打印全文
Processo nº 555/2012
Data do Acórdão: 06JUN2013


Assuntos:

Concessão de terreno por arrendamento
Renda de terreno
Vencimento da renda de terreno
Cobrança da renda de terreno
Constituição em mora


SUMÁRIO

1. No âmbito de concessão de terreno por arrendamento pelo Governo da RAEM regulada pela Lei nº 6/80/M (Lei de Terras), a renda do terreno, que é fixada no respectivo contrato de concessão de terreno nos termos prescritos no seu artº 51º/2, tem a natureza da contraprestação pelo uso e gozo do terreno, de que é credor a RAEM e devedor o concessionário.

2. Fora das situações da cobrança conjunta com a contribuição predial prevista no disposto no artº 51º/4 da Lei de Terras, a cobrança da prestação anual única da renda tem lugar durante o mês de Maio, nos termos prescritos no artº 3º/1 da Portaria nº 164/98/M, que regulamenta a Lei de Terras. Assim sendo, o vencimento no primeiro dia do mês de Maio da obrigação de pagamento da renda não depende da verificação de quaisquer outros factos, nomeadamente a recepção por concessionário do conhecimento de cobrança.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 555/2012

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

B Entretenimento Companhia Limitada, devidamente identificada nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que lhe indeferiu a pretensão formulada em sede de recurso hierárquico necessário, onde se peticionou a restituição do montante de MOP$528.299,00, correspondente ao 3% de dívidas e aos juros de mora, acrescido à renda anual referente ao ano 2011, devida por força do estipulado no contrato da concessão do terreno por arrendamento aprovado pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas nº 48/2009, concluindo e pedindo:

 1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e acto recorrido o seu despacho de 18 de Abril de 2012, que indeferiu o pedido de restituição à recorrente do montante global de MOP 528 299,00 (quinhentas e vinte e oito mil, duzentas e noventa e nove Patacas).
 2. A recorrente não aceita os termos da notificação que aplicam o artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto, conferindo-lhe um prazo de 2 meses para efeito de interposição de recurso contencioso.
 3. A norma aplicável é a alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CPAC, por a matéria em causa se reportar a um acrescido à Renda de concessão de terras e não a impostos.
 4. A Renda é cobrada de acordo com as regras do artigo 51.º da Lei de Terras e da Portaria n.º 164/98/M, de 13 de Julho.
 5. A Renda não é cobrada de acordo com as regras do RCPU.
 6. Desse Regulamento nada se aplica à cobrança da Renda que não seja o expressamente consagrado nos artigos 3.º, 4.º e 5.º da Portaria n.º 164/98/M.
 7. O modelo para pagamento da Renda adoptado pela DSF implica a expedição de um impresso que denominou de M/8.
 8. Não releva o facto do conhecimento de cobrança do artigo 92.° do RCPU ter a mesma designação da adoptada para a notificação para pagamento da Renda.
 9. A cobrança conjunta da Renda com a CPU, quando esta seja devida, permitida pela Lei de Terras, não confere à primeira natureza fiscal, atento o princípio da tipicidade que nesta matéria vigora.
 10. A cobrança da Renda rege-se pela Portaria que regula as modalidades de cobrança voluntária e respectivos prazos, bem como a sua cobrança coerciva, não existindo qualquer remissão expressa para o RCPU ou qualquer outro Regulamento Fiscal.
 11. O imposto é definido como uma prestação patrimonial, integrada numa relação obrigacional, que é aplicada a Um determinado sujeito em função da sua capacidade contributiva e que reverte em favor de um ente que exerça funções públicas com o fim de satisfazer os seus próprios objectivos.
 12. A Renda é definida como uma contraprestação contratualmente fixada, tendo em vista dotar um ente público de rendimentos patrimoniais, a que subjaz o benefício concedido a um sujeito de utilização e aproveitamento da terra de domínio privado desse ente.
 13. A classificação económica do orçamento da RAEM distingue Imposto e Renda, atribuindo-lhes codificação distinta.
 14. A Renda não é um Imposto nem se sujeita a obrigações declarativas fiscais.
 15. O único ponto comum resulta do n.º 4 do artigo 51.º da Lei de Terras.
 16. Ao perfilhar entendimento distinto, o acto recorrido é ilegal.
 17. Como ilegal é a aplicação pela entidade recorrida do Decreto-Lei n.º 16/84/M, de 24 de Março, cujo objecto se restringe a avisos ou notificações que devam ser expedidos no âmbito de impostos ou contribuições.
 18. A cobrança conjunta da CPU e da Renda, não permite qualificar a Renda como um Imposto, constituindo por isso um erro nos pressupostos da decisão recorrida.
 19. O n.º 1 do artigo 51.º da Lei de Terras diz apenas que, quando deva ser paga CPU a cobrança voluntária da Renda ocorre nos prazos do artigo 94.° do RCPU, ou seja, nos meses de Junho, Julho e Agosto.
 20. Há uma divergência entre os prazos de pagamento resultantes do RCPU e da Renda que não permite extrair qualquer similitude entre as duas receitas públicas.
 21. A ora recorrente não recepcionou o conhecimento de cobrança da Renda relativo ao ano de 2011.
 22. A falta de notificação para o pagamento da Renda conduz à sua ineficácia em relação a terceiros.
 23. Especialmente quanto à Renda, porque a Portaria cria prazos de cobrança voluntária lato sensu que engloba a cobrança à boca do cofre (cobrança voluntária stricto sensu) e a cobrança coerciva.
 24. A falta de recepção da notificação para pagamento da renda implica a falta de abertura , do cofre em relação à recorrente.
 25. Não se aplicando quaisquer obriqações decarativas para efeitos da Renda, designadamente para alteração da morada da sua sede, devia a DSF socorrer-se oficiosamente dos dados de que dispõe, em especial na Contribuição Industrial, enquanto cadastro de toda a actividade comercial e industrial da Região, na qual consta, desde 15 de Dezembro de 2005, a actual sede da ora recorrente.
 26. Neste sentido, é ilegal a cobrança de quantias a título de dívidas e de juros de mora, por não se ter iniciado o prazo de cobrança voluntária da Renda.
 27. É ilegal a imposição do ónus de declaração de morada nos termos do Decreto-Lei 16/84/M, porque este se aplica a procedimentos a adoptar que decorram de legislação de natureza fiscal.
 28. A Renda não é uma cédula tributária nem um qualquer subgénero da Contribuição Predial Urbana.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs entendam por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 18 de Abril de 2012 que indeferiu à ora recorrente a restituição das quantias ilegalmente cobradas que se cifram em MOP 396 224,00 (trezentas e noventa e seis mil, duzentas e vinte e quatro Patacas) e em MOP 132 075,00 (cento e trinta e duas mil, setenta e cinco Patacas), num total de MOP 528 299,00 (quinhentas e vinte e oito mil, duzentas e noventa e nove Patacas), pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.° do CPAC:
a) em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito na qualificação da renda por forma a conformá-Ia às obrigações declarativas em matéria fiscal;
b) em vício de Violação de lei por erro nos pressupostos de facto e
de direito ao considerar eficaz a notificação para pagamento da Renda nos termos aplicáveis exclusivamente a matéria fiscal;
c) em vício de violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que o diploma em que se sustentou a decisão recorrida não impõe que seja declarada qualquer alteração de morada.

Citado, veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar pugnando pela improcedência do recurso por o acto recorrido não ter enfermado de qualquer vício conducente à sua anulabilidade.

Tanto o recorrente como a entidade recorrida apresentaram alegações facultativas, reiterando grosso modu as suas posições já assumidas na petição do recurso e na contestação, respectivamente.

O Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso – vide 89 a 91 dos p. autos.

De acordo com os elementos existentes nos autos, considera-se assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas nº 48/2009, foi concedido a favor da ora recorrente B o terreno, com a área de 440.248m2, situado na zona de aterro entre as ilhas de Taipa e de Coloane, a Nascente da Avenida ...... e a Sul da Estrada da ......, para ser aproveitado com a construção de um complexo de hotéis e casino;

* Consta do contrato da concessão do terreno por arrendamento, que a concessionária B, ora recorrente, tem a sua sede situada em Macau, na Alameda do ......, nºs ... a ..., Edifício ......, ...º andar;

* Em 15DEZ2009, através do impresso modelo M/1 da Contribuição Industrial, a B comunicou à DSF a alteração do endereço da sua sede para a Avenida da ......, ......, ...º andar, em Macau;

* Por força do disposto no artº 9º do Regulamento de Contribuição Predial Urbana, os rendimentos dos prédios construídos sobre o terreno em causa gozam de isenção de contribuição predial no ano de 2011;

* Em Março 2011, foi emitido o conhecimento de cobrança nº 2011-06-112623-5, relativo à renda referente ao ano de 2011, no valor de MOP$13.735.739,00, e expedido para o endereço em Macau, na Alameda do ......, nºs ... a ..., Edifício ......, ...º andar, tal como consta do contrato de concessão do terreno;

* A B alegou não ter recebido o conhecimento de cobrança e solicitou à DSF a emissão de 2ª via do conhecimento de cobrança;

* A requerimento da B, a DSF emitiu o conhecimento de cobrança de 2ª via e nele fez acrescer à renda devida do ano de 2011, no valor de MOP$13.735.739,00, as importâncias de MOP$396.224,00 e MOP$132.075,00, correspondentes ao 3% da renda anual em dívida e aos juros de mora, respectivamente;

* A B efectuou em 30JUN2011 o pagamento a totalidade dessas quantias, ou seja, as da renda, do 3% da renda anual e dos juros de mora;

* Ao mesmo tempo apresentou a reclamação solicitando a restituição das quantias que correspondem ao 3% da renda da dívida e aos juros de mora;

* Por despacho proferido em 30AGO2011 pelo Director Substituto dos Serviços de Finanças, o tal pedido de restituição foi indeferido – vide a fls. 32 do P. A.;

* Inconformada desse despacho de 30AGO2011, a B interpôs dele o recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para a Economia e Finanças – vide as fls. 13 a 31 do P. A.;

* O recurso hierárquico necessário foi julgado improcedente pelo despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 18ABR2012 e lançado sobre a informação nº 117/NAJ/AT/12*; e

* Desse despacho que lhe negou o provimento do seu recurso hierárquico necessário, a B interpôs para este TSI o presente recurso contencioso de anulação.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

De acordo com o alegado e concluído na petição do recurso e nas alegações facultativas apresentadas, o objecto do presente recurso consiste apenas em saber se houve mora no pagamento da renda, por razões imputáveis à ora recorrente B, geradora das consequências jurídicas previstas no artº 4º da Portaria nº 164/98/M, à luz do qual “findo o prazo estabelecido para a cobrança da prestação anual da renda, o concessionário pode proceder ao pagamento da renda, acrescida de juros de mora e 3% de dívidas, nos 60 dias imediatos”.

Pois, conforme iremos demonstrar infra, não se nos afigura necessário analisar uma boa parte dos fundamentos invocados pela recorrente ou pela entidade recorrida para fazer valer os seus pontos de vista ou sustentar a sua posição, nomeadamente a invocada natureza fiscal da renda do terreno, a invocada aplicabilidade subsidiária ou analógica das disposições estipuladas no Regulamento da Contribuição Predial Urbana, a invocada extensibilidade dos efeitos da comunicação por parte de um contribuinte da alteração do seu endereço, para efeito de recepção da correspondência, efectuada apenas em sede de contribuição industrial, a todos os outros impostos e a todas as relações jurídicas que tem com a DSF.

Então vejamos.

Está em causa a renda do terreno que, face às disposições da Lei nº 6/80/M (Lei de Terras), é a contraprestação pelo uso e gozo do terreno concedido por arrendamento pelo Governo da RAEM, de que é devedor o concessionário e credor a RAEM.

A renda é fixada no respectivo contrato de concessão de terreno – artº 51º/2 da Lei de Terras.

Decorre do artº 3º/1 da Portaria nº 164/98/M, que regulamenta a Lei de Terras, a cobrança da prestação anual única tem lugar durante o mês de Maio.

Todavia, a renda será cobrada conjuntamente com a contribuição predial, se esta for devida – artº 51º/4 da Lei de Terras.

In casu, de acordo com o estipulado no contrato de concessão de terreno, aprovado pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas nº 48/2009 e publicado no B.O. Nº 42 de 21OUT2009, o valor de renda anual, referente ao ano 2011, a pagar em MAIO2011, é calculado segundo a fórmula ai estipulada, isto é, 440.248m2 X MOP$30 = MOP$13.207.440,00.

Por força do disposto no artº 9º do Regulamento de Contribuição Predial Urbana, os rendimentos dos prédios construídos sobre o terreno em causa gozam de isenção de contribuição predial no ano de 2011.

Assim, não há lugar à cobrança conjunta com a contribuição predial, que nos termos do disposto no artº 94º do Regulamento de Contribuição Predial Urbana, em regra tem lugar durante os meses de Junho, Julho e Agosto.

Portanto, a renda anual referente ao ano 2011 é uma obrigação de quantia certa que se venceu no princípio do mês de Maio de 2011.

Então vejamos se a recorrente se constituiu em mora pelo facto de não ter efectuado o pagamento da renda anual durante o mês de Maio de 2011.

Na óptica da recorrente, a não recepção por ela do conhecimento de cobrança conduz à não eficácia da notificação para o pagamento da renda.

Todavia esta tese só seria aceitável se a obrigação não tivesse prazo por falta de estipulação das partes ou de disposição especial da lei.

Pois como vimos supra, o momento do vencimento da obrigação encontra-se expressamente fixado na lei, que é o primeiro dia do mês de Maio, não dependendo da verificação de qualquer outro facto, nomeadamente a recepção efectiva por concessionário do conhecimento de cobrança, cujo envio, por razões que passamos a expor infra, ao concessionário não é uma obrigação por parte da Administração.

A concessionária, enquanto tal e na veste de outorgante do contrato que titula a concessão do terreno, ficou ab initio ciente da sua obrigação de realizar a contraprestação pelo uso e gozo do terreno, nos termos e condições expressamente estipuladas no contrato, não pode vir agora invocar a alegada não recepção do conhecimento de cobrança como causa justificativa do não pagamento atempado da renda e como fundamento para obter o reembolso daquelas quantias sancionatórias entretanto pagas.

É verdade que tem sido “institucionalizado” na DSF o envio oficioso de conhecimento de cobrança a concessionários que se obriguem a pagar a renda, tal como confessou a própria entidade recorrida, o certo é que não sendo imposta pela lei, a tal prática, mesmo “institucionalizada”, nunca tem a virtualidade de condicionar o vencimento da renda nem pode ser interpretada como mais do que uma medida supérflua adoptada pela Administração Fiscal que age de boa vontade com vista a evitar a ocorrência em massa da falta de pagamento de renda por simples esquecimento ou negligência por parte de concessionários.

Assim, se a ora recorrente, enquanto concessionária do terreno, ciente da sua obrigação de pagar no mês de Maio a renda anual de quantia certa conforme o estipulado no contrato de concessão do terreno, não tivesse recebido tal conhecimento de cobrança, não deveria aguardar passivamente o envio do conhecimento de cobrança, mas sim dirigir-se à DSF até ao fim do mês de Maio, legalmente fixado para a cobrança voluntária, a solicitar a passagem da respectiva guia para cumprir a sua obrigação contratualmente estipulada.

Reza o artº 793º/2 do Código Civil, ex vi do artº 50º/1 da Lei de Terras, que “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.”.

Não tendo efectuado, por inércia ou falta de diligência a ela imputável, atempadamente, o pagamento de renda anual, conforme a estipulação contratual e a disposição especial da lei, a recorrente ficou em mora.

Constituída em mora, a concessionária, ora recorrente, deve suportar as consequências de carácter algo sancionatório previstas no artº 4º da acima citada Portaria nº 164/98/M, nos termos do qual findo do prazo para o pagamento da renda, ou seja, durante o mês de Maio, o concessionário pode ainda nos 60 dias imediatos proceder ao pagamento da renda, mas já acrescida de juros de mora e 3% de dívidas.

E a Administração não fez mais do que aplicar in concreto o disposto nesse artº 4º da Portaria nº 164/98/M.

Tendo a Administração actuado in casu na estrita observância da lei e não padecendo portanto o acto administrativo recorrido do alegado vício de violação conducente à sua anulabilidade, o recurso não pode deixar de improceder.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com taxa de justiça fixada em 8UC.

Registe e notifique.

RAEM, 06JUN2013


Lai Kin Hong Presente
(Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho

Choi Mou Pan (Primeiro Juiz-Adjunto)

João A. G. Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

      *Exma. Senhora Directora dos Serviços,
Dando cumprimento ao despacho da Sr.ª Coordenadora do Núcleo de Apoio Juridico, cumpre que nos pronunciemos sobre o assunto identificado em epígrafe.
I. Recurso Hierárquico Necessário - Pressupostos processuais
A B Entretenimento Companhia Limitada, contribuinte n.º 82031078, cadastro n.º 151466, sociedade comercial por quotas, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º 27.393(SO), com sede em Macau, na Avenida da ......, ......, ....° andar, vem, por requerimento dirigido ao Secretário para a Economia e Finanças, e nos termos do disposto nos artigos n.ºs 153.°, 155.° e 157.° todos do Código de Procedimento Administrativo, recorrer hierarquicamente do despacho do Senhor Director dos Serviços Substituto, datado de 30 de Agosto de 2011, exarado na Informação n.º 648/NCP/DISR/RFM/2011 e notificado à contribuinte através do Oficio n.º 397/NCP/DISR/RFM/2011, despacho esse que indeferiu o pedido de restituição de MOP 528.299,00 (quinhentas e vinte e oito mil, duzentas e noventa e nove patacas) correspondente a 3% de dívidas e juros de mora acrescidos à renda de 2011 relativa ao terreno, concedido por arrendamento, sito na zona de aterro entre as ilhas da Taipa e Coloane, a nascente da Avenida ...... e a sul da ......, titulado pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 48/2009, constituindo o anexo ao referido despacho o contrato de concessão relevante (processo n.º 6.424.01 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e processo n.º 12/2009 da Comissão de Terras).
II. Questão Prévia
Prende-se a presente com a problemática da qualificação jurídica do requerimento apresentado pela Recorrente tendo em conta a notificação por esta recepcionada.
Por despacho do Senhor Director dos Serviços Substituto de 30 de Agosto de 2011, no uso de competências subdelegadas, foi indeferida a pretensão da ora Recorrente - pedido de restituição de MOP 528.299,00 (quinhentas e vinte e oito mil, duzentas e noventa e nove patacas) correspondente a 3% de dívidas e juros de mora acrescidos à renda de 2011, pagos no âmbito do contrato de concessão do terreno supra descrito - em sede de reclamação apresentada, com entrada nesta Direcção dos Serviços em 30 de Junho de 2011.
Com o indeferimento da reclamação - levado ao conhecimento da contribuinte através do Oficio n.º 397/NCP/DISR/RFM/2011 , de 2 de Setembro - a lei faculta à ora Recorrente dele recorrer hierarquicamente, conforme se depreende da leitura do artigo 153.° do Código de Procedimento Administrativo (doravante C.P.A.). Só por mero lapso, foi a ora Recorrente notificada para, querendo, apresentar reclamação no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 2 do artigo 2.° da Lei n.º 12/2003 em conjugação com o artigo 4.° da Lei n.º 15/96/M e o n.º 3 do artigo 2.° da Lei n.º 16/84/M.
Tal contraria o disposto no n.º 2 do artigo 148.° do C.P.A. : “Não é possível reclamar de acto que decida anterior reclamação...” porque uma vez decidida a impugnação, fica esgotado o dever de pronuncia do orgão “ad quem” (sublinhado nosso).
Assim, do acto de indeferimento da reclamação que negou provimento à pretensão da ora Recorrente de se ver ressarcida da importância de MOP 528.299,00 (quinhentas e vinte e oito mil, duzentas e noventa e nove patacas) correspondente a 3% de dívidas e juros de mora acrescidos à renda de 2011, cabe recurso hierárquico necessário - porquanto o acto impugnado não admitir recurso contencioso imediato - podendo o mesmo ser interposto nos termos dos artigos n.ºs 153°, 155.° e 157.° todos do C.P.A.
A Recorrente é parte legítima, o recurso tempestivamente interposto, porque apresentado dentro do prazo de 30 dias, devendo a sua interposição suspender a eficácia do acto recorrido, pelo que nos caberá apreciá-lo.
Da análise do processo administrativo, apuram-se os seguintes:
III. Factos
a) A B Entretenimento Companhia Limitada, é titular de concessão por arrendamento do terreno sito na zona de aterro entra as ilhas da Taipa e Coloane, titulado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 48/2009.
b) A concessão por arrendamento tem corno contrapartida o pagamento de uma renda, fixada no respectivo contrato, de periodicidade anual, calculada de acordo com a Portaria n.º 164/98/M, de 13 de Julho, cabendo à Direcção dos Serviços de Finanças a execução do contrato de concessão e, nomeadamente, a cobrança da renda estipulada.
c) A renda devida é paga durante o mês de Maio mediante notificação expedida para a concessionária.
d) Em Dezembro de 2009, através do preenchimento do impresso M/1 da Contribuição Industrial, a ora Recorrente comunicou a esta Direcção dos Serviços a alteração do endereço da contribuinte e do estabelecimento com o intuito de que toda a correspondência fiscal passar a ser recepcionada na nova morada - Avenida da ......, ......, ....° andar, Macau.
e) Em Março de 2011 é emitido o conhecimento de cobrança n.º 2011-06-112623-5, relativo à renda por referência ao ano de 2011 e expedido para a morada sita na Avenida ......, n.ºs ... a ..., Edificio ......, ...º andar, em Macau,
f) Não foi o mesmo recepcionado pela concessionária,
g) Foi aliás a ora Recorrente que, por iniciativa própria, contactou esta Direcção dos Serviços solicitando emissão de 2.ª via do documento por falta de recepção do documento original emitido e expedido atempadamente para a concessionária.
h) Assim, à renda devida do ano de 2011, no montante de 13,207,440.00 acresceram as importâncias de 396,224.00 e 132,075.00 relativas a 3% de dívidas e juros de mora, respectivamente,
i) Isto porque o pagamento da renda só ocorreu em 30 de Junho, 30 dias após o limite legalmente estabelecido - Maio de 2011.
j) Simultaneamente deu entrada nesta Direcção dos Serviços reclamação da contribuinte,
k) Sobre a qual recaiu despacho de indeferimento, decisão que, por contrariar as pretensões da ora Recorrente, originou o recurso hierárquico necessário em apreciação.
Assente a base factual, cumpre que nos pronunciemos como segue:
IV. Do Direito
Na petição de recurso, agora objecto da nossa análise, a Recorrente alega, para fundamentar o pedido de revogação do despacho recorrido, a ilegalidade da legislação invocada, o vício de violação da lei por erro nos pressupostos e a ilegalidade da decisão. Analisemos de per si cada um dos argumentos.
O primeiro argumento da Recorrente para fundamentar o seu pedido de revogação do despacho recorrido, é o de estar o mesmo inquinado do vício de ilegalidade no que concerne à legislação invocada na notificação do indeferimento em sede de reclamação. Assim, da notificação que indeferiu a reclamação da Recorrente, consta a indicação de, no prazo de 15 dias, contados nos termos do disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 15/96/M, conjugado com o n.º 3 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 16/84/M, reclamar deste acto para a Senhora Directora dos Serviços ao abrigo do n.º 2 do artigo 2.° da Lei n.º 12/2003.
O 1.° artigo invocado impõe um prazo de 15 dias para a apresentação da reclamação estabelecida na legislação fiscal tendo em conta, na contagem do prazo, a presunção a que alude o n.º 3 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 16/84/M, cabendo à norma invocada da Lei n.º 12/2003 estabelecer as competências em matéria fiscal.
As normas indicadas só por lapso terão sido incluídas na notificação que indeferiu a reclamação da ora Recorrente já que do acto de indeferimento cabe recurso hierárquico e não reclamação como se afere da leitura do já mencionado n.º 2 do artigo 148.° do C.P.A.. Não tendo a notificação sido efectuada de acordo com as regras constantes do artigo n.° 70° do C.P.A., tal não implica a verificação de qualquer vício invalidante do acto administrativo, no caso concreto, o indeferimento da reclamação.
Nos termos da lei, sendo a notificação considerada como uma requisito de eficácia do acto administrativo qualquer irregularidade da mesma implicará tão somente e no máximo a ineficácia do acto, pelo que não se poderá aplicar a este os vícios assacados à notificação.
Recorde-se que a Recorrente, conhecedora das leis que lhe são aplicáveis, utilizou, e bem, os meios adequados para impugnar o acto que indeferiu a sua pretensão ao lançar mão do recurso hierárquico necessário como forma de reacção. No mesmo sentido, a aceitação pela entidade Recorrida da impugnação apresentada pela Recorrente bem como a presente apreciação, sanam qualquer erro ou irregularidade da notificação, não se vislumbrando qualquer vício extensível ao acto administrativo que leve à sua revogação.
Pelo exposto discordamos em absoluto com a posição defendida pela Recorrente no que concerne ao vício de ilegalidade que esta pretende atribuir ao indeferimento da sua reclamação.
Mais vem alegar a Recorrente que a renda a que está sujeita pela utilização do terreno é uma contraprestação fixada no contrato de concessão e paga de acordo com as regras estabelecidas na Portaria n.º l64/98/M, sendo da competência da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) a fiscalização do cumprimento das obrigações assumidas contratualmente conforme as disposições constantes do Decreto-Lei n.º 29/97/M e não, conforme erradamente indicada a Recorrente, o Decreto-Lei n.º 27/97/M. Mais afirma que, nesta matéria, apenas compete à Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) a execução dos contratos de concessão conforme se afere dos dispositivos legais que invoca e que merecem a nossa concordância.
O artigo 51.° da Lei de Terras estabelece regras aplicáveis à renda devida no âmbito dos contratos de concessão, estabelecendo no n.º 4 que a mesma será cobrada conjuntamente com a contribuição predial, se esta for devida. É entendimento da Recorrente que este facto não permite à DSF atribuir natureza fiscal à renda, aplicando, assim, a legislação avulsa sobre contribuições e impostos. Permitimo-nos discordar porquanto é o próprio legislador que atribui essa natureza à renda criando uma similitude com a contribuição predial, considerando-as diferentes na sua origem mas semelhantes para efeitos de cobrança e pagamento.
Mesmo que assim não se entenda sempre se dirá que, apesar de não ser ainda devida contribuição predial pela Recorrente, isso deve-se tão somente ao período de isenção a que a mesma está sujeita de acordo com a disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.° do Regulamento da Contribuição Predial Urbana (RCPU).
Aliás, não se pretendendo atribuir natureza fiscal à contraprestação paga pelo terreno dado em concessão à Recorrente, a mesma (renda) terá de se sujeitar a regras quanto à forma e modalidade, prazo e local de pagamento, princípios esses estipulados na Lei de Terras e em diplomas complementares, nomeadamente a Portaria n.º l64/98/M.
Na ausência de qualquer normativo referente à obrigatoriedade de comunicação, por parte da concessionária, de qualquer alteração referente à mudança de estabelecimento, sede ou endereço para recepção de conhecimentos de cobrança, teremos de nos socorrer do que está estipulado em sede de RCPU e legislação avulsa, pelo facto de ser a própria lei que torna a obrigação conjunta e comum ao indicar que a cobrança de ambas - renda e contribuição predial- seja feita conjuntamente nas situações em que esta última é devida.
Sendo certo que a Recorrente, em Dezembro de 2009, procedeu ao pedido de alteração de endereço de estabelecimento em sede de contribuição industrial, não se reflectiu este pedido de alterações no conhecimento de cobrança relativo à renda de 2010, já que o mesmo foi enviado para a única morada que, até à data, existente no Núcleo de Contribuição Predial e Rendas, que é a que consta do contrato de concessão como sendo a sede da Recorrente. Causa alguma estranheza que a Recorrente não tenha reclamado nessa data quanto ao recebimento do conhecimento de cobrança relativo à renda do ano de 2010, já que a alteração por si comunicada em Dezembro de 2009 não se reflectiu, obviamente, na morada que consta do envio de cobrança emitido e enviado em Abril de 2010 e paga pela Recorrente em Maio do mesmo ano, portanto em tempo.
E, em jeito de esclarecimento sempre se dirá que assim se procederá até que a Recorrente solicite a alteração de endereço para efeitos de recebimento de correspondência em sede de contribuição predial.
Nem se percebe tão pouco alguma da argumentação da Recorrente ao alegar ser a entidade Recorrida que pretende atribuir natureza fiscal à renda por si paga, para depois vir afirmar que a comunicação feita em sede de Contribuição Industrial de alteração do endereço da contribuinte e do estabelecimento tinha como objectivo o recebimento na nova morada de toda a correspondência fiscal.
Alega também a Recorrente que, não tendo recepcionado o aviso de cobrança relativo à renda de 2011 não se iniciou o prazo de cobrança pelo que não lhe é exigível quaisquer acréscimos a título de dívidas e juros de mora. Raciocínio correcto não fora o que já se afirmou quanto ao facto de ser o próprio legislador que cria alguma similitude entre a renda e a contribuição predial para efeito de cobrança e pagamento, sendo que na ausência de qualquer norma inserida na Portaria n.º 164/98/M no que concerne ao ónus do contribuinte de actualização de dados, teremos que utilizar essa aproximação criada pelo legislador para considerar os dados existentes em sede de contribuição predial, não sendo relevante os dados alterados em sede de contribuição industrial.
Mais uma vez nos permitimos discordar da argumentação da Recorrente quando afirma ser entendimento da entidade Recorrida o envio do conhecimento dever ser expedido para a morada existente na Contribuição Predial Urbana o que implicaria que deveria ser utilizada a morada que constasse da matriz predial urbana ou para uma das edificações existente no terreno concessionado. Labora a Recorrente em erro dado que a morada existente em sede de contribuição predial é a que sempre constou e a que se menciona no contrato de concessão e essa se manterá até qualquer pedido de alteração. Isto porque é sempre permitido ao contribuinte escolher a morada que lhe aprouver para recepção de correspondência fiscal e esta não coincidirá necessariamente com a da sede do estabelecimento ou edificação.
É também este o entendimento dos nossos tribunais e nomeadamente a sentença do Tribunal Administrativo no processo n.º 220/01 ao afirmar que “é ao contribuinte que cumpre, em cada processo, manter a sua morada actualizada, irrelevando ... as moradas constantes de outros elementos da Administração fiscal ”.
Não se vislumbra assim qualquer violação da lei por erro nos pressupostos, assacável ao acto recorrido.
Assim, tendo o conhecimento de cobrança sido correctamente e atempadamente expedido - usando o único endereço disponível à data em sede de contribuição predial - e verificando-se atraso no pagamento da renda do terreno concessionado nada tem de ilegal a cobrança do acrescido a título de 3% de dívidas e juros de mora de acordo com o estabelecido na Portaria n.º 164/98/M.
五、結論
V. Conclusão

一) 沒有按照《行政程序法典》第七十條的規定作出通知,讓上訴人知悉其退還金額的申請不獲批准,不會使不批准聲明異議的行為存在任何無效的瑕疵。
1) A inobservância das regras constantes no artigo 70.º do C.P.A para efeitos da notificação que levou ao conhecimento da Recorrente o indeferimento do seu pedido de restituição, não implica a verificação de qualquer vício invalidante do acto de indeferimento da reclamação.

二) 上訴人選擇了恰當方法提出上訴,而被上訴實體亦接受並審議了是次上訴,這已能補救在通知上存在的任何瑕疵。
2) A escolha pela Recorrente da forma certa de impugnação, a aceitação, pela entidade Recorrida, do presente recurso bem como a sua apreciação sanam qualquer vício que a notificação enfermasse.

三) 立法者認為,在徵收及繳納地稅與房屋稅之間存在若干相同之處,當應繳交房屋稅時,地稅和房屋稅將會一併徵收。
3) Considera o legislador existirem algumas semelhanças para efeitos de cobrança e pagamento entre a renda e a contribuição predial estabelecendo que serão cobradas conjuntamente se esta for devida.

四) 上訴人是須要繳交房屋稅的,然而,房屋稅正處於法定的豁免期。
4) A Recorrente está sujeita a contribuição predial encontrando-se, no entanto, em período legal de isenção.

五) 當要求更改任何用作收取稅務信件的地址時,務必在有關稅種或稅捐範疇內作出。僅在營業稅方面更改地址,不足以適用於負責寄發批出土地地稅徵收憑單的房屋稅中心。
5) Qualquer pedido de alteração de endereço para efeitos de recepção de correspondência fiscal terá de ser efectuada no âmbito do respectivo imposto ou contribuição, não sendo suficiente a alteração efectuada em sede de contribuição industrial nem extensível ao Núcleo de Contribuição Predial e Rendas que expede os conhecimentos de cobrança das rendas de terrenos concessionados.

六) 對於不同的課稅文件,納稅人有權指出不同的收件地址。
6) Em todas as cédulas tributárias é facultado ao contribuinte indicar endereço diferente para recepção de correspondência.

七) 徵收憑單是正確及準時發出的,因為使用了房屋稅及地稅中心現存的地址,故此,
7) O conhecimento de cobrança foi correcta e atempadamente expedido, usando-se o endereço existente no Núcleo de Contribuição Predial e Rendas, pelo que,

八) 將二○一一年的地稅提增百分之三的過期利息是絕對正當的,因為上訴人在法定的繳稅限期過後才繳交地稅。
8) Foi com toda a legitimidade que foram acrescidos 3% de dívidas e juros à renda do ano de 2011 por a mesma ter sido paga fora do prazo legal.

九) 基此,不會退還任何款項。
9) Não havendo assim lugar a qualquer restituição.

十) 為此,應維持代局長於二○一一年八月三十日作出的批示,因為該批示沒有任何瑕疵導致其撤銷。
10) Assim, deve o despacho do Senhor Director dos Serviços Substituto de 30 de Agosto de 2011, ser mantido, não enfermando o mesmo de qualquer vício conducente à sua anulabilidade.

因此,我們建議不批准該必要訴願,並認為應將其呈交經濟財政司司長考慮。
Nestes termos entendemos dever o presente recurso hierárquico necessário ser levado à consideração do Senhor Secretário para a Economia e Finanças com proposta de indeferimento.
呈上級考慮。
À consideração superior,
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------