Processo n.º 904/2012 Data do acórdão: 2013-7-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– omissão de diligência probatória essencial à descoberta da verdade
– novo julgamento da causa
– art.º 418.º, n.º 2, do Código de Processo Penal
– tribunal colectivo
– tribunal singular
– recusa de juiz
– art.º 33.º do Código de Processo Penal
– pedido de declaração de impedimento de juiz
– art.º 30.º, n.º 2, do Código de Processo Penal
– tema probando
– art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal
– delinquente não primário
– fuga à responsabilidade
– prevenção geral do crime
– art.º 64.º do Código da Estrada
– medida da pena
– art.º 64.º do Código Penal
– art.º 44.º, n.º 1, do Código Penal
– art.º 68.º do Código Penal
– dispensa da pena
– art.º 48.º do Código Penal
S U M Á R I O
1. Como no anterior acórdão de recurso proferido por este Tribunal de Segunda Instância, foi ordenada apenas a feitura de novo julgamento no Tribunal Judicial de Base para ser sanada uma então omitida diligência probatória essencial para a descoberta da verdade, e nunca o reenvio do processo para novo julgamento com fundamento em qualquer dos três vícios previstos no n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal (CPP), o novo julgamento não deve ser feito por um tribunal colectivo, por ser inaplicável, no caso, a regra do art.º 418.º, n.º 2, do CPP.
2. Não tendo suscitado a própria Defesa, até ao início da nova audiência em primeira instância, e nos termos do art.º 33.º do CPP, a recusa da mesma Juíza no novo julgamento em questão, nem requerido, ao abrigo do art.º 30.º, n.º 2, do CPP, a declaração de impedimento dessa Juíza, com fundamento em ter ela chegado a condená-lo na anterior sentença, não pode o arguido vir defender no seu recurso da nova sentença condenatória que nunca deve ser a mesma Juíza a fazer esse novo julgamento.
3. Não tendo o arguido apresentado contestação escrita à acusação, todo o tema probando foi já delimitado, em tudo que lhe fosse desfavorável, somente pela matéria de facto imputada no libelo acusatório, e tendo a mesma Juíza dado por inclusivamente provada toda essa factualidade acusada, nunca pode ter havido qualquer lacuna no apuramento do dito tema probando, de maneira que nunca foi possível o cometimento por essa Juíza do vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
4. No tocante à justeza do afirmado por essa Juíza no sentido de que o arguido não era delinquente primário, essa frase pode ter significado, na óptica da Juíza, que o arguido não é delinquente julgado pela primeira vez em juízo.
5. Atentas as prementes exigências de prevenção geral do crime de fuga à responsabilidade (punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa, à luz do art.º 64.º do anterior Código da Estrada, na redacção dada pela Lei n.º 7/96/M, de 22 de Julho, e ainda vingente à data dos factos), não se pode optar pela aplicação da pena de multa em detrimento da pena de prisão (cfr. o critério material vertido no art.º 64.º do Código Penal (CP)).
6. Como a factualidade provada na sentença ora recorrida faz transparecer que o arguido praticou o crime de fuga à responsabilidade com elevado grau de culpa (pois agiu ele com dolo directo) e que o grau de ilicitude dos factos praticados é muito elevado (pois deu ele causa à perseguição do veículo por ele conduzido pelo veículo conduzido pelo ofendido, e ao segundo embate neste veículo), e ponderando as elevadas exigências de prevenção geral deste tipo-de-ilícito, a pena de quatro meses de prisão achada por aquela Juíza já não admite qualquer margem para a redução, aos critérios plasmados nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP.
7. Pelas razões da prevenção geral do crime de fuga à responsabilidade, não se pode substituir a pena de prisão pela multa (cfr. o critério material exigido no art.º 44.º, n.º 1, do CP).
8. Sendo este delito punível nos termos do art.º 64.º do então vigente Código da Estrada com prisão até um ano, nunca é aplicável o instituto de dispensa de pena do art.º 68.º do CP.
9. Ante o elevado grau da culpa e da ilicitude dos factos, e as prementes necessidades de prevenção geral do crime de fuga à responsabilidade, mostra-se efectivamente justo e equilibrado o período de suspensão da execução de quatro meses de pena de prisão fixado em dois anos na sentença recorrida, dentro do âmbito de um a cinco anos de que se fala no n.º 5 do art.º 48.º do CP.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 904/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 321 a 326 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR4-12-0029-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou, como autor material, na forma consumada, de um crime de fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art.o 64.º do anterior Código da Estrada (CE), na redacção dada pela Lei n.º 7/96/M, de 22 de Julho, na pena de quatro meses de prisão (suspensa, entretanto, na sua execução por dois anos), com suspensão da validade da sua licença de condução pelo período de seis meses, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo concluído, em essência, a sua motivação de recurso (apresentada a fls. 376 a 400 dos presentes autos correspondentes), de moldes seguintes, para pedir a reforma do dito julgado em seu favor:
– com os factos tidos por provados e a valoração deles feita, nunca o Tribunal poderia ter condenado o recorrente;
– ao fazê-lo foram violados o art.o 29.º, 2.º parágrafo, da Lei Básica, o art.º 49.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP) e o art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP, o que importa a revogação da sentença recorrida;
– a pena que foi aplicada ao recorrente é excessiva e viola o disposto nos art.os 44.º, n.º 1, 48.º, n.os 1 e 5, e 68.º do Código Penal (CP);
– o recorrente seria primário à data da prática do crime sub judice;
– nos diversos percursos de determinação da pena concreta final, não foram devidamente ponderadas a reduzida culpa do arguido e, bem assim, a conduta e comportamento que foi de ter unicamente não ter ficado imobilizado no local do acidente (Rotunda do Estádio) e de ter parado mais adiante (junto do Jockey Club) para tentar resolver a questão com ofendido, de ter participado imediatamente à seguradora o acidente conforme atestam os autos, personalidade e situação económica, familiar e social da mesma, tudo conforme o disposto nos art.os 40.º e 65.º do CP;
– o TSI para casos semelhantes ao do recorrente, designadamente, nos autos de recurso penal sob o Processo n.º 469/2011 e autos de recurso penal sob o Processo n.º 769/2010, tem entendido que a pena de multa é suficiente para satisfazer as finalidades da punição tanto ao nível da prevenção como especial;
– entende-se como ajustada, adequada e proporcionada, no caso de punição pelo crime de fuga à responsabilidade, a pena de 75 dias de multa à taxa diária de MOP150,00, perfazendo a multa total de MOP11.250,00, convertível em 50 dias de prisão caso a multa não seja paga.
E antes disso, o arguido já recorreu também do despacho da M.ma Juíza titular do processo proferido (a fls. 318v) no início da audiência de julgamento (da qual veio sair emitida a acima identificada sentença condenatória), no qual se decidiu, contrariamente ao pretendido pela Defesa nessa sede, que o novo julgamento ordenado pelo anterior acórdão do TSI seria feito sem necessidade de intervenção de tribunal colectivo. E para pedir a revogação desse despacho judicial, com almejada repetição do julgamento perante o tribunal colectivo sem intervenção da mesma M.ma Juíza, alegou o arguido na respectiva motivação (apresentada a fls. 355 a 374 dos autos), e na sua essência nuclear, que esse despacho violou as normas constantes dos n.os 2 e 3 do art.º 418.º e, bem assim, as consignadas nos art.os 29.º e 30.º, n.º 1, ex vi do art.º 4.º, todos do CPP.
Aos dois recursos, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido igualmente no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. as duas respostas constantes de fls. 403 a 409 e 410 a 415 dos autos).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 425 a 428v), pugnando, a título principal, pela procedência do recurso sobre a questão de julgamento da causa por tribunal colectivo, e, subsidiariamente, pela manutenção da sentença condenatória recorrida.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte, com pertinência à decisão:
A. Em 19 de Julho de 2012 (e a fls. 284 a 289v), foi proferido por este TSI o acórdão sobre o recurso interposto pelo arguido da anterior sentença condenatória proferida em 15 de Maio de 2012 (a fls. 189 a 194) pela mesma M.ma Juíza no subjacente Processo Comum Singular n.º CR4-12-0029-PCS, e o recurso interposto pelo mesmo arguido da decisão de indeferimento do seu requerimento de leitura das suas declarações.
B. E constam desse acórdão as seguintes passagens na respectiva fundamentação e a correspondente decisão final:
– <<[…]
Em causa está o pedido de leitura, em audiência de julgamento, das declarações pelo arguido antes prestadas (em sede de inquérito).
É verdade que no pedido subscrito pelo próprio punho do ora recorrente, houve lapso ao se indicar que eram as declarações pelo mesmo antes prestadas na “Polícia Judiciária”, quando, na realidade, prestou declarações na “P.S.P.”.
Mas se o arguido/recorrente apenas prestou uma única vez declarações, não vislumbramos motivos para não se dar tal “lapso” por irrelevante, já que “clara” foi a sua manifestação de vontade em pretender que fossem lidas em audiência as suas declarações que antes prestou.
Porém, e seja como for, não se deixa de dizer também o que segue:
Nos termos do art. 338º do C.P.P.M.:
[…]
E, no caso, o certo é que, em audiência requereu o Exmo. Mandatário do recorrente a leitura das declarações pelo arguido antes prestadas na P.S.P., (cfr., fls. 185-v), não nos parecendo que não o pudesse fazer, já que, como já teve este T.S.I. oportunidade de se pronunciar, (in Ac. de 26.05.2011, Proc. n.º 268/2011), no fundo, o que se pretende é que a leitura de tais declarações não seja feita “contra a vontade do arguido”; […].
[…]
Perante isto, há que julgar procedente o presente recurso, e, visto que com a decisão recorrida se incorreu em nulidade – do art.º 107º, n.º 2, al. d) do C.P.P.M., “omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” – impõe-se anular também a sentença proferida, ficando assim prejudicado conhecimento do recurso desta mesma sentença se interpôs.
Decisão
3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar procedente o recurso, devendo os autos voltar ao T.J.B. para em novo julgamento, ser sanada a apontada omissão, prejudicado ficando o conhecimento do recurso da sentença.>> (cfr. concretamente, o teor de fls. 287v a 289v).
C. No início da audiência de julgamento de 9 de Outubro de 2012, e sobre a pretensão aí feita pelo Ex.mo Defensor do arguido no sentido de o julgamento dever ser feito por tribunal colectivo, a M.ma Juíza autora da acima referida anterior sentença condenatória decidiu que o novo julgamento iria ser feito sem intervenção de tribunal colectivo (cfr. o teor da acta lavrada a fls. 318 a 320), e acabou por proferir, em 16 de Outubro de 2012 (a fls. 321 a 326), a nova sentença, também condenatória, nos termos jurídicos decisórios iguais aos vertidos na anterior sentença.
D. Segundo a factualidade descrita como provada nessa nova sentença (redigida originalmente em chinês, com tradução para português aqui feita pelo ora relator), e na parte que interessa à decisão da presente lide recursória:
– em 25 de Maio de 2007, cerca das 05:50 horas da tarde, B (XXX) (ora ofendido) conduziu um veículo automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.º MF-XX-XX, com dois amigos transportados, a circular na Avenida dos Jogos da Ásia Oriental da Taipa e virou para a Avenida do Estádio, ficando no lado esquerdo da faixa de rodagem, a circular à direcção do Edifício “Mei Keng Garden”;
– nessa altura, o arguido A conduziu um veículo automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.º MH-XX-XX, com um seu inferior hierárquico na empresa transportado, a circular na via de trânsito central da Avenida do Estádio, para circular à direcção do Edifício “Mei Keng Garden”. Ao chegar ao cruzamento com a Rotunda do Estádio, o veículo do arguido, de repente, entrou na via de trânsito à esquerda em que se encontrava a circular o veículo conduzido pelo ofendido, o que fez com que a porta traseira esquerda do veículo por ele conduzido tenha embatido no lado direito da cabeça do veículo conduzido pelo ofendido;
– após o embate, o arguido não parou o veículo para esperar pela vinda do pessoal policial regulador de trânsito para tratar do acidente, mas continuou a conduzir o veículo a sair do local, circulando na Rotunda do Estádio e virando depois para a Estrada Governador Albano de Oliveira;
– o ofendido conduziu o veículo a perseguir o arguido na Rotunda do Estádio. Na altura, o ofendido gritou em voz alta a pedir ao arguido que parasse o veículo, mas o arguido não ligou a isso e continuou a conduzir o veículo. E nesse instante, o veículo conduzido pelo arguido mais uma vez embateu no lado direito da cabeça do veículo conduzido pelo ofendido;
– o ofendido perseguiu sempre o arguido e só conseguiu interceptar o arguido no parque de estacionamento do “Macau Jockey Club”;
– o arguido, de modo livre, voluntário e consciente, fugiu intencional e imediatamente do local, mesmo que tenha sabido claramente que causou ele o acidente de viação, com o objectivo de fugir à responsabilidade gerada pelo acidente;
– o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei de Macau;
– como revela o certificado mais recente de registo criminal do arguido, o arguido não é delinquente primário: o arguido, em 23 de Abril de 2008, foi condenado no Processo n.º CR3-08-0098-PSM, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de três meses de prisão, substituída por multa, à taxa diária de MOP500,00, no total de MOP45.000,00, e se não paga, convertível em dois meses de prisão, bem como na inibição de condução por um ano, decisão condenatória essa que veio confirmada pelo TSI no Processo n.º 373/2008, com trânsito em julgado em 17 de Julho de 2008.
E. O arguido não chegou a apresentar contestação escrita à acusação (cfr. o que resulta do processado de fls. 83 a 92 dos autos, a contrario sensu).
F. A M.ma Juíza deu inclusivamente por provada toda a matéria fáctica imputada no libelo acustório.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Atenta a ordem lógica das coisas, há que decidir primeiro do recurso interposto do despacho judicial da M.ma Juíza que decidiu que o novo julgamento iria ser feito sem intervenção de tribunal colectivo.
Pois bem, como no anterior acórdão de recurso proferido por este TSI, foi ordenada apenas a feitura de novo julgamento no Tribunal Judicial de Base para ser sanada uma então omitida diligência tida por essencial para a descoberta da verdade, qual seja, a da leitura das declarações prestadas pelo arguido na Polícia de Segurança Pública, e nunca o reenvio do processo para novo julgamento com fundamento em qualquer dos três vícios previstos no n.º 2 do art.º 400.º do CPP (já que, como se vê facilmente, em nenhum lado desse acórdão se fez referência à constatação de algum desses vícios), o novo julgamento determinado nesse anterior acórdão, realmente, não deve ser feito por um tribunal colectivo, por ser inaplicável, no caso, a regra do art.º 418.º, n.º 2, do CPP.
Por outro lado, não tendo suscitado a própria Defesa, até ao início da nova audiência em primeira instância, e nos termos do art.º 33.º do CPP, a recusa da mesma M.ma Juíza no novo julgamento em questão, nem requerido, ao abrigo do art.º 30.º, n.º 2, do CPP, a declaração de impedimento dessa M.ma Juíza, com fundamento em ter ela chegado a condená-lo na anterior sentença, não pode o arguido vir agora defender na motivação do recurso em apreço que nunca deve ser a mesma M.ma Juíza a fazer esse novo julgamento.
Desta feita, e sem mais indagação, por estar prejudicada pela análise acima feita, sobre o remanescentemente defendido pelo recorrente, há que improceder o recurso em apreço.
E agora do recurso da nova sentença condenatória:
Desde logo, não é de abraçar, como boa, a tese de verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto, porquanto não tendo o arguido apresentado contestação escrita à acusação, todo o tema probando foi já assim delimitado (em tudo que fosse desfavorável ao arguido) somente pela matéria de facto imputada no libelo acusatório, e tendo a M.ma Juíza dado por inclusivamente provada toda essa factualidade acusada, nunca pode ter havido qualquer lacuna no apuramento do dito tema probando, de maneira que nunca foi possível o cometimento pela M.ma Juíza a quo do vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
Igualmente, também é insubsistente a tese de que com os factos provados na sentença, nunca o Tribunal poderia ter condenado o recorrente.
Ao invés, toda a factualidade já dada criteriosa e razoavelmente por provada nessa sentença recorrida, sem nenhuma ofensa ao princípio da presunção da inocência a que aludem o art.º 29.º, n.º 2, da Lei Básica e o art.º 49.º, n.º 2, do CPP (dado que após vistos crítica e globalmente todos os elementos probatórios então carreados aos autos, não se vislumbra como evidente ao presente Tribunal ad quem que a M.ma Juíza a quo, ao ter julgado a matéria de facto como o fez concretamente na sua sentença desta vez, tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violado alguma norma jurídica cogente sobre o valor da prova, ou violado quaisquer legis artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, com isso ficando já materialmente precludida a versão fáctica invocada pelo arguido no recurso final sob judice), suporta nitidamente a condenação do arguido como autor material de um crime consumado de fuga à responsabilidade.
E no tocante à justeza do afirmado pela M.ma Juíza no sentido de que o arguido não era delinquente primário, entende o presente Tribunal ad quem que essa frase pode ter significado na óptica da M.ma Juíza que o arguido não é delinquente julgado pela primeira vez em juízo. Na verdade, embora o crime de condução em estado de embriaguez tenha sido cometido em data (necessariamente em 2008 – já que foi julgado num processo sumário desse ano, com o número CR3-08-0098-PSM) posterior à do crime de fuga à responsabilidade (praticado em 25 de Maio de 2007), o arguido, à data de realização, em 9 de Outubro de 2012, da audiência de julgamento da qual veio sair proferida a sentença ora recorrida, já não é, realmente, delinquente julgado pela primeira vez em juízo.
Dentro da problemática da medida da pena, é de verificar que atentas as prementes exigências de prevenção geral do crime de fuga à responsabilidade (punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa, à luz do art.º 64.º do então vigente CE, na redacção dada pela Lei n.º 7/96/M, de 22 de Julho), não se pode optar pela aplicação da pena de multa em detrimento da pena de prisão (cfr. o critério material sobre a escolha da espécie da pena vertido no art.º 64.º do CP).
Como a factualidade provada na sentença recorrida faz transparecer que o arguido praticou o crime de fuga à responsabilidade com elevado grau de culpa (pois agiu ele com dolo directo) e que o grau de ilicitude dos factos praticados é muito elevado (pois deu ele causa à perseguição do veículo por ele conduzido pelo veículo conduzido pelo ofendido, e ao segundo embate neste veículo), por um lado, e, por outro, ponderando as elevadas exigências de prevenção geral deste tipo-de-ilícito, a pena de quatro meses de prisão concretamente achada pela M.ma Juíza nesta vez, dentro da dita moldura penal, já não admite qualquer margem para a redução, aos critérios plasmados nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, mesmo que à data dos factos, o arguido não tenha cometido ainda o referido vindouro crime de condução em estado em embriaguez.
Pelas mesmíssimas razões da prevenção geral do crime de fuga à responsabilidade, também não se pode substituir essa pena concreta de prisão pela multa (cfr. o critério material para efeitos de substituição da prisão pela multa, como tal exigido no art.º 44.º, n.º 1, do CP).
É, outrossim, de realçar que sendo este delito punível nos termos do art.º 64.º do então vigente CE com prisão até um ano, nunca é aplicável o instituto de dispensa de pena referido no art.º 68.º do CP (cfr. o n.º 1 deste artigo, que reza que “Quando o crime for punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 6 meses, ainda que com multa até ao mesmo limite, ou só com multa até ao mesmo limite, pode o tribunal…”).
Por fim, ante o já acima referenciado elevado grau da culpa (por ser de dolo directo) e da ilicitude dos factos, por um lado, e, por outro, as também já aludidas prementes necessidades de prevenção geral do crime de fuga à responsabilidade, mostra-se efectivamente justo e equilibrado o período de suspensão da execução de quatro meses de pena de prisão fixado em dois anos na sentença recorrida, dentro do âmbito de um a cinco anos de que se fala no n.º 5 do art.º 48.º do CP.
E antes de terminar, cabe notar que a escolha e a medida da pena devem ser feitas e ponderadas em função primordialmente dos ingredientes fácticos provados nos autos, e, como tal, independentemente de qual o sentido de decisão tomada em alguns acórdãos anteriores do TSI.
Do exposto, decorre a necessidade de manutenção do julgado feito na sentença recorrida, sem mais abordagem, por desncessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não providos os dois recursos.
Custas desses recursos pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça no recurso do despacho judicial recorrido, e vinte UC de taxa de justiça no recurso da sentença.
Comunique ao ofendido.
Macau, 18 de Julho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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