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Proc. nº 50/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Julho de 2013
Descritores:
     - Art. 616º do CPC
     - Apresentação de documentos nas alegações de recurso
- Art. 558º do CPC
- Princípio da livre apreciação da prova
- Livre convicção do julgador

SUMÁRIO:

I - A apresentação de documentos juntamente com as alegações apenas se justifica, nos termos do art. 616º, nº1, do CPC, não por causa da posição das partes na petição inicial ou na contestação, mas em virtude da atitude inquisitiva do tribunal na recolha de algum elemento instrutório (portanto, não oferecido pelas partes), ou por causa de alguma disposição jurídica ou regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contassem;

II - O princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc.

III- A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Portanto, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao trabalho do julgador, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita.










Proc. nº 50/2013

Acordam No Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
B, residente na Av. do ......, nº ..., Edif. “......”, …º-…, em Macau, intentou no TA uma acção de condenação para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra a RAEM com fundamento na prática de actos ilícitos imputados aos seus superiores hierárquicos e que lhe teriam determinado prejuízos de ordem moral.
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Na oportunidade, foi proferida sentença de improcedência da acção com absolvição da ré dos pedidos.
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É contra essa sentença que ora recorre o autor da acção, em cujas alegações apresenta as seguintes conclusões:
«1. O tribunal dera, desde logo, por provada - por confissão, acordo das partes ou prova documental - que o A. ora recorrente iniciara uma relação laboral com o CA antecessor da actual DSPA - através de contrato individual de trabalho a partir de Novembro de 2004; que fora contratado para exercer funções consultivas, de investigação e estudo, de carácter geral e especial no que se refere à implementação do projecto “ISO 14000 Gestão Ambiental - Hotel Verde de Macau e demais relacionadas; que tinha obtido, desde que passou a ser sujeito a notação de serviço em 2006, classificações de satisfaz muito, atribuídas em 2006, 2007, 2008 e 2009; que o contrato de trabalho fora renovado por um ano em 31 de Outubro de 2009; que, com a primeira cláusula contratual, ficara assente que era contratado para exercer as referidas funções; que, em 15/01/2010, a Dr.ª C propôs a avaliação de serviço do A. para 2009 com a pontuação de 2,4 valores correspondente à menção de “satisfaz pouco”, a qual veio a ser alterada através de reclamação do A. para a pontuação de 4,0 correspondente à menção de “satisfaz muito”, que, por despacho do Director de Serviços, comunicado em 5/02/2010, foi aceite a rescisão do seu contrato; e o conteúdo do relatório médico psiquiátrico de 29 de Novembro de 2010.
2. Comparando a resposta ao quesito 1.º com o correspondente quesito incidente sobre a matéria de facto descrita no artigo 5.º da p.i. e que fora transposta para o art.º 1.º da BI, constata-se que o tribunal recorrido não deu como provado os nomes das funcionárias ali mencionadas - D, C e F facto que tinha toda a relevância porque um dos fios condutores da acção repousa no facto de que essas três funcionárias, as quais vieram a assumir cargos de chefia na nova DSPA, lidaram mal com o facto de, tendo sido antes colegas do A., terem passado a ser suas superiores hierárquicas na nova direcção de serviços e que foi provado quer por documentos quer por prova testemunhal.
3. Para além do que consta da resposta ao quesito 2) (moldado a partir dos artigos 8.º e 9.º da p.i.), deveria ter sido igualmente dado por provado o segmento “manutenção que só pode significar que o seu trabalho vinha sendo a ser apreciado pelas chefias” que constava do quesito formulado, moldado sobre a parte final do artigo 8.º.
4. E isso porque a prova de tal facto estava feita pelo documento de fls. 24 dos autos e também pelo facto de que o A. estava provido, desde o início da sua relação laboral com a instituição, por contrato individual de trabalho, do que decorre que a sua renovação (ou não) dependia, necessariamente e tão só, da valorização do seu trabalho porque a administração, era, como é, livre de rescindir' o contrato.
5. Esse corte na matéria de facto assente foi-o por não haver o Colectivo procedido ao exame cruzado de documentos constantes dos autos e não ter atentado nesse segmento factual de que as referidas três funcionárias do A. no CA, e ali suas colegas, vieram a ser nomeadas para cargos de direcção (a primeira) e de chefia (as segunda e terceira) na nova DSPA.
6. Provada que foi toda a matéria inserta no artigo 3.º da BI, também a matéria constante do art.” 4.º deveria ter sido dada por provada com base no documento de fls. 185 e seguintes, extraído do site da DSPA e datado de 27/12/2012 e isso porque se trata de documento demonstrativo de que a DSPA, pouco tempo transcorrido sobre a rescisão contratual do A., encarregou uma instituição de consultadoria de proceder à investigação e à elaboração de todas as tarefas compreendidas na Eco-etiquetagem.
7. Desse documento resulta que o desenvolvimento desse trabalho por uma empresa especializada terá tido a duração mínima de 24 a 36 meses, sendo que a contratação de uma empresa de consultadoria para fazer (apenas) uma das tarefas entregues ao A. por tão extenso período de tempo faz prova daquilo que se afirmou no artigo 13.º da p.i e que veio a ser transposto para o art.º 4.º da BI, isto é, que “as novas funções atribuídas ao A. tinham obedecido à atribuição de objectivos definidos de modo irrealista e inalcançável, nomeadamente os da eco-etiquetagem.
8. Deveria, em consequência, com fundamento no referido documento e na prova testemunhal que se deixa transcrita, ter sido dada por provada a matéria do aludido quesito, assim como e pelas mesmas razões acabadas de mencionar e com base exactamente nas mesmas provas documentais e testemunhais identificadas e transcritas, deveriam, também, ter sido dados por provados os quesitos 5.º e 6.º.
9. Se a DSPA contratou uma empresa especializada de consultadoria para o desenvolvimento dessa tarefa, já após a rescisão do contrato de trabalho individual do A., isso só pode significar não só que inexistia algum outro funcionário na estrutura de pessoal da Direcção de Serviços que pudesse desenvolver sozinho essa actividade como, ainda, que ela implicava uma equipa de trabalho.
10. Existe, como se constata da própria formulação dos quesitos 4.º, 5.º e 6.º, uma interligação e interpenetração manifestas entre os três referidos quesitos (até no modo como foram formulados), pelo que a resposta afirmativa ao primeiro (4.º) imporia, igualmente, uma resposta afirmativa aos segundos (5.º e 6.ª).
11. O quesito 7.º foi dado por não provado. Porém, parece manifesto que, se alteradas as respostas aos quesitos 4.º, 5.º e 6.º, e se der, consequentemente, como assente que a atribuição da tarefa da eco-etiquetagem consubstanciou um projecto insusceptível de concretização fora do âmbito de uma equipa de trabalho, tal só pode conduzir à conclusão de que o propósito dessa atribuição foi - só pode ter sido - o de afectar a execução profissional e a marginalização do A.
12. As respostas dadas aos quesitos 8.º a 11.º, a partir dos elementos de informação desde logo resultantes das próprias minutas das actas que constituem o seu objecto, a fls. 36, 40, 44 e 45, 47, 51 e 52, 56 e 57 e 62 e 63, da acta da reunião interna do Departamento de 31 de Agosto (a fls. 36) mostram que o objectivo da reunião foi apenas uma leitura detalhada de todos os deveres do trabalhador consignados na lei, pelo que se impõe a conclusão de que tal leitura, como resulta das regras da experiência comum, outro propósito não teve nem poderia ter tido que não fosse a achincalhação do funcionário.
13. O documento de fls. 27, o contrato individual de trabalho assinado em 10 de Outubro de 2006, entre o Autor e o CA (sucessivamente renovado com a mesma definição do respectivo escopo funcional) define as suas tarefas assim: funções consultivas, de investigação e estudo, de carácter geral e especial no que se refere à implementação do projecto ISO14000 Gestão Ambiental-Hotel Verde de Macau e demais relacionadas (...) ”.
14. Também na Ficha de Notação de fls. 32 se faz mencionar, a título de funções e actividades relevantes exercidas que o A. é responsável pelo Prémio do Hotel Verde.
15. É manifesto, desde logo a partir da análise cruzada dos referidos documentos, que o quesito 8.º foi insuficientemente respondido, porque é manifesto que o objectivo não foi, nem poderia ser, discutir o conteúdo concreto das novas tarefas distribuídas porque ali se não menciona a distribuição de novas tarefas.
16. A resposta ao quesito 9.º está em completa desconformidade com aquilo que, desde logo, resulta do texto da minuta da acta de fls. 40 dos autos, sendo imperioso questionar a razão por que, apenas 4 dias volvidos sobre a reunião interna de 31 de Agosto de 2009, na qual, como se constatou, houve uma completa divergência entre a chefe de divisão e o Autor relativamente ao escopo funcional do último, teve lugar uma nova reunião para ajuizar do andamento relativo aos seus trabalhos”.
17. O Tribunal não ponderou esse facto, crê-se, por falta de um exame cruzado e global das provas pois, as regras da experiência comum, e tomando em linha de conta as “novas tarefas” do A. referidas na minuta da acta de 31/08/2009 apontam para que não seria possível exigir que o Autor pudesse oferecer utilmente qualquer perspectiva sobre o andamento relativo ao vastíssimo conjunto de tarefas ali descritas em apenas 3 dias úteis.
18. A resposta encontrada pelo Colectivo para o mencionado quesito ateve-se, formal e literalmente, ao texto dos documentos, sem qualquer exercício crítico sobre a realidade efectiva subjacente.
19. Também o quesito 9.º deveria ter sido respondido, pelas mesmas razões, em sentido diverso.
20. Relativamente às reuniões de 12/10/2009, 16/10/2009 de manhã e à tarde, 19/10/2009, 6/11/2009 e 16/11/2009, as respostas dadas nos quesitos 10 e 11 são, uma vez mais, respostas simplificadas e formais sem captação da realidade subjacente e sem ponderação das regras da experiência comum.
21. O exame dos textos das minutas das actas das reuniões preparados pelas chefias do A. permite constatar que a maior parte dos assuntos tratados nada tiveram a ver com as novas tarefas atribuídas na reunião anterior de 31/8/2009, pelo que a resposta dada a esse quesito não repousou numa qualquer análise que seja, ainda que perfunctória, da respectiva minuta da acta.
22. Na verdade, a generalidade dos temas ali tratados prendiam-se claramente com o escopo funcional do Autor, o “Hotel Verde e demais relacionadas”, como decorre das referências nelas feitas ao “local do Seminário sobre o Prémio do Hotel Verde”.
23. Não podia o tribunal colectivo ter respondido ao quesito 9.º no sentido de que o propósito dessa reunião interna tivera por objecto a “discussão do progresso das novas tarefas” se, efectivamente, e como demonstrado documentalmente, a incidência da reunião foi o “Hotel Verde”.
24. E se assim foi - e foi-o realmente - o tribunal deveria, com base na análise cruzada dos documentos e tendo, sempre e necessariamente, em atenção os dados da experiência comum, ter identificado um outro objectivo para essa reunião.
25. Parece surpreendente e merecia ter sido ponderado pelo Colectivo o motivo por que a uma tal reunião compareceram a Chefe de Departamento e a Chefe de Divisão simultaneamente.
26. A resposta ao quesito 10.º, a partir do exame das minutas elaboradas pelas chefias do Autor, merece a mais viva crítica porque, uma vez mais, em total desconformidade com o teor dos documentos de suporte constantes dos autos.
27. O tribunal não retirou, devendo fazê-lo, qualquer consequência ou ilação do facto de a 23/10/2009 o Director dos Serviços ter assinado com o A. uma renovação contratual com mantenção do escopo funcional do A., temporalmente situada no decurso das reuniões das chefias intermédias com o A. ocorridas entre 12 de Outubro de 2009 e 16 de Novembro de 2009; se fosse verdade que o escopo funcional do A. não se limitava ao Hotel Verde, o Director deveria ter, nessa oportunidade, esclarecido a questão.
28. O A. tinha razão, pois, em recusar que o seu escopo funcional compreendesse os trabalhos de pesquisa no âmbito da eco-etiquetagem e à concepção do logotipo da DSPA.
29. Não faz qualquer sentido que a carta/requerimento do A. a fls. 58 dos autos, pedindo um esclarecimentar protocolar relativo a correspondência recebida / expedida justificasse uma reunião interna dele com um elevado número de chefias e/ou técnicos superiores dos serviços e o pedido de um parecer jurídico porque, estando o A. provido por contrato individual de trabalho, a sua não aceitação do escopo funcional imposto, se correspondesse à verdade, apenas poderia ter implicado a não renovação do seu contrato individual de trabalho e este foi renovado no transcurso das reuniões de Agosto a Outubro de 2009.
30. Convocado para a dita reunião interna, conforme mais uma vez decorre do mero teor da minuta, o senhor Assessor Jurídico dos serviços explicitou uma dissertação sobre princípios de direito administrativo, sobre o princípio da legalidade sobre os deveres da função pública e da subordinação hierárquica a um agente dos serviços, o Autor, que fora classificado com menção de “Satisfaz Muito” durante os todos os anos de serviço prestado à instituição, o que se afigura justificou plenamente o estado de revolta do A., retratado na própria acta.
31. A reunião de 16/11/2009, com a presença de membros da direcção e de chefias dos serviços veio a ter como agenda a mesma agenda da reunião anterior, o que oferece, de facto, a ideia de um real propósito de levarem o A. à exaustão e a abandonar de motu próprio os serviços.
32. E, apesar de se afigurar claro para toda a gente que as ditas reuniões não conduziriam a qualquer resultado útil, apesar de resultar claro das reuniões anteriores que o A. estava já no limite da sua capacidade para ser sujeito a tão aviltante conjunto de situações perturbadoras, a sr.ª Chefe de Departamento (cfr. fls. 62 verso) ainda anunciou que futuramente ainda vai continuar a realizar com o A. reuniões de trabalho por forma a incrementar a comunicação entre ambas as partes!
33. A resposta do Colectivo de Juízes sobre a matéria dos quesitos 10.º e 11.º é reveladora de que o tribunal colectivo procedeu, mais uma vez, a um exame superficial e acrítico das minutas das actas, de factos, de documentos e da prova testemunhal produzida.
34. A resposta conjunta aos quesitos 12 e 13 não permite compreender o que significa, na perspectiva do Colectivo o condicionamento da conclusão da afectação do equilíbrio psicológico do A. e a recusa em dar por provada a grave afectação física e psicológica que o incapacitaram progressivamente a ter qualquer intervenção útil nas reuniões de serviço por referência à “experiência vivida nas reuniões” referidas nas respostas aos quesitos 3.º, 9.º e 10.º” porque a resposta não justifica nem demonstra a origem dessa afectação do equilíbrio psicológico.
35. Como decorre dos documentos de fls. 85 a 87 dos autos, o A. viu-se constrangido a ser cuidadoso com as palavras utilizadas na sua correspondência escrita, o que não foi considerado pelo Colectivo na resposta ao quesito 12.º.
36. Articulando tal resposta com a resposta dada ao quesito 15.º fica sem se perceber qual foi a causa dos problemas de saúde do A. tão rigorosamente identificados no relatório médico do psiquiatra e genéricamente dados como provados.
37. A parte final da resposta conjunta aos quesitos 12 e 13 é insusceptível de qualquer comprensão e contraria aprova documental e testemunhal produzida.
38. Com as respostas fragmentadas a alguns dos quesitos, o douto tribunal afastou completamente a doença do A. dos malefícios das mais relevantes injustiças e maus tratos de que foi vítima nos serviços, como se tais doenças se tivessem verificado paralelamente (no tempo), desconsiderando importantes segmentos da prova testemunhal produzida nos autos.
39. A resposta ao quesito 14, não provado, mereceria resposta diferente se se tomar em consideração o que se mencionou sobre a atribuição da tarefa da eco-etiquetagem, reconhecidamente um projecto insusceptível de concretização fora do âmbito de uma equipa de trabalho.
40. A resposta conjunta aos quesitos 16 e 18 aparece totalmente desligada da doença do Autor e das razões de serviço esgrimidas na acção como consubstanciando assédio moral no trabalho.
41. A leitura do relatório do Médico-Psiquiatra a fls. 70/71 permite estabelecer uma ligação profunda e indestrutível entre a doença e as invocadas e demonstradas injustiças de que foi alvo nos serviços.
42. A resposta ao quesito 17 não permite perceber o que é que provocou o recurso às consultas médicas do A..
43. As respostas negativas aos quesitos 20.º e 22.º está em total contradição com a resposta positiva ao quesito 21.º, porque as auditorias aos estabelecimentos hoteleiros candidatos ao Prémio Hotel Verde (em Novembro de 2009), de que o A. foi afastado em 6/11/2009, não só se integrava no Projecto do Hotel Verde 2009 como consubstanciava a sua parte final e mais significativa.
44. O Prémio Hotel Verde veio, no momento crucial do projecto, a ser entregue a dois outros funcionários, M e N Adxxxx.
45. Nada justifica a resposta negativa ao quesito 23.º, perante as provas documentais oferecidas e as provas testemunhais produzidas, pelo que a conclusão do Colectivo no sentido de que a rescisão unilateral do contrato individual de trabalho e todos os males de que o A. padeceu foram, afinal, paralelos aos problemas laborais por si enfrentados e devidos a causas desconhecidas, afigura-se incompreensível.
46. A resposta ao quesito 25.º está em contradição com os factos provados de que:
“ (…) o A apresentou á consulta um quadro de ansiedade e depressão com alguns meses de evolução relacionado com a sua situação profissional” (resposta ao quesito 26.º) e que “O que (…) levou ao estabelecimento do diagnóstico de “Perturbação da adaptação a reacção depressiva prolongada (...)”(resposta ao quesito 27.º); e que “ (…) a situação do A. melhorou progressivamente (...9 após ter deixado de trabalhar no serviço público em que trabalhava (resposta ao quesito 28.º) e que “Apesar dessa melhoria gradual e da remissão sintomática que evidenciava à data da primeira consulta, o Autor referia sentimentos intensos de ter sido injustamente tratado no serviço em que trabalhava, sendo que o episódio do conflito com os seus superiores continuava a ser experienciado como um acontecimento traumático.” (resposta ao quesito 30.º), pelo que é manifesta a dessintonia entre as respostas a tais quesitos.
47. O Tribunal recorrido não extraíu qualquer conclusão, devendo fazê-lo, do facto de a dr.ª C, notadora do A., ter elevado, sob reclamação do A. a sua classificação de serviço de 2009 de satisfaz pouco para satisfaz muito.
48. A sucessão destes factos relacionados com a classificação de serviço - proposta e, sob reclamação, alterada - do A. para o ano civil de 2009, havendo a DSPA admitido a razão da reclamação do A, e dos respectivos fundamentos, deveria ser considerada como demonstrativa da razão que assiste ao A. no que concerne aos fundamentos da acção que foram, também, objecto da reclamação apresentada pois a razão dada à reclamação do A. envolve a aceitação por parte da DSPA dos factos que lhe serviram de fundamento e mostra-se em total contradição com a posição assumida neste processo, facto que não foi devidamente ponderado pelos Ilustres Julgadores, devendo-o ter sido.
49. O tratamento a que foi sujeito pelas suas chefias traduziu um comportamento ilícito, repetido e programado para levarem o Autor a abandonar os serviços.
50. O tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, a qual teve uma influência decisiva no não provimento da acção, ao responde incorrectamente ou insuficientemente aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 25.º e 30.º.
51. Deveriam estes quesitos ter sido respondidos de modo diferente, como se deixou indicado, o que implicaria que se dessem por preenchidos os fundamentos de direito da acção que aqui se dão por reproduzidos.
NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso e revogados o acórdão que decidiu da matéria de facto e a sentença recorrida, nos termos supra expostos, assim se fazendo Justiça».
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A RAEM apresentou contra-alegações, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade (que de “motu proprio” numeraremos para melhor facilidade de referenciação):
«1 - O A iniciou uma relação laboral com o Conselho do Ambiente de Macau - antecessor da actual Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental de Macau (DSPA) - através de contrato individual de trabalho, e desempenhou as suas funções a partir de Novembro de 2004.
2 - Foi contratado, conforme o que consta da cláusula 1.ª do contrato supra referido com objecto de «exercer funções consultivas, de investigação e estudo, de carácter geral e especial no que se refere à implementação do projecto “ISO 14000 Cestão Ambiental - Hotel Verde de Macau” e demais relacionadas, de acordo com as orientações superiores definidas».
3 - Tinha obtido, desde que passou a ser sujeito a notação de serviço em 2006, classificações de «satisfaz muito» atribuídas, respectivamente, em 2006 - para o período compreendido entre Outubro e Dezembro de 2006, em 2007 - para o período compreendido entre 01 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2007 - e em 2008 - para o período compreendido entre 01 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2008 e, após reclamação da classificação de serviço proposta, para o período compreendido entre 01 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2009.
4 - Aos 31 de Outubro de 2009, o contrato de trabalho do A. veio a ser renovado por um ano.
5 - Com a primeira cláusula contratual formula-se a seguinte: «O segundo outorgante é contratado para, sob a autoridade e direcção do primeiro outorgante, exercer funções consultivas de investigação, estudo, concepção e adaptação de métodos e processos científicos e técnicos, de âmbito geral e especial no que se refere à implementação do projecto “ISO 14000 Gestão Ambiental - Hotel Verde de Macau”, a serem executadas com autonomia e responsabilidade tendo em vista informar a decisão superior, e demais relacionadas, de acordo mm as orientações superiormente definidas».
6 - Aos 15 de Janeiro de 2010, a Dr.ª C deu a avaliação de serviço proposta do Autor para o período compreendido entre 29 de Junho de 2009 e 31 de Dezembro de 2009, com pontuação de 2,4 valores e menção de «satisfaz pouco».
7 - A avaliação de serviço proposta veio a ser alterada através da reclamação e o Autor obteve a pontuação de 4,0 valores e menção de «satisfaz muito».
8 - Por despacho do Director de Serviços que lhe foi comunicado através do ofício n.º 0281/037/DAF(RH)2010, de 5 de Fevereiro de 2010, foi aceite a rescisão do seu contrato.
9 - No Relatório Médico psiquiátrico, datado de 29 de Novembro de 2010, consta o teor seguinte: “o A. não apresentava história de perturbações psiquiátricas anteriores e não se apurava história de abuso de substâncias. A sua personalidade não evidenciava a presença de traços psicopatológicos. Na história pessoal não se apurava a existência de perturbações do desenvolvimento psico-motor e afectivo na infâmia e adolescência».
10 - Até à criação e implementação da DSPA, após sucessivas renovações anuais do seu contrato de trabalho, o A. desenvolveu a sua actividade de modo efectivo, havendo o seu trabalho sido sempre apreciado pelas chefias (resposta ao quesito 1º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
11 - Após a criação da DSPA, em 29 de Junho de 2009, o escopo funcional previsto no contrato individual de trabalho do A. foi mantido sem qualquer alteração vocacionado ao projecto do «Hotel Verde», à semelhança do que acontecera nos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008 (resposta ao quesito 2º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
12 - Em reunião interna do Departamento de Sensibilização, Educação e Cooperação Ambiental de 31 de Agosto de 2009, o Chefe de Departamento, a Dra. C, Saxxx e a Chefe de Divisão, a Dra. F, Sóxxx, exigiram ao A. que desempenhasse também as tarefas de co-etiquetagem ambiental, de design do logotipo da nova Direcção de Serviços, de tradução português/ inglês, de apoio aos trabalhos do MIECF (feira anual sobre assuntos ambientais) e de apoio as actividades de sensibilização e educação ambiental e «quaisquer outros trabalhos» que viessem a ser atribuídos pelos superiores hierárquicos (resposta ao quesito 3º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
13 - Depois da reunião de 31 de Agosto de 2009 referida na reposta ao quesito 3º, foi estabelecido um apertado controlo do A. fixando a realização semanal de uma reunião com a Dra. C a fim de discutir o conteúdo concreto das novas tarefas distribuídas e seu progresso (resposta ao quesito 8º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
14 - Em 4 de Setembro de 2009, realizou-se uma reunião interna com o propósito de discutir o progresso das novas tarefas do A. (resposta ao quesito 9º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
15 - As reuniões de 12 de Outubro 2009, 16 de Outubro de 2009, 19 de Outubro de 2009, tinham por objecto a renovação do contrato de trabalho do Autor e as reuniões de 6 de Novembro de 2009 e 16 de Novembro de 2009, destinavam-se a informar o Autor de que a forma como o pedido de esclarecimento junto a fls. 58 dos autos foi apresentado era incorrecta, tendo na reunião de 16 de Novembro de 2009 discutido ainda sobre a forma como deviam ser feitas as menções de discordância acerca do conteúdo da acta de 6 de Novembro de 2009 (resposta ao quesito 10º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
16 - Nas reuniões de 12 de Outubro de 2009, 16 de Outubro de 2009, 19 de Outubro de 2009, participaram a subdirectora da DSPA, a Dra. C, a Dra. F, a técnica superior da Divisão Administrativa e Financeira da DSPA, Dra. G, o Autor, e a intérprete tradutora, H e nas reuniões de 6 de Novembro de 2009 e 16 de Novembro de 2009, participaram a Dra. C, a Dra. F, o assessor jurídico, Dr. I, o Autor, e a intérprete tradutora, H, tendo o Autor recusado a assinar as actas dessas reuniões (resposta ao quesito 11º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
17 - A experiência vivida nas reuniões referidas nas respostas aos quesitos 3º, 9º e 10º afectou o equilíbrio psicológico do Autor levando-o a preocupar-se muito com a exacta correspondência ou não entre o ocorrido nas reuniões e o que era lavrado nas actas das reuniões (resposta aos quesitos 12º e 13º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
18 - Em consequência do que consta da resposta aos quesitos 12º e 13º, o dia-a-dia do Autor tornou-se altamente penoso, aguardando, em cada dia, o fim da prestação laboral diária (resposta ao quesito 15º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
19 - O que lhe causou uma tendência de introversão e de isolamento e o abandono dos exercícios físicos que o Autor fazia regularmente (resposta aos quesitos 16º e 18º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
20 - O que obrigou o Autor a recorrer a consultas médicas de clínica geral, gastrenterite e psiquiatria (resposta ao quesito 17º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
21 - Entretanto o A. foi afastado das auditorias aos estabelecimentos hoteleiros candidatos ao «Prémio Hotel Verde» em Novembro de 2009 (resposta ao quesito 21º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
22 - O desequilíbrio psicológico do Autor levou-o a tomar a iniciativa de apresentar, em 5 de Janeiro de 2010, a rescisão unilateral do seu contrato de trabalho com efeitos a partir de 5 de Março de 2010 (resposta ao quesito 25º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
23 - A primeira consulta de psiquiatria, em 8 de Setembro de 2009, foi-o referenciada pelo seu médico dos Cuidados de Saúde Primários, sendo que apresentava, um quadro de ansiedade e depressão com alguns meses de evolução relacionado com a sua situação profissional (resposta ao quesito 26º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
24 - O estado de saúde em que se apresentou à consulta, em 8 de Setembro de 2009, levou ao estabelecimento do diagnóstico de «Perturbação da adaptação e reacção depressiva prolongada» (F43.21) da Classificação Internacional das Doenças, 10.a edição, havendo o A., sido medicado com um antidepressivo (citalopran 20 mg, per os, 0+1 +0) (resposta ao quesito 27º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
25 - Até ter alta, no dia 16 de Novembro de 2010, o A. apresentou-se a cinco consultas, havendo a situação melhorado progressivamente com os medicamentos prescritos e, após ter deixado de trabalhar no serviço público em que trabalhava aquando da primeira consulta (resposta ao quesito 28º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
26 - Apesar dessa melhoria gradual e da remissão sintomática que evidenciava à data da última consulta, o Autor referia sentimentos intensos de ter sido injustamente tratado no serviço em que trabalhava, sendo que o episódio do conflito com os seus superiores continuava a ser experienciado como um acontecimento traumático (resposta ao quesito 29º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
27 - Apesar de não concordar com os fundamentos invocados para a reclamação da avaliação de serviço proposta, a Dra. C decidiu elevar as pontuações de “relações humanas no trabalho” e “gestão do tempo de trabalho”, de 2,0 valores para 3,0 valores (resposta ao quesito 32º, cfr. fls. 223 a 226 dos autos).
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III - O Direito
1 - Questão prévia
O recorrente fez a junção de dois documentos (nºs 3 e 4) simultaneamente com as alegações do presente recurso jurisdicional, como tentativa de inverter o sentido da prova feita à matéria concernente ao afastamento do projecto do Prémio Hotel Verde (ver fls. 55 das suas alegações; fls. 311 dos autos e requerimento formulado a fls 76 e 77 das alegações e fls. 332 e 333 dos autos).
Estes documentos serviriam para demonstrar o erro no julgamento de facto no que respeita aos quesitos 20º e 22º. Todavia, como bem se colhe directamente da petição inicial da acção, o autor havia concretizado esta factualidade - erigida, aliás, no contexto da causa de pedir – nos artigos 37º a 39º. Era, portanto, matéria sobre a qual deveria o então autor estar preparado para provar, já que a invocava como fundamento da acção. E, no entanto, não fez nessa ocasião a junção de tais documentos.
Ora, o art. 616º, nº1, do CPC é claro ao dizer que “As partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância”.
A propósito da equivalente disposição do CPC de Portugal, Antunes Varela escreveu1:
“A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos de impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
(…)
A decisão da 1ª instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil”.
Esta tem sido, aliás, a posição da jurisprudência local2 e comparada3. A apresentação de documentos juntamente com as alegações, fora dos casos do art. 451º, apenas se justifica, não por causa da posição das partes na petição inicial ou na contestação, mas em virtude da atitude inquisitiva do tribunal na recolha de algum elemento instrutório (portanto, não oferecido pelas partes), ou por causa de alguma disposição jurídica ou regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contassem. Ou seja, a sua admissibilidade nessa fase está relacionada com o efeito surpresa que para o apresentante constituiu a posição do tribunal recorrido. Dito de outra maneira, só é possível a junção de documentos nesta fase se a sua necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância.
Contudo, essa não era a situação dos autos. Ao fundamentar o pedido também naqueles factos, tinha o recorrente, desde logo, que admitir a necessidade da junção de tais documentos, até porque já existiam nessa altura. E não pode vir agora dizer que a sua junção só neste momento se justifica por causa do sentido da decisão recorrida, já que não se detecta que o tribunal se tivesse socorrido de algum elemento probatório obtido oficiosamente ou que tivesse tomado aquela decisão com base em qualquer norma ou regra de direito de todo inesperada.
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Veio também o recorrente requerer a junção do doc. 5 referente à sua Reclamação da Classificação de Serviço e na sequência da qual a classificação atribuída de «Satisfaz pouco» subiu para «Satisfaz muito».
Valem aqui os argumentos acima expostos sobre a sua admissibilidade. Esta era matéria que já fazia parte da causa de pedir (ver arts. 47 a 53º da p.i.) e sobre ela podia ter feito a junção do respectivo documento comprovativo. Apesar disso o tribunal deu por provada parte do quesito 32º, porventura no seu mais importante segmento (o primeiro: a notadora, elevou a classificação, apesar de não concordar com ela).
Ora, esta matéria, para além de não constituir surpresa para o autor (pois foi invocada pela ré na sua contestação: cfr. art. 67º), não foi obtida “ex officio” ou no âmbito do poder inquisitivo do tribunal, nem derivou de norma com que o recorrente não pudesse contar. Assim, a contra-prova que o autor quisesse fazer a essa matéria deveria ter sido efectuada com recurso à junção de cópia da reclamação aos autos na altura própria.
Portanto, não se aceita a junção dos referidos documentos e determina-se o seu desentranhamento.
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2 - Do recurso
2.1 - Foi a acção movida contra a RAEM alicerçada na prática de actos ilícitos que teriam sido cometidos no Conselho do Ambiente (posteriormente transformado na Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental). Tais actos, segundo o recorrente, visariam afectar o seu desempenho profissional, tornando inatingível a realização de certas tarefas e colocando-o repetidamente em situações perturbadoras da sua estabilidade emocional e do seu equilíbrio neurológico. Acabou, diz ele, por se sentir marginalizado, afastado do objecto funcional, sem tarefas para realizar, com classificação negativa e gravosa. E com tudo isso, entrou em depressão, forçado a sucessivas consultas médicas de diferentes especialidades, nomeadamente a psiquiátrica, o que lhe gerou intimidação do emprego e o levou a pedir a rescisão do contrato. Alegou danos morais, que computou em Mop$ 1.500.000,00, e patrimoniais calculados em Mop$ 210.285,00, todos eles decorrentes do comportamento ilícito descrito e pelo seu ressarcimento pediu a devida indemnização.
A sentença, no entanto, recordando a prova obtida, considerou que nenhum dos efeitos danosos invocados pelo autor tinha tido causa na atitude ilícita dos seus superiores hierárquicos, que não houve propósito de lhe gerar perturbação emocional, que o seu bom trabalho tivesse sido intencionalmente prejudicado com fins de marginalização e exclusão da DSPA.
É contra essa conclusão que o autor recorre.
Insiste ele que as suas funções sempre foram, desde o primeiro dia no Conselho do Ambiente de Macau (CA), de cariz consultivo, de investigação e de estudo, de carácter geral e especial no que se refere à implementação do projecto «ISO14000 Gestão Ambiental – Hotel Verde de Macau». Após a criação da nova Direcção de Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), em meados de 2009, continuou a dedicar a sua actividade profissional ao estudo, investigação, coordenação e auditorias no Projecto do “Hotel Verde”, à semelhança do que acontecera nos anos anteriores, e nas auditorias aos estabelecimentos candidatos ao “Prémio Hotel Verde”.
A alteração surgiria com a estruturação da nova orgânica dos serviços, em que duas colegas suas no CA, passaram a ser suas superioras hierárquicas na DSPA. A intenção delas foi a de o forçarem a abandonar o serviço, através do mecanismo da desvinculação rescisora. E para si, não foi o facto de o terem comprometido com o trabalho da eco-etiquetagem ambiental, alargando assim o seu espectro funcional. Problema foi o de esse trabalho requerer uma equipa complexa, incompatível com a prestação apenas por uma pessoa, e com larga exigência de conhecimento especializado, que ele não tinha e que a Direcção bem sabia não ter, o que logo revelava por parte dela o propósito de lhe conferir tarefas inatingíveis. A tal ponto havia intenção de o marginalizar e de impedir a execução profissional da sua função que, paulatinamente, lhe foram sendo retirados trabalhos inseridos no seu escopo funcional até ao completo esvaziamento.
Depois, considera que sobre si fora feito um apertado controlo hierárquico através de uma reunião semanal com a Drª C para “discutir o conteúdo concreto trabalho e seu progresso”, além de lhe terem sido conferidas novas, distintas e desencontradas tarefas que lhe seria impossível executar eficientemente. Daí até à classificação, que começou por ser “Satisfaz pouco” e que subiu para “Satisfaz muito” após reclamação, foi um passo. Aquelas reuniões, pelos agressivos interrogatórios que representavam e face ao número de pessoas nelas presentes, afectaram-no física e psicologicamente a ponto de sentir incapacidade de apresentar uma intervenção útil nelas.
Tudo isto arrastara o recorrente para uma fobia, para o receio de dizer algo de errado, para a introversão e o isolamento, para um estado depressivo e para o aparecimento de uma gastrentite e de uma patologia do foro psiquiátrico.
E é por estas sintéticas razões que o recorrente começa por considerar que a matéria de facto apurada na 1ª instância não reflecte a realidade. E por assim ser, isto é, por impugnar a matéria de facto, avancemos rapidamente para a análise de cada um dos pontos que o autor considera controversos.
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2.2 - Vejamos, então.
Quesito 1º
Pretende o recorrente que a resposta ao quesito 1º inclua os nomes de C (Saxxx) e F (Sóxxx) como sendo suas colegas no CA, pois assim resulta documentalmente e até mesmo das declarações prestadas pelas próprias, conforme gravação nas cassetes em passagens especificamente assinaladas. Para si, a inclusão não se torna despicienda, porque um dos fios condutores da acção repousa, precisamente, na circunstância de tais funcionárias lidarem mal com o facto de terem passado a ser superiores hierárquicos do recorrente no DSPA.
Compreendemos a preocupação do recorrente. E mesmo que se não traduza em qualquer outra consequência, isto é, ainda que a pretendida menção na resposta ao quesito, por si só, não seja decisiva para a formação do núcleo essencial da matéria probatória adquirida e, portanto, para a extracção dos factos essenciais à caracterização da causa de pedir na acção, ainda assim somos a entender que a reposição da verdade deve ir até onde ela for possível.
Assim, e porque é certo pelos documentos dos autos e das declarações prestadas em audiência pelas próprias visadas, acolher-se-á a posição do recorrente neste ponto e aceitar-se-á que a resposta ao quesito seja “Até à criação e implementação da DSPA, após sucessivas renovações anuais do seu contrato de trabalho, o A. desenvolveu a sua actividade de modo efectivo, ao lado das colegas C, Saxxx, e F, Sóxxx, havendo o seu trabalho sido sempre apreciado pelas chefias”.
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Quesito 2º
Pretende o recorrente que a resposta a este quesito – que estava moldado nos arts. 8º e 9º da p.i. – deve incluir a parte final do quesito 1º. Isto é, deve fazer constar que o seu trabalho havia sido apreciado pelas suas chefias durante os anos 2004 a 2008, ou seja até à criação da DSPA. E isto, por duas razões: Se o contrato fora renovado sucessivamente, é porque as chefias reconheciam e valorizavam a prestação do seu serviço; Por outro lado, se durante aquele período tivera classificações de “Satisfaz muito” isso serve de prova de que as chefias apreciavam o seu trabalho.
Aqui, porém, não lhe reconhecemos razão.
Antes de mais nada, a preocupação do recorrente deixa de fazer sentido, face à satisfação do seu propósito na resposta dada ao quesito 1º, conforme bem se pode colher dela (veja-se, além, o reconhecimento expresso da apreciação do trabalho pelas suas chefias).
Em segundo lugar, na resposta a esse quesito, não foi dada por provada a matéria que o recorrente transcreve nas alegações cuja ampliação agora reclama. E se o caso é da apreciação do trabalho, então a resposta ao quesito 1º é completamente apta a satisfazer os seus anseios para o período entre 2004 e 2008.
Finalmente, se não houve alteração do escopo funcional durante aqueles anos entre 2004 e 2008, e se depois da criação da DSPA o mesmo escopo se manteve, não parece que se deva concluir que a partir desse facto (criação da Direcção de Serviços) também se devesse consignar expressamente o mesmo reconhecimento. Se tal é o que o recorrente pretende – e não temos a certeza disso – não pode o tribunal ir para além da resposta dada, por falta de melhores elementos de prova. Ou seja, se o recorrente apenas visa o apreço pelo seu trabalho por parte das chefias até à criação da DSPA, então a matéria da resposta ao quesito 1º é adequada e de bom efeito; se a ideia é fazer ressurgir o mesmo apreço após a criação da DSPA, então a resposta ao quesito 2º não pode ser alterada por falta de elementos que sustentem essa tese (o próprio recorrente deve reconhecer que se os problemas começaram desde a criação desta Direcção, é porque as suas chefias não lhe reconheceram o apreço que agora pretende, aparentemente, ver reconhecido pelo tribunal).
Nada é preciso alterar na resposta a este quesito, portanto.
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Quesitos 3ºe 4º
Estará em causa a matéria do art. 3º da base instrutória que, na sua essência, resultou provada tal como formulada. Entende o recorrente que, provada a matéria do quesito 3º, provada deveria ter sido também a matéria do quesito 4º, pois a base da prova está no mesmo documento de fls. 185 e sgs.
Pretende o recorrente extrair tal conclusão da circunstância de a DSPA ter, após a rescisão contratual, encarregado uma instituição de consultoria de proceder à investigação e elaboração de sugestões para especificações ambientais em determinados produtos. Em sua opinião, este trabalho, que implicou o fornecimento de informação sobre planos de eco-etiquetagem em vários países e regiões, mostra bem que a tarefa que lhe foi exigida na DSPA obedecia a objectivos definidos de modo irrealista e inalcançável.
Ora, aquele documento, por si só, não é elucidativo de uma resposta necessariamente positiva ao quesito. Ele pode até dar conta de uma tarefa trabalhosa, especializada e técnica. Mas, não serve para ilustrar que a eco-etiquetagem pedida a si era irrealista e irrealizável. Tão pouco a realização dessa tarefa implica, exige, ou força necessariamente a uma pesquisa na NET. Provavelmente, outros meios mais eficazes seriam apropriados ao exame e estudo da matéria em causa. Como diz a própria testemunha que o recorrente cita, J, não seria na Net que se encontraria material suficiente para desenvolver profissionalmente um trabalho. Portanto, sopesando estes dados – ou a ausência deles - não cremos que a 1ª instância tivesse feito um juízo de facto errado que merecesse correcção neste TSI no sentido proposto pelo recorrente, nem mesmo de acordo com o documento e testemunhas citadas pelo recorrente.
Por isso, não achamos que a resposta negativa ao quesito 4º esteja errada ou devesse ter sido outra (pelo menos não resulta com suficiente segurança que o tribunal dispusesse de dados probatórios firmes que o levassem a dar resposta afirmativa ou com diferente conteúdo).
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Quesitos 5º e 6º
Conduz-nos o recorrente para diferente resposta a estes quesitos com base nas mesmas provas documentais e testemunhais referidas quanto aos quesitos 3º e 4º. A sua intenção é chamar-nos a atenção para a circunstância de a tarefa que lhe foi pedida singularmente dever antes ser realizada por uma equipa complexa e com muito conhecimento da matéria.
Mas, como o recorrente reconhece, se as questões estão intimamente ligadas, as razões que acima aduzimos são as mesmas que aqui de novo se convocam. Efectivamente, o caminho que o recorrente faz corresponde a um silogismo preguiçoso, com o devido respeito. Quer dizer, ele retira do facto de a Direcção de Serviços ter encarregado uma instituição de consultoria de fazer aquele trabalho a conclusão de que a tarefa de eco-tiquetagem que lhe foi ordenada apresentava exactamente a mesma complexidade, a mesma dimensão e a mesma profundidade. E, por isso mesmo, seria um trabalho que corresponderia ao pressuposto material contido nos quesitos 5º e 6º. Só que tal é uma conclusão apressada por partir de um pressuposto não demonstrado. Aliás, de acordo com o testemunho de C (ver até transcrição feita nas contra-alegações), o trabalho que lhe tinha sido pedido não tinha as mesmas exigências de estudo e análise, mas somente seria uma tarefa de indagação e recolha de informações sobre o modo de eco-etiquetagem.
Quer dizer, a análise holística de todos os elementos de prova recolhidos não suporta a posição do recorrente e não temos como torpedear a convicção que o colectivo da 1ª instância formou a partir do contacto directo com as testemunhas e do princípio da imediação que lhes está associado.
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Quesito 7º
Perguntava-se neste quesito se a atribuição de novas tarefas ao recorrente tinha o propósito de afectar a sua execução profissional e provocar a sua marginalização dentro dos serviços.
Julga o recorrente que, uma vez alteradas as respostas aos quesitos 4º, 5º e 6º, depressa se chegaria à conclusão de que a resposta negativa ao quesito 7º deveria ser contrária à que o colectivo lhe deu.
Outra vez estamos perante matéria de difícil prova, mesmo que as respostas aos artigos 4º a 6º da base instrutória tivessem sido aquelas pelas quais ele propugna. Não basta apelar às regras de experiência comum para se atingir a conclusão proposta pelo recorrente. Seria preciso algo bem mais forte, assente em factos, que conduzissem o tribunal a um grau de convicção próximo da certeza. E para tal não bastam as queixas que ele fazia às testemunhas que a seu favor depuseram, cujos conteúdos foram transcritos nas alegações. Nem sequer é revelador de uma situação que se queira encaixar no âmbito da pergunta, a circunstância de ele se dizer, perante tais pessoas, marginalizado ou que passava o dia sem fazer nada por falta de condições, que lhe estava a ser difícil ir trabalhar, que tinha inSóxxxs, etc, etc. Nada disso prova que a atribuição daquelas tarefas visava um propósito certo, que era o de afectar negativamente o seu desempenho e de o marginalizar. Esse propósito não se pode retirar da prova feita e, por conseguinte, não é possível dizer que o tribunal fez um mau julgamento da matéria de facto.
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Quesitos 8, 9º, 10º e 11º
São quesitos que tinham em vista a prova de determinados aspectos concretos da análise do eventual êxito do exercício funcional do recorrente, sendo, porém, certo que nos quesitos 10º e 11º se pretendia apurar se ele foi sujeito a algum tipo especial de pressão nas reuniões de 12/10, 16/10, 19/10, 6/11 e 16/11, todas do ano de 2009.
O quesito 8º mereceu resposta praticamente reprodutiva da pergunta. Isto é, o apertado controlo foi feito depois da reunião de 31/08/2009 através da realização de uma reunião semanal com a Drª C para discutir o conteúdo concreto das novas tarefas que lhe foram distribuídas e o seu progresso. E nem se diga que estas novas tarefas não estavam contratualizadas. Essa não é uma questão essencial que leva a uma resposta diferente. Na verdade, até o próprio recorrente reconhece que lhe foram distribuídas novas tarefas. Portanto, em relação a este quesito 8º nada merece ser alterado.
Sobre o 9º, a diferença entre o que se perguntava (se a reunião de 4/09/2009 teve por objectivo avaliar a execução das novas tarefas do A) e aquilo que ficou provado (que naquela data se realizou a reunião com o propósito de discutir o progresso das novas tarefas do A) não é significativo para ter que se mexer na resposta. Na verdade, pergunta e resposta vão exactamente no mesmo sentido de apurar qual o progresso do autor/recorrente na realização das suas novas tarefas. A diferença terminológica não empresta à resposta diferença significativa no seu conteúdo e na sua significância. O problema da inexistência contratual de novas tarefas, como defende o recorrente, não significa que elas não lhe tenham sido distribuídas. Também não impede a resposta que foi dada a circunstância de entre 31/08 e 4/09 terem mediado apenas 3 dias úteis. Isso não significa que nesses três dias não fosse necessário averiguar se o recorrente estava a executar bem o seu serviço, se estava a executar bem essas “novas tarefas”, enfim, que não fosse útil “discutir o progresso das novas tarefas do A.”, tal como foi respondido. Falar do “progresso” não é o mesmo que falar da execução completa e finda das tarefas. Do que a resposta dá conta é da reunião de 4/09/2009 para aquilatar do progresso da execução das “novas” tarefas. Não há aqui qualquer contradição, nem circunstancialismo que fizesse merecer diferente resposta.
Quanto ao 10º, queria-se saber se naquelas reuniões de 12/10, 16/10, 19/10, 6/11 e 16/11, de 2009 o recorrente foi submetido a um conjunto de situações perturbadoras da sua estabilidade emocional traduzidas numa exigência contínua de tarefas distintas e desencontradas que ele não tinha qualquer possibilidade de levar a cabo. A resposta ao quesito foi no sentido de dividir em dois períodos o conjunto das ditas reuniões: ao primeiro deles (reuniões de 12/10, 16/10 e 19/10), deu por provado que o objectivo era tratar da renovação do seu contrato de trabalho; ao segundo (reunião 6/11 e 16/11) deu por provado que o objectivo se destinava a informar o autor de que a forma como tinha sido apresentado um pedido de esclarecimento foi incorrecta e, ainda, a discutir (na de 16/11) a forma como deviam ser feitas as menções da discordância acerca do conteúdo da acta. Ou seja, ficou de fora, por não provado, nem a exigência contínua de tarefas distintas e desencontradas, impossíveis de o recorrente levar a cabo, nem que tais situações decorrentes das reuniões tivessem sido altamente perturbadoras da sua estabilidade emocional.
A resposta ao quesito foi, como se vê, destinada a ilustrar, por provado, o aspecto objectivo da materialidade subjacente, e deixar cair, por não provado, o aspecto subjectivo da perturbação da estabilidade emocional do recorrente (subjectivo e, diga-se em abono da verdade, conclusivo).
Em nossa opinião, não há que interferir nesta forma de responder, atendendo a que a convicção do tribunal se baseou em todas as testemunhas ouvidas, sendo certo que as da entidade recorrida vieram aos autos, conforme transcrição efectuada nas contra-alegações, dar a explicação sobre o fim da realização das reuniões e sobre a data em que ocorreram. E delas resulta que não foi intenção causar ao autor “qualquer incómodo ou outra coisa”, mas sim colher dele a vontade de renovar o trabalho e, na hipótese afirmativa, dar-lhe a conhecer quais as actividades a desempenhar.
Ou seja, de todos os depoimentos não se extrai a conclusão ínsita na pergunta e nem o facto de uma testemunha (K) ter dito que assistiu a duas reuniões que tinham por fim único explicar ao recorrente os direitos e deveres dos trabalhadores. Ora, mesmo que a resposta tivesse sido explicativa quanto a este aspecto específico (mas o tribunal não o deu por provado), nem por isso haveria motivo suficiente para dizer que os fins dessa reunião fossem perturbadores da estabilidade emocional do recorrente.
E não se deve, cremos nós, extrair da acta da reunião de 6/11 - em que também estaria em debate uma carta submetida pelo A. à DSPA sobre as regras a observar (protocolo) no recebimento e envio de e-mails no departamento – um propósito não expresso. Para o recorrente, tal assunto, não merecia a presença de tantos técnicos qualificados na reunião. Pois, essa é uma opinião do recorrente, respeitável. Todavia, não se pode deixar de entender que tal procedimento podia ser fruto de uma nova atitude de trabalho, uma nova filosofia nas relações laborais, que pretendesse envolver técnicos de diversas áreas. Estamos no oriente e talvez essa seja uma forma de tratar internamente as questões. Aquilo que por alguns pode ser entendido como aparente excesso de burocracia, deve ser talvez interpretado por um sentido de envolvência dos vários níveis funcionais do ente administrativo no sentido de uma nova cultura de responsabilidade. Não sabemos, verdadeiramente, o que terá levado à reunião tanta gente (4 pessoas: chefe de departamento, chefe de divisão, assessor e intérprete), mas o que se pode concluir não é que essa reunião tivesse o propósito de descontrolar o recorrente, por muito que o compreendamos. Verdadeiramente, o que está em causa no quesito 10º é algo que pretende exibir a perda de “estabilidade emocional” do recorrente por causa da “exigência contínua de tarefas distintas e desencontradas que não tinha qualquer possibilidade de levar a cabo”. Como não achou o tribunal de 1ª instância que tivesse dados para responder afirmativamente a tal pergunta, limitou-se a responder de forma precisa e restritiva aos aspectos mais objectivos que podia fazer constar. Não temos maneira de contornar esta resposta!
O recorrente insiste frequentemente na mesma tónica conclusiva, como se fosse possível partir para a lógica silogística com base em matéria que muito tem de subjectivismo. É o caso do desenvolvimento que faz da reunião de 16/11, surgida na sequência da anterior, para afirmar que o propósito da repetição da agenda deveria ter levado o tribunal judicial de base a um outro exame crítico das provas, a um esforço de cruzamento de dados e procurar atingir a realidade dos factos. Ora, se compreendemos o estado de espírito do recorrente quando dirige tal crítica ao tribunal julgador, a compreensão só se justifica perante a circunstância de ele se mostrar ferido, de se sentir tocado na sua esfera de interesses de funcionário, que parece não ter aceitado bem a atitude dos seus superiores no novo organismo público. Mas, se o recorrente pudesse distanciar-se dessa posição – como tem o tribunal que fazer – a compreensão que nós estamos a mostrar em relação ao seu azedume deveria ele retribui-la com a natureza possível das coisas: a de que tanta reunião, em vez de estar a ser efectuada como modo de pressão para o seu afastamento (é aí que o recorrente quer chegar), seria interpretada como modo de o tentar salvar, de o tentar fazer ver que este novo método de trabalho deveria ser bom para a manutenção do seu emprego e simultaneamente para o interesse público prosseguido pela instituição em apreço. Isto é, se nós pudermos colocar assim os termos do problema, então ver-se-á que a mesma materialidade pode ter mais do que uma leitura e que o tribunal, afinal de contas, não teve certeza sobre qual delas podia ajuizar. Considerou não ter dados suficientes para a formulação de uma forte convicção a respeito do caso. E, por isso, ficou-se por uma resposta mais objectiva, que não toma posição acerca da vertente subjectiva em jogo.
E isto que se diz da resposta ao quesito 10º, estende-se da mesma maneira ao quesito 11º.
Na realidade, havia superioridade numérica: de um lado estavam vários técnicos; do outro, apenas o funcionário recorrente. Mas, não se pode calmamente dizer que as reuniões foram levadas a cabo em abuso dessa superioridade numérica. Os técnicos em causa abusaram da sua superioridade numérica? Em que sentido? Para lhe fazerem “interrogatórios altamente agressivos”? E eram realmente agressivos? Para o constrangerem a “assinar actas manipuladas” com a inclusão de factos que não correspondiam com a realidade do que nelas se passou? E constrangeram? Acha o recorrente que o tribunal dispõe de elementos que lhe permitam responder tranquilamente a estas interrogações sem o receio de cometer uma tremenda injustiça? Acha mesmo que o tribunal podia responder afirmativamente ao quesito? Como, se as testemunhas da recorrida desdizem a sua tese? Face a este “non liquet” como podia o tribunal fazer, senão puxar para a resposta apenas os dados objectivos da pergunta?!
Não, em nossa opinião, não podia o tribunal deixar de responder como efectivamente respondeu, com o devido respeito pela opinião diferente do recorrente. Mas, como diz a testemunha K no depoimento transcrito nas alegações do recurso, se o recorrente sentia “indignação”, ou, como diz a testemunha L no depoimento transcrito na mesma peça, se ele se sentia “injustiçado”, isso significa que estamos perante um quadro interno de caracterização de sentimentos, nem sempre correspondentes com a realidade, porque muitas vezes obscurecidos pela interposição do subjectivismo, do peso do sofrimento pessoal. O administrado terá sentido isso, admitimos; mas o que ele sentiu não basta, se a intenção que imputou aos autores do alegado sofrimento não tiver sido apurada de forma líquida, a ponto de se mostrar ao mundo dos autos a ilicitude da conduta do administrador.
Assim, não se pode concluir por um errado julgamento desta matéria de facto.
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Quesitos 12 e 13º
Nestes quesitos perguntava-se se o recorrente deixou de saber como lidar com os seus superiores hierárquicos, se ficou afectado no seu equilíbrio neurológico, físico e psicológico e se deixou de ter capacidade progressivamente de qualquer intervenção útil nas reuniões (12º) e se passava parte dos dias de trabalho sob pressão a ler e corrigir as minutas das actas, numa tentativa de o impedirem de executar quaisquer tarefas e de o marginalizarem e excluírem do Departamento (13º).
Mais uma vez, são quesitos que intentam demonstrar uma vontade dos dirigentes dos Serviços em o afastarem, ostracizarem, de lhe causarem danos de vária ordem. Ou seja, uma vez mais, o intento danoso e ilícito imputado à entidade administrativa pelos seus titulares.
Só que, de novo, o tribunal acabou por não dar provado o elemento subjectivo da factualidade, limitando-se a, reunindo a resposta simultânea aos dois quesitos, dar por assente somente que “a experiência vivida nas reuniões afectou o equilíbrio psicológico do autor, levando-o a preocupar-se muito com a exacta correspondência ou não entre o ocorrido nas reuniões e o que era lavrado nas actas das reuniões”. Isto é, não extraiu uma correspondência exacta entre a imputada intencionalidade e o resultado. Apenas se sabe que as reuniões o perturbaram, mas ficou por se apurar se a perturbação se deveu à atitude intencional dos seus superiores hierárquicos com esse fim. A origem da afectação não ficou esclarecida.
E o tribunal de recurso não tem modo de criticar esta conclusão fáctica, por falta de elementos concludentes no processo.
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Quesito 14º
A matéria do quesito 14º - perguntava-se se o recorrente “recebeu instruções verbais e escritas dos seus superiores com objectivos indefinidos e desencontrados” – teve resposta negativa e o recorrente considera que por tudo quanto atrás afirmara deveria ter colhido resposta afirmativa.
Não merece censura, porém, a resposta, face ao que se disse acima sobre o carácter das tarefas que lhe foram definidas.
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Quesito 16º
Perguntava-se nele se da pressão a que ficou sujeito e do dia-a-dia laboral (matéria contida no quesito 15º, que obteve parcial resposta afirmativa: ficou provado que, “em consequência do que consta da resposta aos quesitos 12º e 13º, o dia-a-dia do autor tornou-se altamente penoso, aguardando, em cada dia, o fim da prestação laboral diária”) adveio ao recorrente “progressivamente uma fobia a espaços fechados, às pessoas, receio de dizer algo errado, perdas de concentração e de memória e uma tendência para a introversão e o isolamento”.
O tribunal respondeu, simultaneamente, aos quesitos 16º e 18º (a resposta surge na sequência do quesito 15º, cuja resposta, por seu turno, remete para os quesitos 12 e 13) para dizer que adquiriu “uma tendência de introversão e de isolamento e o abandono dos exercícios físicos que o autor fazia regularmente”.
Não contesta o autor/recorrente os factos reveladores do isolamento e do abandono dos exercícios físicos a que se dedicava anteriormente. Discorda é que esse resultado não esteja conexionado como assédio moral do trabalho, tal como descrito nos quesitos anteriores e de que demos já conta. Ora, não temos razão para entender que a resposta esteja errada, da mesma maneira que a resposta aos quesitos anteriores teve a sorte que vimos. De resto, aquilo que o médico invoca no relatório de psiquiatria (fls. 70-71) apenas ajuda a provar o que provado está: que o trabalho andava a “fazer mal” ao recorrente. Mas a afirmação de que o recorrente a ele se queixava de ter conflitos com os seus superiores hierárquicos não serve para dar provado esses conflitos, nem que a causa deles esteja nos seus superiores hierárquicos. Por isso, a forma como foi dada a resposta a estes dois quesitos não merece reprovação.
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Quesito 17º
No quesito 17º perguntava-se “Como consequência da pressão psicológica a que foi submetido, viu a sua saúde física e mental progressivamente afectada, ao longo dos meses de Setembro a Dezembro, o que o obrigou a recorrer a consultas médicas de diversas especialidades, como a clínica geral, a gastroenterite e a psiquiatria”.
O tribunal recorrido deu por provado “Que o que obrigou o autor a recorrer a consultas médicas de clínica geral, gastrenterite e psiquiatria”.
Não parece o recorrente perceber a resposta, por não entender o que é que provocou o recurso às consultas médicas.
Mas, isso que à primeira vista parece mais um pedido de esclarecimento sobre a forma como foi dada a resposta, não é sinal nenhum de um errado julgamento da matéria de facto. Na verdade, a resposta surge na sequência da anterior resposta dada aos quesitos precedentes. E portanto, percebe-se que esta matéria de facto serve para responder à pergunta sobre se o dia-a-dia mais penoso do autor (15º) e a tendência para a sua introversão e isolamento (16º e 18º) obrigou a recorrer a consultas médicas (17º). A resposta foi dada de forma satisfatória e é perceptível: o recurso às consultas deriva dos efeitos reportados nas respostas aos quesitos 12º e 13º.
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Quesitos 20º a 22º
Perguntava-se no 20º se o A., em 15/10/2009, foi afastado do Prémio Hotel Verde de 2009.
A resposta foi negativa.
No quesito 21º perguntava-se se foi afastado das auditorias aos oito estabelecimentos hoteleiros candidatos ao Prémio Hotel Verde em Novembro de 2009.
A resposta foi essencialmente afirmativa.
No quesito 22º perguntava-se se o afastamento (referido no quesito 21º) consubstanciou a sua exclusão da fase fundamental de todo o projecto.
A resposta foi: não provado.
Pois bem. O recorrente defende que as respostas negativas aos quesitos 20º e 22º está em contradição com a resposta positiva ao quesito 21º, na medida em que as auditorias aos estabelecimentos hoteleiros candidatos ao Prémio Hotel Verde integravam a parte final e mais significativa do Projecto Hotel Verde 2009. Portanto, segundo se depreende das suas alegações, a resposta deveria ter sido afirmativa aos três quesitos.
Contudo, a prova testemunhal oferecida e de cujo depoimento faz o recorrente parcial transcrição (fls. 311) não suporta tal afirmação. Além disso, a testemunha da ré C (ver transcrição nas respectivas contra-alegações) dá conta que o recorrente não tinha sido afastado do Prémio Hotel Verde, mas apenas foi dispensado de se deslocar aos hotéis, tarefa que cabia a outros dois colegas seus por falarem a língua chinesa, o que com o recorrente não acontecia. Mas, essa ausência de deslocação aos hotéis (está aí o fundamento para a resposta positiva ao quesito 21º), não significava o abandono do projecto, pois ele ficaria com todos os trabalhos internos de avaliação do hotel verde (aliás, segundo tal depoimento, seria até a fase mais importante, essa de avaliação do hotel verde).
Está em consonância, pois, com a prova produzida a forma como foi dada a resposta aos referidos quesitos, de acordo com a convicção que sobre o assunto foi feita pelo colectivo julgador.
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Quesito 23º
Perguntava-se se “Tudo teve o propósito de lhe criar uma situação de insustentabilidade nos serviços que o levassem, em desespero, a rescindir o contrato”.
A resposta foi: não provado.
Não vem o recorrente impugnar esta matéria senão através de curta remissão para a descrição feita sobre os antecedentes quesitos. Sendo assim, também o que sobre eles foi já dito aqui se renova e dá por reproduzido com o objectivo de, do mesmo modo, se negar razão ao recorrente.
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Quesitos 25º e 32º
No art. 25º da base instrutória era perguntado, basicamente, se ao recorrente foram sendo retiradas as tarefas que constituíam o seu escopo funcional e dadas a outros funcionários, sem nova atribuição de outras, o que afectou o seu equilíbrio nervoso e a tomar a iniciativa de rescisão do seu contrato.
A resposta foi: “O desequilíbrio nervoso do autor levou-o a tomar a iniciativa de apresentar, em 5 de Janeiro de 2010, a rescisão unilateral do seu contrato de trabalho com efeitos a partir de 5 de Março de 2010”
Isto significa que o tribunal não fez a conexão entre a atitude dos seus superiores constante do quesito (1ª parte da pergunta) e o resultado rescisório apurado. Mas, o recorrente considera que foi feita a prova dessa conexão, isto é que o desequilíbrio adveio da atitude dos dirigentes dos Serviços. E chama a atenção para a circunstância de o próprio tribunal ter dado por provada a matéria das respostas aos quesitos 26º, 27º, 28º e 30º, parecendo dessa maneira apelar para a existência de uma aparente contradição da matéria dada por provada a este quesito 25º.
Quanto ao quesito 25º propriamente dito, o recorrente pretende que, face às respostas aos quesitos 26º, 27º, 28º e 30º, o tribunal deveria dar-lhe igualmente uma resposta positiva. Mas não. Aquelas respostas apenas revelam o estado de saúde precário que o médico psiquiatra colheu da consulta (26º e 27º) ou o estado de melhoria e recuperação a seguir à alta de 16/11/2010 e após a rescisão (28º e 30º). Isto é, por este conjunto de quatro respostas ficou o tribunal de 1ª instância a saber que o trabalho estava a prejudicar a saúde mental do recorrente, desconhecendo contudo se essa perda de saúde se ficou a dever à atitude alegadamente persecutória dos dirigentes do Serviço. É esse elo que o tribunal não deu por demonstrado e que este TSI também não tem meios de apurar. As respostas a essas quatro perguntas não serve, como concederá o recorrente, para tirar uma ilação positiva ao conteúdo da pergunta 25º.
Isolemos agora o quesito 32º.
Cremos que a sua invocação foi feita com o propósito de reforçar a posição defendida quanto à resposta ao quesito 25º.
Pois bem. Se a intenção desta alegação foi a de fortalecer a invocação da resposta errada ao quesito 25º, não nos parece que ela vingue.
Com efeito, a circunstância de ter havido alteração da sua classificação (no capítulo das relações humanas e na gestão do tempo de trabalho) de 2,0 valores para 3,o valores, isso não tem que ver com aquilo que se pergunta no quesito 25º. Pelo menos, este TSI não está em condições de entender a ligação entre uma e outra coisa, nem fazer a integração dessa alteração no quadro da prova feita no sentido da pretendida demonstração do quesito 25º.
Nele (32º) se perguntava “Apesar de não concordar com os fundamentos invocados para a reclamação da avaliação de serviço proposta, a Drª C decidiu elevar as pontuações de “relações humanas de trabalho” e “gestão do tempo de trabalho”, de 2,0 valores para 3,0 valores, como estimação, após a ponderação cuidadosa, nomeadamente, a compreensão das faltas ao serviço que o A. teve entre o período de Setembro a Novembro de 2009 devido à indisposição e da impossibilidade de se integrar no novo ritmo de trabalho após a nova criação do DSPM, tendo em conta também que na altura o A. já pediu demissão e para a sua perspectiva do emprego futuro”.
E a resposta foi, simplesmente, de que “apesar de não concordar com os fundamentos propostos invocados para a reclamação da avaliação de serrviço proposta, a Drª C decidiu elevar as pontuações de “relações humanas no trabalho” e “gestão do tempo de trabalho”, de 2,0 valores para 3,0 valores”.
Esta prova não merece censura. Limitou-se à parte essencial da questão e tem apoio no depoimento da própria testemunha C, tal como decorre da transcrição efectuada nas contra-alegações.
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2.3 - Por todo o que se disse, apenas haverá que alterar a resposta ao quesito 1º pelas razões expostas no lugar próprio (de qualquer maneira, a alteração não interfere no solução da causa).
Mas, toda a restante matéria das respostas aos artigos da base instrutória aqui impugnados não merece qualquer reparo. Para além do que se disse e aqui de novo se reitera, devemos ter presente o princípio da livre apreciação da prova de acordo com a regra consagrada no art. 558º do CPC. Como se disse no Ac. do TSI de 20/09/2012, Proc. nº 551/2012, «nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (art. 436º do CPC), do ónus da prova (art. 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (art. 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (art. 557º do CPC), da livre apreciação das provas (art. 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo.
Só assim se compreende a tarefa do julgador4, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito a fazer quanto a isso.
Ora, os elementos carreados para este processo não permitirão, num juízo feito pelo tribunal “ad quem”, que não assistiu presencialmente à recolha das declarações testemunhais e que só pode sentir a prova fria e objectiva dos documentos e a prova tépida colhida a partir da voz dos depoimentos registados em audiência, verdadeiramente não nos permitem acolher o ponto de vista do recorrente”.
E porque assim é, não estando demonstrada a conduta ilícita da ré, falece o recurso e mantém-se a decisão tomada, sendo certo que a acção foi intentada com base na responsabilidade civil extracontratual da ré pela prática de “actos ilícitos”».
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Indeferir a junção dos documentos nos 3º, 4º e 5º apresentados com as alegações, determinando o seu desentranhamento.
2 – Julgar parcialmente o recurso e, por conseguinte, alterar a matéria de facto quanto à resposta ao artigo 1º da base instrutória, cujo conteúdo passará a ser:
“Até à criação e implementação da DSPA, após sucessivas renovações anuais do seu contrato de trabalho, o A. desenvolveu a sua actividade de modo efectivo, ao lado das colegas C, Saxxx, e F, Sóxxx, havendo o seu trabalho sido sempre apreciado pelas chefias”.
3 – Julgar improcedente o recurso quanto ao demais decidido, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
TSI, 18 / 07 / 2013
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan


1 R.L.J., ano 115º, nº 3696, pág. 95 e 96.
2 Ac. TUI de 30/04/2013, Proc. nº 2/2003;do TSI, de 7/02/2013, Proc. nº 844/2011; 5/07/2012, P. nº 850/2011; 15/03/2012, P. nº 953/2010; 27/10/2005, P. nº 246/2005; 9/12/2004, Proc. nº 243/2004; 24/10/2002, Proc. nº 231/2001.
3 V.g, Ac.s do STJ de 12/01/94, no BMJ 433/467; 9/02/2010, Proc. nº 941/06, 24/02/2010, Proc. nº 709/03, 27/06/2002, Proc. nº 02B1295.
4 Sobre o assunto, na dimensão concreta e dos limites aplicáveis, vide Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, pag. 635. Também, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, pag. 244-246 e IV, pag. 570.
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