Recurso nº 358/2011
Recorrente: A
Recorrida : B
A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
B, como sede em Hong Kong, vem instaurar acção declarativa com processo ordinário contra A, com sede em Macau, pedindo ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de MOP$575.502,69, acrescida de juros vincendos à taxa legal, até ao integral pagamento, tudo com custas e procuradoria condigna.
Citada a ré, esta contestou pugnando pela improcedência da acção.
Correndo os normais termos processuais, procedido o julgamento e o Colectivo respondeu aos quesitos e finalmente, o Mmº Juiz-Presidente proferiu a sentença e julgou parcialmente procedente a acção ordinária intentada e condenou a R. a pagar à A. a quantia de MOP$515.636,11, com juros de mora à taxa legal ao ano, calculados a partir das seguintes datas até efectivo e integral pagamento:
- MOP$443.845,11, desde 9/7/2008;
- MOP$71.791,00, desde 21/11/2008.
Com esta sentença não conformou, recorreu para este Tribunal A, alegando que:
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente por provada o pedido deduzido pela Autora, ora Recorrida, e em consequência condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar à Autora/Recorrida a quantia de MOP$515,636.11 dos preços das obras em dívida, acrescido dos juros, calculados à taxa legal ao ano, calculados a partir das seguintes datas até efectivo e integral pagamento: MOP$443,845.11, desde 9/7/2008; e MOP$71,791.00, desde 21/11/2008.
2. No entanto, os poucos factos provados e presentes na contestação impunham uma diferente solução de direito, ou pelo menos uma lide processual diferente.
3. Salvo o devido respeito, que é muito, não concorda a Recorrente com a douta decisão a que chegou o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, pelas razões que passaremos a expor:
4. O meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, deu como provada a seguinte matéria factual, com relevância para a apreciação do presente recurso:
a. A Autora./Recorrida é uma sociedade de Hong Kong que se dedica à representação e instalação em imóveis de uma variada gama de materiais de construção civil.
b. A Ré/Recorrente é uma sociedade de Macau cujo objecto principal é a construção civil e obras públicas.
c. No âmbito das respectivas actividades, em 21 de Maio de 2007, a Recorrida e a Recorrente acordaram, por escrito, que a Recorrida iria fornecer à Recorrente a instalação de materiais para o Hotel MGM Grand Macau – VIP Lobby, Great Room and Grand Hall.
d. O valor inicial da obra foi de MOP$1,339,000.00.
e. Durante a execução da obra, a Recorrida efectuou para a Recorrente, pelo menos um trabalho adicional referente ao “Storage of Panel”, no montante de MOP$16,480.00.
f. Durante a execução da obra, a Recorrida efectuou mais um trabalho adicional (não previsto no contrato), referente a “2” sets of roller with acessories”, no valor de MOP$20,600.00.
g. A Recorrente aceitou a execução desses trabalhos adicionais.
h. A Recorrente recebeu a obra da Recorrida no dia 31 de Dezembro de 2007.
i. A Recorrente confirmou expressamente este recebimento no dia 15 de Janeiro de 2008.
j. Durante a execução dos trabalhos a Recorrente foi efectuando pagamentos parciais à Recorrida no valor de MOP$932,234.89, como contrapartida dos serviços prestados pela Recorrida.
k. Em 19 de Maio de 2008 a Recorrida apresentou à Recorrente uma factura final no valor de MOP$431,794.00.
l. A Recorrida enviou à Recorrente uma carta registada, datada de 8 de Julho de 2008, solicitando o pagamento dessa factura.
m. Ficou acordado entre a Recorrida e a Recorrente que esta reteria, durante 12 meses, a quantia referente a 5% do valor total da empreitada, ou seja MOP$71,791.00 como caução para reparação de eventuais defeitos da obra.
n. Após esses 12 meses, a Recorrida apresentou uma factura datada de 21 de Novembro de 2008, referente àquele montante.
5. Considerou o douto Tribunal a quo que a Ré/Recorrente foi regularmente notificada para efectuar o pagamento desses montantes em falta e que não o fez pelo que se encontra em mora.
6. Contudo não foi tido em conta que a Recorrente nunca aceitou os supra mencionados trabalhos como adicionais à excepção do “storage of panel”, no montante de MOP$16,480.00.
7. Pelo que não aceitou os valores apresentados pela Recorrida para os trabalhos adicionais.
8. Não tendo da mesma forma sido considerado pelo Tribunal a quo que a Recorrente teve que suportar o custo dos trabalhos rectificativos das obras levadas a cabo pela Recorrida.
9. Assim, será que foi feita justiça quando não se teve em consideração os argumentos apresentados pela recorrente nem tomados em linha de conta os depoimentos prestados pelas suas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento?
10. A Recorrente entende, e isto foi confirmado mediante o depoimento prestado pelas suas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, que a recorrida deveria terminar as obras para as quais se obrigou para com a Recorrente e que não deve ser a Recorrente a suportar as rectificações necessárias às obras realizadas pela recorrida.
11. Nomeadamente aos itens “modification of door hinge”, no montante de MOP$37,080.00, e “modification of cylinder lock”, no montante de MOP$22,660.00, bem como ao item “2 sets of roller with acessories” pois a Recorrente desconhece que tal trabalho tenha sido realizado, uma vez que nunca lhe foi apresentada qualquer informação relativamente a este item, a não ser o seu montante.
12. Pelo que a Recorrente não se pode conformar com a decisão do tribunal a que ao considerar que aceitou a execução de tais trabalhos adicionais.
13. Acresce que quando a Recorrida apresentou as facturas a pagamento, comprometeu-se a rever os valores apresentados e a rectificar os trabalhos que tinha efectuado e que não estavam conforme o acordado com a recorrente, tendo esta informação sido confirmada pelas testemunhas da Recorrente em sede de audiência de discussão e julgamento.
14. Porém a Recorrida nunca cumpriu esta sua promessa.
15. A Recorrente fez pagamentos parciais à Recorrida no decorrer da execução das obras acordadas.
16. Mas quando a recorrida foi interpelada para terminar as obras e rectificar as obras executadas, para que ambas as partes pudessem efectuar o acerto final de contas, a recorrida não o fez.
17. Antes pelo contrário, tendo interrompido as obras e serviços, tentando esquivar-se aos contactos que a Recorrente tentava estabelecer com a recorrida.
18. Por esta razão, os trabalhos rectificativos que a recorrida deixou de realizar, e que se tinha comprometido realizar, acabaram por ser realizados por outra companhia, e a recorrida foi informada desse facto.
19. Tendo a recorrente dispendido o montante de MOP$355,390.00 com esses trabalhos a título de mão-de-obra e material, tendo esta afirmação sido corroborada pelas suas testemunhas em se de audiência de discussão e julgamento.
20. Mas a recorrida sempre se recusou a reconhecer este valor bem como as realização das obras rectificativas ou a realizá-las.
21. Por outro lado, a recorrida nunca efectuou quaisquer trabalhos adicionais à excepção do “storage of penal”, no montante de MOP$16,480.00.
22. Daí que a recorrida não se pode afirmar credora da recorrente pois não só efectuou as obras acordadas entre si e a recorrente mas também porque a Recorrente teve que despender um elevado montante a rectifica obras executadas pela recorrida.
23. Pelo que a recorrente não se escusa ao pagamento das quantias ainda em dívida à recorrida, mas nestas não se poderão incluir os montantes peticionados a título de trabalhos adicionais, devendo ainda ser descontado o montante de MOP$355,390.00, montante este que foi suportado pela Recorrente em virtude das rectificações realizadas às obras executadas pela recorrida.
24. Posto isto, decorre dos autos que a Recorrente também detém um direito de crédito sobre a ora Recorrida, devendo este crédito, no montante de MOP$355,390.00 ser tomado em consideração, devendo assim ser feito um acerto de contas entre o crédito da Recorrida e o da Recorrente, sendo ainda certo que o crédito que a recorrida alega deter sobre a Recorrente nunca poderá incluir os trabalhos que a Recorrida apelida de adicionais.
Termos em que, pelas razões, expostas, se requer sejam consideradas procedentes todas as conclusões formuladas pela ora Recorrente no presente recurso, e consequentemente se revogue a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere improcedente o pedido da ora Recorrida, ou caso não seja esse o douto entendimento que seja feito um acerto de contas entre o crédito da Recorrida, o qual não pode incluir os montantes peticionados a título de trabalhos adicionais, e o crédito da recorrente, assim se fazendo Justiça!
B veio responder o recurso, alegando, em síntese, o seguinte:
1. Não se conformou a R., ora recorrente, com a douta sentença de fls. 91 e segs. alegando, essencialmente, que o Tribunal “a quo” “não fez justiça” quando não teve “… em consideração os argumentos apresentados pela recorrente nem tomados em linha de conta os depoimentos prestados pelas suas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento”.
2. Por outras palavras, pretende a recorrente, por um lado, abalar a matéria de facto assente em audiência de julgamento por parte do Tribunal Colectivo e, por outro lado – mas na mesma linha da raciocínio – “modificar a decisão de facto” com base no depoimento das testemunhas por si arroladas.
3. Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto apurada em julgamento.
4. Foi oportunamente requerida pela R., ora recorrente, a “gravação da audiência de discussão e julgamento”, nos termos do art.º 448º do C.P.C. (v. fls. 64 dos autos).
Tal pretensão da R. Foi deferida (v. fls. 65-v dos autos).
Ora,
5. Perante tais alegações, entende a recorrida que o recurso em apreço deverá ser rejeitado.
6. Na verdade, a recorrente não faz mais do que não concordar com a matéria de facto que o Tribunal deu como assente ao abrigo do “princípio da livre apreciação da prova” consagrado no art.º 558º do C.P.C., fazendo ainda “tábua rasa” do disposto no art.º 599º do C.P.C..
Isto é,
7. Para impugnar a matéria de facto assente – e, diremos nós, também aquela que não ficou assente, respeitante à matéria que a recorrente invocou em sede de contestação … - deveria a recorrente ter dado cumprimento do disposto no nº 1 e nº 2 daquele último comando, ou seja, especificando “os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados” e “os concretos meios probatórios … que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida”.
E, no caso de os meios probatórios terem sido gravados – como foi o caso – indicando “… as passagens da gravação em que se funda”.
8. O que não aconteceu.
Impedindo, assim, a recorrida, na presente contra-alegação, infirmar “… as conclusões da recorrente” (nº 3 do mesmo artº do C.P.C.).
9. A sanção de tal incumprimento é a rejeição do recurso (nº 1 do mesmo artº do C.P.C.).
É, pois, o que se requer ao Tribunal “ad quem”.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser pura e simplesmentes rejeitado.
Cumpre-se decidir.
Foram colhidos os vistos legais.
À matéria de facto foi dada por assente a seguinte factualidade:
- A A. é uma sociedade de Hong Kong que se dedica à representação e instalação em imóveis de uma variada gama de materiais de construção civil. (A)
- A R. é uma sociedade de Macau cujo objecto principal é a construção civil e obras públicas. (B)
- No âmbito das respectivas actividades, em 21 de Maio de 2007, a A. e R. acordaram por escrito, nos termos do documento junto aos autos a fls. 12 a 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual a segunda encomendou à primeira o fornecimento e instalação de materiais para o Hotel MGM Grand Macau – Vip Lobby, Great Room and Grand Hall. (C)
- O valor inicial do obra aludida em C) foi de MOP$1.339.000,00. (D)
- Durante a execução da obra, a A. efectuou para a R., pelo menos, um trabalho adicional referente ao “Storage of Panel”, no montante de MOP$16.480,00. (E)
- Durante a execução da obra a A. executou mais um trabalho adicional (não previsto no contrato aludido em C), referente a “2 sets of roller with accessories”, no valor de MOP$20.600,00. (1º)
- A R. aceitou a execução desses trabalhos adicionais. (2º)
- A R. recebeu a obra da A. no dia 31 de Dezembro de 2007. (3º)
- A R. confirmou expressamente este recebimento no dia 15 de Janeiro de 2008. (3º A)
- Durante a execução dos trabalhos a R. foi efectuando os pagamentos parciais à A. no valor de MOP$932.234,89, como contrapartida dos serviços prestados pela A. (4º)
- Em 19 de Maio de 2008 a A. apresentou à R. uma factura final no valor de MOP$431.794,00, com o teor constante de fls. 17. (5º)
- A A. enviou à R. uma carta registada, datada de 8 de Julho de 2008, solicitando o pagamento da factura aludida em 5º. (6º)
- Ficou acordado entre a A. e a R. que esta reteria, durante 12 meses, a quantia referente a 5% do valor total da empreitada, ou seja, MOP$71.791,00 como caução para reparação de eventuais defeitos da obra. (7º)
- Findo o prazo aludido em 7º, a A. apresentou à R. uma factura, datada de 21 de Novembro de 2008, referente àquele montante. (8º)
Conhecendo.
A recorrente, por um lado, vem com o presente recurso discordar com a decisão da matéria de facto que considerou que a mesma tinha aceitado os trabalhos adicionais; por outro lado, com as conclusões nºs 14 e ss invocando a não execução dos trabalhos adicionais, à excepção do “storage of penel”, pela autora e finalmente deve descontar o montante de MOP$355,390.00, suportado pela recorrente em virtude das rectificações realizadas às obras executadas pela recorrida.
A recorrente, na sua contestação, nunca invocou essa dispensa do montante que poderia eventualmente compensados ou como fundamento de excepção do incumprimento, veio agora no recurso, invocar esta questão, que é manifestamente uma nova questão, da que este Tribunal não pode conhecer, pois nunca foi a mesma qualquer objecto da apreciação pelo Tribunal a quo.
Assim sendo, o objecto do presente recurso é a decisão que considerou que a recorrente tinha aceitado os trabalhos adicionais à excepção de “storage of panel”.
A recorrente alegou que do depoimento das testemunhas prestado em audiência pode confirmar que a recorrente nunca aceitou a referida parte dos trabalhos adicionais.
Com estas mera alegações, a recorrente limitou-se a, senão sindicar à livre convicção do Tribunal, manifestar a sua mera discordância com a decisão da matéria de facto, que tinha sido tomado após formação da convicção do Tribunal, consignando os factos assentes. Assim, independentemente da falta de indicar as normas violadas, afigura-se recurso ser manifestamente improcedente.
Sem mais delongas, é de julgar improcedente o presente recurso.
Pelo exposto acordam neste Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
RAEM, aos 4 de Julho de 2013
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
TSI.358-2011 Página 1