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Processo n.º 643/2012 Data do acórdão: 2013-6-27 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– ordem de proibição de entrada nos casinos
– Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos
– preterição da audiência prévia
– vício de anulação contenciosa
– vício de nulidade
– não conhecimento oficioso no recurso penal
S U M Á R I O
1. Inexistindo notícia nos presentes autos penais, de que a própria arguida ora recorrente tenha chegado a impugnar a legalidade da ordem de proibição de entrada nos casinos e/ou da notificação dessa ordem no seio do correspondente processo da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, não lhe é curial suscitar agora, no presente processo em recurso penal, a alegada invalidade dessa ordem de proibição e o alegado vício na sua notificação.
2. E configurando a questão de só agora alegada preterição da audiência prévia antes da emissão da referida ordem de proibição somente, quanto muito, um vício de anulação contenciosa, e já não um vício de nulidade, da própria ordem de proibição, não pode o tribunal penal ad quem conhecê-la, oficiosamente, nos presentes autos de recurso.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 643/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 77 a 79v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR4-12-0119-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que a condenou, pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 312.º, n.º 1, alínea b), do vigente Código Penal (CP), na pena de dois meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, veio a arguida A, aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a sua absolvição, tendo concluído a sua motivação de recurso (de fls. 83 a 86 dos presentes autos correspondentes) de seguinte maneira, na sua essência:
– a violação de um acto administrativo sancionatório inválido (inválido por falta de audiência da pessoa interessada particular) não pode constituir o crime de desobediência;
– por outro lado, à recorrente, por não ter sabido do conteúdo material do acto administrativo em causa, também não se pode imputar qualquer responsabilidade;
– os efeitos jurídicos a emanar do acto administrativo devem constar da via escrita, pelo que só se pode considerar os efeitos jurídicos registados já por via escrita;
– a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), ao proceder intencionalmente à notificação do seu acto administrativo em língua não dominada pela recorrente, violou o princípio da boa fé;
– havendo divergência quanto ao sentido da notificação do acto administrativo, foi difícil fazer com que a recorrente tenha podido dar cumprimento adequado a esse acto administrativo;
– e existindo vício na notificação do acto administrativo, não se pode reconhecer que a recorrente já tenha tomado total conhecimento do conteúdo da ordem de interdição em causa, pelo que não se pode considerar que a recorrente tenha cometido o crime de desobediência.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido (a fls. 88 a 90v) no sentido de improcedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 99 a 100), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos, e com audiência já realizada neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Segundo a factualidade descrita (originalmente em chinês, com tradução aqui feita para português pelo relator) como provada no texto da sentença recorrida, e na sua essência, com pertinência à solução do presente recurso:
– à arguida, em 18 de Agosto de 2010, por despacho n.o 338/2010 da DICJ, foi proibida preventivamente a entrada nos casinos da Venetian Macau, S.A., pelo período de tempo até 17 de Agosto de 2012; a arguida recebeu, em 29 de Setembro de 2010, a notificação e assinou na notificação, e foi advertida de que se entrasse nos casinos da Venetian Macau, S.A., iria cometer o crime de desobediência do art.o 312.o do CP;
– em 25 de Novembro de 2011, cerca das 18:00 horas, a arguida entrou no Casino Sands (pertencente à Venetian Macau, S.A.), após o que foi interceptada pelo pessoal de segurança do casino para efeitos de investigação, através da qual se descobrindo que a arguida entrou nesse casino durante o período de proibição;
– a arguida sabia claramente do conteúdo da notificação da proibição de entrada nos casinos, e de modo livre, voluntário e consciente, entrou intencionalmente no casino acima referido durante o período de proibição, sabendo claramente que a sua conduta era violadora da lei e punível por lei.
A M.ma Juíza autora da sentença recorrida chegou a tecer as seguintes considerações na parte da fundamentação probatória dos factos provados (cfr. o teor de fls. 78 a 78v dos autos):
– a arguida confessou que sabia do conteúdo da ordem de proibição, mas afirmou que não sabia que o Casino Sands também pertencia à Venetian Macau, S.A.; foram lidas na audiência de julgamento as declarações então prestadas pela arguida no Ministério Público, nas quais a arguida disse que por causa do esquecimento, por um momento, da ordem de proibição, entrou no Casino Sands;
– a testemunha da Polícia Judiciária relatou, em audiência, com objectividade, o decurso dos factos do caso e o procedimento da investigação respectiva, tendo apontado a testemunha que no decurso da investigação, a postura da arguida reflectiu que ela sabia que o Casino Sands também era um dos casinos em que ela se encontrava interditada de entrar;
– no presente caso, o ponto de discussão reside essencialmente na questão de apurar se a arguida sabia ou não que o Casino Sands também fazia parte do âmbito da ordem de proibição. Após feita a análise, em global, do conteúdo das declarações da arguida prestadas na audiência de julgamento e no Ministério Público, do depoimento da testemunha e dos elementos dos autos (nomeadamente o teor de fl. 14 dos autos, que reflecte que foi registada, por várias vezes, a investigação feita pela Polícia à arguida), isto tudo basta para dar por provado que a arguida sabia claramente que o Casino Sands estava também dentro do âmbito da ordem de proibição, pelo que devido à suficiência da prova, é de reconhecer que a arguida executou os factos acusados.
Outrossim, do exame dos autos, sabe-se que:
– o acima identificado despacho de proibição preventiva da arguida de entrada nos casinos da Venetian Macau, S.A., e a respectiva notificação assinada pela própria arguida em chinês foram redigidos em duas versões linguísticas oficiais (i.e., em chinês e em português) da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), embora na notificação em causa, o nome da arguida tenha aparecido na sua romanização pela sua pronúncia sonora em mandarim, e os dados identificativos do passaporte chinês da arguida e os dados identificativos do Despacho de proibição tenham sido preenchidos na versão portuguesa da notificação (cfr. sobretudo o teor de fls. 2 e 3 dos autos);
– na parte final da notificação do mesmo despacho, consta, em versões bilingues oficiais da RAEM, que “Neste acto de notificação é entregue o texto integral do acto de interdição, e um duplicado do presente acto de notificação, declarando o notificado que compreende na íntegra e sem reservas o conteúdo dos mesmos, pelo que vai assinar”;
– na audiência de julgamento então realizada perante a M.ma Juíza a quo, foram lidas, nos termos do art.o 338.o, n.o 1, alínea b), do vigente Código de Processo Penal, as declarações anteriormente prestadas pela arguida no Ministério Público em fase do inquérito dos autos, devido à discrepância entre o teor dessas declarações com o declarado pela arguida em audiência (cfr. o teor da acta da audiência, na parte lavrada concretamente a fl. 76v dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, ante os elementos pertinentes coligidos dos autos e acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso (e mormente a factualidade dada por provada em primeira instância, com total razoabilidade convincente atenta a fundamentação probatória exposta pela M.ma Juíza a quo), já não pode relevar todo o argumentado na motivação do recurso a respeito não só da questão de língua usada na notificação, então feita pela DICJ, da ordem de proibição preventiva da entrada nos casinos, como também da questão de alegado desconhecimento da arguida do âmbito dessa proibição.
Tendo sabido do conteúdo dessa ordem e do âmbito da respectiva proibição já antes da entrada no Casino Sands em 25 de Novembro de 2011, na plena vigência do período de proibição em causa, deve ser realmente punida a arguida pelo crime de desobediência por que vinha condenada, por ter ela agido de modo livre, voluntário e conscientemente, apesar do tal conhecimento do conteúdo e do âmbito da ordem de proibição.
Cabe, por outro lado, frisar que inexistindo notícia nos presentes autos penais, de que a própria arguida tenha chegado a impugnar a legalidade da ordem de proibição e/ou da notificação dessa ordem no seio do correspondente processo da DICJ, não lhe é curial suscitar agora, no presente processo em recurso penal, a alegada invalidade da ordem de proibição e o alegado vício na sua notificação.
E configurando a questão de só agora alegada preterição da audiência prévia antes da emissão da ordem de proibição preventiva, a ser verdadeira como diz a arguida na motivação do presente recurso penal, somente, quanto muito, e como se sabe através da jurisprudência do TSI em processos de contencioso administrativo, um vício de anulação contenciosa, e já não um vício de nulidade, da própria ordem de proibição, nem pode este TSI conhecê-la, oficiosamente, na presente lide recursória.
Do acima exposto, decorre também já precludido ou prejudicado todo o restante defendido pela arguida na motivação do recurso.
Naufraga, pois, a sua pretensão de absolvição do crime já julgado como comprovado pela M.ma Juíza a quo.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela arguida, com quinze UC de taxa de justiça, e quatro mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso, honorários esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 27 de Junho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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