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Processo nº 194/2013 Data: 13.06.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “falsificação de documentos”.
Cúmulo jurídico.
Pena única.



SUMÁRIO

1. Na determinação da pena única são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo aquela como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

2. Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente.

3. Não se mostra excessiva a pena única de 3 anos e 3 meses de prisão aplicada a 1 arguido autor da prática de 2 crimes de “falsificação de documentos”, pelos quais foi condenado nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão.

O relator,

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Processo nº 194/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, (2a) arguida com os sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenada como co-autora da prática de 2 crimes de “falsificação de documento”, p. e p. pelo art. 18°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão cada, e em cúmulo, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 1430 a 1447-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para a final, em sede de conclusões afirmar o que segue:

“1. Face aos factos tidos por provados e à sua ponderação face à personalidade, circunstâncias pessoais, profissionais e familiares da recorrente, conforme melhor explanado acima, o acórdão recorrido incorreu num erro de julgamento nos termos do art. 400.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, ao ter feito incorrecta aplicação do regime contido no art. 71.°, n.° 1, do Código Penal.
2. Conforme acima melhor explanado, a pena conjunta que, face àqueles factos, personalidade e circunstâncias da recorrente, deveria ter sido no máximo, uma pena conjunta de 2 anos e 11 meses (2 anos e 6 meses + 5 meses) .
3. Caso o presente recurso, após análise, seja julgado procedente ou parcialmente procedente e, pois, seja a recorrente punida com uma pena conjunta inferior a 3 anos de prisão, como se espera, entende esta dever esse Venerando Tribunal suspender a respectiva execução pois, perante os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação das penas, ínsitos no art. 64.° do C.P.M., uma pena efectiva se mostraria desnecessária para cumprir as finalidades da punição”.
A final, pede “que seja a recorrente condenada em medida de pena conjunta inferior a 3 anos, suspensa na sua execução até 5 anos, com cumprimento de deveres, regras de conduta e/ou regime de prova, se assim for entendido”; (cfr., fls. 1523 a 1538).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 1573 a 1576-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer, considerando que censura não merecia a decisão recorrida.

Eis o teor do dito Parecer:

“A, ora arguida dos presentes autos, foi condenada, em co-autoria material e na forma consumada, pela prática de 2 crimes de falsificação de documento p.p. pelo art° 18° n° 2, da Lei 6/2004 com um pena parcelar, por cada um dos dois crimes, de 2 anos e 6 meses e, em cúmulo, na pena conjunta de 3 anos e 3 meses de prisão.
Inconformada com a decisão, alegando a violação das normas contidas nos artes 71 ° n°1 e 64° do CPM e, e defendendo a redução da pena conjunta da prisão para inferior a 3 anos, suspensa na sua execução até 5 anos.
Subscrevemos as judiciosas considerações explanadas pela Magistrada do Ministério Público na sua resposta à motivação do recurso.
Analisados os autos, entendemos que não se pode reconhecer razão à recorrente, pois não se vislumbra que o douto acórdão ora recorrido tenha violado as regras e as normas legais acima mencionadas.
Como se sabe, na determinação da pena concreta, há que ter em conta o disposto nos art°s 40°, 65° do CPM, segundo os quais a pena concreta não pode ultrapassar a medida da culpa e a determinação da medida da pena é feita dentro dos limites definidos na lei e em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, devendo o tribunal atender o todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
No caso vertente, a recorrente foi condenada pela prática de 2 crimes de falsificação de documento p.p. pelo art° 18° n° 2, da lei 6/2004 puníveis com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Decidiu o Tribunal a quo aplicar a pena de 2 anos e 6 meses por cada um dos dois crimes.
Repara-se que a medida das penas aplicadas fica muito próxima dos limites mínimos previstos para cada crime.
Invoca a recorrente os factos de, ser primária, ter profissão, ser uma mãe-solteira e ser o sustento do filho com 15 anos de idade.
Admite-se que o primeiro elemento pode militar a favor da recorrente, na medida em que revela o seu comportamento anterior à prática dos crimes.
No entanto, não se encontram nos autos outros elementos com valor atenuante que militem a favor da recorrente.
Verifica-se apenas uma confissão parcial.
E não se deve ignorar o dolo intenso da recorrente, tal como foi demonstrado pelo Tribunal a quo.
Ficou provado que, a recorrente, de forma livre, voluntária e consciente, por mútuo consentimento com 1° e 3° arguidos, em conjugação de esforços e vontades e de comum acordo, com intenção de obterem enriquecimento ilegítimo, arranjou as relações de trabalho falso para os não-residentes de Macau obterem documentos legalmente exigidos para aqui permanecer.
Do ponto de vista de prevenção do crime, o crime praticado pela recorrente é grave, provocando influência negativa aos bens jurídicos que o legislador pretende proteger, bem como sendo causa de prejuízos a terceiros e à R.A.E.M ..
Face aos elementos apurados nos autos, atendendo à natureza e gravidade do crime cometido pela recorrente, às circunstâncias concretas e às exigências de prevenção geral e especial, afiguram-se-nos justas e equilibradas as penas parcelares aplicadas pelo Tribunal a quo, com observância do disposto nos art°s 40° e 65° do CPM.
De igual modo não se mostra violado o disposto no art° 71° do CPM na fixação da pena única resultante do cúmulo jurídico.
A recorrente alega que por força do art° 71 n° 1 do CPM, o Tribunal a quo dentro da respectiva moldura do crime, de 2 anos e 6 meses de prisão a 5 anos de prisão, determinou parcelar cada um dos dois crimes, por cerca de 8,3% da moldura (ao ter condenado a 2 anos e 6 meses por crime que é punível de 2 a 8 anos), mas de 30% (à pena parcelar mínima de 2 anos e 6 meses "adicionou" 9 meses, obtendo a pena conjunta de 3 anos e 3 meses). Entende assim, na determinação da medida da pena conjunta, que a mesma deveria ter sido graduada em nunca mais de 17% da respectiva moldura, consequentemente, numa pena conjunta de 2 anos e 11 meses (2 anos 6 meses + 5 meses).
É de acrescentar que é de entendimento uniforme que, não há uma fórmula matemática na determinação da medida da pena, não obstante ser dominante a "Teoria da margem da liberdade", esta liberdade conferida ao julgador não é arbitrária, é antes uma actividade judicial juridicamente vinculada, uma verdadeira aplicação de direito.
E nada impede que o tribunal de recurso possa apreciar a respectiva questão colocada à sua decisão, alterando a medida de pena concretamente aplicada pelo tribunal de 1 a instância.
No entanto, no caso sub judice não se nos afigura que, face à matéria de facto provada e tendo em atenção a moldura penal aplicável bem como os critérios definidos na lei para efeito de determinação da medida da pena, chamando-se ainda atenção para as exigências da prevenção criminal, sobretudo de prevenção geral, não merecem censura as penas, tanto parcelares como única, fixadas pelo Tribunal a quo, pelo que se deve mantê-las.
Acresce por fim, quando à suspensão da pena de prisão na sua execução, como a pena única é superior a 3 anos de prisão, não há lugar à aplicação do art° 48° do CPM.
Pelo exposto, entendemos que se deve ser julgado improcedente o recurso”; (cfr., fls. 1545 a 1547).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 1438-v a 1443, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida A recorrer do Acórdão que a condenou como co-autora da prática de 2 crimes de “falsificação de documento”, p. e p. pelo art. 18°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão cada, e em cúmulo, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão.

E, como se viu, sem contestar a decisão da matéria de facto e a sua qualificação jurídico-penal, insurge-se apenas quanto à “sanção” que lhe foi imposta, pedindo a sua condenação em pena única inferior a 3 anos, suspensa na sua execução até 5 anos, com cumprimento de deveres, regras de conduta e/ou regime de prova, (se assim for entendido).

Vejamos.

Nos termos do art. 18° da Lei n.° 6/2004:

“1. Quem, com a intenção de frustrar os efeitos da presente lei, por qualquer dos meios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, falsificar bilhete de identidade ou outro documento autêntico que sirva para certificar a identidade, passaporte ou outros documentos de viagem e respectivos vistos, bem como qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada e permanência ou os que certificam a autorização de residência na RAEM, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. A mesma pena é aplicada à falsificação, pelos meios referidos no número anterior, de documento autêntico, autenticado ou particular, bem como às falsas declarações sobre elementos de identificação do agente ou de terceiro, com intenção de obter qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada, permanência ou autorização de residência na RAEM.
3. Quem usar ou possuir qualquer dos documentos falsos referidos nos números anteriores, é punido com pena de prisão até 3 anos”.

Nesta conformidade, provado estando que cometeu a arguida 2 crimes de “falsificação de documentos”, fixou-lhe o Tribunal a pena de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um destes crimes, pena esta que nem a própria recorrente contesta.

Entende é a recorrente que em sede de “cúmulo jurídico” incorreu o Colectivo a quo em “erro de direito”, ao fixar uma pena única – de 3 anos e 3 meses de prisão – que considera excessiva e desrespeitadora do art. 71° do C.P.M., dizendo também que as penas parcelares foram fixadas junto dos seus limites mínimos e que na pena conjunta não se adoptou o mesmo critério.

Ora, nos termos do art. 71° do C.P.M.:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”.

Atento o estatuído no n.° 2 do transcrito comando legal, e face às penas parcelares fixadas, em causa está uma moldura penal com um limite mínimo de 2 anos e 6 meses, e um limite máximo de 5 anos de prisão.

Importa agora atentar no prescrito no n.° 1 do dito art. 71° que determina que “na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E como já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar:
“Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g. Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012 e , mais recentemente o de 07.02.2013, Proc. n.° 1010/2012).

Aqui chegados, quid iuris?

Pois bem, sem prejuízo do muito respeito por entendimento diverso, não nos parece de considerar a pena única pelo Tribunal a quo fixada como inflacionada.

Com efeito, não se pode olvidar que a ora recorrente agiu em “comparticipação”, pondo em causa o interesse público e movida pelo interesse de obter “enriquecimento ilegítimo”, e que (tanto as penas parcelares como) a dita pena única encontra(m)-se bem próxima(s) do seu limite mínimo, tão só a (seis e) nove meses deste, e a (cinco anos e meio e a) 1 ano e nove meses do seu limite máximo, (não estando sequer no seu meio), certo sendo que não existem “fórmulas matemáticas” e que, não se deixou de ponderar em todas as circunstâncias que, no caso, eram favoráveis à ora recorrente.

Daí que motivos não existam para a pretendida redução.

–– Quanto à também pretendida suspensão da execução da pena, evidente é a sua improcedência.

Com efeito, apenas se podendo ponderar em tal questão quando a pena aplicada seja em medida “não superior a 3 anos”, (cfr., art. 48° do C.P.M.), mais não é preciso dizer.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Pagará a arguida a taxa de justiça de 6 UCs.

Macau, aos 13 de Junho de 2013

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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 194/2013 Pág. 16

Proc. 194/2013 Pág. 1