primeiro lugar entre os legalmente previstos, à frente da confissão, da prova documental, da prova pericial e por inspecção e da prova testemunhal (artigos 345º e seguintes do Código Civil);
17ª Atendendo às regras de experiência comum é sabido que o álcool funciona como uma potente droga sedativa, actuando sobre o sistema nervoso central e que entre os sintomas de intoxicação alcoólica resultantes do efeito sobre o sistema nervoso central incluem-se a perda de equilíbrio, a descoordenação motora, a perda de acuidade visual, a instabilidade emocional, a perda da capacidade de avaliação e perda de tempo de reacção;
18ª Deste modo as capacidades sensoriais, perceptivas e de coordenação motora ficam fortemente prejudicadas;
19ª O álcool até mesmo em pequenas quantidades prejudica a capacidade do condutor em vislumbrar situações perigosas e de tomar as decisões adequadas a evitá-las e as pessoas que se encontrem sob a sua influência estão mais propensas a sofrer acidentes que outras;
20ª Cientificamente falando, no caso concreto dos vertentes autos, a taxa de álcool apresentada pela condutora ora Recorrida, ou seja, 0,89 g/l, pode originar estado de euforia - aumento de autoconfiança e diminuição das inibições, perda de atenção, da capacidade de avaliação e auto-controlo devidas à diminuição da coordenação e percepção sensoriais;
21ª O que justificou plenamente a dificuldade da ora Recorrida em não adequar a sua condução às características do local, e a não conseguir controlar o seu veículo, de modo a evitar ultrapassar a linha contínua e embater violentamente com o motociclo do ofendido;
22ª Nenhum outro elemento causal pode ser atribuído à ocorrência do acidente, inexistindo outra explicação razoável e plausível que justifique a ausência do nexo causal, pois tal como consta dos factos provados, na altura do acidente o tempo estava bom, o pavimento não estava molhado nem escorregadio, a iluminação era boa e a densidade do trânsito era fraca (alínea L) dos factos assentes);
23ª A prova produzida nestes autos, e constante da matéria dada por assente na douta Sentença recorrida, aliada às mais elementares regras de ciência e experiência comum, e tendo em conta, ainda, a TAS de 0,89 g/l apresentada pela Ré/Recorrida, impõe que seja impugnada a decisão de dar os quesitos 2°, 3° e 4° da Base Instrutória como não provados;
24ª Está cabalmente demonstrado que a Recorrida, no momento do acidente dos autos, só poderia estar a conduzir com manifesta alteração das suas capacidades, sem atenção, com falta de reflexos, diminuição relevante da sua capacidade de antecipação, previsão e análise da situação, deturpação da sua capacidade de decisão e alteração e decréscimo da sua capacidade de calcular a adequação da velocidade em relação à curva que se aproximava no seu trajeto, tornando-a audaz e destemida, e levando-a a conduzir constantemente sob a linha contínua e a transpô-la, com isso vindo a embater violentamente no motociclo do ofendido, assim se impondo que a matéria vertida nos quesitos 2°, 3° e 4° da Base Instrutória seja dada como provada;
25ª Não se pode ignorar que o embate dos autos foi consequência directa e necessária da condução temerária, sem atenção e com falta de reflexos praticada pela Ré em virtude da taxa de álcool que a afectava;
26ª E ao agir como se disse, a ora Recorrida violou as mais elementares regras estradais e de segurança rodoviária;
27ª Foi por isso, que reconhecendo que a condução sob o efeito de álcool constitui uma actividade perigosa por a sua própria natureza, por potenciadora dos riscos próprios da condução se veio a criar um novo ilícito penal, considerando crime a condução com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 gramas por litro - artigo 90º da Lei do Trânsito Rodoviário;
28ª Estarão assim provados todos os factos que consubstanciam o nexo de causalidade entre a condução da Recorrida sob o efeito do álcool e a produção do acidente dos autos;
29ª Da apreciação concreta da factualidade dada como provada em sede de audiência de julgamento, em conjugação com as regras da experiência comum, podemos com toda a certeza concluir que existe, no caso em apreço, nexo causal entre a taxa de álcool no sangue e o acidente sub Júdice;
30ª Resulta assim claramente que a decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos nela acolhidos, se encontra inquinada do vício de erro na apreciação da prova, tendo violado o disposto nos arts. 16° e 45° do DL 57/94/M de 28 de Novembro, devendo ser proferido douto Acórdão que considere que existe, no caso em apreço, nexo causal entre a taxa de álcool no sangue e o acidente sub Júdice, condenando-se a Recorrida no pagamento da quantia peticionada na acção proposta nos presentes autos.
B, demandada nos autos à margem referenciados, notificada das alegações de recurso da A., contra-alegou, dizendo, em suma:
A) A recorrente procura, debalde, que este venerando Tribunal sufrague a responsabilidade objectiva e automática do condutor que conduza sob a influência de álcool. Portanto, independentemente da culpa ou, até, contra o princípio da culpa.
B) A recorrente limita-se a repetir argumentos que foram já, exaustiva e exemplarmente, resolvidos pela douta decisão a quo, que seguiu a tese generalizadamente aceite, segundo a qual o mero facto da condução sob o efeito do álcool não exime da prova do nexo de causalidade entre tal circunstância e o sinistro.
C) Dizer-se que só pelo facto do condutor circular o veículo com uma TAS superior à legal, a seguradora tem desde logo direito a regresso, implicaria ignorar um elemento essencial da responsabilidade civil, ou seja, a culpa.
D) A orientação seguida pela douta decisão a quo foi sufragada no ordenamento jurídico português, em tudo idêntico na parte que ora interessa e que, por isso, se cita como boa orientação jurisprudencial, na parte respectiva em que versou sobre a mesma matéria, pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.º 6/2002, DR-I-A, 18.07.2002, cujo teor é o seguinte: «A alínea c) do artigo 19.º do Dec.-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus de prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob efeito do álcool e o acidente».
E) Qualquer outra orientação, designadamente aquela pretendida pela recorrente, só de iure condendo poderá vir a interessar.
F) Ademais, à data dos factos o legislador considerava condução sob influência do álcool aquela em que se verificasse no condutor «uma taxa de alcoolémia igualou superior a 0,8 e inferior a l,5 gramas por litro de sangue» (n.º 3 do art. 68.º do Decreto-Lei n.º 16/93/M, de 28 de Abril, que aprovou o Código da estrada, vigente até à entrada em vigor da presente Lei do Trânsito Rodoviário).
G) Ora, à demandada, à data dos factos, foi detectada uma taxa de alcoolemia de 0,89, - valor este que estando tão próximo do limite mínimo legal de 0,8 não poderá deixar de considerar-se de extraordinária precariedade.
H) Dado o conhecido processo de progressiva absorção do álcool, e tendo em consideração a margem de erro possível nos testes de medição, é perfeitamente lícito supor que no preciso momento da eclosão do acidente a demandada poderia - na definição legal da época, - estar a conduzir sem estar sob a influência do álcool.
I) Desviando a atenção desta realidade, a recorrente cita ostensivamente a lei actual que, meia década após o acidente, veio estabelecer um limite mínimo inferior, de 0,5 gramas por litro de sangue, como forma de enfatizar que a demandada conduzia sob a influência do álcool.
Termos em que deve improceder o recurso e, manter-se, por correcta e inexistência de qualquer vício, a douta decisão a quo,
Tendo subido os autos, veio a decidir-se nesta instância pela anulação do julgamento em 1ª Instância em face de uma incompleição de matéria de facto e incompreensão das respostas a dada matéria de facto, o que se afigurava incompatível com outro segmento da factualidade apurada.
Interposto recurso pela recorrida B para o V.º TUI, não compreendeu este assim e determinou que este TSI conhecesse do mérito da causa, nada obstando.
É, pois, o que se passa a fazer.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da Matéria de Facto Assente:
- Autora explora a actividade seguradora (alínea A) dos factos assentes).
- No dia 15 de Fevereiro e 2002, cerca das 11 horas e tal da noite, a arguida B, estando embriagada, conduziu o automóvel ligeiro com chapa de matrícula MH-XX-XX, circulando na Estrada Nordeste da Taipa, com sentido de marcha da rua Choi Long para Rotunda Dr. Carlos D' Assumpção (alínea B) dos factos assentes).
- A Ré continha 0.89 gramas de álcool em cada litro de sangue (alínea C) dos factos assentes).
- Na altura, XXX ia a conduzir um motociclo com a matrícula MC-XX-XX, na Estrada Nordeste da Taipa, com sentido de marcha da Rotunda Dr. Carlos D' Assumpção para Rua Choi Long (alínea D) dos factos assentes).
- Ao aproximar-se da curva, perto do poste de iluminação n.º 743D06, a Ré, ia a conduzir a alta velocidade em cima da linha contínua dessa via, a seguir, ultrapassou a linha contínua e embateu violentamente com o motociclo do ofendido que se aproximava de frente e , em consequência do embate, o ofendido e o seu motociclo foram projectados para trás (alínea E) dos factos assentes).
- Quando, o automóvel da Ré, ultrapassou a linha contínua, a velocidade a que ia não era menos do que 60lkm/h (alínea F) dos factos assentes).
- Esse embate fez com que o ofendido ficasse gravemente ferido, tendo sido o mesmo transportado por ambulância para ser socorrido no hospital que, no entanto, veio a falecer no dia seguinte, 16 de Fevereiro de 2002, pelas 11:15 horas da manhã (alínea G) dos factos assentes).
- XXX faleceu devido aos ferimentos graves no craneo-cerebral e laceração da artéria da testa do lado direito (alínea H) dos factos assentes).
- Nos instantes imediatos ao acidente, XXX perdeu os sentidos e estava inconsciente (alínea I) dos factos assentes).
- Devido à gravidade dos ferimentos em causa, XXX entrou em coma até à sua morte no dia seguinte (alínea J) dos factos assentes).
- No momento do acidente, o tempo estava bom, o pavimento não estava molhado nem escorregadio, a iluminação era boa e a densidade do trânsito era fraca (alínea L) dos factos assentes).
- A Ré bem sabendo que estando num estado de embriaguez não devia conduzir, mesmo assim conduziu (alínea M) dos factos assentes).
- Ao aproximar duma curva que não tinha visibilidade suficiente, não chegou a moderar significativamente a velocidade, fazendo com que o seu automóvel ultrapassasse a linha continua e colidisse com a viatura de XXX, provocando a morte do mesmo devido aos graves ferimentos causados no embate (alínea N) dos factos assentes).
- A Ré não conduziu com prudência nem esteve alerta a fim de evitar que o acidente acontecesse (alínea O) dos factos assentes).
- A Ré também sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei (alínea P) dos factos assentes).
- Por acórdão já transitado em julgado, proferido nos autos CR2-04-0178-PCC, a condutora, aqui Ré, B, foi declarada única e exclusiva culpada do acidente, tendo sido condenada a (alínea Q) dos factos assentes):
a. Um crime de homicídio por negligência grosseira, p.p. artigo 134°, n° 2 do Código Penal, art. 66°, nº 2, art. 66°, n° 3, al. a) e c), art. 66°, n° 2 e n° 3, al. a) e c) e art. 73°, n° 1, al. a) do Código da Estrada, na pena de 3 anos de prisão efectiva;
b. Uma contravenção por conduzir sob a influência do álcool, p.p. pelo art. 68°, n.º 3 e art. 74°, n.º 1 e art. 71° do Código da Estrada, na pena de multa de MOP$5.000,00, ou em alternativa, 15 dias de prisão; e
c. Uma contravenção por ter transposto a linha contínua, p.p. art. 9°, n.º 3, al. a) e art. 9°, n° 16, al. c) do Regulamento do Código da Estrada, na pena de multa de MOP$1.000,00.
d. Uma contravenção por não ter reduzido a velocidade numa curva de visibilidade insuficiente, p.p. art. 23°, al. a), art. 7°, n° 3 e art. 71° do Código da Estrada, na pena de multa de MOP$2.000,00, em alternativa 6 dias de prisão e,
e. Em cúmulo jurídico, condena a arguida numa única pena de 3 anos de prisão efectiva e de multa de 8.000,00 da qual MOP$7.000,00 em alternativa, 21 dias de prisão.
- A Autora foi demandada civilmente naqueles autos e condenada a pagar às demandantes XXX, bem como XXX e XXX, uma indemnização civil no montante de MOP$1.000.000,00, quantia essa correspondente ao limite de indemnização por cada acidente, de acordo com os termos da apólice (alínea R) dos factos assentes).
- A Autora pagou às demandantes cíveis, através de depósito daquela quantia, junto do Banco Nacional Ultramarino, à ordem do Tribunal (alínea S) dos factos assentes).
- Até hoje, a Autora despendeu a quantia de MOP$1.000.000,00 para pagamento da indemnização civil às demandantes XX, XXX e XXX e a quantia de MOP$20.250,00 a título de honorários dos seus advogados e despesas judiciais, o que perfaz o total líquido de MOP$1.020.250,00 (um milhão, vinte mil, e duzentas e cinquenta patacas) (alínea T) dos factos assentes).
- Por carta registada com aviso de recepção, datada de 26 de Setembro de 2008, a Autora interpelou a Ré no sentido de proceder ao pagamento da quantia em dívida, dando-lhe um prazo de dez dias para o fazer, caso contrário, recorreria aos meios judicias para a cobrança da respectiva dívida (alínea U) dos factos assentes).
- Carta essa a qual a Ré recebeu e nada disse (alínea V) dos factos assentes).
*
Da Base Instrutória:
- A ingestão de álcool provocou na Ré, a diminuição das suas capacidades de atenção, reacção e visão (resposta ao quesito da 1º da base instrutória). “
III - FUNDAMENTOS
1. Dissemos acima que o V.º TUI, em seu douto e altíssimo critério, não viu qualquer incompleição nem contradição na matéria de facto, ao entender que
“No caso ora em apreciação, não se nos afigura verificada qualquer contradição, nomeadamente relativa à resposta negativa aos quesitos.
Ora, as respostas negativas a quesitos (não provados) não podem redundar em contradição de factos entre si, sendo certo que onde não há factos não há contradição de factos.
O Acórdão recorrido invoca a norma que refere a possibilidade de anulação do julgamento de facto em caso de contradição, mas não aponta nenhuma contradição concreta.
No fundo, o Acórdão recorrido não entende porque não se descobriu a causa do acidente de viação, mas isso é o que sucede a cada passo (basta pensar-se em quantas vezes nada se prova quanto à realidade de um facto) e não constitui contradição da matéria de facto.”
2. Cumpre, pois, elaborar o acórdão com a factualidade que se mostra fixada, na certeza de que a matéria de facto não vem impugnada - não obstante a recorrente Seguradora falar em erro na apreciação da prova -, pretendendo apenas que da globalidade dos factos, por presunção e regras da experiência e da vida, se retire a conclusão de que foi por causa da ingestão do álcool e da sua influência na condução da recorrida que o acidente se produziu.
O objecto do presente recurso passa, pois, fundamentalmente por saber se se verifica no caso sub judice o direito de regresso da Seguradora pelas quantias por esta pagas na sequência do acidente de viação que a sua segurada teve, sendo que na altura lhe foi detectada uma taxa de álcool no sangue de 0,89/g por litro.
O que está em causa é a existência ou não de nexo de causalidade entre a taxa de alcoolémia detectada no sangue da ré e o acidente provocado pela mesma.
Esta é, pois, no fundo, a única questão a apurar, sendo que a recorrente defende, em suma que “a condução sob influência do álcool se basta com a alegação e prova de: uma condução com taxa de alcoolémia superior à permitida por lei -0,5 g/l; a culpa exclusiva do condutor alcoolizado na produção do acidente.”.
3. Tal direito de regresso tem assento em termos de previsão normativa no artigo 16°, c), do Decreto-Lei n° 57/94/M, de 28 de Novembro, segundo a qual "Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso contra o condutor, se este ... tiver agido sob a influência do álcool ... ".
Para o efeito, alegou que a ré, sua segurada, é responsável por um acidente de viação donde proveio a morte da vítima; que a ré estava a conduzir com uma taxa de alcoolemia de 0,89g por litro de sangue a qual provocou na mesma diminuição da capacidade de atenção, reacção e visão, tornando-a audaz e destemida, o que a levou a conduzir constantemente sob a linha contínua transpondo-a e a embater no motociclo da vítima; que, por esses factos, a ré foi considerada culpada no respectivo processo crime bem como condenada pelo cometimento de um crime de homicídio e três infracções às regras estradais, uma das quais por condução sob a influência do álcool; que, no referido processo crime, a autora foi condenada, para além de uma pena de prisão efectiva por três anos, a pagar uma quantia de MOP$1.000.000,00 a título de indemnização civil às demandantes do pedido cível e efectivamente lhes pagou; e que a autora despendeu; a quantia de MOP$20.250,00 a título de honorários e despesas judiciais.
Contestando a acção, a ré insurge-se contra o entendimento de que o álcool detectado teve algum efeito na produção do acidente, defendendo que o acidente foi causado pela velocidade a que ia seguindo conjugada com o estado da curva que estava a fazer quando o acidente ocorreu.
Não foi impugnada a restante matéria alegada pela autora, designadamente que a ré estava a conduzir com a referida taxa de alcoolémia e com excesso de velocidade; que foi considerada culposamente responsável pelo acidente mortal; que a autora foi condenada a pagar às demandantes do pedido cível e efectivamente lhes pagou a quantia de MOP$1.000.000,00.
4. A questão cinge-se em saber se se pode retirar da taxa de alcoolémia em causa alguma conclusão imediata quanto à causa do acidente ou, pelo menos, extrair dela alguma presunção legal no sentido de o acidente ter ocorrido porque a ré estava sob a influência do álcool. Trata-se, como é bom de ver, de uma questão de interpretação e aplicação da norma do artigo 16°, c), do Decreto-Lei n° 57/94/M, de 28 de Novembro.
A Mma Juíza equacionou bem a questão e louvou-se em Jurisprudência Comparada para a dilucidar. Pela pertinência e objectividade somos a transcrever esse segmento da sentença recorrida:
«Tem-se debatido muito sobre essa questão em Portugal tendo o respectivo Supremo Tribunal de Justiça proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência em 28 de Maio de 2002, in DI I S-A, n.º 164, 18 de Julho de 2002, pg. 5395 na qual foram analisadas as principais correntes jurisprudenciais formadas em seu redor.
Os factos e direito analisados neste aresto são muito semelhantes aos que se debatem nos presentes autos. Com efeito, trata-se também de um acidente mortal em que o veículo do condutor causador do acidente, em quem foi detectado uma taxa de alcoolemia de 1,1g por litro de sangue, invadiu a semifaixa de rodagem contrária vindo a embater no veículo que estava a circular nessa semifaixa e, à data, vigorava uma norma idêntica à prevista no artigo 16°, c), do Decreto-Lei n° 57/94/M, de 28 de Novembro (artigo 19º, c), do Decreto-Lei n.º 522/85).
Dada a similitude acima referida e a profundidade com que se debruçou sobre a questão sub judice, julga-se de analisar detalhadamente esse aresto e daí nos dilucidarmos sobre o problema que nos ocupa agora.
Conforme o referido Acórdão, são basicamente três as posições tomadas: 1. o direito de regresso é um efeito automático da condução com determinada taxa de alcoolemia, pois funda-se no desvalor da acção do condutor; 2. o direito de regresso pressupõe o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia e o acidente cuja prova incumbe ao Autor; 3. o direito de regresso pressupõe o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia e o acidente presumindo-se, no entanto, tal relação a favor do Autor.
O Acórdão em apreço adoptou o 2° entendimento com argumentos que interessam, nessa sede, transcrever: "Sendo o fundamento do direito ao reembolso pela seguradora a condução sob o efeito do álcool, cabe a quem invoca o direito o dever de provar os pressupostos de que ele depende e no qual se inclui a existência de alcoolemia e do nexo causal dela com a produção do acidente (artigo 342º do Código Civil), como se decidiu nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 468, p. 376, de 14 de Janeiro de 1997, Colectânea de Jurisprudência (S) vol. V-I, p. 39, e de 22 de Fevereiro de 2000, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 494, p. 325. Os elementos que constituem o fundamento do direito de regresso são factos constitutivos do direito que ao autor cabe demonstrar."
Isso no que diz respeito às regras gerais da repartição do ónus da prova.
Já quanto à eventual inversão do ónus da prova, o mesmo aresto fez a seguinte análise: "A inversão do ónus da prova, obrigando o segurado a provar que não teve culpa, apresenta-se como aquela que de jure constituendo se poderia, numa primeira aproximação, considerar mais justa na medida em que ficaria ao condutor que circula naquelas condições, ou seja, em situações de mais facilmente provocar acidentes, o ónus de provar que, apesar de circular em condições irregulares, não contribuiu para o acidente. E, sacrificada a seguradora à função social de reparar os danos, estaria em condições bem mais fáceis para responsabilizar o condutor, tanto mais que a condução naquelas circunstâncias corresponde a um agravamento do risco no contrato. Uma seguradora não aceitaria, em geral, assumir o risco nas condições previstas na alínea c) do artigo 19.º Todavia, pressentimos a dificuldade do legislador em enveredar por tal caminho. Agir sob a influência do álcool é um facto relativizado, pois as circunstâncias em que a influência do álcool potencializa uma condução irregular varia de pessoa para pessoa; e nem o grau de alcoolemia podia ser fixado em termos de ser presunção segura de que fosse ele o causador da manobra que levou ao acidente." (sublinhado nosso).
Quanto à letra e ao espírito do artigo 19° do Decreto-Lei n° 522/85, o Acórdão em análise pronunciou-se neste sentido: "Em todo o caso seria sempre o legislador a tomar a opção que entendesse mais adequada. Posto isto, há que concluir que o direito de regresso está limitado no artigo 19. o do Decreto-Lei n.º 522/85 a situações restritas e que vêm aí mencionadas, não funcionando como sanção civil reparadora contra todo e qualquer agente que provoque o dano. Daí que só possa existir quando se verificarem as circunstâncias aí especificadas. No caso em apreço exige-se que haja condução sob influência do álcool a ditar o comportamento do condutor. Não é suficiente que o condutor estivesse sob a influência do álcool, sendo necessário que esse facto seja a causa ou uma das causas do acidente (v. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Janeiro de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 463, p. 206, de 14 de Janeiro de 1997, Colectânea de Jurisprudência (S), vol. V-I p. 39, e de 14 de Janeiro de 1997, Colectânea de Jurisprudência (S) vol. V-I p. 59). A justificação para a necessidade da prova do nexo de causalidade pelo autor entre a condução sob a influência do álcool e o acidente resulta dos próprios termos da alínea c) do artigo 19.º o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro. É necessário que o demandado aja sob a influência do álcool e não apenas que ele conduzisse etilizado nos termos previstos nas normas penais ou contra-ordenacionais. O grau de alcoolemia podia estar acima dos limites legais, o que seria fundamento para a condenação em sede própria no regime penal como actividade perigosa. Mas uma tal condução pode não contribuir para o acidente. A expressão usada na lei, agido sob a influência do álcool, é uma exigência relativa à actuação do condutor que não tem de ligar-se ao regime considerado legalmente susceptível de condenação penal. Diz a lei agir sob a influência do álcool e não estar sob a influência do álcool (circunstância que vem ressaltada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2000, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 494, p. 325) .... E seria, ao menos, arriscado cuidar em fazer a equivalência automática de que o direito de regresso existia sempre que o legislador, por razões ligadas à circulação rodoviária, viesse fazer qualquer alteração àquilo que considera influência de álcool susceptível de responsabilizar automaticamente o condutor segundo tais critérios. Estamos assim com a corrente jurisprudêncial (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 463, p. 206, e de 19 de Julho de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 468, p. 376) que entende que o legislador se quisesse dispensar a prova do nexo de causalidade diria simplesmente que o direito de regresso existia se o condutor conduzisse com álcool." (sublinhado nosso).
A clareza dos fundamentos acima transcritos excluem qualquer possibilidade de ligação automática entre a verificação de certa taxa de alcoolemia e a produção de determinado acidente ou pretensão de relação de causalidade natural entre estes mesmos factos. Com efeito, da letra do artigo 19°, c), do Decreto-Lei n° 522/85, vê-se que o que está em causa é o efeito que determinada taxa de alcoolemia pode ter na produção de acidentes e isto, obviamente, por intermédio do condutor que previamente ingeriu substâncias alcoólicas. Ora, a exposição feita no Acórdão é cristalina: "Agir sob a influência do álcool é um facto relativizado, pois as circunstâncias em que a influência do álcool potencializa uma condução irregular varia de pessoa para pessoa; e nem o grau de alcoolemia podia ser fixado em termos de ser presunção segura de que fosse ele o causador da manobra que levou ao acidente". É precisamente por força disso que entendeu o Acórdão em análise que nada no Decreto-Lei n° 522/85 aponta para a dispensa da prova do nexo de causalidade ou a inversão do ónus da prova que, segundo o regime geral delineado no CC, cabe à seguradora.»
5. Para além desta linha argumentativa, socorremo-nos ainda da fundamentação extraída de dois acórdãos recentes da Jurisprudência Comparada e se nos afiguram ser muito elucidativos, pois que ainda que tenham chegado a resultados diferentes, não deixam de enunciar uma regra que se mostra fulcral, qual seja a de que aquele nexo causal a que alude a norma, entre a quantidade de álcool no sangue e a produção do resultado, o acidente, se deve extrair da articulação e conjugação da globalidade dos factos, cabendo às instâncias - aqui 1ª e 2ª - concluir a partir da factualidade apurada se o acidente se produziu porque o condutor estava embriagado ou por uma qualquer outra razão, o que reforça bem a necessidade de existência e comprovação do nexo causal entre o álcool e o acidente.
No 1º acórdão do STJ, processo n.º 129/08.7TBPL.G1.S1, de 6/7/2011, muito semelhante ao nosso caso, consigna-se que a norma em presença deve ser interpretada de modo a continuar o entendimento de que o direito de regresso da seguradora, nos casos de condução sob o efeito do álcool, só surge se tiver havido uma relação causal entre a etilização e a produção do evento.
Esta relação causal, na sua vertente naturalística, constitui ainda matéria de facto, a fixar pelas instâncias.
A fixação de tal relação causal não assenta em prova diabólica, porque julgar a matéria de facto não é, por natureza, apenas um acto consistente em espelhar nos factos provados o que passou pela frente do juiz.
A ideia de “julgamento” tem ínsito precisamente o acrescentar da consciência ponderada de quem julga ao que por ali passou.
No julgamento da matéria de facto, hão-de, pois, as instâncias tomar posição.
E de uma forma lapidar aí se diz:
«E nem nos parece que assim se está a remeter o direito de regresso a um regime de prova diabólica, com base na ideia de que, por via de regra, o condutor sóbrio também pode ter acidentes com o “desenho” característico do estado de embriaguês e, consequentemente o juiz nunca, ou quase nunca, terá elementos para “imputar o que aconteceu ao álcool”.
Julgar a matéria de facto não é, por natureza, apenas um acto consistente em espelhar nos factos provados ou não provados o que passou pela frente do juiz. A ideia de “julgamento” tem ínsito precisamente o acrescentar da consciência ponderada de quem julga ao que por ali passou (Cfr-se, a este propósito, A. Varela, Sampaio e Nora e Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 435). Muito do que se dá ou pode dar como provado não foi objecto de produção de prova que imediatamente o revele. Basta pensar nos factos do foro íntimo, nos factos hipotéticos, nos factos de percepção extremamente rara e aí por diante.
Para além deste inerente ponderar, sempre mais ou menos intenso, estão ao alcance do juiz de facto as presunções naturais, que podem ser extraídas nos termos do artigo 351.º do Código Civil, desde que o respectivo conteúdo não haja sido recusado em resposta negativa a matéria perguntada na BI (...) A este Tribunal resta, pois, a apreciação em abstracto sobre se a relação de causalidade nos casos em que for estabelecida é adequada a produzir o evento, como o produziu. Nos casos em que não for naturalisticamente estabelecida ficam, por natureza, vazios de sentido tais poderes. Não havendo vícios formais a apontar a esta decisão negatória, nada há a censurar.(...)»
Acabou aquele aresto por concluir, contra a seguradora, que pelo facto de o acidente se ter dado na hemifaixa esquerda atento o sentido de marcha do segurado da autora, conjugado com a taxa de alcoolemia a que ela seguia, com inerente diminuição da acuidade visual e estreitamento do campo visual, sem que da Relação chegasse qualquer relação causal entre um facto e outro, tal era insuficiente para se considerar integrado o pretendido direito de regresso.
Mas a solução é o que menos interessa para o nosso caso.
6. E o que menos interessa, porque cada caso é um caso.
Caso diferente e solução contrária - também não interessando aqui a solução encontrada, esta já, pró-seguradora - foi então o acidente tratado no 2º acórdão e que passamos a referir. Trata-se do acórdão do STJ, processo n.º 380/08.0YXLSB.C1.S1, de 7/6/2011.
O importante é o princípio que aí se estabelece e que na sua formulação não se afasta do enunciado no caso acima visto.
O importante é reter que se é certo que a mera prova da taxa de alcoolemia é insuficiente para se considerar provado o nexo de causalidade, isso não implica que, em termos de apreciação crítica dos factos relevantes, o juiz esteja impedido de os relacionar e de, reportando-se aos factos em apreço, pela forma como ocorreu determinado acidente e, em face da inexistência de outra explicação razoável, conclua por aquele nexo. Trata-se afinal de inferir factos desconhecidos a partir de factos conhecidos (artigo 349º do CC).
O nexo de causalidade entre o álcool e o acidente deve aferir-se da conjugação de diversos elementos, designadamente a prova testemunhal produzida, a própria dinâmica do acidente, o grau de alcoolemia registado, com os elementos científicos irrefutáveis, as regras da experiência, as normas legais aplicáveis e a teleologia do legislador subjacente às normas.
Na verdade, aí, nesse acórdão, não se deixou de consignar:
«Como é sabido, “perante a orientação jurisprudencial que prevaleceu no Acórdão uniformizador 6/02, o direito de regresso atribuído à seguradora no confronto do beneficiário do seguro obrigatório de responsabilidade civil que tenha agido sob a influência do álcool – obrigando-a a garantir o efectivo pagamento das indemnizações devidas aos lesados, como reflexo da função de protecção social do seguro obrigatório, mas facultando-lhe, de seguida, a repercussão do sacrifício patrimonial que teve de suportar sobre o beneficiário do seguro a quem seja de imputar a lesão – não é um efeito automático da violação objectiva das normas penais ou contra-ordenacionais que dispõem sobre as condições psicológicas e de domínio do comportamento de veículos automóveis, (proibindo-a sempre que se ultrapasse determinado limiar de alcoolemia), nem assenta numa presunção legal de causalidade do grau de alcoolemia apurado quanto ao condutor relativamente à eclosão do acidente.”1
E, assim sendo, da doutrina que acabou por ter sido adoptada nesse acórdão, pode dizer-se que hoje é dado como assente (no âmbito daquele DL 522/85) que, para o alegado direito de regresso da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido, tem a mesma, para além de provar a culpa do condutor na produção do evento danoso, ainda de alegar e provar factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o evento dele resultante.2
Isto é, recai efectivamente sobre a seguradora o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do direito de regresso que exercita, demonstrando que o grau de alcoolemia do condutor funcionou como causa real, efectiva e adequada ao desencadear do acidente.
O nexo de causalidade entre o álcool e o acidente afere-se da conjugação de diversos elementos, designadamente a prova testemunhal produzida, a própria dinâmica do acidente, o grau de alcoolemia registado, com os elementos científicos irrefutáveis, as regras da experiência, as normas legais aplicáveis e a teleologia do legislador subjacente às normas.
Ora é do conhecimento comum que o álcool influencia os comportamentos, actuando sobre o cérebro, mesmo que os seus efeitos não sejam visíveis; todavia, quando a concentração do álcool no sangue atinge os 0,5 g/l já são perceptíveis.
Não obstante, os dados científicos irrefutáveis quanto à interferência do álcool nas capacidades e reflexos necessários à condução do automóvel, o Tribunal dispôs de meios de prova concretos que lhe permitiram dar por assente que o réu, em virtude do álcool, tinha a respectiva capacidade de condução comprometida, sendo determinante a interferência do álcool na condução ilícita do réu e, em consequência, no acidente dos autos.
Mas se é certo que a mera prova da taxa de alcoolemia é insuficiente para se considerar provado o nexo de causalidade, isso não implica que, em termos de apreciação crítica dos factos relevantes, o juiz esteja impedido de os relacionar e de, reportando-se aos factos em apreço, pela forma como ocorreu determinado acidente e, em face da inexistência de outra explicação razoável, conclua por aquele nexo. 3 Trata-se afinal de inferir factos desconhecidos a partir de factos conhecidos (artigo 349º CC).
Como se considera no citado acórdão.4, “é inteiramente lícito às instâncias servirem-se nesta sede de presunções judiciais ou naturais, nelas fundando as suas conclusões acerca das circunstâncias que conduziram ao acidente em regras ou máximas de experiência, por essa via completando, articulando e interligando o que directamente decorre da livre valoração das provas «atomisticamente» produzidas em audiência”. O único limite que naturalmente vigora nesta matéria e que nada tem a ver com a situação processual ora em análise é “que decorre de a Relação não poder ultrapassar a falta de prova do nexo de causalidade, recorrendo a presunções judiciais, tornando assim contraditório o julgamento da matéria de facto, que não alterou”.5
Na verdade, o que o referido acórdão uniformizador impõe é a realização de uma avaliação concreta, casuística e prudencial de todas as circunstâncias envolventes do acidente, de modo a determinar e em que medida é que o concreto estado de alcoolemia apurado quanto ao condutor pode ter sido determinante das infracções estradais e erros ou falhas na condução cometidos e que decisivamente desencadearam ou contribuíram para o acidente.
Ora foi manifestamente isto que as instâncias realizaram no caso em apreço, tendo tomado em conta todo o circunstancialismo concreto envolvente do embate verificado, ponderando adequadamente a influência que o relevante grau de alcoolemia demonstrado envolvia na capacidade de controle e domínio da viatura, concluindo, em termos que consideramos perfeitamente razoáveis e adequados, não apenas que tal grau de alcoolemia, em abstracto, era adequado para ditar um afrouxamento das suas capacidades, provocando-lhe desatenção e falta de reacção na condução mas também que, em concreto, tal grau de alcoolemia influenciou o comportamento do condutor do automóvel com a matrícula 00-00-00, reduzindo-lhe as capacidades de percepção do espaço físico e da avaliação das distâncias e lhe causou lentidão na capacidade de reacção e perturbação dos reflexos, sendo por causa do estado de alcoolemia em que se encontrava que perdeu o controle da trajectória do referido veículo, quando o pôs em andamento, guinando para a berma do lado direito da faixa de rodagem e de seguida invadindo a faixa onde seguia o veículo «SUZUKY», nela se atravessando, impedindo assim qualquer manobra que evitasse o embate.
Tal matéria de facto apurada significa que, no litígio subjacente aos presentes autos, foi plenamente demonstrada uma específica e concreta ligação causal entre o estado de alcoolemia do condutor e as deficiências e erros de condução que despoletaram o acidente, ou seja, a taxa de álcool no sangue influenciou, efectiva e decisivamente, o tipo de condução praticado, funcionando, deste modo, como causa efectiva e naturalística do acidente em discussão.
Deste modo, perante a matéria de facto apurada pelas instâncias quanto ao nexo de causalidade «naturalístico» entre o estado de alcoolemia do condutor do veículo UT e as falhas de condução por ele cometidas e que despoletaram o acidente, está cumprido o ónus da prova que incidia sobre a seguradora, relativamente aos pressupostos condicionadores do exercício do direito de regresso, com base na citada norma legal, improcedendo, nesta sede, a argumentação deduzida pelo recorrente.»
7. Posto isto, estamos em condições de julgar sobre o referido nexo causal, ponderando todo o processo dinâmico produtor do evento fatídico.
Na douta sentença, dizendo seguir-se de perto o mesmo raciocínio para a apreciação do presente caso, acentuou-se que nada ficou provado acerca do efeito do álcool sobre a verificação do acidente. Diz-se que se provou tão só que a ingestão de álcool provocou na ré a diminuição das suas capacidades de atenção, reacção e visão. Ficou por provar que essa diminuição tornou a ré audaz e destemida; que a levou a conduzir constantemente sob a linha contínua transpondo-a e a embater no motociclo da vítima.
Face ao que acima ficou dito e ao já superior e doutamente ordenado, cabe-nos agora proceder ao julgamento do caso, incluindo o julgamento de facto se for caso disso.
Na nossa nova avaliação, não havendo razões para o desconsiderar ou para o por em crise, devemos ter assim o julgamento da 1ª Instância por seguro.
É certo que ainda em termos de matéria de facto - este Tribunal também aprecia e escrutina o julgamento de facto (cfr. art. 629º, n.º 1, b) do CPC) - sempre este TSI poderia retirar do que julgado foi, dos elementos fornecidos pelo processo, uma conclusão diferente da que foi extraída pela Mma Juíza da 1ª Instância. Não o fizemos então, não o fazemos agora. A falta de uma justificação para a produção do acidente fica a pairar - reconhecemos como mui acertado o que o TUI vem dizer quanto ao facto de ser, quantas vezes, apenas uma pequena parte da verdade o que aparece nos tribunais - e na impossibilidade de sabermos da causa do acidente não a vamos imputar presuntivamente ao álcool observado no sangue da condutora.
Atente-se que em termos da base instrutória se perguntava se:
- a ingestão de álcool provocou na ré a diminuição das suas capacidades de atenção, reacção e visão?
- tornando-a audaz e destemida?
- levando-a a conduzir constantemente sobre a linha contínua e a transpô-la?
- e a embater violentamente no motociclo do ofendido?
Tendo-se provado tão somente o quesito 1º, a partir daí, a Mma Juíza elaborou o raciocínio de que não se provou o tal nexo causal.
Como vimos, esse juízo há-de ser extraído da globalidade de todos os factos e das regras da experiência comum e da causalidade natural.
E não se podendo extrair, não se podendo ir mais além, também não enveredamos pelo caminho que conduz a ver na detecção de uma dada taxa de álcool - a partir de que valor ?- uma presunção pura e simples do nexo causal entre a ingestão do álcool e a produção do acidente.
No quadro desenhado não se vê qual a explicação para o acidente. Terá sido a velocidade? Terá sido a trajectória imprimida na curva? Terão sido essas causas, por sua vez, consequência do álcool? Terá sido o atendimento de uma chamada no telemóvel? O desvio de um olhar para quem passa? Estas, desatenções tão banais, independentemente do álcool!
Poder-se-ia argumentar que esta tese contraria a posição tomada por este Colectivo num primeiro momento. Não, antes a reforça. Se entendêssemos em sentido contrário, isto é, que podíamos julgar de facto no sentido de retirar por via das presunções e das regras da experiência comum e da vida, sem mais, uma conclusão no sentido de afirmar a existência de um nexo causal entre o álcool e o acidente, não teríamos decidido no sentido que visou perseguir a verdade material.
Vamos, pois, sufragar aqui a análise feita pela Mma Juíza, quer em termos de facto, quer em termos de direito, remetendo-nos para os termos da sentença recorrida.
8. Não sem que se faça referência, como não deve deixar de ser feita, ao que douta e superiormente já foi decidido pelo V.º TUI.
Referimo-nos ao processo n.º 52/2011, de 9/11, ainda que em acção de direito de regresso por abandono de sinistrado:
“(…) Questão semelhante tem sido debatida a propósito do direito de regresso da seguradora pelos danos provocados por condutor sob o efeito do álcool que, aliás, tanto no nosso Direito, como no português, decorre da mesma norma da que regula as consequências do abandono de sinistrado [alínea c) do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M e alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, respectivamente]. Uma tese defende o direito de regresso irrestrito da seguradora. Outra entende que esta só tem direito de regresso quanto aos danos que se prove terem resultado da condução sob o efeito do álcool.
Vejamos como se coloca e resolve a questão à luz do Direito de Macau.
(…) só em casos muito especiais a lei veio admitir que a seguradora pudesse exercer um direito de regresso após pagamento de indemnização ao lesado.
A utilização da expressão “apenas”, constante do proémio do artigo 16.º, mostra claramente que a enumeração das situações em que se permite o direito de regresso à seguradora, constantes do artigo 16.º são de natureza taxativa. São estas apenas e não outras.
Na alínea a) do artigo 16.º prevê-se o direito de regresso contra o causador do acidente que o tenha provocado dolosamente. A conduta tem de ser intencional, ainda que não criminosa, como no caso do proprietário que danifica o veículo próprio.
Por força da alínea b) a seguradora pode pedir a indemnização paga aos lesados, aos autores e cúmplices de roubo, furto ou furto de uso do veículo causador do acidente.
Na alínea c) está consagrado o direito de regresso da seguradora em três situações:
- Contra o condutor não legalmente habilitado para conduzir;
- Contra o condutor que tiver agido sob a influência de álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos;
- Contra o condutor que haja abandonado o sinistrado.
Na alínea d) estatui-se o direito de regresso da seguradora contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga ocorrida durante o seu transporte e que tenha sido devida a deficiência de acondicionamento. Portanto, sanciona-se a mera negligência no acondicionamento da carga que tenha caído durante o transporte.
Na alínea e) o direito de regresso é exercido contra o responsável pela apresentação do veículo à inspecção periódica, que não tenha cumprido essa obrigação, excepto se o mesmo provar que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo.
(…)
Diga-se, aliás, que a tese do ora recorrente não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Ora, se a lei pretendesse tal fim - isto é, direito de regresso condicionado à prova de que os danos resultaram do abandono - certamente que o teria prescrito, como fez, de resto na alínea e) do preceito em causa. Na verdade, na situação prevista nesta alínea e) o direito de regresso é exercido contra o responsável pela apresentação do veículo à inspecção periódica, que não tenha cumprido essa obrigação, mas este pode provar que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo, caso em que o direito de regresso não se efectiva. Mas tal mecanismo não se prevê na alínea c), pelo que se tem de concluir que nesta situação o direito de regresso tem lugar independentemente da prova do nexo de causalidade entre o abandono e os danos.
Diga-se, ainda que tal prova – como também noutra das situações previstas na alínea c) (prova de que os danos foram especificamente devidos à condução sob o efeito álcool) seria impossível ou quase, diabólica, como já foi designada.
Efectivamente, como é possível provar que os danos no lesado foram devidos ao seu abandono ou devidos ao estado alcoólico do condutor do veículo e não ao acidente em si?
A ser assim, teríamos de concluir que a norma em causa seria uma norma sem aplicação ou de quase impossível aplicação, o que constitui uma indicação de que não estaríamos no melhor caminho interpretativo, visto que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil ).
Por outro lado, por alguma razão, os que defendem a tese da necessidade do nexo de causalidade entre os danos e o abandono do sinistrado ou da condução sob o efeito álcool (equiparando sempre as duas situações), omitem a terceira situação prevista na alínea c): o direito de regresso da seguradora contra o condutor não legalmente habilitado para conduzir. Então e neste caso também seria necessário a prova da causalidade entre os danos e a falta de habilitação para conduzir? Seria uma solução absurda.
O que, manifestamente, se pretendeu na alínea c) foi, por razões preventivas e também repressivas, não beneficiar da protecção do seguro quem não tiver licença para conduzir, o condutor que ultrapassar os limites de álcool no sangue ou estiver intoxicado por outras substâncias e quem cometa o crime de abandono de sinistrado (voluntário, pois é este o caso dos autos, pelo que apenas cabe examinar esta situação), desde que sobre o condutor recaia o dever de indemnizar, sendo irrelevante que os danos sejam especificamente devidos às situações descritas.
É que a responsabilidade civil, além da função reparadora, tem também uma função preventiva e punitiva6, não sendo a pena privada estranha ao nosso ordenamento jurídico civil, como por exemplo, no regime do sinal (artigos 446.º e 820.º do Código Civil, tal como os restantes artigos que se citarão neste parágrafo), na sanção pecuniária compulsória (artigo 333.º), passando pelo regime de revogação das doações por ingratidão do donatário (artigo 964.º), na fixação de sanções pecuniárias pela assembleia de condóminos (artigo 1341.º), na incapacidade sucessória por indignidade (artigo 1874.º) , na deserdação (artigo 2003.º)
O que se pretendeu, foi, desta maneira, desincentivar a condução por quem não estiver legalmente habilitado para conduzir, a condução sob influência de álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos e o abandono de sinistrados.”
9. Não se pretende nem seria próprio estar a rebater a supra douta argumentação.
Não obstante, cientes de que a certeza das decisões dos tribunais é um valor a preservar e que a Uniformização da Jurisprudência é uma medida que se impõe, há muito reclamada no ordenamento jurídico da RAEM, sendo essa uma das vias para prosseguir aquele valor do Direito, com a devida vénia e salvaguardando que o nosso entendimento não seja o melhor, mantemos e remetemo-nos para o que já foi afirmado pelo relator do presente processo, em voto de vencido, nomeadamente no processo n.º 346/2011, de 29/11:
«O acidente pode produzir-se, independentemente do álcool, donde não compreender que a responsabilidade transferida para a seguradora possa ser limitada por uma actuação que não é causa do acidente.
Em segundo lugar, a não se entender assim, existiria um desequilíbrio contratual resultante do facto de o segurado estar a suportar importâncias que só a seguradora devia pagar pela simples razão de que foi isso que foi contratualizado: nomeadamente, a transferência de responsabilidade no caso de culpa ou risco na produção de um acidente.
Em terceiro lugar, a entender-se que as despesas resultantes do acidente, por uma razão independentemente do álcool, não ficariam a cargo da seguradora, tal situação geraria um manifesto enriquecimento sem causa da seguradora.
E, como lembra Vaz Serra, BMJ 69, 256, o “dever de regresso funda-se no enriquecimento injustificado à custa de outros credores e, por conseguinte, quando do negócio jurídico ou de disposição especial não resulta outra coisa, deve ter o alcance que resultar do facto de, em consequência da satisfação do credor, certo ou certos devedores terem enriquecido injustificadamente à custa de outro ou outros”
Depois, importa atentar na letra da norma que diz que há regresso quando o condutor tiver agido sob a influência de álcool, devendo, pois, os danos ser em função do facto gerador dos mesmos e que ao mesmo tempo seja causa do regresso, ou seja, a actuação por causa do álcool. Não deixa aqui de haver uma nota clara que vai no sentido da causalidade entre a causa e o efeito. Não teria sido mais fácil para o legislador, se fosse essa a sua vontade, ter dito ”aquele que tenha conduzido” e já não “aquele que tenha agido”?
Acresce que a natureza sancionatória cível da responsabilidade civil tem por função a reparação dos prejuízos e não mais do que isso.
Evidencia-se até uma desproporção manifesta na contemplação do direito de regresso em situações de culpa leve do condutor ou até de concorrência de culpas, não se compreendendo facilmente que a seguradora ficasse desonerada do que pagou se, por exemplo, o condutor, não obstante o álcool, independentemente dos motivos, fosse também ele vítima ou sinistrado.
A ideia de sanção moral também deve ser alheia ao direito de regresso, pois não é essa a função do reembolso. Não deve ser por via do instituto da responsabilidade civil, com atropelo da autonomia privada, equilíbrio das prestações, liberdade contratual, que se sancionam os comportamentos anti-sociais.
E pensemos numa situação de risco. Será que nesse caso - a lei não distingue -, conduzindo o agente sob o efeito do álcool - observando-se que mesmo nesse caso não deixou de agir sob aquele efeito -, ficaria eximida a Seguradora? Mesmo considerando que se restringe esse regresso aos casos de culpa do agente, estaria bem que se mantivesse a exclusão nos casos em que apenas ela, a culpa, se não apurou, mas o álcool não deixou de ser apurado? E, apurando-a, a culpa, claramente se comprovasse que o condutor, apenas, com 0,1gr/l ou por absurdo, 0,0001gr/l de taxa de álcool, foi culpado porque ia a conversar ao telemóvel e não olhou para onde devia? E pode-se considerar que agiu sob o efeito do álcool a partir de qualquer taxa de alcoolemia?
Dir-se-á que é evidente que nas situações de risco se exclui o direito de regresso. Pois bem, se assim é, o critério lógico do raciocínio sofre uma quebra, já que, para que se exclua o risco, o facto relevante é a conduta negligente e já a não a mera condução sob influência do álcool, mas para considerar o regresso nos casos de culpa negligente, então, aí, o critério já passa a ser a mera condução sob a influência do álcool, pois que para os defensores da tese que vem fazendo vencimento em Macau, nos casos de culpa, desde que haja álcool, já não interessa apurar a causa concreta do acidente.
Que pode ser mui difícil prova, sem dúvida! Mas essa é outra questão.
Acresce que não se vê razão para que o legislador tivesse de intervir numa situação duvidosa, que bem pode ser objecto de uma exclusão expressamente contratualizada, como o são tantas outras, por vezes, quase leoninas, no âmbito das diferentes coberturas.
Por último, se, nos casos da al. e) do art. 16º do DL n.º 57/94/M, de 28 de Nov., se prevê expressamente que existe direito de regresso sobre o “responsável pela apresentação do veículo à inspecção periódica referida no artigo 10.º, que não tenha cumprido essa obrigação, excepto se o mesmo provar que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo”, salvaguarda esta não prevista nas outras situações (alíneas a) a d)), donde se pretende retirar o argumento de que nestes casos o direito de regresso existe sempre independentemente do nexo causal entre a situação típica e a produção do acidente, pois que aí já não se prevê uma exclusão expressa do direito de regresso, é porque, na situação prevista na norma citada, o último responsável é o proprietário do veículo que pode nem ter sido o interveniente no acidente. Não é, pois, legítima esta interpretação a contrario, na medida em que se observa uma situação específica que impõe tal estatuição, completamente diferente das restantes, vista uma aparente desconexão entre a conduta geradora do regresso e o dano causado pelo acidente nos casos de falta de inspecção. Aí o legislador teve necessidade de ser expresso e não já assim nas outras situações em que se o nexo causal entre a conduta e o acidente não deve deixar de ser apurado; aqui, a causalidade do regresso resulta entre um acto do condutor e o sinistro, ali, entre um acto que, prima facie, nada tem que ver com o acidente. ”
Nos termos e fundamentos expostos improcede o recurso.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 11 de Julho de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Ac. do STJ, de 7/04/2011, Revista 329/06-7ª Secção, www.dgsi.pt.
2 - Ac. STJ de 6/05/2010, processo 2148/05.6, in www.dgsi.pt/jstj.
3 - Ac. da RL de 25/02/2010, in www.dgsi.pt.
4 - Ac. do STJ, de 7/04/2011, Revista 329/06-7ª Secção, www.dgsi.pt.
5 - Ac. do STJ, de 7/07/2010, Processo 2273/03.8TBFLG.G1.S1.
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372/2011 39/39