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Processo nº 339/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 18 de Julho de 2013

ASSUNTO:
- Objecto do recurso

SUMÁRIO:
Não sendo o primeiro acto do registo provisório por dúvidas objecto do recurso judicial, todos os argumentos relacionados com a sua eventual ilegalidade passam a ser irrelevantes, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao decidir a não apreciação dos mesmos.
O Relator,

Ho Wai Neng










Processo nº 339/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 18 de Julho de 2013
Recorrentes: B e C
Recorrido: Conservador do Registo Predial

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 07/12/2012, julgou-se improcedente o recurso judicial interposto pelos Recorrentes, B e C, melhor identificados nos autos.
Dessa decisão vêm recorrer os mesmos, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. No despacho de sustentação de fls. 3-5 foi suscitada a questão da intempestividade da impugnação do despacho de provisoriedade por dúvidas.
B. A intempestividade da impugnação do despacho de provisoriedade por dúvidas e os seus efeitos na delimitação do thema decidendum consiste numa questão estranha à fundamentação do despacho que recusou o registo, pelo que cumpria à secretaria, sem precedência de despacho, ter cumprido o disposto no art.º 177.°, n.º 3 ex vi do art.º 3.°, n.º 3 do Código de Processo Civil.
C. Esta nova questão levantada no despacho de sustentação veio ampliar a fundamentação do despacho de recusa do registo, sem que disso tenha sido dado conhecimento aos recorrentes, tendo tal ampliação sido decisiva no exame e decisão da causa.
D. Com efeito, tal nova questão foi determinante para o não conhecimento pelo Tribunal a quo de nenhuma das questões levadas às conclusões A- V das alegações do recurso judicial de fls. 8 e ss., pelo que, nessa medida, influiu no exame e decisão da causa.
E. Trata-se, pois, de uma omissão relevante na medida em que a falta de notificação aos recorrentes do despacho de sustentação de fls. 3-5 impediu os recorrentes de - antes da prolação da sentença recorrida - explicar ao Tribunal a quo porque razão a não impugnação do despacho de provisoriedade por dúvidas se mostra insusceptível de suprir a ilegalidade do despacho que recusou o registo.
F. E, nesta perspectiva, tal omissão de notificação integra uma nulidade secundária (atípica ou inominada), subsumível à previsão do mencionado art.º 147.°, n.º 1, parte final, do CPCM.
G. Assim, e sendo o meio próprio de atacar a sentença o recurso - numa concretização da máxima "das nulidades reclama-se, das decisões recorre-se" - há que concluir que nada obsta ao conhecimento da nulidade arguida em sede de recurso bem como à anulação de todo o processado subsequente ao despacho de sustentação de fls. 3-5 (cfr. os art.ºs 147.°, 149.°, n.º 1, 151.°, n.º 1, e 152.°, n.º 3, do CPCM), com as legais consequências.
H. O Tribunal a quo julgou ainda não ser de conhecer nenhuma das questões levadas pelos recorrentes às conclusões das alegações de recurso.
I. Isto, por na sua perspectiva, não ter sido interposto recurso do despacho 5371 pelo qual o registo da penhora foi lavrado provisoriamente por dúvidas nos termos dos artigos 59.° e 61.° do Código do Registo Predial.
J. Sucede que a falta de impugnação do despacho de provisoriedade do registo da penhora não não faz precludir a possibilidade de discutir a legalidade dos seus fundamentos (necessidade de indicar o regime matrimonial de bens do executado antes do divórcio) nem dos fundamentos do despacho 5541 de recusa da conversão em definitivo do registo da penhora.
K. Isto por o caso julgado incidir apenas sobre a decisão e não sobre os fundamentos.
L. Não podia, pois, o Tribunal a quo ter reduzido o objecto do recurso à questão de saber se os Recorrentes apresentaram os documentos necessários para remover as dúvidas que justificaram que o registo fosse feito provisoriamente, sem ter notificado os recorrentes.
M. Por outro lado, mesmo que tal redução do âmbito das questões a decidir seja admissível, o certo é que a mesma correspondeu ao não conhecimento do objecto do recurso.
N. Assim, a prolação da sentença ora recorrida em que o Tribunal a quo não conheceu de nenhuma das questões levadas às conclusões das alegações de recurso, sem que dessa intenção tenha dado conhecimento às partes e sem que a estas tivesse sido dada a oportunidade de sobre ela se pronunciarem, constituiu decisão-surpresa geradora de nulidade processual nos termos do art.º 147.°, n.º 1 do Código de Processo Civil.
O. Acresce que a provisoriedade do despacho 5371 se funda nos artigos 59.° (Princípio da Legalidade) e 61.° (Registo provisório por dúvidas) do Código do Registo Predial, enquanto a recusa do despacho 5541 se funda nos artigos 59.° (Principio da Legalidade) e 60.°, n.º 1, c) (Recusa do registo) do mesmo diploma.
P. Tinha pois o Tribunal a quo que se pronunciar se incumbia ao Conservador apreciar o regime de bens sob o qual o titular inscrito do bem se veio a casar, dado o conhecimento desta questão não lhe estar vedado por força da autoridade do caso julgado.
Q. E, para tanto, tinha necessariamente o Tribunal a quo que resolver as questões levados pelos recorrentes às conclusões A-V das alegações de recurso, ou, pelo menos, de pronunciar-se sobre os vícios imputados ao acto objecto da sentença recorrida.
R. Devia ainda o Tribunal a quo ter revogado o acto impugnado por erro da conservatória na qualificação do registo recusado, não podendo deixar de pronunciar-se sobre tal questão, cumprido o contraditório.
S. Ao não revogar o acto impugnado por erro de direito da conservatória na qualificação do registo recusado, o Tribunal a quo violou a alínea a) do n.º 2 do art. 86.º do Código de Registo Predial ex vi do art.º 567.° do Cód. Proc. Civil.
T. Por outro lado, tanto do despacho 5541 como do despacho de sustentação do acto recorrido resulta que o pedido de conversão dos recorrentes tem de ser recusado nos termos do art.º 60.°, n.º 1, alínea c) do Código do Registo Predial.
U. Pelo que, antes de concluir pela improcedência do recurso interposto, impunha-se ao Tribunal a quo apreciar se se verificavam os factos pressupostos na hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 60.° do Código do Registo Predial expressamente invocada no despacho 5541 e no despacho de sustentação para recusar o registo da penhora.
V. Sucede que a hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 60.° do Código do Registo Predial se aplica apenas aos casos de registos que, em data anterior , já tenham sido efectuados por dúvidas, tendo caducado entretanto, sendo por isso o referido dispositivo manifestamente inaplicável ao caso ora em apreço.
W. Isto porque à data da prolação do despacho 5541 em 20/07/2012 (fls. 17) que recusou o registo da penhora, o registo provisório por dúvidas (apresentação 128 de 25/07/2001 - fls. 35) ainda não tinha caducado pelo decurso do seu prazo de vigência.
X. Por outro lado, desde a data da apresentação n.º 128 de 25/07/2001 (fls. 35) do registo lavrado provisório por dúvidas até à data da prolação do despacho do despacho 5541 em 20/07/2012 (fls. 17) não decorreu o prazo de caducidade de um ano, pelo que nunca poderia o pedido de conversão ter sido recusado com base na alínea c) do n.º 1 do art.º 60.° do Código do Registo Predial, a qual se aplica apenas aos pedidos de renovação de registos provisórios por dúvidas já caducados.
Y. Por outro lado, a sentença recorrida incorreu no vício de omissão de pronúncia por não ter conhecido de nenhuma das questões levadas pelos recorrentes às conclusões das alegações de recurso (art.º 571.°, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil).
Z. Caso, no entanto, se entenda que o Tribunal a quo não conheceu de nenhuma das questões levadas pelos recorrentes às conclusões das alegações de recurso, por as considerar prejudicadas pela solução dada à questão da falta impugnação do despacho de provisoriedade (levantada pela primeira vez no despacho de sustentação), pode ainda o Tribunal ad quem, se entender que o recurso procede e que nada obsta à apreciação daquelas questões, delas conhecer no acórdão que for proferido a final (art.º 630.°, n.º 2 do Código de Processo Civil).
AA. Sendo que na perspectiva dos recorrentes, o facto do estado civil do executado (solteiro) à data da outorga da escritura de compra e venda do bem ora penhorado não coincidir com o seu actual estado civil (divorciado), não configura urna discrepância que condicione o facto inscrito (penhora) ou o respectivo registo.
BB. Apenas a situação inversa, ou seja se o executado se apresentasse primeiro como divorciado e, posteriormente, como solteiro, poderia suscitar dúvidas quanto ao seu verdadeiro estado civil.
CC. No caso "sub judice", a recusa do registo não se prende com (i) a legitimidade dos interessados, nem com (ii) a regularidade formal do título, nem com (iii) a validade do acto nele contido [art.º 59.°, n.º 1, do Código do Registo Predial], pelo que a decisão recorrida só poderia ter-se fundado na inobservância de exigência legal cuja apreciação estivesse cometida à Conservatória do Registo Predial ou que condicionasse os factos ou o registo [art.º 59.°, n.º 2. do Código do Registo Predial].
DD. Sucede que a única exigência legal no que respeita à indicação do regime matrimonial de bens que o apresentante de um a facto a registo tem de observar, é a que consta no art.º 88.°, n.º 1, alínea d) do Código do Registo Predial.
EE. Sendo que nenhuma norma do Código do Registo Predial exige que o apresentante indique o regime matrimonial de bens dos sujeitos (divorciados) do facto inscrito.
FF. Isto por a menção do regime matrimonial de bens a que se refere o art.º 88.°, n.º 1, alínea d) do Código do Registo Predial só ser exigível para os sujeitos do facto inscrito que sejam casados, não sendo exigível nem para os solteiros nem para os divorciados.
GG. Acresce que a recusa do registo da penhora ordenada pelo tribunal da execução funda-se na falta de indicação do regime matrimonial de bens do executado D antes de divórcio.
HH. Ora, tal fundamento pressupõe a verificação de três hipóteses de raciocínio:
Primeira: que o Executado D, após ter adquirido a sua parte da fracção ora penhorada se casou, não no regime supletivo de bens, mas no regime da comunhão geral de bens.
Segunda: que o bem próprio (ora penhorado) do Executado ingressou no património comum do casal por não ter sido ressalvado na suposta convenção ante ou pós nupcial de comunhão geral de bens.
Terceira: que, após se ter divorciado, o Executado e o seu ex-cônjuge não procederam à partilha dos eventuais bens comuns do casal.
II. Sucede que nada consta dos documentos apresentados pelos recorrentes nem dos registos anteriores que permita substanciar tais hipóteses de raciocínio, nem por em causa a presunção decorrente do art.º 7.° do Código do Registo Predial de que o bem ora penhorado consiste num bem próprio do titular inscrito, ou seja do Executado D.
JJ. A decisão ora recorrida funda-se, pois, em sucessivas hipóteses de raciocínio, tendo subjacente um entendimento incorrecto em relação ao disposto no art.º 88.°, n. ° 1, alínea d) do Código do Registo Predial que, a ser seguido no futuro, obrigaria a que em relação a todos sujeitos do facto inscrito (que fossem divorciados) se mencionasse o regime matrimonial de bens dos seus casamentos anteriores e se comprovasse que, após a partilha dos bens comuns, o bem, ainda que inscrito como próprio, permanecera na sua titularidade.
KK. Sucede que a lei não exige que os apresentantes de um facto a registo assim procedam.
LL. Não sendo, de resto, esse o mens legislatoris subjacente ao regime do art.º 88.°, n.º 3 do Código do registo Civil, que, na impossibilidade da identificação dos sujeitos do facto inscrito pela forma indicada na alínea d), do seu n.º 1, consente que tal identificação se baste com a menção das circunstâncias que a permitam determinar.
MM. O mesmo sucede no direito comparado. Isto para evitar que o registo das penhoras ordenadas pelo tribunal da execução caducassem por dúvidas na pendência dos respectivos processos executivos, pelo facto de os exequentes normalmente desconhecerem ou ser-lhes impossível conhecer o regime matrimonial de bens dos anteriores casamentos dos executados, como, aliás, sucede no caso "sub judice", em que não foi localizado qualquer dado referente ao executado D nos ficheiros de registos de casamento e divórcio da Conservatória do Registo Civil da RAEM.
NN. Pelo que não tendo o pedido dos ora recorrentes inobservado qualquer exigência legal, designadamente a exigência prevista no art.º 88.°, n.º 1, alínea d) do Código do Registo Predial, não podia, salvo melhor opinião, ter sido recusado o registo da penhora ordenada pelo tribunal da execução.
OO. Aliás, o "direito" resultante da hipotética contitularidade do ex-cônjuge do executado no bem penhorado que o despacho recorrido pretende acautelar, só pode ser discutido em sede de embargos de terceiros [art.º 292/1 do Código de Processo Civil] e resolvido por sentença transitada em julgado.
PP. Ora, não consta dos documentos apresentados e dos registos anteriores que o ex-cônjuge do executado (a existir) tenha sequer embargado de terceiro a pretexto de ser titular ou contitular do bem penhorado, pelo que não compete à entidade ora recorrida conjecturar essa hipótese para justificar a recusa, e consequente caducidade do registo da penhora.
QQ. Até porque o despacho que ordena a penhora pressupõe que o juiz examinou a legalidade da penhora pretendida, quanto à penhorabilidade dos bens e a possíveis abusos no exercício do direito de nomeação, mal se compreendendo que a Conservatória do Registo Predial possa provocar a caducidade do registo de um acto de penhora ordenado pelo tribunal da execução por dúvidas quanto ao acerto dos pressupostos da decisão judicial em que esse registo se baseou.
RR. Assim, saber se o tribunal que ordenou a penhora violou ou não o disposto no art.º 704.°, n.º 1 do Código de Processo Civil é matéria da exclusiva competência dos tribunais da RAEM, não sendo possível ao Conservador aquilatar, ao abrigo do princípio da legalidade plasmado no art.º 59.° do Código do Registo Predial, da verificação de eventuais violações de lei processual civil na execução em cujo âmbito se procedeu à penhora, por a lei processual deferir tal competência apenas ao juiz do processo.
SS. Com efeito, (i) se o tribunal ordenou a penhora do bem, (ii) se o bem foi penhorado, (iii) se o bem penhorado (quota de 1/3) se encontra apenas inscrito a favor do executado, (iv) se não consta dos documentos apresentados e dos registos anteriores que tenham sido deduzidos embargos, (v) se a apresentação do facto (penhora) a registo não inobservou nenhuma exigência legal, nada justifica a recusa do pedido de conversão do registo.
TT. Acresce que quaisquer dúvidas que, porventura, se pudessem equacionar no plano das hipóteses quanto à necessidade de se proceder à partilha do bem penhorado, cedem perante a certeza resultante da sua inscrição definitiva no registo a favor do ora Executado.
UU. Isto porque a presunção resultante da inscrição 103907 (Livro G85, de fls. 148) a favor do ora Executado de que o bem penhorado pertence ao titular inscrito não pode ser substituída por um juízo de dúvida quanto à necessidade de se proceder ou não à sua partilha com o ex-cônjuge, como sucedeu no caso "sub judice", sob pena de violação do disposto no art.º 7.°, n.º 1 do Código de Registo Predial.
VV. A decisão ora impugnado violou, pois, o disposto no n.º 1 do art. 343.° do Código Civil ex vi do art.° 7.°, n.º 1 do Código de Registo Predial, bem como os art.º 59.°, n.º 2, 61.°, 86.°, n.º 1, d), 86.°, n.º 2, a), a contrario, 90.°, n.º 1, i), 106.°, 1, a contrario, 2.°, 1, m), 13.°, n.º 1, 51.°, n.º 1, todos do mesmo diploma e ainda o art.º 299.° do Código de Processo Civil.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
a) Pela apresentação nº 128 de 25.07.2011 os ora Recorrentes requereram o registo da penhora de 1/3 da fracção autónoma H3 do prédio descrito sob o nº 10326 pertencente ao executado D;
b) Por despacho do Senhor Conservador nº 5371 o registo referido no número anterior foi lavrado provisório por duvidas porquanto «Na certidão apresentada, refere-se que o estado civil do executado D é divorciado, mas de acordo com o registo desta conservatória, é solteiro. Esta divergência, com a falta de indicação do seu regime matrimonial de bens antes do divórcio, conduz às duvidas se se deve proceder à partilha do bem em causa ou não, nestes termos, o registo é feito provisoriamente por duvidas nos termos dos artigos 59º e 61º do CRP».
c) Pela apresentação nº 89 de 02.07.2012 os ora Recorrentes requereram a conversão em definitiva do registo referido em a) entregando para o efeito documentos que comprovam o estado de solteiro do executado D, na altura da compra de 1/3 do imóvel em causa.
d) Por despacho do Senhor Conservador nº 5541 referente à apresentação referida na alínea anterior foi decidido que: «Os documentos apresentados, há ainda a falta de indicação do regime matrimonial de bens do executado D antes do divórcio, pelo que o registo é recusado nos termos dos artigos 59º e 60º nº 1 , c) do CRP».
e) Em 24 de Julho de 2012 os ora Recorrentes vieram interpor recurso do despacho referido na alínea anterior – cf. fls. 17.
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III – Fundamentação
I. Da nulidade da sentença:
Entendem os Recorrentes que a sentença é nula porque decidiu uma questão nova – a intempestividade da impugnação do despacho que decidiu registar a penhora como provisória por dúvida – sem que eles tenham tido a possibilidade de sobre a mesma se pronunciar.
A decisão recorrida na parte referente à fundamentação jurídica tem o seguinte teor:
   “...Delimitando a questão a decidir nestes autos o que está em causa apreciar é a legalidade do despacho referido em d), ou seja, saber se os documentos apresentados eram suficientes para remover as duvidas com base nas quais foi efectuado o registo referido em a).
   O registo da penhora de 1/3 da fracção autónoma H3 do prédio descrito sob o nº 10326 pertencente ao executado D, requerido pela apresentação nº 128 de 25.07.2011 foi lavrado provisório por duvidas porquanto «Na certidão apresentada, refere-se que o estado civil do executado D é divorciado, mas de acordo com o registo desta conservatória, é solteiro. Esta divergência, com a falta de indicação do seu regime matrimonial de bens antes do divórcio, conduz às duvidas se se deve proceder à partilha do bem em causa ou não, nestes termos, o registo é feito provisoriamente por duvidas nos termos dos artigos 59º e 61º do CRP».
   Não tendo sido interposto recurso daquele despacho não cabe aqui apreciá-lo. Pelo que é inócua toda a alegação dos recorrentes quanto à necessidade e legalidade da exigência de demonstrar o regime de bens sob o qual o D esteve casado entre o momento em que registou a aquisição da fracção em causa como solteiro e o do registo da penhora em que aparece como divorciado.
   Assim sendo, importa apenas saber se os Recorrentes apresentaram os documentos necessários para remover as dúvidas que justificaram que o registo fosse feito provisoriamente.
   Ora, o que os recorrentes alegam e o que resulta dos autos é que se limitaram a juntar documentos em que comprovam que aquando da aquisição da fracção a que se reportam os autos D era solteiro.
   Assentando as dúvidas no desconhecimento do regime matrimonial sob o qual D esteve casado havia que ter sido junta certidão de casamento e eventualmente da convenção antenupcial se daquela resultasse ter sido celebrada, para que se pudesse apurar do regime de bens.
   Não tendo tais documentos sido juntos bem andou o Senhor Conservador em recusar a remoção das duvidas e a conversão do registo da penhora em definitivo nos termos do artº 59º e 60º nº 1 al. c) ambos do CRP.
   Contudo, como resulta do parecer da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça parece ter havido um erro de qualificação do acto de registo requerido pelos recorrentes e referido na alínea a), o qual, segundo o mesmo parecer pode ser requalificado pelo Senhor Conservador nos termos ali referidos.
   Porém, não sendo esse acto de registo objecto deste recurso, tal como já afirmámos, não pode este tribunal nesta sede pronunciar-se sobre o mesmo, sem prejuízo de ao abrigo do artº 114º do CRP o Senhor Conservador poder vir a requalificar o acto de registo em causa.
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso....”.
Resulta de forma inequívoca do texto acima transcrito que o Tribunal a quo nunca decidiu qualquer questão relativa à intempestividade do recurso do primeiro acto do registo provisório por dúvida, mas simplesmente delimitou o objecto do recurso judicial interposto pelos Recorrentes, que é justamente o segundo acto do Senhor Conservador, pelo qual se recusou a remoção da provisoriedade do registo, por entender que os documentos apresentados não eram suficientes para o efeito.
A finalidade dessa delimitação visa essencialmente para dizer que todos os argumentos alegados em sede do recurso judicial pelos Recorrentes relacionados com a ilegalidade do primeiro acto do registo provisório são irrelevantes, não podendo ser objecto de apreciação, já que o objecto da causa é o segundo acto do Senhor Conservador que recusou a remoção da provisoriedade do registo.
Não se verifica, portanto, qualquer violação do princípio contraditório susceptível de conduzir à nulidade da sentença.
Improcede, assim, o recurso nesta parte.
II. Do mérito da causa:
Parece que os Recorrentes tenham razão no sentido de que não é lícito para o Senhor Conservador lavrar o registo provisório da penhora por dúvidas com o fundamento na divergência do estado civil do executado no momento da aquisição da quota ideal de 1/3 do bem imóvel (solteiro) e no da penhora da mesma (divorciado).
Ainda que a quota de 1/3 do bem imóvel adquirida passaria a ser posteriormente um bem matrimonial comum, tal facto não parece poder justificar lavrar o registo da sua penhora como provisório.
Dispõe o artº 755º, nº 1. al. a) do CPCM o seguinte:
   Feita a penhora, e junta a certidão dos direitos, ónus ou encargos inscritos sobre os bens penhorados, quando for necessária, são citados para a execução:
   a) O cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis que o executado não possa alienar livremente, ou quando o exequente requeira a sua citação, nos termos do nº 1 do artº 709º;
   b) …
   c) …
   d) …
Como se vê, o legislador permite a penhora dos bens comuns do casal e o registo da mesma.
Paralelamente, prevê a citação do cônjuge do executado para, querendo, requerer a separação de bens (artº 709º, nº 2 do CPCM) e/ou deduzir oposição à penhora (artº 757º do CPCM), salvaguardando desta forma o direito do mesmo.
Contudo, como já referimos anteriormente, o primeiro acto do registo provisório por dúvidas não constitui objecto dos presentes autos, daí que ainda que o mesmo padeça de algum vício de anulabilidade, não o podemos anular, sob pena de violar o princípio do pedido e haver excesso de pronúncia.
Pois, temos de partir do pressuposto de que o primeiro acto do Senhor Conservador que determinou lavrar o registo da penhora como provisório é válido e eficaz, sem prejuízo, naturalmente, o Senhor Conservador, por iniciativa própria ou a pedido de qualquer interessado, proceder à sua eventual rectificação ao abrigo do nº 1 do artº 114º do CRP, caso entender que o mesmo for indevidamente lavrado.
Nesta conformidade, agiu bem o Tribunal a quo ao afirmar de que apenas importava saber, no presente recurso judicial, se os Recorrentes apresentaram os documentos necessários para remover as dúvidas que justificaram que o registo fosse feito provisoriamente.
Resulta dos autos que a razão principal que determinou o Senhor Conservador lavrasse o registo da penhora como provisório era o desconhecimento do regime matrimonial de bens do executado antes do divórcio.
Para remoção desta dúvida com vista à conversão do registo provisório em definitivo, os Recorrentes apresentaram certidão comprovativa do estado de solteiro do executado no momento da aquisição da quota ideal de 1/3 do bem imóvel em referência.
É fácil de ver que o documento apresentado apenas pode comprovar o estado civil do executado no momento da aquisição e não o seu regime matrimonial de bens antes do divórcio.
Assim sendo, o presente recurso não deixará de se julgar improcedente.
*
IV – Decisão:
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pelos Recorrentes.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 18 de Julho de 2013.

Ho Wai Neng (Relator)
José Cândido de Pinho (Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong (Segundo Juiz-Adjunto)



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