Processo nº 256/2013 Data: 27.06.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Crime de “ofensas à integridade física por negligência”.
Legitimidade para recorrer.
Inutilidade superveniente.
Erro notório na apreciação da prova.
Danos não patrimoniais.
SUMÁRIO
1. Não sendo o demandante “assistente”, não pode o mesmo recorrer da “decisão penal”, pedindo outra qualificação da conduta do arguido.
2. Se o demandado civil foi absolvido do pedido contra ele deduzido, carece o mesmo de legitimidade para recorrer o que implica a extinção por inutilidade superveniente dos seus recursos interlocutórios antes interpostos.
3. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados.
O relator,
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Processo nº 256/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se:
- condenar o arguido A, como autor de 1 crime de “ofensas à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1, do C.P.M., e art. 93°, n.° 1, da Lei n.° 3/2007, na pena de 180 dias de multa, à razão de MOP$100,00, perfazendo a multa global de MOP$18.000,00, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses, suspensa na sua execução por 1 ano;
- condenar a “COMPANHIA DE SEGUROS DE B, S.A.” no pagamento à demandante civil C da quantia de MOP$82.821,60; e,
- condenar a “COMPANHIA DE SEGUROS DA CHINA TAI PING (MACAU)” no pagamento à mesma demandante civil da quantia de MOP$20.705,40, absolvendo-se todos os demais demandados civis; (cfr., fls. 516 a 529-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados com o assim decidido, do mesmo vieram recorrer a mencionada demandante C e o demandado D.
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No seu recurso, e em sede de conclusões, diz a demandante que a decisão recorrida padece de “erro na qualificação jurídico-penal da conduta do arguido”, que devia ser qualificada como a prática de um crime de “ofensas graves”, “erro notório na apreciação da prova”, no que toca aos seus danos patrimoniais sofridos, e “inadequação do montante fixado a título de danos não patrimoniais”; (cfr., fls. 538 a 542).
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Por sua vez, entende o demandado civil D que o Acórdão recorrido padece dos vícios de “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova” e violação do art. 16°, al. c) do D.L. n.° 57/94/M.
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Após respostas às motivações apresentadas e admitidos os recursos, vieram os autos a este T.S.I., neles subindo outros dois recursos interlocutórios antes interpostos pelo demandado civil D.
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 518 a 522-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Quatro são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..
Três, pelo demandado civil D, sendo dois destes, interlocutórios, e o restante – o quarto – pela demandante civil C.
3.1. Por uma questão de método, afigura-se de começar pelos “recursos do demandado”.
O seu primeiro recurso interlocutório tem como objecto um despacho do Mmo Juiz a quo que admitiu a sua intervenção provocada; (cfr., fls. 301 a 309).
O seu segundo recurso interlocutório tem como objecto um despacho que indeferiu o pedido do ora recorrente no sentido de ser declarado parte ilegítima; (cfr., fls. 366 a 374).
Por sua vez, e em sede do seu recurso do Acórdão, apresenta o mesmo recorrente o seguinte quadro conclusivo:
“1. Apesar de apenas o dispositivo de uma sentença fazer caso julgado com força probatória fora do processo, o ora recorrente tem legitimidade para o presente recurso uma vez que é directamente afectado pela decisão;
2. Com efeito, a Companhia de Seguros da E (Macau) SA, seguradora do veículo pertencente ao recorrente foi condenada a pagar 20% do valor da indemnização arbitrada;
3. Foi atribuída tal percentagem de culpa na eclosão do acidente considerando que o ora recorrente conduzia, no momento do evento, com uma percentagem de 2.06 g/l de álcool no sangue, infracção na qual fora condenado em multa a cujo pagamento procedeu;
4. Uma vez que a seguradora tem direito de regresso contra o condutor seu segurado, se este tiver agido sob a influência do álcool, é nesta sede que o recorrente se pode defender, sob pena de a presente decisão transitar em julgado;
5. Notificado do douto despacho que admitiu a sua intervenção provocada, bem como do douto despacho que rejeitou o entendimento do ora recorrente de que é parte ilegítima nos autos o recorrente interpôs os competentes recursos, os quais sobem com o presente;
6. A decisão recorrida padece do vício da contradição insanável da fundamentação ao dar como provado, simultaneamente, que o arguido sem parar, entrou súbita e inopinadamente na Estrada da Vitória por onde o recorrente circulava, de tal modo que o ora recorrente não logrou travar o seu veículo; que o arguido não respeitou o sinal de "STOP" e continuou em direcção ao entroncamento; que o comportamento do arguido deu causa à colisão entre o táxi e o veículo automóvel do recorrente; que o facto do arguido não ter cumprido as regras de trânsito foi o factor que deu causa ao acidente levando aos danos patrimoniais e não patrimoniais da ofendida; que o táxi conduzido pelo arguido sem parar, entrou súbita e inopinadamente, para, a final, concluir que o recorrente contribuiu em 20% para o acidente, considerando apenas, objectivamente, que o álcool é potenciador de gerar acidentes de viação.
7. Imputa ainda ao douto Ac. erro notório na apreciação da prova porque o tribunal (erradamente) considerou provado ter o veículo de matrícula MO-XX-XX sofrido danos no farol esquerdo, contrariando o que vem demonstrado nas fotografias de fls. 331 a 333;
8. Ainda, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, não obstante, o tribunal veio a considerar que teve apenas 80% culpa no acidente;
9. Com a confissão integral e sem reservas aceite pelo douto Tribunal a quo o recorrente ficou coma expectativa que estaria fora da equação de culpa;
10. Para que se possa retirar da taxa de alcoolemia em questão alguma conclusão imediata quanto à causa do acidente, seria necessário que tivessem sido provados factos inequívocos do nexo de causalidade entre o grau de alcoolemia e a produção do acidente, o que não foi feito;
11. O recorrente foi condenado por objectivamente conduzir sob a influência do álcool.
12. O douto acórdão recorrido ao extrair da taxa de alcoolemia em questão presunção legal de culpa de 20% do recorrente no acidente, violou, nomeadamente, a interpretação e aplicação norma do artigo 16°, c), do Decreto-Lei n.° 57/94/M, de 28 de Novembro.
A final, pede que seja “dado provimento ao recurso e, em consequência, ser o recorrente absolvido”; (cfr., fls. 566 a 582-v).
–– Passa-se a decidir, começando-se pelo recurso do Acórdão.
Pois bem, como o próprio recorrente reconhece (nas transcritas conclusões), coloca-se, antes de mais, a questão da sua “legitimidade” para recorrer do Acórdão do Colectivo do T.J.B..
E, sem necessidade de grandes fundamentações, afigura-se-nos claro que não lhe assiste “legitimidade” ou “interesse em agir”.
Com efeito, e como se deixou relatado, o ora recorrente acabou absolvido dos pedidos que contra ele foram deduzidos, e não parece de acolher o fundamento do “direito de regresso da sua seguradora”, a demandada “E”.
Na verdade, se nem esta pode recorrer do mesmo Acórdão, (como efectivamente, não recorreu), dado que foi apenas condenada a pagar uma indemnização de MOP$20.705,40, portanto, em quantia que não ultrapassa metade da alçada do Tribunal recorrido, (cfr., art. 390°, n.° 2 do C.P.P.M.), evidente nos parece que também o ora recorrente não o pode fazer.
Doutra forma, estar-se-ia a subverter o “regime de recursos” previsto no C.P.P.M., e a deixar entrar pela janela o que não se quer que entre pela porta.
Assim, atento o exposto, e em conformidade com o estatuído no art. 390°, n.° 1, al. c), não se admite o recurso pelo demandado civil interposto do Acórdão do T.J.B..
–– Aqui chegados, cabe decidir dos “recursos interlocutórios”.
Pois bem, como se viu, o ora recorrente foi absolvido, não se podendo de forma alguma considerar que a decisão final – o Acórdão doT.J.B. – foi “contra ele proferida”.
Assim, evidente também se mostra que nenhum interesse existe em apreciar da bondade das decisões impugnadas com os dois recursos interlocutórios, sendo assim de os julgar extintos por inutilidade superveniente; (cfr., art. 229°, al. e) do C.P.C.M. e art. 4° do C.P.P.M.).
3.2. Passemos agora para o “recurso da demandante civil”.
Em essência, três são as questões a apreciar: “erro na qualificação jurídico-penal da conduta do arguido”, que devia ser qualificada como a prática de um crime de “ofensas graves”, “erro notório na apreciação da prova”, no que toca aos seus danos patrimoniais sofridos, e “inadequação do montante fixado a título de danos não patrimoniais”.
–– E, começando pela primeira destas questões, há que dizer que também aqui não tem a recorrente legitimidade para da mesma recorrer.
De facto, atento o estatuído no art. 391°, n.° 1, al. b) do C.P.P.M., e não sendo a demandante, “assistente”, evidente se mostra que não lhe assiste legitimidade para discutir a decisão penal proferida.
Continuemos.
–– Quanto ao “erro notório na apreciação da prova quanto aos danos patrimoniais”.
No fundo, diz a recorrente que incorreu o Colectivo a quo no dito vício dado que não deu como provada (parte da) matéria por ela alegada a título de danos patrimoniais que diz ter sofrido com o acidente de viação matéria destes autos.
Pois bem, no que toca ao dito vício de erro, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 21.03.2013, Proc. n.° 113/2013 do ora relator).
E, sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, analisando o Acórdão recorrido, não se vislumbra que tenha o Tribunal a quo incorrido em tal maleita, pois que não se vislumbra onde, como, ou em que termos, tenha violado regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis.
Daí que não se possa acolher a pretensão da ora recorrente, sendo pois de confirmar o quantum pelo Colectivo a quo arbitrado a título de indemnização pelos seus danos patrimoniais.
–– Dos “danos não patrimoniais”.
Em relação aos mesmos fixou o Colectivo a quo o quantum de MOP$40.000,00.
Diz a recorrente que tal montante é reduzido, pedindo que se passe a fixar o de MOP$500.000,00.
No que toca a esta questão diz respeito, constitui entendimento firme deste T.S.I. que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. de 14.06.2012, Proc. n.° 393/2012).
No caso dos presentes autos, atenta a factualidade provada, e tendo presente o estatuído no art. 489° do C.C.M., afigura-se adequado o montante de MOP$80.000,00, a suportar pelas demandadas seguradoras na mesma proporção fixada pelo T.J.B..
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, acorda-se não admitir o recurso pelo demandado D interposto do Acórdão do T.J.B., julgando-se extintos os seus outros dois recursos interlocutórios, julgando-se parcialmente provido o recurso da demandante C.
Custas pelo recorrente D com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Pelo seu decaimento pagará também a demandante a taxa de justiça de 4 UCs.
Macau, aos 27 de Junho de 2013
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 256/2013 Pág. 16
Proc. 256/2013 Pág. 1