打印全文
Proc. nº 100/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 04 de Julho de 2013
Descritores:
-Art. 628º do CPC
-Administração de Condomínio
-Poderes de representação orgânica e voluntária
-Certificações de procurações por advogado
-Depoimento testemunhal de condómino


SUMÁRIO:

I- Nos termos do art. 628º, nº 2 do CPC, não se conhecerá dos recursos interlocutórios apresentados por uma parte se ao recurso interposto da sentença pela outra (a parte vencida a final) o tribunal “ad quem” vier a negar provimento e a confirmar a decisão final impugnada.

II- Existe representação orgânica quando uma pessoa colectiva actua perante terceiros através dos seus órgãos próprios. Mas uma coisa é a representação orgânica, outra é a representação de poderes conferida a outrem, que significa representação voluntária manifestada, geralmente, através da procuração.

III- Se a Administração de Condomínio, enquanto órgão de representação orgânica, confere a alguns dos seus membros poderes para a representarem, não estamos perante um acto de representação voluntária, mas perante aquilo que se pode dizer delegação dos poderes da representação orgânica. O que estes passam a poder fazer é o exercício (derivado) dos mesmos poderes de representação do órgão delegante (originários).

IV- A certificação é um acto público lavrado por advogado perante um documento (procuração) que lhe é feito presente, através do qual o certificador atesta que o representado mostra conhecer e concordar com o sentido da procuração (a qual advogado são conferidos os poderes, a extensão desses poderes, etc.).

V- Os condóminos não estão impedidos de testemunhar, tal como os sócios de uma sociedade não estão impedidos de o fazer nas acções em que a sociedade seja parte.

VI- Um interesse em agir é diferente do interesse material ou substantivo que os sujeitos da relação material têm que demonstrar, sob pena de insucesso da pretensão. Deste ponto de vista, o interesse em agir, é um interesse processual, um interesse em servir-se de um processo judicial.




Proc. nº 100/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A Administração de Condomínio B Fa Un, com sede em Macau, na Rua ......, Edif. “B Fa Un”, Bloco ..., loja “...” requereu no TJB uma providência cautelar contra “C Segurança Limitada”, com sede em Macau, na Av. de ......, nº ..., Centro Comercial “......”, …º -“…” pedindo que esta fosse proibida de praticar qualquer acto sobre o edifício “B Fa Un”, que dele se ausentasse e que procedesse à reconstituição da situação original do parque de estacionamento existente antes da sua “intromissão”.
No decurso desses autos, foi junta procuração pela requerente (fls. 51), que a requerida arguiu de irregular.
Do despacho que negou a existência da suscitada irregularidade, foi interposto recurso jurisdicional (1º recurso) pela requerida “C Segurança Limitada”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«A. A acta de fls. 14 e 15 confere ao D, ao F e ao G poderes gerais de administração para resolver o problema da “C Segurança Limitada” e ainda para mover procedimentos criminais.
B. Mas, decorre dos art.º 128.º, n.º 3, alínea a) do Código do Notariado e do 105.º, n.º 1 do Código Penal que este tipo de poderes de administração só podem ser conferidos por procuração que revista a forma de instrumento público ou de documento autenticado - o que não sucede no caso “sub judice”.
C. A procuração de fls. 51 é, pois, irregular, nos termos do disposto no art.º 82.º, n.º 1 do Código de Processo Civil por não satisfazer os requisitos de forma previstos na alínea a) do art.º 77.º desse diploma ex vi do art.º 128.º, n.º 3, alínea a) do Código do Notariado.
D. O que confere regularidade formal à procuração forense certificada por advogado nos termos do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 62/99/M é a menção pelo advogado de que o representado declarou conhecer e aceitar o conteúdo da procuração, eventualmente acompanhada da menção prevista no seu número 3, quando a procuração esteja redigida em língua que o representado não domine.
E. Sendo claro que não possam ser objecto de certificação pelo advogado quaisquer circunstâncias especiais relativas aos signatários da procuração (v.g., qualidade e poderes) que não se encontrem previstas no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 62/99/M.
F. Mas, uma vez que a qualidade e poderes dos representantes do representado foram consignadas na certificação da procuração forense de fls. 51 v à margem do disposto nos art.º 6.º, do Decreto-Lei n.º 62/99/M, designadamente do seu n.º 2, a procuração mostra-se irregular, nos termos do disposto no art.º 82.º, n.º 1 do CPCM, por não satisfazer os requisitos de forma previstos na alínea a) do art.º 77.º desse diploma ex vi dos art.º 159.º, n.º 4 e 160.º do Código do Notariado.
G. Logo, não respeitando o presente procedimento cautelar comum à execução de nenhuma das funções que pertencem à administração do condomínio ou à assembleia dos condóminos (art.º 1327.º e 1324.º, n.º 1, alínea i) do C.Civil), a irregularidade da procuração de fls. 51 mostra-se insuprível, devendo ficar, sem efeito tudo o que foi praticado ao seu abrigo, com as legais consequências.
NESTES TERMOS e com o mais que V. Exas., muito doutamente, não deixarão de suprir, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências. Assim, mais uma vez, farão V. Exas. JUSTIÇA.».
*
Não houve resposta ao recurso.
*
Na acta de audiência de fls. 324 -325 dos autos, foi pela Ex.ma Juíza que presidia à inquirição de testemunhas proferido um despacho que impediu que H prestasse depoimento na qualidade de testemunha oferecida pela requerida “C”, pois o considerou proprietário de uma das fracções do prédio.
De tal despacho interpôs recurso a requerida “C”, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
«A. Segundo os art.ºs 1352.º, n.º 2 e 1359.º, n.º 1, ambos do Código Civil, a representação judiciária dos condóminos compete à administração do condomínio.
B. Assim, apenas os membros da administração do condomínio podem prestar depoimento de parte (478.º, n.º 2, in fine, do CPCM), pelo que só eles estão impedidos de depor como testemunhas nos termos do disposto no art.º 518.º do CPCM.
C. Segundo Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, pág. 595, ao referir os que podem depor como partes, a lei quer abranger os que, no momento da inquirição, podem ser ouvidos em depoimento de parte.
D. Ora, no momento da sua inquirição, a testemunha H (H), não podia ter sido ouvida em depoimento de parte, por não fazer parte da administração do condomínio (requerente) nem da administração da sociedade comercial contra quem foi requerido o presente procedimento cautelar comum, pelo nada obstava à admissibilidade do seu depoimento.
E. A qualidade de condómino de uma testemunha arrolada para depor num procedimento cautelar comum requerido pela administração do condomínio contra um terceiro, é assim uma questão de valoração de prova e não de admissibilidade da mesma.
F. Por isso, em procedimento cautelar comum requerido pela administração do condomínio contra terceiro, não são inábeis para depor os condóminos do prédio em causa, tenham ou não interesse na causa.
G. Desta forma, ao não admitir o depoimento da testemunha H (H), a decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação do disposto nos art.º 478.º, n.º 2, in fine, e 518.º, ambos do CPCM, e no art.º 1352.º, n.º 2 do CCM, pelo que deverá ser revogada».
*
Não houve resposta ao recurso.
*
Na acta de fls. 527-528 dos autos, a propósito da procuração apresentada pela requerente a fls. 432, foi proferido despacho da Ex.ma Juíza que a considerou isenta de qualquer problema de “ilegitimidade”.
Contra esse despacho recorre de novo a requerida “C”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«A. Na deliberação consignada na acta de fls. 507 foram conferidos ao J poderes gerais de administração para resolver, de forma legal, o problema da administração forçada da “C Segurança Limitada” e da lesão do direito de administração do condomínio, bem como para efectivar a eventual responsabilidade civil e/ou criminal das pessoas relacionadas com o caso.
B. Mas, decorre dos art.º 128.º, n.º 3, alínea a) do Código do Notariado e do 105.º, n.º 1 do Código Penal que este tipo de poderes de administração só podem ser conferidos por procuração que revista a forma de instrumento público ou de documento autenticado - o que não sucede no caso “sub judice”.
C. A deliberação consignada na acta de fls 507 configura, por conseguinte, uma procuração irregular, nos termos do disposto no art.º 82.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por não satisfazer os requisitos de forma previstos na alínea a) do art.º 77.º desse diploma ex vi do art.º 128.º, n.º 3, alínea a) do Código do Notariado. D. Por outro lado, o que confere regularidade formal à procuração forense certificada por advogado nos termos do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 62/99/M é apenas a menção pelo advogado de que o representado declarou conhecer e aceitar o conteúdo da procuração, eventualmente acompanhada da menção prevista no seu número 3, quando a procuração esteja redigida em língua que o representado não domine.
E. Sendo claro que não possam ser objecto de certificação pelo advogado quaisquer circunstâncias especiais relativas aos signatários da procuração (v.g., qualidade e poderes) que não se encontrem previstas no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 62/99/M.
F. Isto por o legislador não ter pretendido equiparar a certificação por advogado das procurações que envolvam poderes forenses simples ao reconhecimento notarial com menções especiais, por se tratarem de actos com objecto e força probatória diferentes.
G. Mas, uma vez que a qualidade e poderes do J foram consignadas na certificação da procuração forense de fls. 432 à margem do disposto no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 62/99/M e dos art.º 159.º, n.º 4 e 160.º do Código do Notariado, a procuração de fls. 432 mostra-se irregular, nos termos do disposto no art.º 82.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por não satisfazer os requisitos de forma previstos na alínea a) do art.º 77.º desse diploma ex vi dos referidos artigos do Código do Notariado.
H. Por último, não respeitando o presente procedimento cautelar comum à execução de nenhuma das funções que pertencem à administração do condomínio ou à assembleia dos condóminos (art.º 1327.º e 1324.º, n.º 1, alínea i) do C.Civil), por a fracção AR/C para estacionamento ora em causa não ser uma parte comum do condomínio, mas uma fracção autónoma (fls. 48, 347 a 372, 403, 441, 466 a 490, 491, 510 e 522), a irregularidade da procuração de fls. 432 (por ilegitimidade e falta de interesse em agir do mandante) mostra-se insuprível, devendo ficar, sem efeito tudo o que foi praticado ao seu abrigo, com as legais consequências.».
*
Não houve resposta ao recurso.
*
Prosseguiram, entretanto, os autos, que culminaram com a prolação de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e decidiu proibir a requerida de praticar qualquer “acto administrativo” sobre o edifício em causa e de cobrar despesas de condomínio junto dos proprietários, bem como a obrigou a repor o parque de estacionamento na situação original existente antes da sua intromissão.
Inconformada contra esta sentença, veio a requerida “C Segurança Limitada” recorrer mais uma vez para este TSI, concluindo as respectivas alegações da forma que segue:
«A. Nos artigos 3.º a 6.º da Oposição de fls. 239 e ss. a Requerida levantou a questão da ilegitimidade da Requerente por o presente procedimento cautelar comum não se inscrever nas funções da administração do condomínio.
B. O Tribunal a quo julgou resolveu a questão a favor da Requerente, mas apenas no que respeita à legitimidade processual.
C. Sucede que a ilegitimidade substantiva da Requerente constitui uma excepção peremptória de conhecimento oficioso (art.º 394/1, alínea d), do C. Processo Civil), que, no caso concreto, deveria ter sido conhecida pelo Tribunal a quo, no despacho liminar, por a Requerente não ter feito prova de que dispunha de poderes especiais conferidos pela assembleia para discutir a questão da propriedade do estacionamento do rés-do-chão (se parte própria ou comum) especificado no título constitutivo da propriedade horizontal como fracção autónoma A/RC.
D. Tal excepção não foi conhecida pelo Tribunal a quo, devendo tê-lo sido, na medida em que a ilegitimidade da Requerente (resultante da sua falta de poderes para administrar as partes próprias do prédio) resultar logo da certidão predial de fls. 42 a 50 comprovativa de que o referido estacionamento não consiste numa parte comum do prédio, mas numa fracção autónoma especificada no título constitutivo da propriedade horizontal (fls. 43 e 48), logo subtraída à administração do administrador do condomínio por força da lei, designadamente do disposto nos art.ºs 1324.º, n.º 1, alínea i), 1327.º, a contrario, 1357/1 e 1359/1, todos do Código Civil.
E. A Requerente prossegue, pois, um objectivo ilícito, na medida em pretende com o presente procedimento cautelar comum tutelar um direito que não lhe pertence, conforme resulta do disposto no art.º 9/2 do C. Processo Civil ex vi dos art.os 1304, n.º I, 1329, n.º 1 e 1324.º, n.º 1, alínea i), 1327.º, a contrario, 1357/1 e 1359/1, todos do Código Civil.
F. Daí que, verificando-se, no caso em apreço, falta de legitimidade da Requerente por falta de personalidade judiciária para o presente procedimento cautelar, o mesmo não devesse, a nosso ver, ter passado sequer o crivo do despacho liminar.
G. Por outro lado, em procedimento cautelar comum onde a summaria cognitio do requisito da probabilidade séria da existência do direito invocado pressupõe que se, discuta e apure se o estacionamento em causa consiste numa parte comum ou numa fracção autónoma do prédio, a legitimidade activa para requerer a tutela cautelar radica exclusivamente nos condóminos e não no órgão de administração do condomínio.
H. Por tudo isto o administrador do condomínio não tem interesse em agir nem legitimidade para discutir em juízo a real natureza jurídica da fracção autónoma AR/C, para estacionamento, especificada no título constitutivo da propriedade horizontal, tendo em vista a sua administração como se tal fracção se tratasse de uma parte comum pertencente, em compropriedade, a todos os condóminos do prédio nos termos do disposto no art.º 1323/1, in fine, do C. Civil.
I. Afigura-se, pois, que a Requerente se substituiu indevidamente aos condóminos do B Fa Un na instauração do presente procedimento cautelar comum, o qual não só não se inscreve na esfera da suas competências, como versa sobre questões de propriedade e posse de bens alegadamente comuns, sem que a assembleia condominial lhe tenha conferido poderes especiais para discutir tais questões em juízo (art.º 1359.º do C. Civil).
J. Pelo, não poderia a questão da falta de legitimidade substantiva suscitada na Oposição de fls. 81 e ss. ter sido suprida como foi pelo Tribunal a quo, pela via da simples legitimidade processual que nunca esteve em causa.
K. Há, pois, erro de julgamento quanto à questão da legitimidade da Requerente para obter a tutela do direito que invoca.
L. Nesta medida, sendo evidente que a pretensão da Requerente não pode proceder por versar matéria estranha à sua esfera de competências (art.os 1357.º e 1359.º, do C. Civil), deve ser revogada a decisão que a considerou parte legítima para requerer o presente procedimento cautelar comum, com as legais consequências.
M. Nos artigos 8.º a 15.º da Oposição de fls. 81 e ss. a Requerida levantou também a questão da falta de interesse processual da Requerente por o presente procedimento cautelar comum não se inscrever nas funções da administração do condomínio.
N. O Tribunal a quo decidiu esta questão nos seguintes termos:
«在本案中,聲請人以分層建築物管理機關的身份欲採取措確保其對停車的管理,其顯然具有訴之利益。因此,駁回被聲請人的抗辯。» [9.º e 10.º parágrafos de fls. 530]
O. Sucede que no domínio dos procedimentos cautelares, além do duplo requisito da necessidade/adequação, o interesse processual afere-se, também e em especial, em função do periculum in mora, o qual não se verifica no caso em apreço.
P. Falta, pois, à requerente o necessário interesse em agir para o presente cautelar comum.
Q. Mesmo que - por hipótese de raciocínio - houvesse periculum in mora, só aos condóminos do B Fa Un assistiria o direito de discutir em juízo a natureza jurídica da zona do estacionamento (se se trata de uma fracção autónoma especificada no título constitutivo da propriedade horizontal registado na Conservatória do Registo Predial (fls. 458/462) ou, ao invés, de uma parte comum do prédio), na medida em que são eles - e mais ninguém - o único e verdadeiro titular activo da relação material controvertida.
R. Assim sendo, devia a Requerida ter sido absolvida da instância cautelar por não se verificar o necessário interesse em agir da Requerente para lhe mover o presente procedimento cautelar comum.
S. Caso - por hipótese de raciocínio - assim não se entenda, sempre seria de anular a sentença recorrida por excesso de pronúncia. Senão vejamos:
T. Para o Tribunal a quo, ainda que o estacionamento em questão fosse uma fracção autónoma, sempre o direito da Requerente se fundaria no facto de existirem partes comuns do prédio dentro da fracção autónoma A/RC.
U. Ora, no requerimento inicial de fls. 2 e ss. (R.I.) a Requerente não fundou o seu direito a administrar o estacionamento do B Fa Un no facto de existirem partes comuns do prédio dentro fracção autónoma A/RC, mas no facto dessa fracção para estacionamento ser, ela própria, uma parte comum do prédio.
V. Nesta medida, o facto de existirem partes comuns dentro fracção autónoma A/RC não foi invocado pela Requerente para justificar a sua pretensão, pelo que se trata de uma causa de pedir não invocada (art.º 5/1 do C. Processo Civil).
W. Assim, uma vez que o direito que a Requerente invoca e pretende fazer valer em juízo não emerge do facto jurídico concreto por ela invocado, dele não podia o Tribunal a quo ter conhecido na sentença recorrida.
X. Assim, deve a sentença recorrida ser anulada na parte em conheceu do referido facto jurídico concreto, com as legais consequências.
Y. Caso - por hipótese de raciocínio - assim não se entenda, sempre seria de anular a sentença recorrida por contradição entre os fundamentos e a decisão. Senão vejamos:
Z. A manter-se a parte da decisão que considerou que o direito da Requerente se funda no facto de existirem partes comuns do prédio dentro da fracção autónoma A/RC, verificar-se-á uma contradição lógica entre os fundamentos da sentença e a decisão que proibiu a Requerida de praticar quaisquer actos de gestão no prédio, incluindo na fracção autónoma A/RC, e lhe ordenou que restituísse o estacionamento, i.e., a própria a fracção autónoma A/RC, no estado em que se encontrava.
AA. Para que não houvesse contradição lógica com este fundamento, teria o Tribunal a quo de ter proibido a Requerida apenas de praticar quaisquer actos de gestão em relação às partes comuns existentes dentro da fracção autónoma A/RC, mas já não proibi-la de praticar actos de gestão em relação à fracção autónoma propriamente dita.
BB. O mesmo se diga em relação à decisão que ordenou à Requerida que restituísse o estacionamento no estado em que se encontrava.
CC. Para que não houvesse contradição lógica, poderia apenas o Tribunal a quo ordenado à Requerida que restituísse as partes comuns existentes no estacionamento ao estado em que se encontravam.
DD. É que, se o juízo jurídico-subsuntivo em que se traduz o dispositivo da sentença recorrida tem por fundamento que o direito da Requerente se circunscreve às partes comuns existentes dentro fracção autónoma A/RC, logicamente não pode tal juízo estender-se a toda a fracção, mas apenas às suas partes comuns, sob pena de oposição ou contradição do correspondente silogismo judiciário.
EE. Assim, deve a sentença recorrida ser anulada por contradição entre os fundamentos e a decisão, com as legais consequências.
FF. Caso - por hipótese de raciocínio - assim não se entenda, sempre seria de revogar a providência decretada pelo Tribunal a quo por não se verificar nenhum dos seus pressupostos legais. Senão vejamos:
GG. Um dos pressupostos legais do procedimento cautelar comum consiste na não existência de providência específica para acautelar o direito ameaçado.
HH. Tal pressuposto não se verifica porque face à causa de pedir não podia a Requerente ter usado o procedimento cautelar comum, mas o procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse - se para tanto estivesse mandatada pela assembleia dos condóminos - por ser este o concretamente adequado a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
II. Por outro lado, a convolação do procedimento cautelar comum em procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse pelo Tribunal ad quem também se mostra inviável face à ilegitimidade da Requerente para acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns resultante da natureza real e, portanto, da eficácia erga omnes do conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal de fls. 464/490, no qual se encontra especificada a fracção autónoma A/RC para estacionamento como parte própria (e não parte comum) do prédio (art.º 1359/3 do C. Civil).
JJ. Não se verifica, portanto, o requisito previsto no art.º 326/1 do C. Processo Civil da não existência de providência específica para acautelar o direito ameaçado, devendo, por isso, ser revogado o presente procedimento cautelar comum, com as legais consequências.
KK. Caso - por hipótese de raciocínio - assim não se entenda, seria ainda de revogar a providência decretada pelo Tribunal a quo por não se verificar nenhum dos outros dos seus pressupostos legais. Senão vejamos:
LL. O argumentário do tribunal a quo em relação à probabilidade séria da existência do direito, não deverá manter-se.
MM. Primeiro, porque se o estacionamento ora em causa se trata de uma fracção autónoma pertencente simultaneamente a duas ou mais pessoas, tal apenas pode significar que se trata de uma parte própria, em regime de compropriedade, do prédio em propriedade horizontal, logo subtraída à administração do administrador do condomínio.
NN. Segundo, porque viola também o disposto no artigo 343.º ex vi do art.º 7.º do Código do Registo Predial (certidão predial de fls. 441/462), e nos art.os 366.º (título constitutivo da propriedade horizontal de fls. 464/490 e Licença de utilização de fls. 491) e 1315/1, do C. Civil.
OO. Terceiro, porque da inscrição da propriedade horizontal no registo (fls. 458/462) e das 349 inscrições prediais de fls. 444/457 resulta a presunção legal do art.º 7.º do Código do Registo Predial, a qual por respeitar tanto aos factos inscritos, como às situações jurídicas deles decorrentes não poderia ter sido elidida sem que concomitantemente tivesse sido cumprido o disposto no art.º 8.º do Código do Registo Predial.
PP. Quarto, porque conforme o título constitutivo da propriedade horizontal constituído pela memória descritiva das fracções autónomas (MDFA) de fls. 466/490 que acompanhou o projecto de construção aprovado pela entidade competente (art. º 1317.º/2 do C. Civil), o estacionamento não faz parte das partes comuns do prédio.
QQ. Quinto, porque a área bruta de utilização (16,893.16 m2) da fracção autónoma A/RC indicada na MDFA não inclui as áreas comuns do prédio.
RR. Sexto, porque face à força probatória plena dos documentos autênticos de fls. 464/490 (título constitutivo da propriedade horizontal) e de fls. 491 (licença de utilização) e de fls. 441/462 (certidão predial) e à presunção registral resultante dos art.os 7.º e 8.º do Código do Registo Predial, o Tribunal a quo não podia ter afastado a eficácia erga omnes do conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal registado na Conservatória do Registo Predial.
SS. Isto, sob pena de violação do disposto nos art.os 365.º do C. Civil e 558/2 do C. Processo Civil, aplicáveis ao caso concreto por força dos art.os 1317/2 do C. Civil e do art.º 47/1, alínea d), do Regulamento Geral da Construção Urbana.
TT. Sétimo, conforme o artigo 1299.º do C. Civil, o regime de compropriedade existe quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de - propriedade sobre a mesma coisa.
UU. Oitavo, porque neste concreto caso, resulta das 349 inscrições prediais de fls. 444/457 e das escrituras de compra e venda de fls. 510/515 e de fls. 517/522 que a fracção autónoma AR/C pertence a mais de uma pessoa, pelo que conforme o referido artigo 1299.º do C. Civil, tem necessariamente de se lhe aplicar o regime de compropriedade.
VV. Nono, porque neste concreto caso, se presume que a propriedade horizontal do B Fa Un, incluindo a fracção autónoma AR/C para estacionamento, existe nos precisos termos em que se encontra registada e que tal fracção pertence, em compropriedade, aos sujeitos a que respeitam as 349 inscrições prediais indicadas a fls. 444/457.
WW. Significa isto que a fracção autónoma AR/C ora reivindicada pela Requerente como parte comum do prédio consiste, pelo contrário, numa parte própria, em compropriedade, por a cada uma das 349 inscrições prediais consignadas a fls. 444/457 da certidão predial corresponder uma ou mais quotas da coisa comum.
XX. Só assim não seria se a presunção registral resultante do art. o 7.º do Código do Registo Predial tivesse sido elidida mediante prova em contrário.
YY. Mas neste concreto caso, não foi produzida nenhuma prova em contrário, pelo que se mantém a presunção de que a propriedade horizontal do B Fa Un existe nos precisos termos em que se encontra registada e de que os direitos a que respeitam as 349 inscrições prediais de fls. 444/457 existem e pertencem aos respectivos titulares nos precisos termos em que foram registados, o que, só por si, toma, de todo, inviável pretensão da Requerente.
ZZ. Décimo, porque ainda que houvessem partes comuns dentro da fracção autónoma AR/C para estacionamento - o que não ficou provado - tal não transformaria a fracção autónoma numa parte comum do edifício, da mesma forma que o facto de passarem por dentro das fracções autónomas canalização, cablagem ou condutas comuns não confere às administrações dos condomínios o direito de administrarem tais fracções como se as mesmas não pertencessem aos respectivos proprietários.
AAA. Não procede, pois, o argumento do Tribunal a quo de que, mesmo que o estacionamento seja uma fracção autónoma, a mesma deve ser administrada pela Requerente por nela existirem partes comuns do prédio.
BBB. Décimo primeiro, porque não ficou provado que as despesas electricidade da fracção A/RC para estacionamento eram suportadas por todos os condóminos do prédio, há que presumir que tais despesas só fossem suportadas pelos comproprietários a que respeitam as 349 inscrições prediais de fls. 444/457, por ser essa a única solução possível face ao disposto no art.º 1301/1 do C. Civil e qualquer outra não correspondência na lei.
CCC. Décimo segundo, porque a probabilidade séria da existência do direito, traduzida na acção real a propor pela Requerente não mereceu do Tribunal a quo o competente juízo de prognose favorável, pelo que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia sobre questão de que deveria ter conhecido oficiosamente (alínea d), primeira parte, do n.º 1 do art.º 571.º do C. Processo Civil).
DDD. Sendo a resposta a esta questão necessariamente negativa por o direito real onde radica o direito invocado pela Requerente sobre a fracção autónoma A/RC não lhe pertencer a ela, nem ao conjunto dos condóminos do prédio, mas apenas aos respectivos comproprietários.
EEE. Décimo terceiro, porque não ficou provado o requisito do periculum in mora tal como configurado no art.º 326/1 do C. Processo Civil, ou seja não ficou provado o perigo da verificação ou continuação de qualquer prejuízo que fosse simultaneamente grave e de difícil reparação.
FFF. Caso - por hipótese de raciocínio - assim não se entenda, sempre seria de revogar a providência decretada pelo Tribunal a quo por erro no julgamento da matéria de facto. Senão vejamos:
GGG. O Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da matéria de facto no que respeita à prova produzida nas passagens dos depoimentos das testemunhas K e L gravadas ao minuto 17:24 a 17:55 e 17:59 a 18:28 do Translator 2 - Recorded on 18-Jul-2012 at 10.05.20 (OFG(0(3G01811270) e 00:20 a 00:26 do Translator 2 - Recorded on 18-Jul-2012 at 10.58.32 (OFG)R9NW01811270, com o que violou o disposto no art.º 558.º, n.º 1 do CPCM, devendo, por conseguinte, ser alterada a resposta à matéria do artigo 20.º do R.I. para “Não Provado” nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, alínea a) do C. Processo Civil.
HHH. Assim, tendo apenas ficou provado do artigo 8.º do R.I. que «在2012年3月12日,被聲請人強行進駐B花園停車場管理。» [7.º parágrafo de fls. 530v) é manifesto que não coexistissem duas administrações do condomínio.
III. E não existindo duas administrações do condomínio, mas apenas uma, ou seja a Requerente, dado que a Requerida apenas se ocupa da gestão da fracção autónoma A/RC, não se vê como tal situação poderia causar confusão aos condóminos que dela sejam proprietários, os quais, melhor do que ninguém, sabem, por experiência, que o facto de pagarem à Requerida para gerir a fracção autónoma de que são, proprietários não os dispensa do pagamento à Requerente das despesas relativas às partes comuns do condomínio.
JJJ. Quanto aos condóminos que não sejam proprietários da fracção autónoma A/RC, a questão da possibilidade de confusão referida pelo tribunal a quo para justificar periculum in mora, não se coloca sequer, dado que apenas aos proprietários dessa fracção foram enviadas cartas a pedir o pagamento das respectivas despesas de gestão do estacionamento, conforme alegado no art.º 14.º do R.I. e dado como provado na folha 530v da sentença recorrida.
KKK. Nesta perspectiva, necessariamente diferente da que vingou na sentença recorrida não existe o perigo da produção ou da continuação de qualquer lesão que seja cumulativamente grave e dificilmente reparável ao direito da Requerente.
LLL. Logo, não se verificando que a Requerida tenha sido impedida de aceder à fracção A/RC, para estacionamento, nem que tenha ficado impedida de administrar quaisquer partes comuns que existam dentro do estacionamento ou lhe dêem acesso, nem que (co)existam duas administrações do condomínio, nem que haja qualquer perigo de confusão entre os condóminos no que respeita ao pagamento das despesas de condomínio à Requerente, há que revogar a sentença recorrida por não se verificarem os fundamentos de facto e de direito com base nos quais foi proferida».
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
Do 1º recurso
1 - Consta dos autos a fls. 51 (tradução a fls. 13 do apenso) a seguinte procuração:
“A Administração do Condomínio B Fa Un, com sede em Macau, na Avenida ......, Edifício “B Fa Un”, Bloco ..., loja “...”, representada por D (D), F (F) e G (G), membros do mesmo órgão administrativo, cujos dados de identificação são os seguinte, respectivamente: do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, portador do BIRPM n.º XXXXXXX(X), emitido em 21 de Julho de 2005 pela Direcção dos Serviços de Identificação, residente em Macau, na Rua ......, Edifício “B Fa Un”, bloco ..., ...º andar “...” e, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, portador do BIRPM n.º XXXXXXX(X), emitido em 12 de Maio de 2009 pela Direcção dos Serviços de Identificação, residente em Macau, na Rua ......, Edifício “B Fa Un”, bloco ..., ...º andar “...” e do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, portador do BIRPM n.º XXXXXXX(X), emitido em 8 de Fevereiro de 2011 pela Direcção dos Serviços de Identificação, residente em Macau, na Rua ......, Edifício “B Fa Un”, bloco ... ...º andar “...”;
Declaram que constituíram bastante procurador Dr. Z, advogado estagiário, com domicílio profissional em Macau, na Rua do Comandante Mata e Oliveira, n.º 32, Edifício Associação Industrial de Macau, 5º andar “B”, a quem conferem os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos, com a faculdade de substabelecer, uma ou muitas vezes.”
Macau, aos 28 de Abril de 2012
Ass.) D, F e G
2 - A “Administração de Condomínio B Fa Un” foi eleita pelos condóminos do prédio em 30/05/2010 e, pela Comissão Administrativa, incumbiu os elementos da administração D, F e G, em sua representação para tratar dos assuntos da administração (doc. nº 2 e 6…).
3 - Esta procuração foi certificada por Y, advogado, nos seguintes termos:
“Eu, certifico que a presente procuração foi assinada perante mim pelos membros da referida Administração, D, F e G, tendo os mesmos declarado terem ficado ciente do respectivo teor. O facto de os supracitados membros terem representado a mandante foi confirmado através das actas feitas em 30/5/2010 pela assembleia dos condóminos do Edifício “B Fa Un” e em 19/3/2012 pela comissão administrativa do Edifício “B Fa Un”.
Ass.) Y
4 - Z substabeleceu os poderes nos seguintes moldes:
«Z, advogada estagiária, substabelece, com reserva, no seu Ilustre Colega Sr. Dr. Y, advogado, com escritório na Rua do Comandante Mata e Oliveira, nº 32, Edifício “Associação Industrial de Macau”, 5º andar “B”, Macau, os poderes forenses que lhe foram conferidos por B花園分層建築物管理機關 através da procuração outorgada em 28 de Abril de 2012.
Macau, aos 02 de Maio de 2012».
5 - O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Da irregularidade da procuração:
A requerida arguiu a irregularidade da procuração apresentada pela requerente, com o fundamento principal na impossibilidade da certificação pelo advogado o reconhecimento com menções especiais da assinatura aposta na procuração junta aos autos.
Dispõe-se o nº 1 do arte 6º do D.L. nº 62/99/M o seguinte:
“1. Podem ser certificadas por advogados em exercício no Território as procurações que envolvem poderes forenses simples, bem como as traduções de documentos feitas pelo próprio advogado ou por tradutor ajuramentado.
2. A certificação das procurações não pode ser feita por advogado, que nela figura como procurador e deve consignar a menção de que o representado declarou conhecer e aceitar o conteúdo da procuração.
3….
4.…
Do preceituado acima transcrito não se resulta qualquer restrições quanto à forma de certificação da procuração feito pelo advogado, com excepção a que envolvam poderes especiais.
Nem consta da procuração em causa que o reconhecimento dos signatários fosse feito por semelhança a que se refere o artº 160º do C.R.P.
Não obstante a procuração em causa dizer respeito a condomínio, um órgão colegial, parece que não haver dúvida que a mesma foi conferida pelas pessoas com poderes para representar a Administração do Condomínio B Fa Un, assim, não se vê a razão da irregularidade a que se refere o requerido.
Aliás, a procuração junta pelo próprio requerido, que também é uma pessoa colectiva, foi também certificado pelo advogado e não por notários, o requerido não se entende ter problema na passagem da próprio procuração, não se percebe porquê acha que a procuração da contraparte feita de mesma maneira já haver irregularidade.
Nestes termos, julga-se não existir irregularidade da procuração forense passada pela requerente, indefere-se o requerido.
Custas pelo requerido em 2 UC por se entender constituir questão incidental sujeito à taxa».
*
Do 2º recurso
6 - O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«H (H), do sexo masculino, portador do BIRM n.º XXXXXXX(X), com telefone n.º 66XXXXXX.
Referiu que é proprietário da fracção “…” do …º andar do Edifício “B Fa Un”, bloco … e do lugar de estacionamento n.º 1/430. Disse que não tem nenhuma relação com a empresa requerida, e prestou juramento de acordo com a lei.
O mandatário judicial exigiu à testemunha que prestasse declaração face às matérias constantes dos pontos 47, 49, 56 a 60, 66 a 76, 81 da contestação.
Nesse momento, a meritíssima juiz disse que a testemunha é proprietário da fracção autónoma do Edifício “B Fa Un”, tendo assistido à assembleia dos condóminos do Edifício “B Fa Un” e intervindo na contratação da empresa C Segurança Lda., pelo que tem qualidade da parte e não pode prestar depoimentos em nome de testemunhas.
Mas a mandatária judicial da requerida, advogada AB considerou que o mesmo podia prestar depoimentos na qualidade de testemunha.
Em seguida, a meritíssima proferiu o despacho seguinte:
Segundo a declaração prestada pela testemunha H, ele é proprietário da fracção “…” do …º andar do Edifício “B Fa Un”, bloco … e do lugar de estacionamento n.º 1/430, tem qualidade da parte, pelo que, nos termos do art.º 518º do Código de Processo Civil, “Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes”, dado que a testemunha possui qualidade da parte na presente acção, ele não pode depor como testemunha na audiência de julgamento. Pelo que, o Tribunal não admitiu a sua prestação de depoimentos na supracitada qualidade».
*
Do 3º recurso
7 - A Administração de Condomínio do prédio B Fa Un apresentou aos autos no dia 4/09/2012, um requerimento (fls. 421 dos autos), dando conta da realização no dia 27 de Maio de 2012 de uma assembleia de condóminos, a qual deliberou constituir uma nova comissão administrativa (doc. fls. 422 a 428), e onde ao mesmo tempo o antigo órgão de administração conferiu à nova comissão os poderes e direitos que ela detinha (fls. 429), tendo este novo órgão declarado aceitar os poderes e direitos que da anterior recebia (fls. 431).
8 - Na mesma data foi junta nova procuração certificada pelo advogado Dr. AA (fls. 432 dos autos e fls. 20 do apenso “traduções”), cujos termos aqui damos por reproduzidos.
9 - A fls. 501-502 dos autos a requerida “C” manifestou-se pela irregularidade da referida procuração.
10 - Em 26/09/2012, a requerente da providência pronunciou-se sobre a posição da requerida (fls. 505), juntando ainda os documentos de fls. 507 e 508, sendo que pelo primeiro, a Comissão Administrativa confere poderes a J para, em sua representação, tratar pelos meios legais o assunto da administração forçada exercida pela “C”.
11 - Na acta de audiência e julgamento de fls. 527 a 528, datada de 8/10/2012, consta o seguinte:
«Iniciada a audiência, a meritíssima juiz apreciou a questão de ilegitimidade indicada pela requerida em 20 de Setembro, quanto à procuração apresentada pela requerente.
Tendo a meritíssima juiz referido que a requerente já tinha apresentado a acta da comissão administrativa na qual foi incumbido o senhor J, sendo assim, o Tribunal considera que a procuração constante de fls. 432 não tem problema de ilegitimidade.
Notifique».
12 - Na mesma acta consta ainda o seguinte:
«Referiu a advogada AB que a presente acção tem a ver com a acção de providência cautelar, os documentos devem ser apresentados conjuntamente com os articulados. Além disso, quanto à força probatória, na acta não se indicou que o senhor J pudesse representar o órgão administrativo do Edifício “B Fa Un” no sentido de interpor recurso contra a incompetência da Administração, pelo que, apresentou a oposição nos termos dos supracitados dois pontos.
Em seguida, a meritíssima juiz proferiu o despacho seguinte:
Despacho
O supracitado documento tem a ver com o documento apresentado pela requerente, na sequência de a requerida ter questionado a procuração anteriormente apresentada pela requerente. Contudo, este Tribunal não acha que a requerente não pode apresentar esse documento, pelo que, o documento pode ser junto aos autos.
Quanto à validade da procuração, há pouco este Tribunal já a apreciou. Após lido e apreciado a acta, este Tribunal não acha que tal procuração tem qualquer problema sobre ilegitimidade.
Custas pelo incidente a cargo da requerida, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Notifique.
Do supracitado despacho foram notificados todos os indivíduos presentes, tendo os mesmos referidos terem ficado ciente».
*
Do recurso da sentença
13 - A sentença deu por provados os seguintes factos:
«A requerida é uma empresa comercial de segurança limitada cuja actividade consiste em prestação de serviço de segurança privada. (petição inicial n.º 1)
Nos autos de providência cautelar comum CV3-07-0022-CAO-A, por acórdão proferido em 25 de Janeiro de 2007 pelo Tribunal de Segunda Instância, foi condenada a Companhia de Administração de Propriedades “M”, Lda. a entregar temporariamente à requerente a gestão das partes comuns do condomínio do Edifício “B Fa Un” (petição inicial n.º 3).
No dia 18 de Dezembro de 2007, realizou-se a assembleia dos condóminos do Edifício “B Fa Un” onde foi eleito o órgão administrativo para gerir o mesmo edifício (petição inicial n.º 4).
No dia 30 de Maio de 2010, realizou-se a assembleia dos condóminos do Edifício “B Fa Un” e segundo a deliberação tomada, foi eleito o órgão administrativo (petição inicial n.º 5).
No dia 12 de Março de 2012, a requerida intrometeu-se forçosamente na gestão do parque de estacionamento (petição inicial n.º 8).
No dia 11 de Março de 2012, realizou-se na sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, a “assembleia de proprietários do parque de estacionamento do Edifício “B Fa Un” (petição inicial n.º 10).
Nessa altura, estiveram presentes menos de 30 pessoas na assembleia. Segundo consta da acta, 73% dos 432 proprietários dos lugares de estacionamento concordaram em assistir à assembleia (petição inicial n.º 11).
No dia 11 de Março de 2012, a “assembleia de proprietários do parque de estacionamento do Edifício “B Fa Un” celebrou com a requerida o contrato de administração do parque de estacionamento, cujo teor consta de fls. 36 dos autos, dando-se aqui por integralmente reproduzido (petição inicial n.º 14).
De acordo com o supracitado contrato, no dia 12 de Março, a requerida entrou no parque de estacionamento, tendo, em 15 de Março, oficiado aos proprietários dos lugares de estacionamento exigindo o pagamento de despesas de condomínio do parque de estacionamento (petição inicial n.º 14).
No dia 12 de Maio de 2012, a requerida emitiu o aviso a todos os proprietários dos lugares de estacionamento, dizendo que iria utilizar o novo cartão de entrada e saída (conhecido por cartão “IC”) do portão do parque de estacionamento, a partir de 26 de Maio de 2012, exigindo ainda o pagamento a ela a despesa de condomínio (petição inicial n.º 16).
No dia 14 de Maio de 2012, a requerida, junto ao parque de estacionamento do edifício em causa, procedeu à obra de alteração do cartão de entrada e saída do portão do parque de estacionamento do edifício em causa (petição inicial n.º 17).
No dia 15 de Maio de 2012, a requerida alterou o cartão de entrada e saída do portão do parque de estacionamento, passando assim a controlar a entrada e saída do parque de estacionamento (petição inicial n.º 18).
A conduta da requerida fez com que a requerente não conseguisse entrar no parque paro a gestão, nem receber as despesas de condomínio do parque de estacionamento (petição inicial n.º 20).
Todas deliberações tomadas nas reuniões de condóminos que elegeram a administração do condomínio realizadas nos dias 28 de Agosto de 2005, 8 de Janeiro de 2006, e 18 de Dezembro de 2007, foram anuladas por sentenças do Tribunal de Judicial de Base proferidas, respectivamente, nos processos CV3-05-0063-CAO, CV3-06-0017-CAO e CV2-08-0009-CAO (oposição n.º 43).
As deliberações tomadas no dia 30 de Maio de 2010 foram objecto de impugnação nos autos CV1-10-0060-CAO (oposição n.º 44)
Sob a inscrição nº 25108 do Livro F, da Conservatória do Registo Predial, encontra-se registada com a fracção autónoma, para estacionamento, representando 8.923% do valor total do condomínio, a fracção AR/C do “B Fa Un”. (oposição n.º 46)
Sob a administração da requerente, centenas de motociclos estacionam junto das paredes interiores da fracção AR/C.
*
Nos termos do art.º 5 do Código Civil, ficaram provados os factos seguintes:
As instalações de electricidade existentes no parque de estacionamento fazem parte das instalações de electricidade das partes comuns do Edifício “B Fa Un”.
Da especificação das fracções autónomas do Edifício “B Fa Un” depositada na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, constam os seguintes:
Partes comuns do prédio:
Em todos os pisos:
a) Corredores e acessos;
b) Vestíbulos de elevadores:
c) Elevadores;
d) Escadas;
e) Dependências de recolha de lixo;
R/C:
f) Postos de transformação;
g) Postos de gerador de reserva;
h) Salas de Q.G.B.T;
i) Salas de quadro de C.T.M.;
j) Postos do porteiro e respectiva I.S.;
k) Casas das bombas;
I) Rua particular;
m) Arcada e passeio;
1º andar:
n) Passagens superiores;
o) Depósitos de água para as aspersores;
2º andar:
p) Passagens superiores;
q) Casa das bombas;
3º andar:
r) Terraços;
Cobertura:
s) Cobertura-terraços;
t) Casas de máquinas para elevadores;
u) Depósitos de água;
v) Casas das bombas.
Especificação das fracções autónomas:
Designação Utilização Localização Área Bruta Valor Relativo
    A r/c Estacionamento R/C+1º+2º 16893.16 8.923%
De acordo com a planta do parque de estacionamento do Edifício “B Fa Un”, no 1º e 2º andar foram criados 432 lugares para automóveis ligeiros e 177 lugares para motociclos.
No dia 27 de Maio de 2012, realizou-se novamente a assembleia dos condóminos altura em que foi eleito o órgão administrativo com seus membros N (N), Y(Y), J(J), O(O), (P P), F(F), Q(Q), R(R), S(S), T(T), U(U), V(V), W(W) e X(X)».
***
III - O Direito
Questão prévia
Dispõe o art. 628º, nº2, do CPC que “os recursos que não incidam sobre o mérito da causa e que tenham sido interpostos pelo recorrido em recurso de decisão sobre o mérito só são apreciados se a sentença não for confirmada”. Compreende-se que assim seja: não fará qualquer sentido conhecer dos recursos interlocutórios apresentados por uma parte se ao recurso interposto da sentença pela outra (a parte vencida a final) o tribunal “ad quem” vier a negar provimento, confirmando a decisão final impugnada. Visto que a sentença, de alguma maneira, trouxe vencimento à esfera do recorrente, o êxito da sua posição não determina o conhecimento dos recursos por si interpostos no ínterim processual.
É diferente a situação – como a que aqui sucede – se o recurso da sentença é interposto pela mesma parte que havia recorrido de despachos intercalares. Em tal hipótese, aplica-se a regra do nº1 do artigo: todos os recursos interpostos serão apreciados segundo a ordem da sua interposição.
Assim se fará.
*
1 - Do 1º recurso
1.1- Está em causa a alegada “irregularidade da procuração” que a Administração de Condomínio representada por D, F e G, teria emitido em favor da Drª Z, e a quem foram conferidos poderes forenses gerais (cfr. fls. 51 dos autos e fls. 13 e 14 do apenso “traduções”).
Para a recorrente, em primeiro lugar, a acta de 19/03/2012 do Conselho de Administração referida na certificação por advogado não reúne as características legais de uma procuração. A concessão de poderes pela referida acta a D, F e G não corresponde à exigência formal (instrumento público ou documento autenticado) constante do art. 128º, nº3, al. a), do Código do Notariado. Por isso, a procuração que aqueles indivíduos passaram a favor da advogada é irregular, nos termos do art. 82º, nº1, do CPC, por não satisfazer os requisitos de forma previstos na al. a), do art. 77º do CPC, “ex vi” art. 128º, nº3, al. a), do CN.
Em segundo lugar, é irregular ainda a dita procuração na medida em que a certificação feita pelo advogado Y não obedece ao disposto no art. 6º, nº2 do DL nº 62/99/M e 77º, al. a) e 82º, nº1 do CPC e 159º, nº4 e 160º do Código do Notariado. Isto é, para a recorrente a certificação apenas podia expressar que o “representado” declarou conhecer e aceitar o conteúdo da procuração, eventualmente acompanhada de qualquer outra menção, por exemplo, para atestar a qualidade e poderes dos representantes do representado.
Por fim, a fracção AR/C para estacionamento ora em causa não é susceptível de administração pela requerente por não se tratar de uma parte comum do condomínio (arts. 1327º e 1324º, nº1, al. i), do CC), mas sim de uma fracção autónoma do edifício. Logo, até por isso a irregularidade da procuração se mostra insuprível, devendo ficar sem efeito tudo o que foi praticado ao seu abrigo.
Conhecendo.
- A forma da procuração não obedece aos requisitos legais? Atenta contra os arts. 77º e 82, nº1 do CPC, “ex vi” art. 128º, nº3, al. a), do CN?
Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (Artigo 255º do Código Civil)
A procuração é um negócio jurídico autónomo, uma declaração unilateral de vontade que procede do representado e é dirigida a um terceiro, o outro sujeito do negócio representativo, como ensina Ferrer Correia1.
Ora, porque falamos de uma “Administração de Condomínio”, cremos que os poderes que terão recebido os seus membros D, F e G não sofrem de qualquer maleita originária concernente à legitimidade, segundo se depreende do art. 1329º do Cód. Civil. Ou seja, aqueles elementos receberam poderes para, em conjunto, representarem o órgão de Administração a que pertencem. Não se trata da relação que, estatutária ou legalmente, atribui aos «órgãos» de uma pessoa colectiva os poderes de representação orgânica. “A pessoa colectiva é representada pelos seus órgãos. Não por qualquer órgão, mas apenas pelos chamados órgãos representativos, isto é, com poderes para manifestar perante terceiros uma vontade juridicamente imputável à pessoa colectiva e susceptível de criar para esta vinculações jurídicas”2. Trata-se de poderes de representação que não pertencem às mesmas pessoas detentoras dos poderes de administração, “mesmo quando umas e outras são titulares do mesmo órgão3. Esses são poderes inseridos no âmbito da administração e no quadro da sua actuação. Do que se trata, como mais adiante se verá, é de uma validação da transmissão dos poderes detidos pela Administração noutras pessoas para a representação que em princípio caberia ao órgão a se.
Se bem nos parece, o que está em causa não é propriamente a validade da procuração forense em apreço (fls. 51 dos autos), pois ela é assinada perante o advogado Dr. Y e, nesse sentido, corresponderá às exigências plasmadas do art. 77º, al. a), do CPC e 128º, nº3, al. a), do Código do Notariado.
O que se discute é se a concessão de poderes pela Assembleia de Condomínio àqueles três membros da Administração - para tratar de assuntos de administração relacionados com a actuação da requerida, - implicariam uma procuração subordinada a requisitos formais ou se bastaria uma mera cópia da respectiva acta deliberativa.
Vejamos. Existe “representação orgânica” quando a pessoa colectiva actua perante terceiros através dos seus órgãos próprios e respectivos titulares. Estes representam a pessoa, ao mesmo tempo que exercem poderes e competências próprias. Nas relações internas, esses órgãos praticam administração; mas nas relações externas da pessoa colectiva ante terceiros, o que eles fazem é representação. Portanto, o órgão de administração “administra” e “representa”, consoante a situação. É, então, um órgão representativo nesta acepção.
Não se confunda, porém, esta “representação orgânica” com a “representação de poderes” conferida por alguém a outrem. Os poderes de representação podem não pertencer a quem tem poderes de administração, mesmo quando uns e outros são titulares do mesmo órgão4. Essa é uma situação que parece ser de representação voluntária, é feita através de um acto de vontade, de maneira a que o representante conclua acto ou negócio jurídico em nome do representado, com efeitos directos sobre este5. A vontade dirigida à produção desses efeitos manifesta-se previamente por “procuração” ou, posteriormente, pela ratificação6.
Quando o notário é chamado a intervir em instrumento público em que é parte a pessoa colectiva, deve certificar-se se o representante orgânico tem poderes para o acto notarial. Agirá assim, porque a tanto está obrigado pelo art. 66º, nº1, al. g), do C.N., embora se ache dispensado de o fazer em certos casos, v.g., ante o conhecimento pessoal da qualidade de que o representante se arroga (art. 69º, nº3, C.N.). Essa questão, porém, não foi sequer equacionada in casu e, portanto, por aqui nos fiquemos quanto a este aspecto.
Mas se o caso for de representação voluntária, o problema parece mudar de figura. A procuração, a não ser nos casos em que nos termos da lei se exija a intervenção notarial (art. 128º do C.N.) ou o exija determinada forma o negócio que o procurador irá realizar, segundo o princípio da equiparação formal (art. 255º, CC)7, pode ser feita por indistinta forma (art. 209º do CC), incluindo a verbal8 de modo que, quando escrita, pode ser veiculada por qualquer documento assinado pelo representado9. Neste sentido, uma deliberação vertida em acta não deixa de servir tais propósitos.
A questão é: os três indivíduos em causa serão, realmente, representantes voluntários cuja actuação careça de procuração com as exigências formais impostas na lei do notariado? Ou, em vez disso, não estaremos nós na presença da mesma posição jurídica que detinham enquanto membros da Administração?
A questão não é de fácil solução. Se por um lado se pode dizer que a Administração transmitiu para estes três membros os seus poderes de representação orgânica, por outro lado não é totalmente descabido pensar que os poderes de representação orgânica do órgão Administração de Condomínio terminaram quando quis que aqueles três membros agissem por si e em seu nome.
A importância desta dicotomia reside no facto de que a opção pela 1ª via talvez não implique a existência de uma procuração com os requisitos formais dos arts. 70º, nº1 e 128º, nº3 do C.N., ao passo que a segunda via porventura talvez obrigue ao respeito daquelas imposições formais.
Quid iuris?
É preciso atentar que o caso se desdobra em dois momentos. No primeiro, a Administração transmite poderes a três dos seus membros; no segundo, estes três membros passam procuração a advogado. Por enquanto, estamos a apreciar o primeiro.
A nosso ver, não se trata de uma procuração aquilo que a Assembleia do Condomínio faz em favor dos três membros. Em nossa opinião, é antes a concessão do exercício dos poderes na esfera de “terceiros”, que só por acaso e coincidência são membros do órgão concedente. O que eles recebem do órgão é uma autorização para a prática de determinados actos numa situação de representação orgânica que se não perdeu. Quer dizer, a representação orgânica que cabia ao concedente passou para os membros designados e estes exercem exactamente os poderes que originariamente pertenciam ao colectivo alargado. Esta designação que, para efeitos judiciários, resulta do art. 1352º, nº2, do Código Civil – que tem paralelo com o exemplo que se retira do art. 145º, nº2, al. c) e 3 do Código Civil, a respeito da representação das pessoas colectivas civis – não se confunde com a procuração e, em vez disso, assemelha-se a uma delegação de poderes10. Os membros designados adquirem o direito de exercer (poderes derivados) parcialmente os mesmos poderes de representação do órgão delegante (poderes originários). Ora, o título legítimo dessa representação adquirida derivadamente só pode ser a deliberação do órgão vazado por escrito em acta de forma a dispor de eficácia.
Não é procuração, portanto. Sendo assim, as normas referentes à procuração, designadamente as dos arts. 50º, nº3, 128º, nº3 e 155º do C.N. não têm para a situação em apreço nenhum préstimo.
Consequentemente, se os três membros passaram a dispor validamente de poderes de exercício representativo do órgão a que pertencem, não era necessário que o órgão emitisse em favor deles uma procuração como se eles fossem, daí em diante, exercer poderes de representação voluntária. O que equivale a dizer que não estamos em face dos vícios imputados pela recorrente, traduzidos na violação dos arts. 77º e 82º do CPC, sendo certo, por outro lado, que a referência ao Código Penal é também impertinente, visto que não é desse tipo de processo que estamos a tratar no caso sub judice.
E se este é o nosso pensamento, então andou bem o advogado certificador em “confirmar” a representação da «Administração do Condomínio» através do único documento possível que a podia legitimar: as actas deliberativas citadas no próprio documento, cuja veracidade não foi posta em causa por ninguém. Por conseguinte, não podemos achar que estamos perante uma menção proibida. Aliás, porque não estamos perante um caso em que perante o advogado certificador se apresentam o representado e o representante, mas sim e apenas o representado por intermédio de outrem com poderes delegados, para o certificador poder dizer que o representado declara conhecer e aceitar o conteúdo da declaração, era bom que fizesse incluir no teor da certificação que as pessoas presentes (em nome da Administração) mostraram dispor dos respectivos poderes para outorgarem a procuração forense. Com esta actuação, o advogado certificador cumpriu os seus deveres de respeito pelo princípio da verdade e de conformação da sua actuação com as regras de direito público em matéria de verificação de documentos. Nada do que ali foi feito colide, portanto, com normas imperativas que impusessem diferente procedimento.
*
1.2 - Mas a recorrente entende, por outro lado, que a certificação não corresponde aos ditames dos requisitos formais constantes do art. 6º, nº2, do DL nº 62/99/M (diploma que aprova o Código do Notariado), na medida em que não contém a “menção de que o representado declarou conhecer e aceitar o conteúdo da procuração”. Como se vê, está agora a imputar a irregularidade, especificamente, ao acto certificativo em si mesmo, portanto, no segundo momento do caso, em que os três elementos do órgão passam procuração forense a um advogado.
Efectivamente, se o nº1 permite que a certificação das procurações seja feita por advogado, desde que envolvam poderes forenses simples, o nº2 do art. 6º desse diploma dispõe que “A certificação das procurações não pode ser feita por advogado que nela figure como procurador e deve consignar a menção de que o representado declarou conhecer e aceitar o conteúdo da procuração”.
A norma destacada expõe-nos perante um “acto de parte” (representado) que consiste numa “declaração” que visa mostrar “conhecer e aceitar o conteúdo da procuração”. Sendo essa a menção, então a declaração de que a norma trata é um “acto de afirmação” de uma qualidade ou situação jurídica que a parte declara conhecer e aceitar11.
Ora, se a menção é essa, e se a norma apontada obriga a que o advogado consigne aquele conteúdo, só um oblíquo olhar para o documento não a deixa ver desse modo no caso presente. As palavras da lei não valem somente pelo seu aspecto formal, mas também pela substância que representam. A letra da lei não representa simplesmente o elemento gráfico da composição normativa; é preciso ler para além das palavras para se aquilatar do seu sentido, do seu propósito, do seu alcance, para se descobrir o “espírito” do legislador, a “mens legis”
Ora, se a certificação é um acto público lavrado por um advogado perante um documento (procuração) que lhe é feito presente, parece lógico, e faz sentido, que o certificador ateste que o representado mostre conhecer e concordar com o conteúdo da procuração (a qual advogado são conferidos os poderes forenses, a extensão desses poderes, etc., etc.). Isso é assim, na medida em que se trata de uma procuração que não é emitida na presença do advogado certificador. Com a inclusão dessa menção – e o certificador saberá com que base e fundamento a fará – fica garantido que a procuração traduz um acto querido, livre e responsável de vontade do representado. Mas, essa preocupação deixa de existir se é o próprio representado (aqui, por intermédio dos membros designados que responsabilizam o órgão) que perante o certificador afirma que tem conhecimento do seu teor.
Assim, se sobre o referido documento lançarmos um olhar isento lá estaremos nós a descobrir, por palavras diferentes, a exigência substancial derramada na lei. Lá onde se consigna terem os ditos membros “declarado terem ficado cientes do respectivo teor” cremos ver palavras que nos indicam que o representado (administração de Condomínio), através dos delegados por si designados, afirmou conhecer e aceitar o conteúdo da procuração. A declaração tanto serve para a ciência, pois a tanto o inculca a expressão “ficar ciente”, como para aceitação, pois não se compreenderia que se interpretasse como inconformismo o silêncio de quem declara saber e não reage. Estando presente o próprio representado através daqueles membros designados, mal se vê que devesse ser preciso para tornar claro o assentimento àquilo que acabaram de conhecer sem qualquer reacção ou oposição.
Em segundo lugar, por comparação com as disposições do Código do Notariado, não haveríamos de encontrar nesta omissão nenhuma causa de nulidade (cfr. art. 87º). E se o caso não seria de nulidade do instrumento avulso, igualmente se não mostra que seja de nulidade a omissão em apreço, por identidade de razões.
De resto, e em terceiro lugar, a necessidade da referida menção não surge por acaso ou por capricho do legislador, mas é o resultado de uma ponderação dos interesses em debate. Isto é, o certificador livra-se de no futuro o representado lhe imputar responsabilidades por ter certificado uma coisa que ele não fez, não conheceu ou não aceitou. Defende-se assim o advogado certificador e protegem-se, simultaneamente, os interesses do representado. Pode, pois, dizer-se que o nº2, do art. 6º, nesta óptica, surge em apoio do representado. De modo que, se alguma irregularidade sofresse, apenas ele a poderia suscitar no âmbito dos presentes autos. O que ele, porém, não fez, circunstância que, se o caso fosse de irregularidade, teria por efeito a sua sanação.
Estamos, pois, convencidos que nem sequer os arts. 77º e 82º do CPC servem para fundar a alegada irregularidade.
E a mesma razão está na base da afirmação de que a situação não se subsume à previsão dos arts. 159º e 160º do C.N. Com efeito, não estamos perante nenhum “reconhecimento” notarial, mas sim em frente de uma mera certificação, que deve respeitar até onde possível e compatível – portanto, com as devidas adaptações - o disposto nos arts. 166º e 170º do C.N. e, especificamente, o que está consagrado no art. 6º do DL nº 62/99/M. E não vemos como haja nela, em concreto, nenhuma violação normativa.
Sendo esta a perspectiva que se nos afigura mais correcta, somos a julgar improcedente o recurso também nesta parte.
*
1.3 - Por fim, a recorrente traz um outro argumento. O de que “não respeitando o presente procedimento cautelar comum à execução de nenhuma das funções que pertençam à administração de condomínio ou à assembleia de condóminos, a irregularidade da procuração de fls. 51 mostra-se insuprível, devendo ficar sem efeito tudo o que foi praticado ao seu abrigo…”.
É um argumento lasso. Com efeito, do que temos estado a tratar é da indagação a respeito da validade ou regularidade da procuração, e não se ela foi emitida por quem não tinha legitimidade para figurar no procedimento cautelar, por não estar em causa nenhum bem do condomínio.
Ora, já vimos que se trata de um documento regular e eficaz, apto a legitimar o mandato à advogada constituída (que depois substabeleceu com reserva no colega Dr. Y). Saber se a matéria dos autos diz ou não respeito à administração de condomínio é já questão concernente ao fundo ou mérito, que neste específico recurso não está em apreciação.
Assim sendo, o recurso não pode senão claudicar.
***
2- Do 2º recurso
Reporta-se ele ao despacho proferido em audiência pela Ex.ma juíza que a ela presidia, de não admitir, nos termos do art. 518º do CPC, o depoimento como testemunha da pessoa indicada pela requerida “C Segurança Limitada”, de nome H, com o argumento de ser proprietária da fracção “…” do …º andar do prédio em causa, de ter assistido à assembleia de condóminos e ter intervindo na contratação da empresa ora recorrente.
Vejamos.
Preceitua o art. 518º do CPC que “Estão impedidos de depor como testemunha os que na causa possam depor como partes”.
Ora, de acordo com o art. 1352º, nº2 do CC nas acções de impugnação propostas contra os condóminos a representação judiciária destes pertence à administração, enquanto a representação judiciária nas acções propostas por ela mesma pertence a quem a assembleia designar. Temos, aliás, por ultrapassado este ponto na análise que foi feita no 1º recurso. E a administração goza igualmente de legitimidade para demandar ou ser demandada (art. 1359º do CC).
Dispõe o art. 478º, nº2, do CPC que pode ser pedido o depoimento de parte de quem, nas sociedades, as represente e as obrigue. Os condóminos não estão impedidos de testemunhar, tal como os sócios de uma sociedade não estão também impedidos de o fazer nas acções em que a sociedade seja parte.12.
Ora, a pessoa em causa, pelos vistos, não representa a Administração, nem foi nomeado pela Assembleia de Condóminos. De maneira que não vemos como pudesse estar um condómino impedido de testemunhar em tribunal apenas porque detém essa qualidade de elemento da Assembleia, na medida em que ela não é directa ou indirectamente afastada (art. 386º, do CC).
Não impede o seu depoimento testemunhal a circunstância de algum interesse ter na resolução do caso. Diferentemente o estatuía o art. 2511º, 1º, do CC de Seabra, mas dele nada sobrou para o art. 392º do CC de 1966, nem para o art. 386º do CC de 1999. E actualmente, como se disse, o art. 518º do CPC apenas impede de depor como testemunha quem possa depor como parte, isto é, quem seja sujeito da relação material controvertida.
Por isso, “os condóminos em propriedade horizontal podem depor como testemunhas em processo intentado pelo condomínio”13 Ou daí que também se afirme que “Os condóminos não representantes do condomínio podem ser testemunhas desde que não sejam partes processuais”14.
Andou em desacerto, pois, a decisão sob recurso, pelo que o recurso merecerá provimento. Em consequência disso, a sentença terá que ser revogada na parte em que conheceu do mérito, uma vez que o depoimento que aquela testemunha vier a fazer pode potencialmente vir a exercer influência decisiva no rumo da prova da matéria de facto necessária à decisão da causa.
*
3 - Do 3º recurso
Neste recurso discute-se a decisão tomada no tribunal “a quo” a propósito da certificação da procuração forense conferida por J (membro da Administração de Condomínio do prédio B Fa Un), que a requerida arguiu de irregular por requerimento de 20/09/2012 (fls. 501), mas que a M.ma Juíza na acta de fls. 527 e sgs. considerou regular e não apresentar problemas de “ilegitimidade”.
Vejamos.
A respeito da regularidade da procuração de fls. 51 e 52 dos autos - em que foram conferidos a três membros da Administração poderes de representação, os quais posteriormente emitiram procuração forense à advogada Drª Z, que viria a ser certificada pelo advogado Dr. Y já tudo foi dito na apreciação do 1º recurso.
Entretanto, em 27 de Maio de 2012 realizou-se nova assembleia de condóminos, tendo nela sido eleita uma comissão administrativa com o objectivo de prosseguir a tarefa da anterior, de quem recebeu, e foram aceites, os respectivos poderes e deveres. E em 29 de Agosto de 2012, foi deliberado pela comissão administrativa conferir a um dos seus membros, concretamente a J, os poderes para a representar com vista à resolução, pelas vias legais, da questão da violação dos direitos de condomínio pela “C” (fls. 507).
Perante tais elementos juntos aos autos, e chamada a pronunciar-se sobre eles, o que disse a empresa requerida “C” sobre o assunto?
Defendeu que a procuração era irregular, por não estar certificada como manda o art. 6º do DL nº 62/99/M, especialmente por incluir a qualidade e os poderes de representação de J e, ainda, por o requerimento de fls. 421 dos autos não ter sido acompanhado da acta do respectivo conselho de administração.
A Ex.ma Juíza, contudo, a respeito da não apresentação da acta juntamente com o requerimento de fls. 421, concluiu, por outras palavras e se estivermos a ser fiéis ao seu pensamento, que essa eventual causa de irregularidade estava ultrapassada pela posterior junção. E nada mais disse.
Bem. Quanto à posterior junção, reconhecemos que a afirmação do tribunal “a quo” é verdadeira, conforme se pode ver a fls. 507-508. Aliás, se esse foi tema para a arguição de irregularidade no requerimento de fls. 501-502, a partir da decisão aqui recorrida deixou de o ser, já que a recorrente não lhe fez a mais leve referência nas alegações do recurso, nem nas respectivas conclusões. Está, pois, essa questão ultrapassada.
Quanto ao resto, a questão coloca-se exactamente nos mesmos termos que os acima expostos aquando da apreciação do 1º recurso, pois ela apresenta total identidade nos pressupostos, nos fundamentos e, obviamente, na solução. Com efeito, os vícios que a recorrente imputa a esta certificação de fls. 432, já os havia imputado à certificação de fls. 51. Sendo as mesmas as razões agora invocadas, iguais são as razões da decisão, pelo que aqui damos por reproduzidas as que foram incluídas na apreciação em III – 1 supra.
Limitamo-nos a recordá-las: Não há uma representação voluntária do Conselho de Administração e da Comissão Administrativa em J, mas sim uma representação orgânica nos exactos termos em que a detinham aqueles órgãos; O caso é de delegação de poderes; Não faz sentido apelar a disposições do Código Penal, se o caso não tem aqui contornos penais; O exercício de poderes permitido a J não o proibia de outorgar nenhuma procuração ao douto advogado Y (o mesmo que já exercia poderes forenses nos autos ao abrigo do substabelecimento de fls. 52, firmado pela anterior advogada Z, mandatada que estava pelos anteriores membros da Administração, conforme recurso III-1); Não há irregularidade nenhuma na dita procuração, por não estar em causa nenhuma ofensa aos arts. 77º, al. a) e 82º do CPC e por não se aplicar o art. 128º do CN.
Acresce dizer que, ao contrário do que pensa a recorrente, a menção constante da confirmação da qualidade do senhor J como representante da assembleia de condomínio, primeiro, e da comissão de administração, depois, ajusta-se bem à situação. O membro designado adquire o direito de exercer (poderes derivados) parcialmente os mesmos poderes de representação do órgão delegante (poderes originários). Como acima dissemos, e aqui repetimos, “… o título legítimo dessa representação adquirida derivadamente só pode ser a deliberação do órgão vazado por escrito em acta de forma a dispor de eficácia”. Para concluir, portanto, que andou bem o advogado certificador em “confirmar” a representação da «Administração do Condomínio» através dos únicos documentos possíveis que a podiam legitimar: as actas deliberativas citadas no próprio documento, cuja veracidade não foi posta por ninguém em causa. De resto, o apelo aos arts. 159º e 160º do CN deixa de ter importância, na medida em que se referem a situações de reconhecimento que aqui não se verificam. Serve este parágrafo sumulado para, sobre o específico argumento - invocada proibição na certificação de diferentes menções da que o art. 6º do DL nº 62/99/M estatui -, se reafirmar, por novas palavras, o que sobre o assunto no conhecimento do 1º recurso foi já dito e de novo se reitera.
E quanto ao último argumento (conclusão H das alegações), a refutação que aqui encontramos é aquela que já erigimos na apreciação do 1º recurso, em III-1.3. Damo-la, portanto, aqui por estudada, como por reproduzida a solução ali encontrada.
Para concluir, em suma, que também este recurso tem que improceder.
*
4 - Do 4º recurso
4.1. - Introdução
Este recurso é desferido contra a sentença.
Ora bem. Com a procedência do 2º recurso, pareceria que tudo o resto haveria de ficar prejudicado. Mas, não.
Se fez sentido que se apreciasse o 3º recurso, mesmo referente a aspectos adjectivos e não de mérito, a verdade é que o êxito do 2º recurso apenas implicará a audição da testemunha que na altura própria não foi ouvida nessa qualidade15. Ora, nós consideramos que da sentença proferida, apenas está prejudicada a parte que analisou o mérito, a substância do pedido, pois essa decisão pode vir a ser alterada face à factualidade que o tribunal puder colher da referida testemunha (não sabemos em que moldes o seu depoimento será prestado, a que matéria responderá, etc., etc.).
Portanto, não se pode inviabilizar todo o processo, mas apenas inutilizar tudo o que for incompatível com o provimento daquele recurso, ou seja, tudo o que esta procedência possa tornar insubsistente em termos de mérito. O mesmo é dizer, não merece a pena inutilizar a sentença na parte em que ela se pronunciou sobre questões adjectivas, assim como continua a ser lógico que se conheça a parte do recurso que a ela imputou nulidades.
Vamos, pois, apreciar de imediato essa matéria. Não, porém, pela ordem escolhida pela recorrente, mas por aquela que melhor nos parece ajustar-se à lógica do ritualismo adjectivo-processual no campo exceptivo (vg. art. 394º e 571º, do CPC), começando-se pela nulidade da própria sentença (cfr. art. 563º, nº2, 571º, nº3 e 631º, nº2, do CPC).
*
4.2. - Da nulidade da sentença
Nas conclusões das alegações, a recorrente acometeu a decisão recorrida de erro de julgamento no conhecimento de matéria exceptiva, ao mesmo tempo que a considerou nula, por excesso de pronúncia e por contradição entre fundamentos e decisão.
*
4.2.1. - Comecemos pela nulidade invocada nas conclusões S a X (nºs 90 a 99 das alegações).
Estará em causa a circunstância de o tribunal “a quo” ter conhecido de causa de pedir não invocada pela requerente, o que constituiria excesso de pronúncia.
Para a recorrente, no requerimento inicial da providência a requerente não teria fundado o seu pedido no direito de administrar o parque de estacionamento por nele existirem partes comuns da fracção A/RC, mas antes por essa fracção ser, ela própria, uma parte comum do prédio. Contudo, o tribunal teria afirmado que, ainda que o local do prédio destinado a estacionamento automóvel fosse uma fracção autónoma, sempre o direito da requerente se fundaria no facto de existirem partes comuns do prédio dentro dessa fracção autónoma A/RC. Assim, o tribunal conheceu de um fundamento não invocado pela interessada no seu requerimento, o que tornaria nula a sentença, por ofensa ao disposto no art. 571º, nº1, al. d), “fine”, do CPC.
Ora, olhando para o teor do requerimento inicial em lado nenhum dele se colhe que a requerente considerava o espaço de aparcamento como parte comum do prédio. O que ele refere é que:
- a requerente “geria as partes comuns do edifício” (art. 7º, p.i.);
- com a mudança do cartão operada pela requerida, “não consegue entrar no parque de estacionamento para a gestão, nem receber as despesas de condomínio do parque…” (art. 20º, p.i.);
- a requerida não é gestora efectiva do condomínio…(art. 25º, p..i.);
- a requerida passou a exercer “administração forçosa das partes comuns…” (art. 27º da p.i.);
- a requerida “não tem nenhum direito a proceder à gestão do parque de estacionamento…” (art. 28º da p.i.);
- o “poder de administração pertence à requerente…” (art. 30º, da p.i.);
- o parque de estacionamento não pode ser gerido isoladamente” (art. 34º, p.i.).
Onde está dito expressamente que a requerente considera todo o parque de estacionamento uma parte comum do prédio? Não, seguramente não resulta da petição aquilo que a recorrente afirma. E por que motivo se haveria de concluir que, implicitamente, era isso o que a requerente queria dizer? Perguntemos nós agora: por que motivo não se pode afirmar que, diferentemente, a requerente estava a admitir a extensão da sua administração às partes comuns do “parque de estacionamento”?
Bem. O que queremos explicar, para responder à recorrente, é que nem uma coisa nem outra é possível declarar. Mas, de qualquer modo, se a requerente se acha no direito de administrar o parque de estacionamento, no mínimo o que ela admite é que o possa fazer, pelo menos, em relação às suas partes comuns.
Foi isso, precisamente, o que a sentença também admitiu. Ou seja, o tribunal não decidiu, como decidiu, por achar que a requerente tinha poderes de administração sobre todo o parque ou apenas sobre as partes comuns dele. Limitou-se a conceder que a administração pudesse ser feita somente nas partes comuns da fracção A/RC ou que a gestão dessas partes comuns pudesse caber à assembleia de condóminos. E nisso tem inteira razão. Portanto, não partiu de um pressuposto fáctico ou jurídico que a requerente não contemplou na sua petição inicial, antes fez um exercício intelectual capaz de integrar a hipótese na causa petendi. Não extravasou da causa de pedir, nem ficou aquém dela. Está dentro dela, é o mínimo que se pode dizer.
Improcede, pois, a arguição de nulidade sob este ponto de vista.
*
4.2.2. - Invocada foi, ainda, outra causa de nulidade (nºs 100 a 108 das alegações; conclusões Y a EE). Reporta-se ela a uma alegada contradição entre fundamentos e decisão (art. 571º, nº1, al. c), do CPC).
O motivo para esta contradição residiria na circunstância de a sentença ter partido, por um lado, do fundamento-pressuposto de que a fracção em apreço (A/RC) apresentava partes comuns, embora, por outro lado, ordenasse à recorrida a restituição de todo o “parque de estacionamento” no estado em que se encontrava, todo ele, e não apenas as partes comuns.
Todavia, esta contradição é meramente aparente. O que a sentença acaba por reconhecer é que a dita fracção para parqueamento de viaturas, sendo autónoma e detida em regime de compropriedade por todos quantos são donos de uma quota-parte da fracção, enquanto espaço isolado e bem determinado, também apresenta partes comuns. E nisso até não deixará de ter razão: por exemplo, os corredores de acesso e de saída dos lugares de parqueamento não pertencem a ninguém em particular; são de todos os comproprietários. O mesmo se diga, de algum outro qualquer espaço onde se possam, por exemplo, efectuar limpezas ou pequenas reparações de veículos (não estamos a dizer que seja o caso; estamos apenas a ilustrar em abstracto essa possibilidade). E isso também sucede, pois, com o espaço comum onde se localizam os portões de acesso e saída do parque, ou até mesmo com as casas de banho que nele existam, porventura.
Portanto, ao admitir isto, a sentença não incorre em contradição, se na parte decisória obriga a que alguém que esteja a administrar essas partes comuns se afaste da administração desse “condomínio”. Aliás, até pensamos que a sentença nesse capítulo até está em perfeita sintonia com a sua própria fundamentação. Na verdade, tendo os factos perfunctoriamente apurados demonstrado que a requerida não pode administrar nenhumas partes comuns do prédio, nem mesmo as do “parque de estacionamento” de veículos, então a decisão de a obrigar a repor a situação original do parque (está a referir-se, nomeadamente, à situação dos cartões de acesso e saída do parque) é, em todos os sentidos, coerente e harmónica. Com efeito, se a requerida/recorrente só poderia estar a administrar as partes comuns (se para tal tivesse título legítimo), qualquer medida judicial que a retire da administração desse prédio, obviamente, só pode estar a referir-se a essas partes comuns e não a quaisquer outras.
Em suma, não existe a alegada contradição e, por isso mesmo, também inexiste a invocada nulidade.
Diferente é saber se tal decisão está acertada do ponto de vista jurídico-substancial. Mas, isso, contudo, é já tema para o mérito ou fundo da causa, neste momento fora de qualquer cogitação.
*
4.3 - Da legitimidade (substantiva) da requerente
Nas conclusões A a L, a recorrente sustenta aquilo a que chamou “erro de julgamento” quanto à legitimidade substantiva da requerente para o procedimento cautelar. Isto por, em seu entender, a situação subjacente não corresponder a uma função de administração de condomínio. Na verdade, a requerente não tinha poderes para discutir a questão da propriedade dos bens comuns do prédio e, portanto, não podia substituir-se aos condóminos.
Obviamente, está equivocada. A sentença conheceu da legitimidade adjectiva das partes (fls. 29 e 30), reconhecendo-a à requerente, com base no art. 58º do CPC, face ao modo como a acção foi intentada e como as questões nela foram controvertidas. Saber se as coisas se passaram assim, realmente, isto é, saber se a requerente podia obter êxito com a providência (e aqui cabe a invocação feita pela requerida a respeito da sua legitimidade substantiva), foi pelo tribunal “a quo” asseverado - para tanto apelando ao art. 1359º, nº1 do CC - constituir matéria de mérito que só poderia ser conhecida no momento em que deveriam ser apreciadas as questões substantivas. E assim fez.
Ora, se assim agiu a sentença, nenhuma censura ela merece. Realmente, saber se o procedimento podia avançar ou ser apreciado com fundamento na circunstância de não estar em causa nenhuma parte comum do prédio, era efectivamente questão que tinha que ver com o fundo. Sem dúvida que se trataria de matéria que podia servir os intentos exceptivos da requerida. Mas, o seu conhecimento acabou por ser tratado na sentença ao reconhecer que a dita fracção A/RC possuía partes comuns e que era sobre elas que o litígio se travava. Por isso, bastaria que a sentença, face à prova feita, concluísse que apenas a requerente detinha poderes de administração sobre todo o condomínio, isto é, de tudo o que no edifício fosse comum a todos os proprietários, incluindo as partes comuns concernentes à fracção autónoma em causa.
Portanto, não se pode dizer, como o faz a recorrente, que a sentença apenas tratou da legitimidade processual da requerente. Na verdade, no capítulo destinado aos pressupostos processuais não conheceu da matéria agora tratada por esse prisma, por ter entendido que ela era concernente ao fundo, e com inteira razão o afirmou.
Tendo, posteriormente, a sentença acabado por tratar da questão de fundo contra os interesses da recorrente, isso é questão que não vamos poder abordar, em razão do que acima já expusemos.
Improcede, pois, o recurso sob este ponto de vista.
*
4.4 - Da falta de interesse processual da requerente
Quanto a este ponto, nas conclusões M a R, a recorrente traz à ribalta nova razão para discordar da sentença no que concerne à decisão ali tomada sobre a matéria exceptiva em epígrafe.
Para si, a requerente não teria interesse processual “por o procedimento cautelar comum não se inscrever nas funções da administração do condomínio” e, por não ter sido feita prova da necessidade da providência pelo perigo de lesão que a demora pudesse provocar na sua esfera. Daí que, em sua opinião, a requerida/recorrente devesse ter sido absolvida da instância.
Equivoca-se mais uma vez a recorrente, salvo o devido respeito.
A sentença sobre o assunto, afirmou: “A requerida, por sua vez, invocando a mesma razão, considerou que o parque de estacionamento não pertence às partes comuns, alegando que a requerente carece do interesse processual. Quanto a isso, a requerida novamente confundiu o pressuposto processual e a questão material controvertida. O Código de Processo Civil dispõe no seu art. 72º que “há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais”A fim de resolver a questão se as partes têm ou não interesse processual, deve ter em consideração os factos superficiais constantes do recurso por si interposto mas não fundamentos que possuem ou não consoante a lei substantiva, caso contrário, há que aprofundar as questões substantivas conseguindo assim resolver as questões de pressupostos processuais sobre o interesse processual. In casu, a requerente, na qualidade de administração de condomínio, pretendeu tomar as medidas a fim de assegurar a gestão sobre o parque de estacionamento, pelo que evidentemente tem interesse processual. Assim sendo, é rejeitada a excepção requerida”.
O que ali está dito colhe o nosso aplauso. Efectivamente, o interesse processual, na formulação conceptual do art. 73º do CPC, traduz a noção da existência de uma situação de carência de tutela jurídica que justifique o uso das vias judiciais. Está patente, como é evidente, um interesse em agir, que é diferente do interesse material ou substantivo que os sujeitos da relação material têm que demonstrar, sob pena de insucesso da pretensão. Bem certo que esse interesse em agir, para vir a poder ser bem sucedido em concreto, isto é, para eventualmente triunfar, terá que ser materializado num processo judicial específico. Deste ponto de vista, o interesse em agir, é um interesse processual, um interesse em servir-se de um processo judicial16. Autores afirmam que esse interesse em agir não é totalmente independente do meio escolhido17. E até concordamos com a asserção daqueles que afirmam que nos procedimentos cautelares esse interesse, a ser demonstrado, não passa sem o fundado receio de que se perca a utilidade da sentença pretendida no processo principal. Neste sentido, o processo judicial seria instrumento para a realização de um direito lesado ou ameaçado de lesão. De modo que, ele, o processo, realizaria a utilidade da tutela jurisdicional demandada ao tribunal18
Todavia, como não pode deixar de ser, se o interesse é manifestado na petição, se a situação jurídica é desenhada pelo requerente cautelar em termos tais que revelem a presença de um direito ameaçado de lesão - ou já lesado, mas cuja continuação da actividade lesiva se pretende evitar no futuro – então o caso preenche os pressupostos (processuais) para se poder ir ao tribunal pedir o socorro que a situação aconselhe. Daí para a frente, as coisas saltam para outro plano. É evidente que o requerente não pode escolher qualquer meio, porque em matéria de adequação de meios, as regras adjectivas são imperativas a ponto de se não permitir uma opção arbitrária. Mas, se o quadro de factos invocados não põe em desalinho a causa de pedir e o pedido, então é porque a petição está bem construída e porque nela o requerente convence o tribunal de que pode usar do meio escolhido e de que nele pode vir a ser bem sucedido.
Saber se será triunfante, contudo, é já questão substantiva que fica a jusante da ordem processual.
Portanto, a recorrente não tem razão quando sustenta que o meio em apreço, que implica o receio de lesão grave e dificilmente reparável (art. 326º do CPC), não permite o necessário interesse em agir por parte da requerente no caso concreto. Está aqui a fazer clara confusão. São coisas distintas. Se não se provar o receio, se não se demonstrar que a lesão pode ser grave, se não ficar perfunctoriamente esclarecido que essa lesão dificilmente é reparável, então do que se trata, em tais hipóteses, é de um panorama factual que se não enquadra nos requisitos legais de procedência da pretensão previstos na norma, circunstância que, por ser matéria de fundo, leva ao inêxito desta!
Em vista do exposto, também neste ponto claudica o recurso da sentença.
*
4.5 - Nas conclusões FF e sgs. a recorrente enfrenta a sentença de outro ponto de vista: o da inexistência de prova dos “pressupostos legais da providência.
Estamos, porém, já aí perante a sua discordância em relação ao mérito da causa. Mas, na análise do mérito não podemos nós entrar, face ao provimento do 2º recurso e, por causa dele, às consequências que o depoimento da testemunha H pode trazer à matéria de facto e, portanto, ao desfecho da causa (art. 628º, nº2, do CPC).
***
IV- Decidindo
Nos termos acabados de expor, acordam em:
1- Negar provimento aos 1º e 3º recursos;
2- Conceder provimento ao 2º recurso, e em consequência:
2.1- Revogar o despacho impugnado; e, por via disso,
2.1.1- Revogar a sentença na parte em que conheceu do mérito;
2.2- Determinar a baixa dos autos à 1ª instância para audição da testemunha H e posteriores termos.
3- Negar provimento ao 4º recurso, na parte acima analisada, concernente às nulidades da sentença e à matéria exceptiva.
*
Custas pela recorrente, quanto aos 1º, 3º e 4º recursos acima conhecidos com decisão de improvimento (art. 17º, nº4, do RCT).
Quanto ao 2º recurso, custas pela parte vencida a final.
TSI, 04 / 07 / 2013
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan
1 Estudos Jurídicos, II, pág. 19-30.
2 Pedro Nuno Rodrigues, Direito Notarial e Direito Registral, pág. 180.
3 Autor e ob. cits., pág. 181.
4 Pedro Nunes Rodrigues, Direito Notarial e Direito Registral, Almedina, 2005, pag. 181.
5 Aut. e ob. cits., pag. 109.
6 Aut. e ob. cits., pag. 110.
7 João Nuno Calvão da Silva, Procuração, in «Revista da Ordem dos Advogados», ano 67, vol. II, Setembro de 2007, pag. 731 e sgs.
8 Pires de Lima e A. Varela, CC anotado, I, pag. 244, em anotação 2ª ao art. 262º.
9 Autor e obra citada, pag. 124.
10 Pedro Nunes Rodrigues, ob. cit., pag. 195 e 218.
11 Pedro Nunes Rodrigues, ob. cit., pag. 51-52.
12 Neste sentido, na jurisprudência comparada, o Ac. do STJ, de 19/09/2002, Proc. nº 02B1968
13 Na jurisprudência comparada, ver Ac. da RP, de 16/06/2005, Proc. nº 0436426.
14 Na jurisprudência comparada, ver Ac. da RL, de 14/02/1995, Proc. nº 0087641. Neste sentido, na doutrina, Alberto dos Reis, CPC Anotado, IV Vol., pág. 348.
15 Recordemos que o tribunal a considerava parte interessada e, por isso, apenas a deixava prestar depoimento de parte.
16 “É o interesse em utilizar a arma judiciária, em recorrer ao processo”, apud Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pag. 79. “O interesse processual consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”, apud A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. pag. 179.
17 Por exemplo, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, 1982, pag. 253.
18 Neste sentido, M. Teixeira de Sousa citado por Cândida da Silva Antunes Pires e Viriato Manuel Pinheiro Lima, Código de Processo Civil de Macau anotado, I, pag. 229.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------