Processo n.º 179/2013
(Recurso cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 4/Julho/2013
ASSUNTOS:
- Marcas;
- Carácter distintivo
- Sã concorrência.
- Denominação geográfica, CXXXX
SUMÁRIO :
1. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.
2. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
3. Uma denominação geográfica pode integrar uma marca, mas deve revestir uma natureza neutra. Quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.
4. A marca “CxxxxAxxxx” não é registável, não, neste caso, porque contenha a palavra “Cxxxx”, mas porque se presta a engano e confusão, pois que é destinada a uma diversidade de serviços que não têm conexão entre si, é oferecida a uma determinada classe (n.º 43) que, nos termos das leis de Propriedade Industrial e muito particularmente do Acordo de Nice, publicado em Macau, a classe para que foi requerido o registo não abrange e exclui até expressamente alguns dos serviços para que foi proposta.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 179/2013
(Recurso Civil e Laboral)
Data : 4/Julho/2013
Recorrentes : Direcção dos Serviços de Economia da R.A.E.M.
B Corp.
Recorrida : C Entertainment Limited
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, na pessoa do seu Director, XXX, entidade recorrida, nos autos à margem identificados, inconformada com a douta sentença que determinou a recusa do registo de marca que fora admitido por aquela entidade – registo de marca n.º N/50352 (“CxxxxAxxxx”), veio recorrer e apresentou as suas alegações de recurso, dizendo em síntese conclusiva:
Como se verifica existem duas interpretações judiciais em relação a estas marcas: uma que elabora uma análise dissecando a marca palavra por palavra e assim conclui que não existe capacidade distintiva e, por outro lado, o carácter enganoso da marca e a outra segunda, no sentido da marca ser analisada no seu todo e assim adquirir capacidade distintiva e de não se tratar de marca enganosa porque, a localização geográfica é usada sem conduzir os consumidores a pensar que esses produtos/ serviços, que lhe andam associados, têm essa proveniência, no sentido de ali serem fabricados/ prestados, sendo, por sua vez, a localização geográfica verdadeira.
A marca registanda é uma designação de fantasia (atente-se aos produtos / serviços que se pretende assinalar) com capacidade distintiva, não contem nenhuma indicação de falsa proveniência e o seu registo não ocasiona actos de concorrência desleal, pelo que, é de manter o despacho de concessão e revogar-se a sentença recorrida.
2. B CORP. ("B"), também recorre da mesma sentença, dizendo, em termos úteis:
A marca N/50352 CxxxxAxxxx é uma marca nominativa complexa, composta por dois vocábulos, CXXXX e AXXXX, sendo que o primeiro é um topónimo e o segundo alusivo aos serviços marcados.
AXXXX, sendo alusivo a alguns dos serviços marcados, surge integrada no conjunto CxxxxAxxxx, invenção linguística que vale mais que a soma das partes e constitui um conjunto com capacidade distintiva.
Ao considerar que a marca CxxxxAxxxx é, toda ela, composta por sinais que designam apenas características de serviços, isto é, a sua natureza e a sua proveniência geográfica, a decisão recorrida incorre num manifesto erro de julgamento e faz uma errada aplicação das normas contidas no artigo 197.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 199.º do RJPI.
Termos em que, afirma, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, substituindo-se por outra que conceda o registo da marca N/37756.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
Em 12 de Julho de 2010, a recorrida B Corpo requereu o registo da marca N/50352 para a classe de produtos n.º 43 a qual consiste em
"CxxxxAxxxx"
A marca destina-se aos serviços de axxxx, nomeadamente: facultar instalações para desporto, concertos, convenções e exposições; facultar instalações para conferências, exposições e reuniões; facultar instalações para convenções; facultar instalações para exposições; serviços para a provisão de alimentos e bebidas; alojamento temporário; serviços de hotel, bar e restaurante; serviços de agência de viagem, nomeadamente, efectuar reservas e marcações para restaurantes e refeições; serviços de catering; serviços de consultadoria no campo da hospitalidade.
Foi publicado no B.O., n.º 33 da II Série de 18 de Agosto de 2010, o pedido de registo de marca.
O registo foi concedido por despacho pela Sr.ª Chefe Substituta do Departamento da Propriedade Intelectual de 13 de Dezembro de 2011 e publicado no B.O. n.º 1, II Série, de 4 de Janeiro de 2012.
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por indagar se se deve manter o registo da marca em apreciação n.° N/50352 (CxxxxIAxxxx) para a classe de produtos n.° 43, tal como admitido pela Direcção dos Serviços de Economia ou, ao invés, se se deve manter a sentença recorrida que determinou a recusa do registo.
2. Pela dissimilitude das situações - cada caso é um caso - vamo-nos apartar em alguma medida do argumentário já aqui anteriormente utilizado noutras situações pelas partes envolvidas.1
A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.2
É essa noção para que aponta o Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante designado por RJPI, no seu artigo 197º, ao prescrever que “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno socioeconómico, retirar-se-ão as suas funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência a uma origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção.3
Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
Pode até constituir uma garantia4, procurando-se assim atestar a qualidade ou a excelência do produto oferecido, bastando pensar nas denominadas “marcas de grande prestígio”.
Daqui decorre que a marca, como sinal distintivo, deve, acima de tudo, ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
3. Embora marcada pelo princípio da liberdade, a composição da marca sofre excepções de variada ordem, sejam elas de natureza intrínseca, tais como as que decorrem do artigo 199º, nº1 do RJPI, v.g. a própria designação do produto, as suas qualidades, a proveniência geográfica, as cores, ou de natureza extrínseca, quando resultem da necessidade de respeitar direitos anteriores, situações previstas nas alíneas b) a f) do artigo 214º do citado diploma, v.g. marcas anteriormente registadas, medalhas, brasões, firma a que o requerente não tenha direito ou sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
Um sinal, para poder ser registado, como marca, como já se disse, deve possuir a necessária eficácia ou capacidade distintiva, não sendo admissíveis o que a doutrina designa normalmente como sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados.
Não fosse este o entendimento unânime na doutrina e na Jurisprudência,5sempre o disposto no nº 1, al. a) e b) do artigo 199º supracitado não deixa de ser claro: “ Não são susceptíveis de protecção: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;”
Donde decorre que o registo de uma marca tem como restrição o não ter, ela própria, carácter distintivo.
4. Feito este enquadramento, não somos a ratificar aqui o entendimento vertido na douta sentença recorrida enquanto aí se disse:
“A marca registanda é composta pelas palavras simples CXXXX e Axxxx.
Não se suscita dúvida que a palavra Cxxxx que se integra na composição da marca registanda é uma indicação geográfica específica em Macau. E que é palavra geralmente utilizada na linguagem corrente.
"A palavra Cxxxx é vocábulo que exprime um local especifico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal parece estar excluído da norma limitativa da protecção." (cfr. Acórdão do T.S.I., de 17/03/2011, n.° 172/2008)
Ou seja, a palavra "Cxxxx" é sinal genérico que indica a proveniência geográfica.
A marca é composta por palavra que possam ser utilizado no comércio para designar a proveniência geográfica.
O facto de a recorrente e a recorrida serem titulares de registo de marca em que se integra a palavra Cxxxx não tem relevância, no presente processo, para classificar a natureza descritiva desse sinal nem lhe deve atribuir, só per si, a força distintiva.
Mas, para além da palavra Cxxxx, outro sinal existe na composição da marca registanda, com esse sinal, a marca, na sua globalidade, adquire a capacidade distintiva para assinalar os produtos e indicar a origem da empresa que produz esses produtos?
A palavra "Axxxx" é um vocábulo de origem latina com o sentido de "o lugar, coberto de areia, no circo, onde os gladiadores combatiam". Hoje em dia, tem o significado da "área central onde os artistas actuam". Portanto, o termo "Axxxx" indica, de forma genérica, o género dos produtos ou serviços, ligado ao sector de espectáculo, concertos e desportos.
Essa palavra por si é também sinal genérico, não tendo força distintiva para assinalar a origem dos produtos e serviços.
Acrescenta que os serviços que se pretende assinalar com a marca em causa é justamente os serviços que se integram no sector de Axxxx. Assim, a palavra Axxxx é sinal que descreve as espécie dos produtos ou os serviços, carecendo de quaisquer capacidade distintiva.
Deste modo, a marca registanda é, na sua totalidade, composta por sinais que indica a proveniência geográfica e o género dos produtos ou serviços.
A marca em apreço não poderá ser registada por ser meramente descritiva. E totalmente descritiva das características de bens, consistindo apenas na designação de um local e de uma espécie de actividade. E não contém qualquer elemento de fantasia, tendo todos os seus elementos um significado literal imediato incontornável.
Ora, sendo a marca registanda exactamente um local geográfico e um nome de um serviço, é constituída exclusivamente por sinais que, no comércio, designam a origem geográfica e a espécie desse serviço. Por isso, tais sinais não podem ser protegidos como marca. São destituídos de carácter distintivo tendo em conta os bens que se destinam a assinalar e tendo em conta a percepção que de tais sinais tem o público relevante.
Assim sendo, não é forçoso de concluir que a marca em jogo carece de força distintiva para designar as empresas que produzem ou fornecem e permitir para diferenciar dos outros da mesma espécie.
Pelo que não deve ser concedido o registo com a atribuição de direito de uso exclusivo desses sinais, ficando assim prejudicado o conhecimento de outro fundamento alegado pela recorrente.”
5. Não se acompanha totalidade o que acima se disse sobre a falta de carácter distintivo da marca proposta, tomada na sua globalidade
Está em causa a capacidade distintiva da marca que é composta da justaposição de duas palavras: Cxxxx e Axxxx.
Quanto à palavra Cxxxx repescamos o que vimos dizendo sobre a introdução de uma denominação geográfica numa dada marca. Essa utilização não é de todo proibida, mas sofre de algumas limitações, pese embora uma ânsia já confessada pela recorrente em adoptar como sua a expressão “Cxxxx” que tem uma significação muito precisa, correspondendo ao espaço geográfico que se situa pelo antigo istmo, hoje enormemente alargado, entre a ilha da Taipa e de Coloane.
Vejamos.
6. Voltamos a firmar que o nome de uma dada cidade, país ou região, não pode compor uma dada marca. Não, o que se diz é que esse elemento não pode ser o elemento nuclear e destrinçador dessa marca. Não podem ser registadas as marcas compostas exclusiva ou essencialmente por elementos que descrevam o produto/serviços (as suas características, qualidades, proveniência geográfica, entre outros aspectos), por elementos usuais na linguagem do comércio, por determinadas formas (forma imposta pela própria natureza do produto, forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou forma que lhe confira um valor substancial) ou por uma única cor - cfr. art. 199º, n.º 1 do RJPI.
No que às denominações de origem e às indicações geográficas respeita têm estas adquirido uma vantagem económica crescente e desempenham uma função relevante no tráfico comercial, valendo aqui uma reflexão, quando é evidente a pretensão de um determinado interessado na sua referência, ainda que em sede do regime da marca e na pretensão do seu registo.6
A indicação geográfica, de acordo com o RJPI aparenta uma fisionomia semelhante à denominação de origem. Todavia, a sua estrutura é débil quando comparada com a denominação de origem, embora mais elástica.
Na verdade, a indicação geográfica individualiza produtos originários de uma região ou localidade quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuível à sua origem geográfica.
Expressamente, resulta do RJPI (art. 254.º/3) que, enquanto na denominação de origem as qualidades e as características dos produtos se devem essencial ou exclusivamente ao meio geográfico, compreendendo os factores naturais e humanos, na indicação geográfica, a reputação, uma qualidade determinada ou outra característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica, independentemente dos factores naturais e humanos. Na indicação geográfica o elo que une o produto à região determinada é mais débil que na denominação de origem. Ou seja, na indicação geográfica a reputação do produto ou uma sua qualidade pode ser atribuída à região sem influência directa dos factores naturais e humanos. Por outro lado, aquela menor ligação, na indicação geográfica, do produto à região determinada resulta, igualmente, da não exigência de que todas as operações de produção, transformação e elaboração ocorram na área determinada (como se estabelece para a denominação de origem), bastando que uma delas ocorra na área delimitada.
A denominação de origem exige um vínculo acentuado do produto com a região demarcada, ao contrário da indicação geográfica que se basta com uma breve aparência de ligação com a região.
Mas ficam muitas dúvidas quanto à utilização exclusiva de uma denominação geográfica em vista de uma eventual concorrência desleal. As denominações de origem e as indicações geográficas são instrumentos ao serviço das empresas. São meios de identificação dos produtos no mercado. Num mercado intercomunicativo, caracterizado por uma acérrima concorrência entre os produtos, por uma maior consciencialização dos consumidores para o factor qualidade, a denominação de origem e a indicação geográfica podem desenvolver um importante papel enquanto afiançadores de um monopólio, podem ser elementos-chave de uma estratégia comercial visando a conquista de um lugar competitivo marcado pela tipicidade de um produto. Para o consumidor um produto com denominação de origem ou indicação geográfica significa qualidade, características determinadas, garantidas. Mas, além de satisfazer o interesse dos consumidores, a denominação de origem e a indicação geográfica são instrumentos do comércio nas mãos dos produtores e dos comerciantes. São instrumentos ao serviço de um interesse reditício: estes direitos privativos permitem às empresas uma margem de rendimento superior; a qualidade tem preço. A denominação de origem e a indicação geográfica são propriedade comum (propriedade colectivística) dos produtores e comerciantes da região determinada. Aliás, estes sinais distintivos do comércio surgiram como meios dos produtores e comerciantes de uma região conseguirem colocar os seus produtos no mercado; associaram os seus interesses comuns (e que são igualmente económicos quando se traduzem num esforço conjunto na luta contra as falsificações e imitações do que é genuíno) em volta de um sinal identificador.7
Ora, estas preocupações, tecidas ainda que a propósito do regime das denominações de origem e indicações geográficas (cap. VI do RJPI,) não devem deixar de estar presentes se, por via da sua inclusão numa determinada marca, se atingem os valores que por outra via não deixariam de ser acutelados, tais como a transparência, benefício de todos os operadores, sã concorrência, tipicidade do serviço por referência a um lugar geográfico em função de uma qualidade e excelência para que todos contribuem e não é apanágio de uma única operadora.
8. Podemos assim concluir, no que ao nome geográfico respeita, CXXXX, que se o nome geográfico for empregue como simples denominação de fantasia não suscita quaisquer problemas. O mesmo se diga quando estivermos perante uma denominação genérica (v.g. água de Colónia). Uma marca geográfica não tem como função certificar ou sequer informar acerca da proveniência do produto ou serviço, servindo apenas o propósito de o identificar no mercado, na mesma medida que tal ocorre com marcas não geográficas: o nome da região ou localidade funcionará, nestes casos, como uma designação neutra, do ponto de vista geográfico (não tendo, em si mesma, o efeito de valorizar o produto). Mas, quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.
Em contrapartida, se a marca for constituída, exclusivamente, por indicações que possam servir para designar essa proveniência geográfica, estaremos perante uma marca inválida por falta de capacidade distintiva, cujo registo deve ser recusado ou anulado.
Ora, perante tudo o que se vem afirmando acima, admitimos até que na marca em presença a expressão pudesse ser incluída, visando-se marcar a Axxxx, o centro de espectáculos sito no Venetian e por via dela distinguir todos os bens e serviços que lhe pudesse estar ligados.
Neste caso, a palavra Axxxx não deixaria de ser o tal elemento diferenciador. Nem se diga, como se diz na sentença recorrida, que tal expressão é uma denominação genérica, aplicada a um conjunto de bens que revestem as mesmas qualidades e características. É verdade que Axxxxs pode haver muitas, mas essa expressão, de raiz latina, não é assim tão comum para designar genericamente um espaço, um recinto, uma casa, um hall, um centro de espectáculos. A adoptar-se esse entendimento seria muito difícil que um qualquer substantivo comum não tivesse essa natureza genérica abrangente, por um lado, mas excludente de uma característica marcária, por outro.
Em tese não repugnaria que se concedesse o registo a uma marca como a de “CxxxxAxxxx”, perante o enquadramento acima explanado se se verificasse um condicionalismo que em boa verdade se não verifica e se traduz num alargamento do âmbito proposto, não se circunscrevendo a marca ao núcleo das actividades abrangidas pela classe n.º 43 em presença.
O que realça o pecadilho que tanto tem sido assinalado nas outras situações e passa pelo empolamento da denominação geográfica denotando a já propalada vontade de assenhoreamento dessa denominação geográfica e que nada teria de censurável e proscrito por lei, na medida em que cerceador de um livre e sã concorrência, não fora o facto de haver neste caso um alargamento da cobertura da marca que não se afigura legítima.
Passemos a explicar melhor.
A marca foi proposta para uma variedade de serviços, tais como: “facultar instalações para desporto, concertos, convenções e exposições; facultar instalações para conferências, exposições e reuniões; facultar instalações para convenções; facultar instalações para exposições; serviços para a provisão de alimentos e bebidas; alojamento temporário; serviços de hotel, bar e restaurante; serviços de agência de viagem, nomeadamente, efectuar reservas e marcações para restaurantes e refeições; serviços de catering; serviços de consultadoria no campo da hospitalidade.”
Conforme resulta do Acordo de Nice Relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços aos Quais se Aplicam as Marcas de Fábrica ou de Comércio, - cfr. Aviso do Chefe do Executivo n.º 10/2009 - a classe n.º 43 é destinada aos seguintes serviços:
“Serviços de restauração (alimentação);
alojamento temporário.”
E aí, a propósito dessa classe consta a seguinte Nota Explicativa: “A Classe 43 inclui essencialmente os serviços prestados por pessoas ou por estabelecimentos cujo objectivo é a preparação de alimentos ou de bebidas para o consumo bem como os serviços prestados relativos ao alojamento e alimentação em hotéis, pensões ou outros estabelecimentos que forneçam alojamento temporário.
Esta classe inclui nomeadamente:
— serviços de reserva de alojamento para viajantes, prestados nomeadamente por agentes de viagens ou por intermediários;
— pensões para animais.
Esta classe não inclui nomeadamente:
— serviços de arrendamento de bens imobiliários tais como casas, apartamentos, etc., destinados a uso permanente (Cl. 36);
— serviços de organização de viagens prestados por agências de turismo (Cl. 39);
— serviços de conservação de alimentos e de bebidas (Cl. 40);
— serviços de discotecas (Cl. 41);
— colégios internos (Cl. 41);
— casas de repouso e de convalescença (Cl. 44). “
Ora, a recorrente procurou meter no mesmo saco actividades diferenciadas e sem conexão entre si, mais, actividades expressamente excluídas por lei do núcleo abrangido por tal classe.
Sinceramente que não se percebe qual a intenção subjacente a esta pretensão, mas evidencia-se claramente uma fraude à lei e instala-se a possibilidade de confusão e de indução em erro por parte do público.
Nesta perspectiva e por esta razão acolhe-se a tese do carácter enganosa da marca, equacionada na sentença recorrida, mas sem pronúncia expressa sobre o tema por considerado prejudicado.
O público, na verdade, não deixaria de poder ficar confundido com a pertença de uma marca destinada a uma diversidade de serviços, díspares e sem conexão directa, para mais quando é a própria lei que os distingue e classifica diferentemente, excluindo uns e não abrangendo outros de forma expressa.
Em face do exposto o recurso não deixará de soçobrar.
IV- DECISÃO
Pelas apontadas razões, nos termos e fundamentos expostos, pelas razões acima vertidas, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida ainda que por diferentes fundamentos.
Custas pela recorrente.
Macau, 4 de Julho de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - cfr. v.g. ac. do TSI, proc. n.º 101/2003, de 27 de/6/2013
2 - Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, 1977, pág.37
3 - António Corte Real Cruz, in Dto Industrial I, 2001, pág.81
4 - Oliveira Ascensão, in Dto Comercial II, Dto Industrial, 1988, pág.142; contra, Carlos Olavo, ob. cit. pág. 39
5 - cfr. Pinto Coelho in Lições de Dto Comercial, I, pág. 443 e Ferrer Correia, in Lições de Dto Comercial, 1973, pág..312; Ac STJ de 14/11/79 in BMJ 291,250, de 16/11/93 e 12/12/92 in www. dgsi. pt,;Ac. TSJ, CJ1998, II, pág.110 e TSI, proc. 94/2001 de 21/6/01
6 - Seguindo o texto de Alberto Francisco Ribeiro de Almeida , Indicações de proveniência, denominações de origem e indicações geográficas., www.apdi.pt , texto que corresponde à exposição feita no 5.º Curso de Pós-Graduação em Propriedade Industrial organizado pela Faculdade de Direito de Lisboa e pela Associação Portuguesa de Direito Intelectual.
7 - Sempre o mesmo texto acima citado.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
179/2013 1/20