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Processo n.º 205/2013 Data do acórdão: 2013-6-20 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– ofensa grave à integridade física
– lançamento de ácido sulfúrico na cara do ofendido
– autoria mediata
– suspensão de execução da pena de prisão
S U M Á R I O
Sob pena de se comprometer as muitas elevadas exigências de prevenção geral do crime de ofensa grave à integridade física através de lançamento de ácido sulfúrico na cara do ofendido, não se pode suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido ora recorrente pela prática, em autoria mediata e na forma consumada, do crime doloso de ofensa grave à integridade física cometido dessa maneira, mesmo que ele seja um delinquente primário, com modestas condições pessoais e económicas e com encargo familiar.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 205/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão final proferido nos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-10-0192-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor mediato, na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelo art.o 138.o, alínea c), do vigente Código Penal (CP), na pena de dois anos e três meses de prisão efectiva, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a suspensão da pena, tendo imputado à decisão recorrida a violação do disposto nos art.os 64.o e 48.o do CP (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 235 a 237 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 248 a 249) no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fl. 259), preconizando também a improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência (em sede da qual foi posta, oficiosamente para discussão – em prol da possibilidade de coexistência de várias soluções plausíveis do direito – a questão, a relevar do n.o 1 do art.o 116.o do vigente Código de Processo Penal (CPP), de eventual invalidade de consideração, pelo Tribunal a quo, aquando da formação da sua livre convicção sobre os factos, do depoimento do pessoal investigador da Polícia Judiciária então ouvido na audiência de julgamento da Primeira Instância como testemunha da acusação), cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
A. Segundo a factualidade dada como provada em primeira instância (como tal descrita nas páginas 3 a 5 do texto do acórdão recorrido), e na sua essência:
– o arguido, para exercer vingança, através de agressão corporal, contra o ofendido dos autos (por este, sendo seu superior hierárquico directo numa companhia de tax free shopping no Aeroporto Internacional de Macau, lhe ter emitido várias advertências sobre as falhas negligentes do seu trabalho nessa companhia em que tinha trabalhado e da qual finalmente saído aposentado antecipadamente em 8 de Maio de 2008 por ter violado, por várias vezes, as regras da companhia), chegou a dar ordem, em Macau, no dia 10 de Dezembro de 2008, cerca das seis horas da tarde, a um indivíduo, o qual, por sua vez, se juntou com um outro indivíduo, para estes dois, segundo o plano previamente sugerido pelo próprio arguido, perseguirem o ofendido e lançarem líquido ácido sulfúrico no corpo do ofendido, e foi assim que nesse mesmo dia, cerca das sete horas à tarde, esses dois indivíduos, em conjugação de esforços e com divisão de tarefas, acabaram por lançar meio corpo de líquido ácido sulfúrico na cara esquerda do ofendido, o que fez com que este tenha ficado com queimaduras químicas em várias partes do corpo em 15% e 2.o grau em termos de profundidade, na parede torácica e ambos os antebraços, e, após recuperação, com cicatrizes das queimaduras que iriam afectar a sua habilidade social, para além de com sensação de dores e comichão na zona de cicatrizes;
– o arguido está desempregado, tem o ensino primário como habilitações literárias, e a mulher a seu cargo, e é delinquente primário.
B. Da fundamentação probatória dos factos tecida pelo Tribunal Colectivo no acórdão recorrido, este chegou a afirmar que a sua livre convicção sobre os factos se baseou também no depoimento do pessoal investigador da Polícia Judiciária, que depôs, como testemunha da acusação, na audiência de julgamento que tinha ouvido claramente da boca daqueles dois indivíduos (alegadamente comandados pelo arguido, segundo a tese da acusação), inquiridos num estabelecimento prisional da China ao abrigo da cooperação policial entre a China e Macau, a dizer que tinha sido o arguido a dar ordem para praticar actos de agressão corporal contra o ofendido.
C. Da acta de audiência de julgamento da Primeira Instância, não consta que aqueles dois indivíduos (alegadamente comandados pelo arguido) tenham sido convocados pelo Tribunal a quo para efeitos de inquirição em juízo em Macau, nem consta o motivo do não chamamento dos mesmos dois indivíduos para serem inquiridos em Macau.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Antes de conhecer da questão de suspensão de execução da pena de prisão unicamente colocada pelo arguido na sua motivação de recurso, cabe decidir se, nesta sede recursória, pode ser julgada, oficiosamente por este TSI, como inválida, sob a égide do n.o 1 do art.o 116.o do CPP, a consideração que o Tribunal a quo, aquando da formação da sua livre convicção sobre os factos, deu ao depoimento do pessoal investigador da Polícia Judiciária então ouvido na audiência de julgamento da Primeira Instância como testemunha da acusação, na parte referente às palavras ditas pelos acima dois indivíduos inquiridos na China ao abrigo da cooperação policial entre a China e Macau.
Sobre isto, e atendendo precisamente a que o arguido ora recorrente circunscreveu – nos termos permitidos pelo art.º 393.º, n.os 1 e 2, alínea c), do CPP, artigo este ressalvado expressamente na parte inicial do n.º 1 do precedente art.º 392.º – o objecto do seu recurso somente à questão da pretendida suspensão de execução da pena de prisão, questão essa que é autónoma da sua culpabibilidade pela prática do crime por que vinha condenado em primeira instância, realiza este Tribunal ad quem que não se pode conhecer, aqui oficiosamente, da aludida questão de depoimento indirecto, com o que há que ficar intacta a matéria de facto já julgada como provada pelo Tribunal recorrido.
E mesmo que se entendesse que seria ainda jusprocessualmente possível o conhecimento oficioso dessa questão, sempre se diria que o Tribunal recorrido poderia, legalmente, ter valorado o depoimento do referido pessoal investigador da Polícia Judiciária também na parte referente às palavras ditas por aqueles dois indivíduos na China, porquanto estes dois foram inquiridos na China por esse pessoal investigador à luz da cooperação policial entre a China e Macau, e por determinação nesse sentido pelo Ministério Público de Macau.
É, pois, agora altura para apreciar o mérito da única questão posta pelo recorrente.
A este propósito, cumpre observar, desde já, que o art.o 64.o do CP não pode ser invocado pelo recorrente para sustentar o seu desejo de ver suspensa a execução da pena de prisão, uma vez que não está em causa o problema – que nem se pode pôr in casu – de escolha da espécie da pena a aplicar ao seu crime, porque este delito é punível apenas com pena de prisão nos termos do art.o 138.o do CP.
Pois bem, apesar de se tratar de um delinquente primário, com modestas condições pessoais e económicas e com encargo familiar, o seu pedido de suspensão da pena de prisão, ante as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal recorrido, e sobretudo no focado na parte II do presente acórdão de recurso, não pode ter viabilidade alguma, sob pena de comprometer as muito elevadas exigências de prevenção geral do tipo legal de crime de ofensa grave à integridade física em apreço, sobretudo quando praticado de forma como o foi pelo recorrente (cfr. o critério material para suspensão da pena, plasmado no art.º 48.º, n.º 1, do CP).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso, com custas pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão ao ofendido.
Macau, 20 de Junho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator) (com a declaração de que como o arguido circunscreveu – nos termos permitidos pelo art.º 393.º, n.os 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Penal, artigo este ressalvado expressamente na parte inicial do n.º 1 do precedente art.º 392.º – o objecto do seu recurso somente à questão da pretendida suspensão de execução da pena, questão essa que é autónoma da sua culpabibilidade pela prática do crime por que vinha condenado em primeira instância, não pode já o presente tribunal ad quem conhecer oficiosamente da questão de depoimento indirecto.)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto) (Consignando que não me parece haver valoração de prova ilegal)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta) (Vencido nos termos de declaração de voto que se junta em anexo)

Processo nº 205/2013 (Autos de recurso penal)
Data: 20/06/2013
Declaração de voto

Vencida por seguintes razões:

Não concordo com o douto acórdão de manter a decisão condenatória do arguido recorrente pela prática, em autoria imediato, na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física por entender que no julgamento da primeira instância, a convicção do Tribunal a quo, fundamentou-se na prova proibida, ao ouvir o depoimento da testemunha agente da P.J. que foi inquirir os dois agressores na cadeia da RPC que ouviu espontaneamente da boca destes que foi o arguido a pessoa que deu instruções a estes para praticarem os factos constantes da acusação. É este o depoimento indirecto, nos termos do art.116º do Código Processo Penal, bem como a leitura é proibida ao abrigo do art.337º nº7 do Código Processo Penal.

Assim sendo, devia ser revogado o julgamento e reenviado todo o processo para novo julgamento.

A Primeira Adjunta

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Tam Hio Wa




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