Processo n.º 962/2012 Data do acórdão: 2013-7-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– livre apreciação da prova
– art.º 114.º do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Como depois de vistos todos os elementos probatórios dos autos, não se vislumbra como evidente ao tribunal ad quem que o tribunal recorrido, ao ter julgado a matéria de facto como o fez concretamente no seu acórdão, tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violado alguma norma jurídica cogente sobre o valor da prova, ou violado quaisquer legis artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, não pode o arguido recorrente vir sindicar gratuitamente a livre convicção a que chegou esse tribunal sob aval do art.o 114.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 962/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A (XXX)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 98 a 102 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-12-0063-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou, como autor material, na forma consumada, de um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo art.o 311.o do vigente Código Penal (CP), na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, veio o arguido A (XXX), aí julgado na sua ausência como tal consentida pelo próprio, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a reforma desse julgado a seu favor, com base no seguinte alegado, na sua essência, na motivação (de fls. 105 a 106 dos presentes autos correspondentes):
– o relatório médico junto aos autos faz prova de que ele praticou os factos em elevado estado de embriaguez, tendo acusado um grau de alcoolemia no sangue de 2,4 gramas por litro;
– é regra da experiência comum, critério pelo qual se deve fazer a apreciação da prova, que quem age sob a influência do álcool tem a sua vontade diminuída e adopta comportamentos que não são voluntários nem mesmo conscientes;
– isso mesmo foi notado pelos agentes da Polícia de Segurança Pública que foram chamados a intervir no caso e que declararam, na audiência de julgamento, que o arguido não sabia o que fazia, não pareceu que quisesse agredir e não terá mesmo precebido que o seu procedimento se dirigia a agentes de autoridade;
– não se lhe pode imputar que tenha agido livre e conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei;
– pelo que não pode entender-se que ele cometeu um crime de resistência, p. e p. pelo art.o 311.o do CP, devendo antes concluir-se que o seu comportamento integra a fattispecie prevista no art.o 284.o do mesmo Código, nesses termos se devendo convolar a acusação e aplicar ao caso a pena que se tiver por adequada.
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 108 a 110v), no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 123 a 124), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Segundo a fundamentação fáctica do acórdão recorrido (tecida originalmente em chinês a fls. 99 a 100 dos autos), na parte que ora interessa à solução do recurso:
– em 27 de Outubro de 2011, à noite, junto da entrada de um hotel em Macau, o arguido, de modo livre, voluntário ou consciente, e sabendo que os dois guardas policiais ofendidos se encontravam a exercer as suas funções, empregou violência contra os mesmos, para se opor aos actos de execução de lei levados a cabo por este pessoal policial, sabendo o arguido que a sua conduta não era permitida por lei e era punível por lei.
Na fundamentação probatória da sua livre convicção sobre os factos, o Tribunal recorrido chegou a tecer as seguintes considerações nas 13.a a 19.a linhas da página 5 do seu acórdão (ora concretamente a fl. 100 dos autos):
– os dois guardas policiais de segurança pública prestaram declarações em audiência de julgamento, falando de modo objectivo e claro sobre o decurso das coisas;
– a testemunha do arguido prestou declarações na audiência de julgamento, confirmando que antes da ocorrência do caso, a testemunha e o arguido tinham bebido vinho em conjunto, mas a testemunha não estava presente no decurso do caso;
– feita a análise, objectiva e global, das declarações do arguido lidas na audiência de julgamento e das declarações de diversas testemunhas, em conjugação com a prova documental examinada na audiência de julgamento, o apreendido e outros elementos probatórios, o Tribunal dá por provados os factos acima referidos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Da argumentação tecida pelo arguido na sua motivação de recurso, flui que no fundo, ele pretende sindicar da livre convicção do Tribunal a quo sobre os factos materialmente integradores do seu dolo directo na prática do crime de resistência do art.o 311.o do CP por que vinha condenado, e para isto, invoca que teve 2,4 gramas por litro de alcoolemia no seu sangue, taxa essa que fez com que ele tenha tido a sua vontade diminuída e adoptado comportamentos não voluntários nem mesmo conscientes.
Entretanto, atentas as considerações inclusivamente tecidas pelo Tribunal recorrido em jeito de fundamentação probatória da sua livre convicção formada sobre os factos, não se vislumbra como evidente ao presente Tribunal ad quem, depois de vistos todos os elementos probatórios dos autos, que esse Tribunal, ao ter julgado a matéria de facto como o fez concretamente no seu acórdão, tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violado alguma norma jurídica cogente sobre o valor da prova, ou violado quaisquer legis artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, pelo que não pode o arguido recorrente vir sindicar gratuitamente a livre convicção a que chegou o mesmo Tribunal recorrido sob aval do art.o 114.o do vigente Código de Processo Penal, sendo de frisar que o referido grau de alcoolemia no sangue, de 2,4 gramas por litro, não afasta, por si só, a possibilidade fáctica, constatável por todos os outros elementos de prova então produzidos e examinados na audiência de julgamento, de o próprio arguido ter agido de modo ainda livre, voluntário e consciente, na sua conduta de empregar violência contra os dois guardas policiais ofendidos, para se opor aos actos de execução de lei na altura levados a cabo por estes dois no exercício das suas funções, ao que acresce que a testemunha do arguido só confirmou que tinha bebido vinho em conjunto com o arguido antes do incidente, e não mais do que isso.
Intocada assim a matéria de facto assente no aresto recorrido na concreta parte ora impugnada pelo arguido, há que decair também a tese de pretendida convolação do crime acusado para o do art.o 284.o do CP.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com oito UC de taxa de justiça.
Comunique aos dois guardas policiais ofendidos.
Macau, 18 de Julho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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