Processo n.º 238/2012
(Recurso contencioso)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 20/Junho/2013
ASSUNTOS:
- Processo disciplinar
- Exercício da medicina fora do Hospital
- Aconselhamento de clínica privada onde familiar presta serviço
- Violação do dever de exclusividade, de zelo e imparcialidade
SUMÁRIO:
Se uma médica, prestando serviço em regime de exclusividade no hospital público, exerceu serviço numa clínica privada onde o marido também trabalha e de que é sócio, se distribui cartões de visita dessa clínica aos pacientes no hospital, ainda que aconselhando e referindo serviços que neste não são prestados, não deixa de favorecer uma dada clínica privada e dados interesses particulares, afigurando-se ser merecedora de censura disciplinar tal conduta.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 238/2012
(Recurso Contencioso)
Data : 20 de Junho de 2013
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, casada, mais bem identificada nos autos, não se conformando com o despacho de Exm.º Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura que lhe aplicou a pena disciplinar suspensão de 180 dias, que lhe foi notificada a 29 de Fevereiro de 2012, por violação do disposto nos arts. 279°, nº 2 alíneas b) e i), nº 3, nº 4 e 11° do ETAPM, i.e., violação do dever de isenção e dos deveres de zelo e de não exercício de actividades incompatíveis, vem interpor recurso contencioso, alegando em síntese conclusiva útil:
O acto proferido é nulo por Vício de Forma, designadamente carência absoluta de forma legal por total ausência de fundamentação, violando os mais elementares Direitos Fundamentais da recorrente - cfr artigos 3°, 4°, 5°, 6°, 70, 113º, 114º, 115°, 121° e 122° do CP.A., artigos 4°, 8°, 11°, 18°, 24°, 25°, 36°, 40° e 41º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
Em consequência da falta absoluta de forma legal, somos em entender que foram, também, violados os Princípios da Legalidade, da Protecção dos Direitos e Interesses dos Residentes, da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça e Imparcialidade, do Direito ao Trabalho e In Dubio Pro Reo - cfr. artigos 3°, 4°, 5° e 7° do C.P.A. e artigos 11°, 25°, 36°, 40° e 41° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
O acto recorrido é nulo, também por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, resultante da ausência de premissas reais e matéria factual necessária de suporte e que permita inferir a existência da conduta infraccional artigos 279°, 280°, 281° do ETAPM e artigos 3°, 4°, 5°, 7°, 8°, 9°, 10°, 54°, 76°, 77°, 85°, 86°, 88°, 93° e 114° e 122°, n.º 2 alínea d) do C.P.A.;
O Acto recorrido padece, também, do Vício de Violação de Lei, pois viola todas as disposições citadas, i.e., artigos 280°, 281°, 279°, nºs 2 alíneas a), b) e i), nºs 2, 3, 4 e 11 e 277°, todos do ETAPM e art. 335° do CP, ferindo, no seu núcleo essencial, Direitos Liberdades e Garantias da recorrente, de carácter constitucional pois consagrados na Lei Básica da R.A.E.M., com o que, desde já se considera o Acto ferido de nulidade - cfr. art. 122°, n.º 2 alínea d) e 123° do C.P.A.
Nestes termos, requer que seja recebido o presente recurso, citada a autoridade recorrida para responder, querendo, vindo, a final, a declarar-se os vícios apontados e a dar provimento ao presente recuso.
O Exmo Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura da Região Administrativa Especial de Macau, entidade recorrida nos autos acima identificados, contesta em suma:
A Recorrente não impugnou os factos dados como provados no relatório do Instrutor, pelo que os mesmos se consideram provados para todos os devidos e legais efeitos.
Dos factos dados como provados no relatório do Instrutor do processo disciplinar, para o qual remete o Despacho punitivo, resulta de forma evidente que a recorrente violou o dever de zelo, o dever de não exercício de funções incompatíveis e o dever de isenção.
A ora recorrente exerceu actividade médica na Clínica "Doctor Face", sendo a prestação de tal actividade incompatível com o exercício da sua actividade enquanto médica assistente do Serviço de Dermatologia no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, em exclusividade de funções.
A recorrente só estaria habilitada a exercer actividade privada, independentemente de ser ou não remunerada, se tal lhe tivesse sido autorizado superiormente, o que nunca aconteceu.
Assim, tendo exercido actividade médica fora do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, e não tendo tal actividade sido autorizada pelos Serviços de Saúde, a recorrente violou o dever geral de não exercer actividades incompatíveis, consagrado na alínea i), do n.º 2 e no n.º 11, do artigo 279.° do ETAPM.
Por outro lado, ao exercer a actividade médica na Clínica "Doctor Face" fora do seu horário de trabalho e sem a devida autorização superior, a recorrente violou, também, o dever geral de zelo, previsto na alínea b), do n.º 2 e no n.º 4, do artigo 279.° do ETAPM.
Cabe à recorrente o ónus de conhecer os seus deveres enquanto funcionária ou agente que exerce funções públicas em regime de exclusividade, pelo que tinha - e tem - o dever de saber que o exercício de actividade privada, sem autorização superior, lhe estava legalmente vedado.
Violou o dever de não exercício de actividades incompatíveis e o dever de zelo, respeitando o acto administrativo aqui posto em crise a exigência formal da fundamentação, uma vez que o mesmo evidencia com clareza os factos e o entendimento jurídico que serviram de motivação ao acto punitivo.
A recorrente ao recomendar a pacientes seus a Clínica do seu marido e ao facultar-lhes os respectivos cartões de visita não actuou com imparcialidade, independência e isenção.
Violou o dever de isenção, consagrado na alínea a), do n.º 2 e no n.º 3, do artigo 279.° do ETAPM, porque, ao aconselhar os seus pacientes a clínica do seu marido e ao facultar-lhes os respectivos cartões de visita, retirou vantagens, que não lhe são devidas por lei, das funções que exerce enquanto médica, actuando com parcialidade e dependência em relação a interesses particulares, nomeadamente do seu marido.
São estes os factos concretos constantes do despacho punitivo, que remete para o relatório, que permitem inferir a conduta infraccional da rRecorrente no que concerne ao dever de isenção, encontrando-se, deste modo, o acto administrativo posto em causa devidamente fundamentado, já que permite a um destinatário normal saber as razões de facto e de direito que conduziram ao acto punitivo.
Os factos praticados pela recorrente são passíveis de censura disciplinar, na medida em que ela actuou de forma autónoma e livre e em desconformidade com os interesses do serviço onde exerce a sua actividade, violando, assim, as suas obrigações funcionais.
Perante os factos dados como provados - e que não foram objecto de impugnação por parte da recorrente - o acto administrativo impugnado mostra-se em total sintonia com os factos apurados pelo Instrutor do processo disciplinar e com as normas legais violadas, não estando, por isso, o acto administrativo viciado por erro nos pressupostos de facto e de direito.
O acto administrativo impugnado não viola nenhuma das disposições legais referidas pela recorrente, nem quaisquer outras, tendo a entidade recorrida respeitado integralmente os princípios gerais de direito, nomeadamente os princípios jurídico-administrativos e, bem assim, o princípio do in dubio pro reo, o direito ao trabalho, o direito de acesso à justiça e aos tribunais e o direito à protecção de dados pessoais e à reserva da vida privada.
O acto recorrido não ofende o conteúdo essencial de nenhum direito fundamental consagrado na Lei Básica da RAEM.
As notícias publicadas nos jornais da RAEM a relatar toda esta situação não foram da responsabilidade da Administração.
Foi o comportamento da ora recorrente, nomeadamente, ao aconselhar e entregar os cartões de visita da Clínica "Doctor face" aos seus pacientes, encaminhando-os dessa forma para o sector privado, que determinou a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público.
A recorrente não pode vir, em sede posterior à apresentação do recurso contencioso, alegar factos e vícios aí não invocados quando já tinha obrigação de os conhecer.
Nestes termos pugna pela manutenção do acto recorrido.
O Exmo Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura da Região Administrativa Especial de Macau, entidade recorrida nos autos acima identificados, apresentou ainda ALEGAÇÕES FACULTATIVAS, dizendo no essencial:
A recorrente não conseguiu abalar os fundamentos que estiveram na base da decisão proferida pela Entidade Recorrida, nem logrou provar que o acto administrativo posto em causa padece de algum dos vícios por si apontados nas alegações de recurso.
A ora recorrente exerceu actividade médica na Clínica "Doctor Face", sendo a prestação de tal actividade incompatível com o exercício da sua actividade enquanto médica assistente do Serviço de Dermatologia no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, em exclusividade de funções.
Tendo a Recorrente exercido actividade médica fora do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, e não tendo tal actividade sido autorizada pelos Serviços de Saúde, violou o dever geral de não exercer actividades incompatíveis, consagrado na alínea i) do n.º 2 e no n.º 11 do artigo 279.° do ETAPM.
Por outro lado, ao exercer a actividade médica na Clínica "Doctor Face" fora do seu horário de trabalho e sem a devida autorização superior, a recorrente violou, também, o dever geral de zelo, previsto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 279° do ETAPM.
Cabe-lhe o ónus de conhecer os seus deveres enquanto funcionária ou agente que exerce funções públicas em regime de exclusividade.
Violou o dever de não exercício de actividades incompatíveis e o dever de zelo, respeitando o acto administrativo aqui posto em crise a exigência formal da fundamentação, uma vez que o mesmo evidencia com clareza os factos e o entendimento jurídico que serviram de motivação ao acto punitivo.
A recorrente alega que, além de ter aconselhado a pacientes seus a Clínica "Doctor Face", também lhes falou da possibilidade de realizarem esses tratamentos no Hospital Kiang Wu e no Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.
Sucede que, em momento algum conseguiu fazer prova deste facto, até porque as duas testemunhas ouvidas pelo Tribunal no dia 06 de Março de 2013, a Enfermeira C e a médica B, nada acrescentaram de novo aos presentes autos.
O testemunho da Enfermeira C revelou-se até um pouco contraditório e confuso.
O facto de o Centro Hospitalar Conde de S. Januário não oferecer aos seus pacientes tratamentos na área da medicina estético-cosmética em nada legitima a recorrente a recomendar a pacientes seus a Clínica "Doctor Face" e a entregar-lhes os respectivos cartões de visita.
A recorrente violou o dever de isenção, consagrado na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 279.° do ETAPM, porque, ao aconselhar os seus pacientes a Clínica do seu marido e ao facultar-lhes os respectivos cartões de visita, retirou vantagens, que não lhe são devidas por lei, das funções que exerce enquanto médica, actuando com parcialidade e dependência em relação a interesses particulares, nomeadamente do seu marido.
Os factos por ela praticados são passíveis de censura disciplinar, na medida em que actuou de forma autónoma e livre e em desconformidade com os interesses do serviço onde exerce a sua actividade, violando, assim, as suas obrigações funcionais.
O acto recorrido não padece do vício de violação de lei, nem de qualquer outro vício, tendo respeitado integralmente os princípios gerais de direito, nomeadamente os princípios jurídico-administrativos e, bem assim, o princípio do in dubio pro reo, o direito ao trabalho, o direito de acesso à justiça e aos tribunais e o direito à protecção de dados pessoais e à reserva da vida privada.
O acto recorrido não ofende o conteúdo essencial de nenhum direito fundamental consagrado na Lei Básica da RAEM.
Nestes termos continua a pugnar pela manutenção do acto.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emitiu o seguinte douto parecer:
Se bem apreendemos o constante da respectiva PJ., já que não apresentou alegações, imputa a recorrente A, ao acto impugnado - despacho do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de 16/2/12 que, em sede disciplinar, lhe aplicou a pena de suspensão de 180 dias - uma vastíssima panóplia de vícios, a saber:
- falta de fundamentação ;
- absoluta falta de forma legal;
- atropelo dos princípios da Legalidade, Protecção dos Direitos e Interesses dos Residentes, Igualdade, Proporcionalidade, Justiça, Imparcialidade, Direito ao Trabalho e "In dubio pro reo";
- erro nos pressupostos de facto e de direito;
- violação do disposto nos artigos 280°, 281º, 279°, n° 2, als. a), b) e i), nºs 2, 3, 4 e 11 e 277° do ETAPM e 335°, C.P. e
- violação do núcleo essencial dos Direitos, Liberdades e Garantias consagrados na LBRAEM.
Sendo certo que para a grande maioria das imputações, como é o evidente caso da suposta afronta dos variadíssimos princípios fundamentais, inexiste por parte da recorrente qualquer concretização ou caracterização mínimas e como não detemos o espírito quixotesco da esgrima contra moinhos de vento, limitar-nos-emos, sinteticamente, à matéria que, de alguma forma, vemos consubstanciada no petitório, adiantando, desde já, que, na sua grande maioria, não vemos assistir-lhe razão.
Desde logo, o acto encontra-se reduzido a escrito, mostrando-se assinado pelo seu autor, não se descortinando, pois, onde ocorra a falta de forma legal.
Depois, se existe alguma coisa de que se pode acusar o acto sob escrutínio, não é certamente, por falta ou deficiência na motivação, bastando, para tanto, atentar nos termos expressos no seu próprio corpo, os quais, clara, suficiente e congruentemente explanam os motivos de facto e de direito que presidiram à medida disciplinar alcançada e que, resumidamente, se reportam à actividade da recorrente que, enquanto médica assistente contratada além do quadro do CHCSJ, recomendou, junto de pacientes, os cuidados prestados pela clínica "Doctor Beauty Center'', estabelecida pelo marido, distribuindo cartões de visita dessa entidade aquando do desempenho das suas funções e prestando, além disso, serviços médicos nesse estabelecimento em acumulação, fora do horário de atendimento, sem a devida autorização, com violação dos deveres de isenção, zelo e não exercício de actividades incompatíveis, efectuando-se o reporte da respectiva integração e subsunção jurídicas, bem como as atenuantes e agravantes julgadas atendíveis para a determinação da medida concreta da pena disciplinar alcançada, ficando, pois, um cidadão médio em perfeitas condições de assimilar todo o itinerário cognoscitivo e valorativo empreendido pelo decisor, o que não deixou de suceder com a recorrente, a avaliar, até, pelos termos com que esgrime.
Por outra banda, quer do acervo probatório carreado para o instrutor apenso, quer da prova produzida já em tribunal, designadamente a testemunhal, constata-se que aquela factualidade essencial corresponde à realidade, isto é, os pressupostos em que se estribou a decisão são verdadeiros, sendo que a mera circunstância de o HCSJ não oferecer aos seus pacientes tratamentos na área da medicina estético-cosmética e de, para além da citada clínica do seu marido, a visada referir aos clientes a possibilidade de, para aqueles serviços, poderem também socorrer-se do hospital Kiang Wu e do H.U.C.T.M., podendo, porventura atenuar a sua responsabilidade, em nada legitima o comportamento da recorrente que, ao recomendar a pacientes seus os serviços da clínica do seu marido, facultando-lhes os respectivos cartões de visita, não actuou com a imparcialidade e isenção exigíveis, sendo certo que ao exercer a actividade médica naquela clínica, fora do seu horário e trabalho, sem a autorização devida, acabou também por atropelar o dever geral de zelo e não exercício de actividades incompatíveis, retirando do facto vantagens não devidas, fazendo sobrepor interesses particulares ao correcto exercício da sua profissão, não se descortinando, pois, também a este nível, qualquer erro na integração e subsunção jurídicas operadas.
Sérias reservas nos merece, contudo, no que tange à determinação da concreta medida disciplinar aplicada, a consideração da agravante prevista na al. b) do n° 1 do art° 283° do ETAPM - "o facto de o acontecimento ter sido publicado pela imprensa nos dias 3 e 4 de Março de 2011 tem como consequência necessária a produção efectiva e resultados prejudiciais negativos ao conceito e à fama do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, bem como o desprestigiar dos Serviços de Saúde enquanto órgão imparcial, tendo alimentado impactos negativos por entre as massas populares", na medida em que se não descortina que a publicação na imprensa dos factos, donde terão directamente resultado todos os efeitos perniciosos mencionados, tenha sido despoletada ou desejada pela recorrente, que, sequer, tal publicação servisse minimamente os seus interesses, ou que as infracções imputadas, pelo seu próprio carácter, houvessem que, forçosamente, ser do domínio público.
O seu, a seu dono : a responsabilidade pela divulgação dos factos terá que ser assumida a quem compete, não tendo, certamente, cabido à visada, a quem, manifestamente, tal divulgação não interessava, sendo certo que, nestes parâmetros, se não vislumbra, em termos normais, que a mesma pudesse ou devesse prever aquela consequência como efeito necessário da sua conduta, exigência contida no preceito para a produção efectiva da agravante em questão.
É claro que, não obstante, poderia, quiçá, a Administração entender ser de manter o mesmo tipo e medida de pena disciplinar: só que, como é óbvio, não competirá a este Tribunal imiscuir-se em tal matéria, sob pena de afronta da separação de poderes, cumprindo-lhe apenas, por ocorrência de atropelo do normativo legal em causa, anular o acto, dando, assim, provimento ao recurso.
Este, o nosso entendimento.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
A recorrente foi notificada nos seguintes termos do despacho proferido:
“Com referência ao processo disciplinar n.º PD-02/2011 instaurado a V. Ex.ª, o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura tomou a decisão (vide o anexo L) em 16 de Fevereiro de 2012 de aplicar uma pena de suspensão de 180 dias, cuja execução terá início no dia seguinte àquele em que for dado conhecimento do seu teor a V. Ex.ª nos termos do n.º 3 do artigo 308.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Por sua vez, V. Ex.ª pode interpor recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância do despacho supradito do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura dentro do prazo de 30 dias a contar do dia da recepção da presente comunicação, ao abrigo da alínea (2) do n.º 8 do artigo 36.° da Lei de Bases da Organização Judiciária, aprovada pela Lei n.º 9/1999, conjugando o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º e no artigo 26.º do Código de Processo Administrativo Contencioso aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M.
Com os melhores cumprimentos,
O Chefe do Departamento de Recursos Humanos
(Rubrica: vide o original)
Chan Chi Kin “
O despacho recorrido é do seguinte teor:
“Já foram aprovados os factos que se encontram no relatório final dos autos (a fls. 216 a 229) do presente processo disciplinar (n.º PD-02/2011) intentado à médica assistente A, contratada além do quadro pelo Centro Hospitalar Conde de S. Januário dos Serviços de Saúde.
No relatório atrás mencionado, feita a qualificação jurídico-disciplinar dos factos apurados, chega-se à conclusão de que a Dra. A, médica assistente contratada além do quadro pelo Centro Hospitalar Conde de S. Januário, recomendou junto de pacientes o "Doctor Face Beauty Center" estabelecido pelo marido e distribuiu cartões-de-visita da entidade aquando do desempenho das suas funções. Além disso, a médica prestou serviços médicos em acumulação fora do horário de atendimento, sem a devida autorização. Os dois actos em questão foram ambos voluntários e independentes, o que traduz numa violação grave de vários deveres estipulados no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M de 21 de Dezembro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 62/98/M de 28 de Dezembro, nomeadamente, o dever de isenção, exposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 279º e no n.º 3 do mesmo artigo; o de zelo, prescrito na alínea b) do n.º 2 do artigo 279.º e no n.º 4 do mesmo artigo; e o de não exercer actividades incompatíveis, clausulado na alínea i) do n.º 2 do artigo 279.° e no n.º 11 do mesmo artigo. Tudo isso já se mostra suficiente para constituir infracções disciplinares que resultam forçosamente na aplicação de pena de suspensão, sendo que as duas violações em causa se encontram previstas e punidas pelo artigo 281.°, pelo n.º 2 do artigo 314.°, pela alínea d) do n.º 2 do artigo 314.°, pelo n.º 3 do artigo 314.°, pela alínea c) do n.º 1 do artigo 300.° e pelo artigo 303.° do mesmo diploma legal.
Tendo em conta os n.º 1 e 2 do artigo 316.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, levando simultaneamente em consideração outros valores particulares, tais como as circunstâncias atenuantes (o artigo 282.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, com destaque para a alínea a) - violação disciplinar pela primeira vez e a prestação de mais de 10 anos de serviço nos Serviços de Saúde classificados de "Bom") e agravantes (a alínea b) do n.º 1 do artigo 283.° - o facto de o acontecimento ter sido publicado pela imprensa nos dias 3 e 4 de Março de 2011 tem como consequência necessária a produção efectiva de resultados prejudiciais significativos ao conceito e à fama do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, bem como o desprestigiar dos Serviços de Saúde enquanto órgão imparcial, tendo alimentado impactos negativos por entre as massas populares; e a alínea h) - em acumulação com a infracção disciplinar).
De acordo com o artigo 322.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, fazendo uso das competências delegadas pelo artigo 1.° da Ordem Executiva n.º 12312009 constante da I Série do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau de 20 de Dezembro de 2009, aplico a pena de suspensão de 180 dias a A, médica assistente contratada além do quadro pelo Centro Hospitalar Conde de S. Januário dos Serviços de Saúde.
Comunique oportuna e adequadamente à Arguida.
Aos 16 de Fevereiro de 2012,
O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura
(Ass.: vide o original)
Cheong U”
A acusação proferida no âmbito do processo disciplinar em causa foi a seguinte:
“O Gabinete do Comissário contra a Corrupção da Região Administrativa Especial de Macau comunicou a estes Serviços que a senhora A, médica dermatologista do Hospital Conde S. Januário destes Serviços era suspeita de acumulação de funções sem devida autorização num centro de beleza criado pelo seu parente, aproveitando-se das suas funções exercidas naquele Hospital para distribuir o cartão de visita do respectivo centro de beleza e nele recomendar aos seus pacientes o tratamento.
Quanto à referida comunicação, por despacho do Director destes Serviços de 4 de Março de 2011, foi nomeado o signatário como instrutor do Processo Disciplinar n.ºPD-02/2011 instaurado contra a mesma médica assistente A (arguida), a fim de apurar se existem as eventuais infracções e de exigir procedimento contra ela.
Após ter analisado as declarações prestadas pelos declarantes e recolhido os dados, o signatário considera concluída a fase instrutória do presente processo disciplinar, decidindo-se a deduzir acusação contra ela, com base nos factos seguintes:
1º
A arguida A, médica assistente contratada além do quadro por estes Serviços, nos termos do art.º 276º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), é aplicável o regime disciplinar aos agentes contratados além do quadro. (vd. fls. 19 dos autos)
2º
O Gabinete do Comissário contra a Corrupção comunicou a estes Serviços que a senhora A (arguida), médica dermatologista do Hospital Conde S. Januário destes Serviços, portadora do BIRPM n.º7432633(1) era suspeita de acumulação de funções sem devida autorização num centro de beleza “Doctor Face” criado pelo seu parente, aproveitando-se das suas funções exercidas naquele Hospital para distribuir o cartão de visita do respectivo centro de beleza e nele recomendar aos seus pacientes o tratamento. A arguida chegou a atender um funcionário do CCAC no referido centro de beleza e lhe cobrou a quantia de MOP500.00. (vd. fls.2 dos autos)
3º
Também foi divulgado na comunicação social local incluindo a Rádio de Macau e vários jornais locais, o presente caso de uma médica dermatologista do Hospital Conde S. Januário ser suspeita de acumulação de funções sem devida autorização num centro de beleza de se ter aproveitado das suas funções exercidas naquele Hospital para distribuir o cartão de visita do respectivo centro de beleza e nele recomendar aos seus pacientes o tratamento e que durante a investigação feita pelo CCAC, a médica chegou a atender um funcionário público no referido centro de beleza e lhe cobrou a quantia de MOP500.00 como despesa. Com a revelação do caso, a reputação dos Serviços de Saúde ficou gravemente prejudicada. (vd. fls.114 a 116 dos autos)
4º
Após feita a investigação, foi apurado que o marido da arguida, senhor D é sócio do centro de beleza “Doctor Face”. (vd. fls.46 dos autos)
5º
Segundo as informações fornecidas pelo CCAC, a arguida admitiu que durante a consulta feita no Centro Hospitalar de Conde S. Januário, chegou a entregar cartão de visitas do dito centro de beleza e indicar aos pacientes o endereço do mesmo centro. (fls. 29 dos autos)
6º
Além disso, de acordo com as informações fornecidas pelo CCAA, a arguida admitiu que após o serviço, chegou a prestar, aos clientes daquele centro de beleza, serviços de consulta sobre tratamento cosmético. (vd. fls.29 dos autos)
7º
A arguida participou na reunião de gerentes do referido centro de beleza. (vd. 29 e 30 dos autos)
8º
Além do mais, também ficou provado que a arguida, em 2008, chegou a distribuir aos dois pacientes que recebiam tratamento na Consulta Externa da Dermatologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, o cartão de visita do centro de beleza “Doctor Face”, recomendando-lhe o tratamento cosmético no referida centro de beleza. (vd. fls. 34, 35, 39, 78 e 90 dos autos)
9º
No dia 2 de Setembro de 2008, na Consulta Externa da Dermatologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, a arguida entregou a um paciente um cartão de visitas do centro de beleza “Doctor Face”, para este fizesse um tratamento a laser da rosácea. (vd. fls. 34, 35 e 90 dos autos)
10º
Após a recomendação feita pela arguida, o paciente deslocou-se ao centro de beleza “Doctor Face”, mas acabou por não receber tratamento cosmético nesse centro de beleza por causa do valor elevado.
11º
Além disso, no dia 2 de Dezembro de 2008, na Consulta Externa da Dermatologia, a arguida entregou a uma paciente que acabou de terminar a terapia de medicamento, um cartão de visita do centro de beleza “Doctor Face”, recomendando-lhe o tratamento cosmético no referida centro de beleza. (vd. fls. 35 dos autos)
12º
Depois de recomendação feita pela arguida, em finais de 2008 e princípio de 2009, a paciente foi ao centro de beleza “Doctor Face” receber dois tipos de tratamento cosmético e cerca de dez vezes serviços cosméticos, tendo despendido vinte mil e tal. (vd. fls. 39 dos autos)
13º
Durante o recebimento dos dois tipos de tratamento cosmético no centro de beleza “Doctor Face”, a referida paciente viu por várias vezes a arguida no centro em causa. (vd. fls. 39 dos autos)
14º
Em Julho de 2010, no centro de beleza “Doctor Face” (sucursal Nan Van) a arguida prestou a uma cliente serviços de consulta sobre cuidados da pele e lhe recomendou o tratamento cosmético, uma vez que o preço era muito caro, a cliente não aceitou a sua recomendação. (vd. fls. 86 dos autos)
15º
No dia 20 de Janeiro de 2011, a arguida, no centro de beleza “Doctor Face” prestou a um funcionário do CCAC serviço de consulta sobre tratamento cosmético e mais lhe recomendou o “tratamento de radiofrequência fraccionária” e o “tratamento de micro agulhas”, e depois, o centro de beleza cobrou-lhe MOP500 a título de despesa de consulta.
16º
A arguida não requereu junto do seu superior hierárquico o exercício de acumulação de funções, nem obteve a sua autorização dada pelos Serviços de Saúde.
17º
A arguida trabalhou nos Serviços de Saúde há mais de 17 anos altura em que não obtinha a classificação de serviço com menção inferior a “Bom”, e essa situação pode constituir a circunstância atenuante prevista no disposto no art.º 282º, al. a) do ETAPM. (vd. fls. 19 dos autos)
18º
Quanto ao procedimento de audiência instrutória no presente processo disciplinar, a arguida, através do advogado que a representa, referiu que tinha sido constituída arguida pelo CCAC e que, nos termos do art.º 50º, n.º1, al. c) do Código de Processo Penal, não responde a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe são imputados. (vd. fls. 110 e 111 dos autos)
19º
A arguida, agindo de forma voluntária, espontânea e consciente, aproveitava-se das suas funções profissionais, por várias vezes distribuiu aos pacientes o cartão de visita do centro de beleza “Doctor Face” criado pelo seu marido, bem como recomendou aos seus pacientes o tratamento naquele centro de beleza. Além disso, perante a situação em que era proibida por lei, prestava serviço em nome do mesmo centro de beleza criado pelo seu marido. Após uma divulgação profunda na comunicação social local, o caso prejudicou gravemente a imagem e a reputação dos Serviços de Saúde, pelo que, as condutas da arguida violaram o princípio da exclusividade de funções e o dever de não exercer acumulação de funções previstos nos art.º 17º e 279º, n.º 1 e 2, al. i) e 11 do ETAPM que devem observar os trabalhadores da administração pública.
20º
As supracitadas condutas da arguida constituíram a infracção disciplinar prevista no art.º 281 do ETAPM, existindo a situação culposa de descuido das suas funções profissionais, sendo assim, pode-se aplicar à arguida a pena de suspensão prevista no art.º 314º do mesmo Estatuto.
*
A cópia da acusação será entregue à arguida ou ao advogado que a representa, mediante a sua notificação pessoal no prazo de 48 horas, bem como nos termos do art.º 333º, n.º1 do ETAPM, o instrutor vai conceder-lhe um prazo de 15 dias para apresenta a sua defesa. Pelo que, a arguida ou seu advogado, pode, para esta finalidade, dirigir-se nos dias úteis durante as horas de expediente, à sala n.º207 do 2º andar do Edifício Administrativo dos Serviços de Saúde, para consultar os autos, apresentar o rol de testemunhas e respectivos documentos ou tomar qualquer medida para a sua defesa.
Por fim, para todos os efeitos jurídicos, caso a arguida não conteste no prazo acima indicado, considera-se feita a audiência da arguida, não obstante a sanção a aplicar face à sua infracção disciplinar.
O Instrutor,
Ass.) vd. original
1 de Agosto de 2011”
E o Relatório constante daquele processo disciplinar foi o seguinte:
“Assunto: Processo disciplinar n.º PD-02/2011 instaurado contra A, médica assistente do Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
Instrutor: XXX
Categoria: Técnico Superior, Assessor
Secretária: XXX
Categoria: Assistente técnica administrativa especialista
Parte 1 – Prefácio
1. O Gabinete do Comissário contra a Corrupção da Região Administrativa Especial de Macau comunicou a estes Serviços indicando que a senhora A (arguida), médica dermatologista do Hospital Conde S. Januário destes Serviços, portadora do BIRPM n.ºXXX, era suspeita de acumulação de funções sem devida autorização num centro de beleza criado pelo seu parente, aproveitando-se das suas funções exercidas naquele Hospital para distribuir o cartão de visita do respectivo centro de beleza e nele recomendar aos seus pacientes o tratamento. No referido centro de beleza, a arguida chegou a atender um funcionário do CCAC e cobrou-lhe MOP500,00 como despesa de consulta (vd. fls. 2 dos autos).
2. Por despacho do Director dos Serviços de Saúde, de 4 de Março de 2011, foi nomeado o senhor XXX como instrutor do Processo Disciplinar n.ºPD-02/2011, no sentido de instaurar processo disciplinar contra a senhora A (arguida), médica assistente do Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
3. Foi deduzido em 1 de Agosto de 2011 pelo antigo instrutor a acusação contra a arguida (vd. fls. 117 a 122 dos autos)
4. O advogado da arguida apresentou contestação (vd. fls. 125 a 132 dos autos).
5. Após ouvido as testemunhas, o antigo instrutor emitiu, em 23 de Setembro de 2011, a segunda acusação (deduzida de novo) (vd. fls. 137 a 146 dos autos)
6. Tendo o antigo instrutor, através da carta n.º25/PD-2/2011, referido que iria deixar de trabalhar nos Serviços de Saúde e solicitado que fosse substituído o instrutor do processo (vd. fls.150 dos autos). Por despacho do Director dos Serviços de Saúde, de 7 de Outubro de 2011, foi nomeado o signatário como instrutor do mesmo processo disciplinar, a fim de dar continuidade ao respectivo processo disciplinar contra a senhora A, médica assistente contratada além do quadro do Centro Hospitalar Conde de S. Januário dos Serviços de Saúde (vd. fls. 150v dos autos).
7. Quanto à nova acusação deduzida pelo antigo instrutor, o advogado da arguida, em 12 de Outubro de 2011, apresentou contestação (vd. fls. 151 a 162 dos autos)
8. Em 20 de Outubro de 2011, o signatário iniciou o presente processo disciplinar (vd. fls. 165 dos autos)
Parte 2 – Investigação
9. No dia 8 e Março de 2011, o antigo instrutor, nos termos da parte final do n.º2 do art.º 329º do ETAPM, solicitou ao Departamento de Recursos Humanos, a emissão do certificado do registo disciplinar da médica A. No dia 9 de Março, recebeu a resposta dada pela Divisão de Pessoal (vd. fls. 18 a 19 dos autos).
10. No dia 9 de Março de 2011, a médica A, por via telefónica, referiu que por causa de doença, ficava em casa para descansar e recuperar-se e, pelo que, não conseguiu dirigir-se aos Serviços de Saúde para levantar a notificação sobre a abertura do processo disciplinar.
11. Quanto ao descanso em casa para recuperar-se alegado pela médica A, o antigo instrutor, nos dias 16 e 29 de Março, 12 de Abril, 3 e 13 de Maio e 2 de Junho, respectivamente solicitou à Divisão de Pessoal o fornecimento de atestado médico pela falta por doença da médica A.
12. Nos termos da parte final do art.º 329º, n.º2 do ETAPM, o antigo instrutor solicitou ao Gabinete do Comissário contra a Corrupção o fornecimento de respectivos dados sobre o caso. No dia 17 de Março de 2011, recebeu a resposta dada pelo referido gabinete (vd. fls. 28 a 31 dos autos).
13. No dia 18 de Março de 2011, o antigo instrutor procedeu à audição de declarações prestadas pelo paciente da Dermatologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, senhor E (vd. fls. 34 a 35 dos autos).
14. No dia 22 de Março de 2011, o antigo instrutor procedeu à audição de declarações prestadas pela paciente da Dermatologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, senhora F (vd. fls. 38 a 40 dos autos).
15. Nos termos da parte final do art.º 329º, n.º2 do ETAPM, o antigo instrutor solicitou à Unidade Técnica de Licenciamento das Actividades e Profissões Privadas de Prestação de Cuidados de Saúde, o fornecimento de dados sobre o presente caso. No dia 28 de Março de 2011, foi recebida a resposta. (vd. fls. 41 a 49 dos autos).
16. No dia 29 de Março de 2011, o antigo instrutor procedeu à audição de declarações complementares prestadas pela paciente da Dermatologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, senhora F (vd. fls. 55 dos autos).
17. No dia 8 de Abril de 2011, o antigo instrutor solicitou ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário o fornecimento dos dados de registo patológico existentes na Consulta Externa da Dermatologia relativos aos pacientes E e F. No dia 11 de Abril de 2011, foi recebida a resposta dado pelo hospital (vd. fls. 56 a 57 dos autos).
18. No dia 21 de Abril de 2011, o antigo instrutor procedeu à audição de declarações complementares prestadas pela paciente da Dermatologia, senhora F (vd. fls. 78 a 79 dos autos).
19. No dia 4 de Maio de 2011, o antigo instrutor procedeu à audição de declarações prestadas pela cliente do centro de beleza “Doctor Face”, senhora G, de nacionalidade malaia (vd. fls. 86 a 87 dos autos),
20. No dia 5 de Maio de 2011, o antigo instrutor procedeu à audição de declarações complementares prestadas pelo paciente da Dermatologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, senhor E (vd. fls. 90 a 91 dos autos).
21. No dia 2 de Julho de 2011, o antigo instrutor optou pela audiência escrita da médica A (vd. fls. 106 a 109 dos autos).
22. No dia 15 de Julho de 2011, a arguida médica A, através do seu advogado, respondeu que não prestaria alegações (vd. fls. 110 a 111 dos autos).
23. Devido ao descanso da médica Kok em casa para recuperar-se por causa de doença, não foi possível a realização de audiência, o procedimento de instrução sobre o processo disciplinar ficou afectado. O antigo instrutor, de acordo com os atestados médicos apresentados pela médica Kok para a justificação da sua falta, solicitou por várias vezes ao Director dos Serviços de Saúde a prorrogação de instrução do processo disciplinar, tendo, até ao dia 22 de Julho de 2011, concluído o procedimento instrutório sobre o processo disciplinar.
24. No dia 10 de Agosto de 2011, o antigo instrutor fez constar dos autos a divulgação do caso feita pelos meios de comunicação locais (vd. fls. 114 a 116 dos autos).
25. No dia 10 de Agosto, o antigo instrutor entregou pessoalmente a acusação à médica A (vd. fls. 117 a 122 dos autos)
26. Nos dias 17 e 22 de Agosto de 2011, o advogado da médica A consultou os autos (vd. fls. 123 e 124 dos autos)
27. No dia 31 de Agosto de 2011, foi apensada aos autos a contestação da médica A (vd. fls. 125 a 132 dos autos).
28. No dia 14 de Setembro de 2011, o antigo instrutor ouviu as declarações prestadas pela senhora H, na qualidade de testemunha da defesa (vd. fls. 135 a 136 dos autos)
29. Após feita a audição de declarações, no dia 23 de Setembro de 2011, o antigo instrutor emitiu a segunda acusação (deduzida de novo), tendo sido recebida pela médica A no dia 27 do mesmo mês (vd. fls. 137 a 146 dos autos).
30. No dia 24 de Novembro de 2011, o instrutor comunicou ao advogado da arguida para que esta prestasse declaração e respondesse expressamente se prescinde ou não o direito de contestação (vd. fls. 175 dos autos)
31. Respondeu o advogado, em nome da arguida, que nos termos do art.º 50º, n.º1, al. c) do Código de Processo Penal, a arguida não iria prestar qualquer declaração (vd. fls. 180 dos autos)
32. Quanto às declarações prestadas pelas testemunhas apresentadas pelo advogado, em 14 de Setembro de 2011, a testemunha H prestou declarações e segundo a prova feita pela testemunha I, o instrutor não tinha dúvida, pelo que achou que não precisar de ouvir declarações prestadas pela referida testemunha. Quanto aos depoimentos prestados pela testemunha J, em 4 de Novembro de 2011, o instrutor ouviu as declarações prestadas pela mesma (vd. fls. 178 dos autos)
33. O instrutor solicitou à Divisão de Pessoal o fornecimento de dados quanto ao requerimento de acumulação de funções feito pela arguida (vd. fls. 182 a 183 dos autos)
34. No dia 25 de Dezembro de 2011, por escrito, a Divisão de Pessoal respondeu que nunca a arguida chegou a requerer junto dos Serviços de Saúde a acumulação de funções (vd. fls. 184 dos autos)
Parte 3 - Acusação
35. Com base nos factos acima referidos e após ter ponderado os elementos subjectivos existentes nos autos incluindo a gravidade de ilicitude da parte, o seu grau de culpa, sua cognição, arrependimento e as influências negativas causadas aos Serviços de Saúde, bem como considerado as datas provadas nos autos, as leis aplicáveis, o instrutor revogou a acusação deduzida pelo antigo instrutor (vd. fls. 185 dos autos), tendo, em 27 de Dezembro, deduzido novamente a acusação contra a arguida (vd. fls. 185 a 195 dos autos)
36. No dia 27 de Dezembro de 2011, a arguida assinou e recebeu a acusação alterada (vd. fls. 185 a 195 dos autos)
Parte 4 – Contestação
37. Alterado o conteúdo da acusação, em particular, o uso correcto dos fundamentos de violação da lei, pelo que, é precisa a nova contestação da arguida. Nos termos do art.º 330º do ETAPM, alterado pelo D.L n.º62/98/M, de 28 de Dezembro, aprovado pelo D.L n.º87/89/M, de 21 de Dezembro, a arguida necessitou de contestar antes do dia 6 de Janeiro de 2012.
38. O advogado da arguida apresentou contestação em 4 de Janeiro de 2012 (vd. fls. 196 a 215 dos autos).
Parte 5 – Apreciação
I - Pressupostos
39. Nos termos do art.º 332º do ETAPM, foi elaborada pelo instrutor a acusação (vd. fls. 185 a 195 dos autos)
40. Nos termos do art.º 332º, n.º2, al. b) do ETAPM, foram descritos os actos que são imputáveis à arguida (os factos provados ou seja, os actos indicados nos art.ºs 14º, 15º, 16º, 20º, 23º, 25º, 27º e 28º da acusação), bem como na acusação foram indicados respectivamente os actos constantes dos art.ºs 19º (ou seja o argumento indicado no art.º 15º da contestação, de fls. 153 dos autos), 24º (conjugado com os art.ºs 22º e 23º que impugnam o argumento indicado no art.º 15º da contestação, de fls. 153 dos autos), 26º e 30º que não foram considerados provados.
41. Nos termos do art.º 332º, n.º2, al. e) do ETAPM, o instrutor indicou uma pena ou várias penas aplicáveis a cada infracção que à arguida é imputável (vd. fls. 193, art.º 43º da acusação), bem como nos termos da competência prevista no art.º 316º, foram apreciadas as sanções aplicáveis (vd. art.º 44º da acusação, de fls. 194)
42. Nos termos do art.º 332º, n.º2, al. c) do ETAPM, foi indicada expressamente a entidade que lhe compete aplicar a sanção, ou seja o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura indicado no art.º 45º da acusação, de fls. 194.
43. Pelo que a acusação não viola o princípio “ne bis in idem”.
II – Quanto à aceitabilidade de prova
44. Em primeiro lugar, é de salientar que, nos termos do art.º 277º do ETAPM, aplicam-se supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor na RAEM, com as devidas adaptações.
45. Assim sendo, nos termos do art.º 287º, n.º1 do ETAPM, o procedimento disciplinar instaurado pelo órgão administrativo é independente do procedimento criminal.
46. Além disso, o CCAC é um órgão público que se rege pela presente lei (vd. art.º 1 da Lei n.º10/2000). Nos termos do art.º 290º, n.º3 do ETAPM e do art.º 4º, al. 6) da Lei n.º10/2000, ao CCAC compete denunciar às entidades competentes para o exercício da acção disciplinar os indícios de infracções que apurar.
47. Pelo que, tem fundamento jurídico o que o CCAC, nos termos da competência, encaminhou os indícios de infracções que tinha apurado, aos Serviços de Saúde.
48. É de salientar que, segundo os dados fornecidos pelo CCAC, nele não se indica que o presente caso também se envolve em investigação criminal (vd. fls. 2 dos autos)
49. De acordo com os indícios de infracções da arguida fornecidos pelo CCAC, só têm a ver com infracções disciplinares dos trabalhadores da função pública, e no decurso de investigação do presente processo disciplinar, não existe indício que haja simultaneamente o concurso criminal.
50. Visto que a transferência do presente caso aos Serviços de Saúde tem fundamento jurídico e o caso nunca se envolve em natureza criminal, certamente não existe a situação de violação do regime de segredo de justiça tal como alegada na contestação.
51. Por fim, após admitida a contestação, a acusação só é deduzida com base nas razões provadas no procedimento disciplinar, pelo que, foi excluída a prova constante do art.º 25º da acusação, ou seja a arguida, em 20 de Agosto de 2010, na qualidade de médica “Kok”, participou na reunião de gerentes do “grupo cosmético “XXX” (o centro de beleza “Doctor Face” é uma das actividades deste grupo) sito na zona do Conselheiro Ferreira de Almeida (sua loja de ship) (vd. fls. 30 dos autos).
52. Quanto aos restantes factos provados do presente procedimento disciplinar (ou seja os actos indicados nos art.ºs 14º, 15º, 16º, 20º, 23º, 25º, 27º e 28º da acusação), são resultantes da investigação independente do procedimento disciplinar, pelo que, os quais reúnem o disposto no art.º 329º do ETAPM.
53. Em suma, aceitamos parcialmente os argumentos alegados na contestação, mas não procede o que a arguida alega que a aquisição da prova violou a lei.
III – Das infracções disciplinares
54. Parece que o advogado da arguida não prestou muita atenção ao conteúdo das duas acusações elaboradas pelo antigo instrutor, nem tomou conhecimento do conteúdo da nova acusação elaborada pelo signatário, em particular, quais os factos foram considerados provados e quais não provados, bem como os fundamentos jurídicos por si invocados, pelo que, existe erro notório na apreciação da prova.
55. É de salientar outra vez que já se indicou expressamente no art.º 30º da acusação deduzida pelo signatário (vd. fls. 191 dos autos): Dado que não se consegue entrar em contacto com a testemunha que exerce funções no CCAC, não ficou provado que a arguida, em 20 de Janeiro de 2011, tenha prestado serviço de consulta sobre tratamento cosmético da pele na sala do centro de beleza “Doctor Face”.
56. Pelo que, o instrutor considera que não se deve continuar a debater sobre uma prova que já tinha sido afastada.
57. Alegou o advogado da arguida no art.º 15º da contestação que a arguida, ao recomendar aos pacientes o centro de beleza “Doctor Face”, mencionou igualmente que se pode comprovar o mesmo serviço prestado no Hospital Kiang Wu e no Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, pelo que, apresentou a testemunha J para provar tal situação (vd. fls. 156 dos autos).
58. Contudo, face à prova supracitada, a testemunha J referiu que não se tinha recordado (vd. fls. 178 dos autos).
59. Quanto à alegação indicada no art.º 23º da contestação, de fls. 154 dos autos, uma vez que a senhora G não domina chinês, razão pela qual a arguida serviu como tradutora entre H e a senhora G que é de nacionalidade malaia.
60. De acordo com as declarações prestadas pela testemunha H apresentada pela arguida (vd. fls. 156 dos autos), referiu que não tinha impressão sobre aquela cliente.
61. Por outro lado, a senhora G de nacionalidade malaia consegue entender e falar cantonês, tendo ainda prestado declarações em cantonês (vd. fls. 86 a 87 e 181 dos autos).
62. Referiu aquela senhora G de nacionalidade malaia que a arguida prestou-lhe serviço de consulta cosmética e recomendação (vd. fls. 87 dos autos).
63. Das provas acima indicadas, resultou que não procede o argumento indicado no art.º 23º da contestação, de fls. 154 dos autos.
VI – Circunstâncias atenuantes
64. O signatário aceita que as infracções em causa são feitas pela primeira vez pela arguida, pelo que existe a circunstância atenuante (vd. art.º 41º da acusação).
65. Confirmou-se que a arguida praticou as infracções deliberadamente (vd. art.º 31º e 38º da acusação), pelo que, não existe a circunstância atenuante prevista no art.º 282º, al. g) do ETAPM.
66. Deu-se por provado que as infracções praticadas pela arguida prejudicaram gravemente o prestígio e a reputação do governo da REAM, bem como prejudicaram a imagem dos Serviços de Saúde, causando influência negativa ao público (art.ºs 2 e 42º da acusação), pelo que, não existe a circunstância atenuante prevista no art.º 282º, al. h) do ETAPM.
67. Na contestação indicou-se a circunstância atenuante prevista no art.º 282º, al. j) do ETAPM, não tendo, contudo, sido apresentado fundamento de facto por isso, pelo que, tal argumento não procede.
VII – Circunstâncias agravantes
68. Quanto à circunstância agravante pela acumulação de infracções, as duas infracções constantes do presente procedimento disciplinar (vd. art.º 43º da acusação, de fls. 193 dos autos) são de acumulação de infracções, ao abrigo do art.º 283º, n.º5, do ETAPM.
69. Quanto à circunstância agravante prevista no art.º 283º, n.º1, al. b) do ETAPM, segundo constam expressamente dos vários jornais locais, de fls. 114 a 116 dos autos, uma médica dermatologista do Hospital Conde S. Januário foi investigada pelo Comissariado contra a Corrupção, pela suspeita de acumulação de funções num centro de beleza sem prévia autorização e de recomendação aos seus pacientes do tratamento no mesmo centro de beleza. Com a divulgação do caso, o que fez com que os cidadãos de Macau considerassem que os Serviços de Saúde tinham problema na administração e existia parcialidade nos serviços prestados pelo Centro Hospitalar Conde de S. Januário, daí podemos entender que a respectiva divulgação do caso prejudicou a imagem dos Serviços de Saúde, causando ao público uma influência negativa. A arguida deve prever que essa influência negativa era proveniente das infracções, pelo que, as respectivas circunstâncias agravantes procedem.
VIII – Factos de infracções e aplicação da lei
70. Ficou provado que a senhora F e o senhor E eram pacientes da médica A ora arguida nos autos (vd. fls. 59 a 67 dos autos).
71. Ficou provado que a arguida, em 2 de Setembro de 2008, recomendou ao senhor E, o tratamento no centro de beleza “Doctor Face” e lhe distribuiu o cartão de visita daquele centro de beleza (vd. fls. 90 dos autos).
72. Ficou provado que a arguida, em 2 de Dezembro de 2008, recomendou à senhora F o tratamento cosmético no centro de beleza “Doctor Face” (vd. fls. 78 dos autos).
73. Ficou provado que a arguida, em Julho de 2010, no sucursal Nam Van do centro de beleza “Doctor Face”, prestou serviço de consulta sobre tratamento cosmético à senhora G de nacionalidade malaia (vd. fls. 86 a 87 dos autos).
74. Ficou provado que a senhora G, de nacionalidade malaia, apesar de não saber escrever chinês, pode falar e perceber chinês, tendo a mesma, em 4 de Maio de 2011, sido ouvida em declarações feitas em chinês (vd. fls. 86 a 87 dos autos), e a secretária do presente processo disciplinar também declarou que a senhora G pode falar e perceber chinês (vd. fls. 181 dos autos)
75. Ficou provado que o marido da arguida senhor D é sócio do referido centro de beleza “Doctor Face” (vd. fls. 46 dos autos).
76. Ficou provado que a arguida nunca requereu junto do seu superior hierárquico o exercício de acumulação de funções, nem obteve a sua autorização dada pelos Serviços de Saúde (vd. fls. 184 dos autos).
77. Quanto aos actos da recomendação aos pacientes do centro de beleza “Doctor Face” e da distribuição do cartão de visita do referido centro de beleza feitos pela da arguida, durante o exercício das suas funções profissionais, no caso da senhora F, embora a sua mãe referisse que foi por sua iniciativa, o acto da arguida reúne o dolo necessário (ou seja quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se como aquela realização); no caso do senhor E, o acto da arguida foi confirmado como dolo directo.
78. Na qualidade de médica assistente do serviço de dermatologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, a arguida, no exercício da sua função pública, recomendou aos pacientes o centro de beleza “Doctor Face” do seu marido e distribuiu o cartão de visita do referido centro de beleza, tudo isso foi provado que violou o dever de isenção dos trabalhadores da Administração pública previsto no art.º 279º, n.º2, al. a) do ETAPM.
79. Em relação ao procedimento de audiência instrutória no presente processo disciplinar, a arguida, através do advogado que a representa, referiu que tinha sido constituída arguida pelo CCAC e que, nos termos do art.º 50º, n.º1, al. c) do Código de Processo Penal, não responde a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe são imputados. (vd. fls. 180 dos autos)
80. Nos termos dos requisitos previstos no art.º 17º do ETAPM, o exercício de funções públicas deve obedecer ao princípio da exclusividade (n.º1), devendo ser autorizados pelo superior hierárquico o exercício da acumulação de cargos ou lugares públicos e o exercício de actividades privadas e independentemente de actividade onerosa ou gratuita, o seu exercício carece sempre de autorização prévia (vd. n.º2 e 3 do mesmo artigo).
81. Dado que só ficou provado que a arguida, em Julho de 2010, prestou serviço de consulta no centro de beleza “Doctor Face”, à arguida não é aplicável a Lei n.º10/2010 (Regime da Carreira Médica) vigente em 10 de Setembro de 2010, uma vez que aos médicos é vedado o exercício de actividade privada em regime de profissão liberal, nos termos do art.º 26º da mesma lei, mas sim o D.L n.º68/92/M, de 21 de Setembro (Regime Legal das Carreiras Médicas).
82. Nos termos do art.º 7º do D.L n.º68/92/M, é permitido aos médicos o exercício da medicina em regime de profissão liberal, contudo, uma vez que a arguida é médica assistente do regime de disponibilidade permanente (art.º 64º, n.º1, al. b) do mesmo diploma), a autorização do exercício só é permitida mediante requerimento junto dos Serviços de Saúde e justificação que o exercício não colide as suas funções (art.º 7º).
83. Nos termos do antigo Regime da Carreira Médica, embora o exercício de actividade privada fosse permitido após ter obtido autorização prévia do superior hierárquico, na realidade, ficou provado que a arguida nunca requereu nem obteve autorização junto dos Serviços de Saúde (vd. fls. 184 dos autos).
84. Foi dado como provado que a arguida agiu de forma espontânea, voluntária e deliberada ao exercer respectiva actividade privada.
85. Foi dado como provado que a arguida violou o dever de zelo e o de não exercer actividades incompatíveis (art.ºs 279º, n.º2, al. b) e i) do ETAPM).
86. Pelo acima exposto, ficou provado que a arguida, durante o exercício das funções profissionais, recomendou aos pacientes o centro de beleza criado pelo seu marido e distribuiu o cartão de visita do referido centro de beleza, assim violou os deveres gerais, ou seja o dever de isenção previsto no art.º 279º, n.º2, al. a) e n.º3 do mesmo artigo), bem como fora do horário de expediente, sem a devida autorização, prestou serviço de consulta e exerceu funções em acumulação no referido centro de beleza, pela prática das supracitadas condutas, também violou os deveres de zelo e de não exercer actividades incompatíveis previstos nos art.ºs 279º, n.º2, al. b) e i), n.º4 e 11 do ETAPM. Os dois actos constituíram infracções disciplinares.
87. Quanto às infracções disciplinares de ter recomendado aos pacientes o centro de beleza criado pelo seu marido e distribuído cartão de visita do referido centro de beleza durante o exercício das suas funções profissionais, pertencem à situação de culpa e de descuido das suas funções profissionais, sendo assim, é aplicável o disposto no art.º 314º, n.º1 e 2, al. d) do ETAPM, podendo a arguida ser punida com a pena de suspensão de 10 até 120 dias. Quanto às infracções disciplinares de prestação de serviço médico e de exercício de funções em acumulação naquele centro de beleza fora do horário de expediente sem a devida autorização, igualmente pertencem à situação de culpa e de descuido das suas funções profissionais, é aplicável o disposto no art.º 314º, n.º1 e 3 do ETAPM, podendo a arguida ser punida com a pena de suspensão de 120 até 240 dias.
Parte 6 – Conclusão
88. A determinação da sanção é feita consoante as circunstâncias atenuantes e agravantes existentes nos autos, em particular atentos ao grau da culpa da infractora, à sua personalidade, à prestação de mais de 10 anos de serviços e suas classificações e à não prática de infracção disciplinar no passado, bem como à gravidade das condutas por si praticadas e às influências negativas causadas ao público, tendo o instrutor também considerado o disposto no art.º 316º, n.º1 do ETAPM. Após ponderados todos os aspectos, o instrutor deduz acusação contra a arguida aplicando-lhe a pena de suspensão de 30 dias pela pratica das infracções disciplinares por ter recomendado aos pacientes o centro de beleza “Doctor Face” criado pelo seu marido e distribuído o cartão de visita do referido centro de beleza, bem como a pena de suspensão de 150 dias pela pratica das infracções disciplinares por ter prestado serviço médico e exercido funções em acumulação naquele centro de beleza fora do horário de expediente sem a devida autorização, totalizando assim a pena de suspensão por 180 dias.
Parte 7 – Sugestão
89. De acordo com os supracitados factos e análises, o instrutor propõe que seja aplicada à senhora A, médica assistente contratada além do quadro pelo Centro Hospitalar Conde de S. Januário, a pena de suspensão de 30 dias pela pratica das infracções disciplinares por ter recomendado aos pacientes o centro de beleza “Doctor Face” criado pelo seu marido e distribuído o cartão de visita do referido centro de beleza, bem como a pena de suspensão de 150 dias pela pratica das infracções disciplinares por ter prestado serviço médico e exercido funções em acumulação naquele centro de beleza fora do horário de expediente sem a devida autorização, totalizando assim a pena de suspensão por 180 dias.
90. Nos termos do art.º 322º do ETAPM, compete ao Chefe do Executivo aplicar a pena de suspensão, e nos termos da Ordem Executiva n.º123/2009, publicada no Boletim Oficial, I Série, de 20/12/2009, a supracitada competência já foi delegada ao Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
Submete-se o presente relatório à consideração superior.
Em Macau, aos 16 de Janeiro de 2012
O Instrutor,
Ass.) Chiang Wa San, Barry,
Técnico Superior, Assessor”
IV - FUNDAMENTOS
1. São as seguintes as questões a conhecer, tal como colocadas pela recorrente:
- Falta de fundamentação
- Violação dos princípios da legalidade, da protecção dos direitos e interesses dos residentes, da igualdade, da proporcionalidade, da Justiça e imparcialidade, do direito ao trabalho e do in dubio pro reo.
- Do erro nos seus pressupostos de facto e de direito, resultante da ausência de premissas reais e matéria factual necessária de suporte e que permita inferir a existência da conduta infraccional.
- Vício de violação de lei, o que na tese da recorrente tornaria o acto nulo, uma vez que viola os artigos 280.°, 281.°, 279.°, n." 2, alíneas a), b) e i), n.º 3, 4 e 11 e o artigo 277.°, todos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante, de forma abreviada, ETAPM) e o artigo 335.° do Código Penal.
2. Diz a recorrente que não percebe, nem concebe, como é que a entidade recorrida integra os factos no direito e conclui pela necessidade de punição em função de violação pela recorrente das regras legais invocadas.
A descrição dos factos concretos considerados provados, reconhece, consta quer do despacho recorrido, quer do relatório para que o mesmo remete, aí constando que a recorrente recomendou a pacientes seus que fossem à "Doctor Face", de seu marido, para tal tendo facultado cartões de visita da Clínica em causa. Para além de se entender que fora das horas de serviço, naquele local e sem autorização, a recorrente prestou serviços médicos.
Sendo estas as condutas que a entidade recorrida entende serem merecedoras de punição, interroga-se como é que se chega a estas conclusões, perante outros factos também dados como provados pela mesma autoridade, de acordo com o Despacho punitivo e o relatório para que remete.
Assim, depois do CCAC ter informado a entidade recorrida de suspeitas, informou que a recorrente prestou serviços a um funcionário seu, cobrando MOP$500,00 de consulta, ocorrida em 20/1/11, mas não se conseguiu provar tal facto. Dá-se, também, como não provado que a recorrente tenha recebido qualquer remuneração da Clínica em causa, "Doctor Face", clínica essa de que o marido da recorrente é um dos sócios.
Para que a fundamentação do acto administrativo seja legal, é necessário que sejam claramente aduzidos factos concretos dos quais se possa inferir a conduta infraccional, donde se tem que concluir pela absoluta falta de fundamentação do acto, em violação dos arts. 114°, n° 1 al. a), 115° e 122°, nºs 1 e 2 alínea f).
Perante aquele quadro factual não consegue entender o iter-cognoscitivo, no sentido de que a recorrente exerceu actividade profissional incompatível, dolosamente, pelo que violou os deveres de zelo e de não exercício de actividades incompatíveis.
Em seu entender existe aqui não só uma contradição dos factos entre si, pois alegadamente prestou uma consulta e serviços médicos que não aconteceram e conclui-se que a recorrente exerceu actividade incompatível, incompatibilidade esta que diz não se mostrar integrada.
Como diz não compreender como se mostra integrada a violação de um dever de zelo e de isenção.
3. Não tem razão a recorrente.
Contrariamente ao alegado pela recorrente comprova-se claramente que a recorrente exerceu actividade médica fora do Hospital Central Conde de S. Januário, incompatível com o seu estatuto de exclusividade.
Relativamente aos requisitos da fundamentação, impõe o artigo 115º do C.P.A., no seu n.º1, que a “fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto” e nos termos do n.º2 do mesmo artigo 115º “equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
Ora, analisado o despacho em apreço, que indeferiu a pretensão da interessada percebe-se claramente qual o processo cognoscitivo e valorativo e qual a motivação que conduziram àquela decisão, mostrando-se que a fundamentação apresentada se mostra expressa, clara, suficiente e congruente.
4. Mas rebata-se a argumentação da recorrente.
No Capítulo VI do relatório do Instrutor constam os factos dados como provados e que são, resumidamente e entre outros, os seguintes (cfr. fls. 226 a 228):
- F e E são pacientes da ora recorrente.
- A arguida, aqui recorrente, recomendou a Clínica "Doctor Face" à sua paciente E, tendo-lhe entregue o cartão de visita da Clínica citada.
- Aconselhou a Clínica "Doctor Face" à sua paciente F.
- Em Julho de 2010, a recorrente prestou serviço de consulta médica a G na Clínica "Doctor Face" sita no Nam Van.
- O marido da recorrente, D, é sócio da Clínica "Doctor Face".
- A recorrente nunca apresentou junto dos Serviços de Saúde nenhum pedido de acumulação de funções, nem para o exercício de actividade privada em regime de profissão liberal, o que significa que o exercício de outras funções por parte da Recorrente não obteve autorização dos Serviços de Saúde.
Daqui resulta muito claramente que a recorrente apresentou a clínica do marido a determinados pacientes e ali prestou serviços, não interessando já saber se cobrou e quanto pelos serviços ali prestados.
O facto relativo ao funcionário do CCAC perde importância no conjunto da factualidade dada como provada e se mostra como suficiente para integrar a violação dos referidos deveres funcionais da recorrente enquanto médica de um hospital público.
Tal facto foi expressamente afastado quer no n.º 30 da acusação deduzida no processo disciplinar a fls. 190, quer no próprio relatório, onde o Instrutor referiu claramente no Capítulo III sobre as infracções disciplinares que "não se deve continuar a debater sobre uma prova que já tinha sido afastada" (cfr. fls. 224),
Acresce que a testemunha G, questionada sobre os serviços prestados pela recorrente, disse (cfr. fls. 86 e 87):
"Eu não conheço a Dr.ª A. Porém, posteriormente, quando me foi solicitado pelo CCAC para prestar colaboração é que fiquei a saber que a Senhora que me prestou o serviço de consulta na Clínica "Doctor Face" (em Nam Van) era a Dr.ª A. Naquele momento quando fui atendida não tinha conhecimento que era a Dr.ª A."
Esta matéria não foi nem se mostra impugnada, não deixando de evidenciar a prática clínica indevida (consulta médica de estética), tendo ficado provado que a ora recorrente exerceu actividade médica na Clínica "Doctor Face", conforme consta do parágrafo 73 do relatório (cfr. fls. 226) e do testemunho de G registado a fls. 86 e 87.
5. A referida prestação de consulta médica de estética por parte da ora recorrente é incompatível com o exercício da sua actividade enquanto médica assistente do Serviço de Dermatologia no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, em exclusividade de funções.
A este propósito, o artigo 17.° do ETAPM preceitua que "O exercício de funções públicas obedece ao princípio da exclusividade. (…) O exercício de actividades privadas só é permitido excepcionalmente (…). (…) Salvo o disposto em lei especial, é sempre vedado o exercício de actividade privada em regime de profissão liberal."
Tendo a recorrente exercido actividade médica fora do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, e não tendo tal actividade sido autorizada pelos Serviços de Saúde, como decorre do ofício emitido pela Divisão de Pessoal a fls. 184, facto dado como provado no relatório a fls. 226, que também não foi impugnado pela recorrente, esta violou o dever geral de não exercer actividades incompatíveis, consagrado na alínea i), do n.º 2 e no n.º 11, do artigo 279.° do ETAPM.
E ao exercer actividade médica na Clínica "Doctor Face" fora do seu horário de trabalho e sem a devida autorização superior, a Recorrente violou, também, o dever geral de zelo, previsto na alínea b), do n.º 2 e no n.º 4, do artigo 279.° do ETAPM que se traduz no "dever de zelo consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho".
A assacada violação não deixa de estar concretizada no desrespeito pelas regras, regulamentos e orientações que deviam levar a recorrente a não exercer funções médicas fora do quadro do seu exercício funcional.
Pelo exposto, não restam dúvidas de que a recorrente violou o dever de não exercício de actividades incompatíveis e o dever de zelo, respeitando o acto administrativo aqui posto em crise a exigência formal da fundamentação, uma vez que o mesmo evidencia com clareza os factos e o entendimento jurídico que serviram de motivação ao acto punitivo.
6. Da alegada falta de fundamentação no que respeita ao dever de isenção
Resulta provado que a ora recorrente recomendou a pacientes seus, nomeadamente a E e a F, a Clínica "Doctor Face", sendo que o seu marido, D, é sócio dessa Clínica.
Para além de ter recomendado a pacientes seus a clínica do seu marido, a recorrente facultou-lhes ainda os cartões de visita da clínica em causa, facto este que não deixa de ser por ela reconhecido no parágrafo 52.º das suas alegações, ao dispor: "Em bom rigor, efectivamente, nunca a recorrente negou ter entregado a pacientes seus cartões da Clínica em causa, embora sempre que instada sob tratamentos desse tipo, tenha também afirmado que o Hospital Kiang Wu e o da Universidade da Ciência e Tecnologia proviam alguns desses tratamentos, mas não todos."
Pretende a recorrente que, além de ter aconselhado a pacientes seus a clínica "Doctor Face", também lhes falou da possibilidade de realizarem esses tratamentos no Hospital Kiang Wu e no Hospital da Universidade da Ciência e Tecnologia. Só que a ora recorrente não conseguiu fazer prova deste facto, já que a testemunha por si arrolada para esse efeito, a testemunha J, afirmou, quando prestou declarações, não se lembrar se tal tinha acontecido (cfr. fls. 156 e 178) e a prova feita já em sede de Tribunal não confirmou essa tese.
Por outro lado, a recorrente defende-se referindo que apenas fez tais recomendações a pacientes que já tinham terminado o seu tratamento no Hospital de S. Januário, que não tinham mais qualquer outra opção de tratamento que não a medicina estético-cosmética e em situações de tratamento nunca oferecidas ou existentes no Centro Hospitalar Conde de S. Januário (cfr. parágrafos 53.º a 56.º das alegações de recurso) e que o seu marido é apenas um dos sócios de uma pessoa colectiva que é a Clínica "Doctor Face", sendo estas realidades absolutamente distintas (cfr. parágrafos 50.º a 51.º das alegações de recurso).
Com é por demais evidente esta última alegação é perfeitamente inócua, não interessando se o marido é apenas um dos sócios, o sócio dominante ou o dono da clínica, pois o que releva é a recomendação a pacientes do Hospital daquela clínica, onde o marido trabalha, não actuando com imparcialidade, independência e isenção, sendo evidente o favorecimento da actividade do marido.
A recorrente violou assim o dever de isenção, consagrado na alínea a), do n.º 2 e no n.º 3, do artigo 279.° do ETAPM, porque, ao aconselhar os seus pacientes a clínica do seu marido e ao facultar-lhes cartões de visita dessa mesma clínica, retirou vantagens, que não lhe são devidas por lei, das funções que exerce enquanto médica, actuando com parcialidade e dependência em relação a interesses particulares, nomeadamente do seu marido e esses são factos constantes do despacho punitivo, que remete para o relatório, que permitem inferir a conduta incorrecta da recorrente no que concerne ao dever de isenção, encontrando-se, deste modo, o acto administrativo posto em causa devidamente fundamentado, já que permite a um destinatário normal saber as razões de facto e de direito que conduziram ao acto punitivo.
7. Do alegado vício por erro nos pressupostos de facto e de direito
A recorrente vem, ainda, alegar que "(…) a matéria de facto contida no Despacho recorrido e no Relatório para que remete é insuficiente para integrar os ilícitos por que a recorrente foi punida, com que o Acto está viciado por Erro nos Pressupostos de Facto e de Direito" (cfr. parágrafo 44.º e, também, 71.º das alegações de recurso).
Na perspectiva da anulação do acto - o presente recurso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação do acto recorrido ou a declaração da sua nulidade (art. 20º do CPAC) - por vício de violação de lei por errada aplicação das normas relativas aos apontados na modalidade de erro sobre os pressupostos de facto.
O vício de violação de lei consiste na “discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis”1 e, muito embora tal vício ocorra normalmente no exercício de poderes vinculados, o certo é que não deixa de se verificar no exercício de poderes discricionários quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam de forma genérica a discricionariedade administrativa, tais como o princípio da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade, etc..2
Dentro de um certo entendimento, tanto o erro na interpretação ou indevida aplicação de uma regra de direito como o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente entram no vício de violação de lei. A ideia falsa sobre os pressupostos de facto em que se funda a decisão traduzem violação de lei, na medida em que, se os poderes forem discricionários, aquela mesma lei não os deixa de conferir para serem exercidos ponderando a existência de “certas circunstâncias cuja apreciação conduza o agente a optar, entre várias decisões possíveis, pela que considere mais adequada à realização do fim legal. Se estes afinal não existirem nos termos supostos, a lei foi violada no seu espírito.”3
Não obstante a posição acima referida, há quem sustente a existência do vício autónomo de erro nos pressupostos, o que relevará apenas em sede de actividade discricionária.4
De qualquer modo, no caso “sub judice”, o erro, segundo se alega, teria resultado do facto de se terem extraído dos factos apurados ilações justificativas de uma sanção disciplinar, sendo certo que nem as condutas resultantes da prova produzida, nem os próprios termos do despacho punitivo a comportam, o que determina uma deformação da vontade, por causa da ignorância ou do conhecimento defeituoso do órgão decisor, sempre relevando em sede de anulação do acto.
Nos termos do artigo 281.° do ETAPM, "Considera-se infracção disciplinar o facto culposo, praticado pelo funcionário ou agente, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado".
Ora, os factos praticados pela recorrente são passíveis de censura disciplinar, na medida em que ela actuou de forma autónoma e livre e em desconformidade com os interesses do serviço onde exerce a sua actividade, violando, assim, as suas obrigações funcionais.
Deste modo, perante os factos dados como provados e que não se mostram abalados perante a prova produzida, o acto administrativo impugnado mostra-se em total sintonia com os factos apurados pelo Instrutor do processo disciplinar e com as normas legais violadas, não estando, por isso, o acto administrativo viciado por erro nos pressupostos de facto e de direito.
8. Do alegado vício por violação de lei
A recorrente pretende demonstrar que o acto administrativo recorrido padece ainda do vício de violação de lei, sendo o mesmo nulo, nos termos do artigo 122.°, n.º 2, alínea d), do CPA, uma vez que o mesmo viola os artigos 280.°, 281.°, 279.°, n.º 2, alíneas a), b) e i), n.ºs 3, 4 e 11 e o artigo 277.°, todos do ETAPM e o artigo 335.° do Código Penal e ofende direitos, liberdade e garantias da recorrente (cfr. parágrafos 72.° a 78.° das alegações de recurso).
Contrariamente ao por ela defendido, o acto administrativo impugnado não viola nenhuma das disposições legais supra citadas, nem quaisquer outras, tendo a entidade recorrida respeitado integralmente os princípios gerais de direito, nomeadamente os princípios jurídico-administrativos, como o princípio da legalidade, da proporcionalidade, da imparcialidade, da igualdade e da justiça, entre outros, e, bem assim, o princípio do in dubio pro reo, o direito ao trabalho, o direito de acesso à justiça e aos tribunais e o direito à protecção de dados pessoais e à reserva da vida privada.
E sobre esta matéria pouco mais haverá a dizer para além da negação do afirmado, na exacta medida em que a interessada se limitou a afirmar as ditas violações sem que explicasse por que razão proferiu tais afirmações.
Não se vislumbra que o acto recorrido tenha ofendido o conteúdo essencial de qualquer direito fundamental consagrado na Lei Básica da RAEM, na medida em que se mostra justificado e explicada a razão de ser da condenação disciplinar, mostrando-se a sanção adequada e proporcional à gravidade das infracções.
9. Quanto à questão de se ter considerado como circunstância agravante o facto desta situação que envolveu a ora recorrente ter sido notícia nos jornais da RAEM (cfr. recortes dos jornais juntos ao processo disciplinar a fls. 114 a 116), sufraga-se o entendimento de que o empolamento e divulgação de toda essa situação prejudicou a imagem dos Serviços de Saúde e a reputação da RAEM, sendo legítimo que a população fique a pensar que há médicos no Hospital público que se aproveitam das suas funções para favorecerem clínicas e interesses privados.
E sobre o facto de essas notícias serem da responsabilidade da Administração esse é um facto ad probandum, sendo até legítimo pensar que foi a distribuição de cartões de visita da Clínica "Doctor Face" que deu visibilidade a tal prática censurável.
Tendo-se verificado que o comportamento da recorrente determinou a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público, tal comportamento integra a circunstância agravante prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 283.° do ETAPM, não se verificando também aqui o vício da violação de lei.
Tudo visto e ponderado, decidir-se-á pela improcedência do recurso.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
Macau, 20 de Junho de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Presente Ho Wai Neng
Vitor Coelho José Cândido de Pinho
1 - Freitas do Amaral, in Dto Adm., II, 2002, 390v.
2 - Freitas do Amaral, ob. cit., 392
3 - Marcelo Caetano, in Man. Dto Adm, 10ª ed., I, 504v.
4 - Ac. TSI de 27/1/2000, in Ac. TSI, 2000, I, 7; Freitas do Amaral, in Dto Adm 1989, III, 308
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238/2012 1/37