Processo nº 281/2012
Data do Acórdão: 11JUL2013
Assuntos:
Erro sobre a base de negócio jurídico
Modificação de negócio jurídico
Resolução de contrato
Anulação de negócio jurídico
Excepção de não cumprimento
Princípio do dispositivo
SUMÁRIO
A resolução e a anulação de negócio jurídico são figuras jurídicas distintas e não confundíveis.
Diz-se resolução a extinção do contrato por manifestação de vontade de uma das partes, com fundamento na lei ou na convenção – artº 426º do CC.
Quando fundada na lei, a doutrina denomina-a resolução legal, que pode ser v. g. fundada em incumprimento, mora de cumprimento, impossibilidade de cumprimento ou alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, fundamentos esses que são todos ocorridos após a formação válida do negócio – cf. artºs 790º, 791º/2, 797º e 431º, todos do CC.
Quando fundada na convenção, temporalmente coincidente com o próprio contrato ou mediante acordo posterior, a resolução tem lugar quando qualquer dos contraentes ou ambos exercerem o direito de resolver o contrato nos termos convencionados.
Por sua vez, a anulação de um negócio jurídico, é a sua destruição retroactiva fundada na invalidade por inverificação de qualquer dos requisitos legalmente exigidos para a sua formação.
Assim, apesar de serem semelhantes os efeitos de resolução e os de anulação, até em alguns aspectos equiparados, face ao disposto nos artºs 427º e s.s. do CC, o Tribunal não está autorizado a substituir-se à parte para converter ex oficio o seu pedido de modificação do negócio jurídico ou resolução do contrato num pedido de anulação, mesmo que o fundamento por ela alegado possa sustentar a anulação, dada a natureza não oficiosa do conhecimento tanto da anulabilidade do negócio jurídico como da resolução do contrato.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 281/2012
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV2-07-0114-CPE, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I – Relatório :
A (XXX), solteiro, maior, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong, nº XXXXXX(X), residente em Hong Kong, 香港XXXXXXXXXX室;
veio intentar a presente
Acção de Despejo
contra
1ª Ré - B Limitada (B有限公司), em romanização XXXX, e, em inglêsm XXXX Limited, com sede na Av. da XXX, s/n, Edf. XX, Xº “X” e “X”;
2º Réu - C (XXX), solteiro, maior, residente em Macau, na Av. da XXX, s/n, Edf. XXX, XXº “X”;
com os fundamentos constantes da petição inicial de fls. 2 a 22
concluiu pedindo que seja julgada procedente a presente acção e consequentemente:
1. Ser declarado resolvido o contrato (arrendamento e aditamento) celebrado com os RR. e, ainda,
2. Serem os Réus solidariamente condenados a despejar o locado, desocupá-lo e entregá-lo ao Autor (legitimado pela qualidade de comproprietário), e, a pagar ao Autor:
a. O montante de MOP$2.142.400,00;
b. As rendas que se vencerem na pendência da presente acção;
c. Os respectivos juros legais vencidos, que actualmente perfazem MOP$146.819,00;
d. Indemnização a título de compensação por danos não patrimoniais, no montante de MOP$500.000,00, acrescido dos juros vincendos, até integral e efectivo pagamento; e
e. Indemnização a título de compensação por danos patrimoniais (pelo prejuízo causado pela demolição do interior do locado e falta de reconstrução do mesmo e, bem assim, a título de lucros cessantes) em montante indemnizatório a liquidar em sede de execução de sentença ou subsidiariamente;
f. a repor o locado no estado em que o receberam, em prazo nunca superior a 4 meses a contar da decisão.
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Os Réus contestaram a acção com os fundamentos constantes de fls. 116 a 148 dos autos e concluíram pedindo que seja julgado improcedente o pedido do Autor.
Ademais, deduziram pedido reconvencional contra o Autor e os demais proprietários da fracção autónoma alegadamente arrendada aos Réus tendo para o efeito pedido a intervenção provocada principal deste últimos.
Oportunamente decidida o pedido de intervenção principal provocada, foram D, E, F, G, H, I, J, K, L e M admitidos como intervenientes tendo os mesmos sido citados.
Dos intervenientes citados veio I pedir a intervenção principal provocada apresentando articulado próprio e formulando os mesmos pedidos deduzidos pelo Autor bem como responder aos pedidos reconvencionais formulados pelos Réus.
Em resposta ao chamamento vieram os intervenientes E, F, G, H, J declarar que faziam seus os articulados do Autor.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
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Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
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II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- O A. é comproprietário do prédio urbano denominado «XX Hotel», sito em Macau, na Av. De Almeida Ribeiro, n.º XXX, inscrito na matriz sob o artigo 000962 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1513, a fls. 258v do Livro B8 (alínea A) dos factos assentes).
- A 1ª Ré é uma sociedade comercial cujo objecto social consiste na actividade de construção civil e realização de operações sobre imóveis, matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de bens móveis (CRCBM) sob o n.º4121(SO), a fls. 154v do livro C10 (alínea B) dos factos assentes).
- O A., E, por si e na qualidade de representantes de outros comproprietários, celebraram com os RR., um acordo (alínea C) dos factos assentes).
- Fomalizado pelo A. e D por aditamento celebrado em 23 de Julho de 2004 (alínea D) dos factos assentes) .
- O referido acordo tem por objecto o supramencionado XX Hotel, composto por rés-do-chão, sobreloja (ou 1.º andar) e oito andares (alínea E) dos factos assentes).
- Ao nível do rés-do-chão, primeiro (sobreloja) e segundo andares estava dotado com um coffee shop, dois restaurantes e um night club (alínea F) dos factos assentes).
- Contando, do terceiro ao oitava andar, com 15 (quinze) quatros por andar, no total, portanto, de 90 (noventa) quartos de hóspedes (alínea G) dos factos assentes).
- O acordo celebrado com os RR. tinha como fim a locação (arrendamento) do identificado imóvel, complementado com a obrigação de execução, por parte e por conta dos Arrendatários, de obras nomeadamente de renovação do mesmo (alínea H) dos factos assentes).
- Pelo arrendamento do imóvel as partes estipularam a renda mensal de HK$160.000,00 (cento e sessenta mil dólares de Hong Kong) (alínea I) dos factos assentes).
- Que deveria ser paga até ao dia 5 de cada mês, por depósito em conta (alínea J) dos factos assentes).
- Estipularam, que caberia aos Senhorios a prerogativa de actualizar o montante da renda mensal, no final de cada período de 3 (três) anos de vigência do contrato, até ao limite de 4% do valor da renda (alínea L) dos factos assentes) .
- Estipularam um período de vigência de 6 (seis) anos, renovável por igual período e, em segunda renovação, pelo período de mais 3 (três) anos (alínea M) dos factos assentes).
- Foi, ainda, atribuído aos RR. o direito de preferência na aquisição do imóvel (alínea N) dos factos assentes).
- Foi expressamente assegurada a posição contratual dos RR., enquanto arrendatários, na eventualidade da alienação da propriedade do Hotel, para o caso de não exercerem aqueles o seu direito de preferência (alínea O) dos factos assentes).
- As partes reconheceram expressamente que o imóvel necessitava reparações, nas paredes interiores e exteriores e nos sistemas de água, electricidade e anti-incêndio (cfr. cláusula 7.ª) (alínea P) dos factos assentes).
- Os Arrendatários obrigaram-se a proceder, por sua conta própria, às obras de reparação, de conservação e de limpeza do edifício (cfr. cláusula 6.ª) (alínea Q) dos factos assentes).
- Estipularam, a isenção da obrigação de pagamento da renda pelo período de 2 (dois) meses e 2 (duas) semanas para o efeito da obtenção das licenças, acrescido de mais 4 (quatro) meses para a realização das obras (alínea S) dos factos assentes).
- A solicitação dos RR., os senhorios aceitaram prorrogar aquele período de 2 meses e 2 semanas, por mais 6 semanas (alínea T) dos factos assentes).
- A partir do mês de Agosto de 2004, deixavam de pagar a renda por 4 (quatro) meses para realização das obras, conforme o estipulado no contrato (alínea U) dos factos assentes).
- Os RR. ultrapassaram os 4 (quatro) meses contratualmente previstos para realização das obras, que iniciaram mas ainda não concluíram (alínea V) dos factos assentes).
- Em Janeiro de 2006 os Arrendatários suspenderam as obras (alínea X) dos factos assentes).
- E não às voltaram a retomar (alínea Z) dos factos assentes).
- Desde Julho de 2006, inclusive, os Arrendatários deixaram de pagar as rendas (alínea AA) dos factos assentes).
- Os RR. procederam à demolição de todo o interior do Hotel (alínea DD) dos factos assentes).
- Esvaziaram todo o seu recheio (mobiliário, equipamentos, utensílios, etc.) (alínea EE) dos factos assentes).
- Em todos os pisos do Hotel, os RR. demoliram todas as portas e demais madeiras e demoliram todas as paredes interiores, que individualizavam os quartos e casas de banho, restaurantes e cozinhas (alínea FF) dos factos assentes).
- Após a demolição, os RR. apenas reconstruíram parcialmente as casas de banho (Wc), do 5.º ao 8.º andares, em número de 13 (treze) por cada piso (alínea HH) dos factos assentes).
- Encontrando-se simplesmente com as paredes rebocadas (desengrosso) sem acabamento, e canalizações de águas e esgotos (alínea II) dos factos assentes).
- Do rés-do-chão ao quarto andares mantém-se demolidas todas as paredes interiores (alínea JJ) dos factos assentes).
- Ao nível do rés-do-chão e sobreloja amontoam-se entulhos (alínea LL) dos factos assentes).
- Foi inserta no contrato a convenção através da qual o Autor e os demais 1.os Outorgantes, assumiriam a obrigação de dar preferência aos Réus na venda do locado, findo o prazo ali estabelecido. (cfr. cláusulas 2 e 18) (alínea MM) dos factos assentes).
- O arrendamento teria por fim a exploração de um hotel, karaoke e restaurante e demais actividades comerciais, desde que autorizadas pelo Governo. (cfr. cláusula 2) (alínea NN) dos factos assentes).
- O Autor e demais 1.os Outorgantes autorizaram os Réus, não só a fazer obras de restauração interna e de modificação, consideradas benfeitorias úteis e necessárias tendo, ainda, consentido que fossem construídos mais dois pisos, cujos projectos e demais formalidades deveriam ser aceites e desenvolvidos pelos primeiros. (cfr. cláusula 3) (alínea OO) dos factos assentes).
- A obtenção das necessárias licenças junto de quaisquer entidades e serviços públicos, tais como a CEM, SAAM, CTM, ficaria a cargo dos Réus, em representação dos proprietários. (cfr. cláusula 8) (alínea PP) dos factos assentes).
- Ficou igualmente estipulado o depósito da quantia de HKD1.000.000.00, a favor dos 1.os Outorgantes, durante o prazo do arrendamento, tendo sido estipulado que, caso os 2.os Outorgantes, ora Réus, não cumprissem com as obras contratualmente estabelecidas, os 1.os Outorgantes poderiam utilizar o montante de tal caução para prosseguir com as referidas reparações. (cfr. cláusula 5) (alínea QQ) dos factos assentes).
- Os 2.os Outorgantes, ora Réus obrigaram-se a entregar um documento comprovando a sua disponibilidade financeira para realização das obras, cujo montante não deveria ser inferior a HKD20.000.000.00 (cfr. cláusula 9) (alínea RR) dos factos assentes).
- Tendo-se ainda obrigado os 2.os Outorgantes a prestar uma caução equivalente a 6 meses de renda, no montante de HKD960.000.00, conforme cláusula 10.º do referido contrato (alínea SS) dos factos assentes).
- À data da celebração do contrato de arrendamento, a propriedade do imóvel encontrava-se registada a favor do Autor e de mais 17 comproprietários (alínea TT) dos factos assentes).
- Os Réus procederam ao pagamento do depósito, no montante de HK$1.000.000.00, em 6 de Dezembro de 2003 (alínea UU) dos factos assentes).
- Os Réus, em 11 de Maio de 2004, procederam ao pagamento da quantia de HKD960.000.00 (alínea VV) dos factos assentes).
- Os Réus enviaram ao Autor o comprovativo de depósito de quantia superior a HKD20.000.000.00, conforme se vê da comunicação datada de 23 de Junho (alínea XX) dos factos assentes).
- Os Réus apresentaram junto da Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) os projectos de obras de conservação e limpeza, a que foi atribuído o n.º de Proc. 269/2004/L, o qual foi aprovado em 30 de Junho de 2004 (alínea ZZ) dos factos assentes).
- Não foi devolvida aos réus/ reconvintes, a caução que depositaram no montante de HKD1.000.000,00, correspondente a MOP$1.030.000,00 (alínea AAA) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- Os Réus receberam o Hotel em Janeiro de 2004 (reposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- As partes reconheceram que o XX Hotel necessitava de obras de renovação (reposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Acordaram numa renda mensal em quantia notoriamente baixa – mais baixa do que a renda paga por muitas lojas comerciais em Macau – como forma de compensar o investimento necessário para renovar o edifício, a cargo dos Arrendatários (reposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- Pela mesma razão, pelo aditamento ao arrendamento foi revogado o direito dos Senhorios à actualização da renda cada 3 (três) anos, até ao limite de 4% consignado na cláusula 4ª do arrendamento (reposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- As partes acordaram que cabia aos réus elaborar os projectos necessários às reparações das paredes interiores e exteriores e dos sistemas de água, electricidade e anti-incêndio (reposta ao quesito da 6Aº da base instrutória).
- Desde Janeiro de 2004, com a recepção das chaves do imóvel, até final desse ano, os Réus gozaram cerca de oito meses de isenção de renda (reposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- Na previsão do contrato que celebraram, 4 meses eram suficientes para a conclusão das obras (reposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- Os Réus não prestaram contas do recheio que retiraram do Hotel, desconhecendo o Autor o destino que lhe deram (reposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- Do que era o interior do Hotel, restaram somente as lajes, a caixa de escada, as respectivas escadas e a caixa de elevadores com estes (reposta ao quesito da 11ºA da base instrutória).
- Nas paredes exteriores do edifício foram removidas todas as janelas e vidros (reposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- Antes estava o edifício totalmente revestido de caixilharia envidraçada e, portanto, resguardado (reposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- Actualmente, e por não terem sido concluídos as obras acordadas, o imóvel encontra-se em degradação (reposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- Há mais de ano e meio por referência à data de apresentação da petição inicial, sujeito à livre e perniciosa acção dos elementos, sem um único vidro em toda a fachada exterior do edifício (reposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- A descrita situação gerou e gera, prejuízos patrimoniais para os Senhorios, os quais se agravam a cada dia que passa (reposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- A intervenção dos Arrendatários no edifício, com as obras de demolição a que procederam e a reconstrução que iniciaram e suspenderam, diminuíram o valor do edifício (reposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- O Autor tem dificuldades em rentabilizar o imóvel, nomeadamente celebrando negócios com terceiros (reposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- Antes tinha um hotel que permitia ser explorado depois de realizadas obras de renovação e agora tem um edifício que não permite ser utilizado sem a conclusão das obras acordadas (reposta ao quesito da 20º da base instrutória).
- O XX Hotel foi por largas décadas o “Landmark” de Macau e uma referência na hotelaria do Território (reposta ao quesito da 22º da base instrutória).
- Nos termos dos contratos celebrados identificaram-se o Autor e demais 1ºs outorgantes como representantes da família XX, proprietários do prédio em causa (reposta ao quesito da 30º da base instrutória).
- Estipularam ainda as partes que, tendo em consideração que o hotel tinha a sua actividade suspensa há muitos anos, sofrendo de falta de conservação, tanto nas instalações de fornecimento de água, electricidade e segurança contra incêndio, bem como nas fachadas e paredes interiores, tornar-se-ia necessário apresentar um pedido de execução de obras, para cuja obtenção da licença eriam necessários cerca de dois meses e duas semanas, período durante o qual não seria devida a renda (reposta ao quesito da 31º da base instrutória).
- As partes estipularam ainda, que atenta a grande envergadura das obras a realizar, os Réus estariam isentos do pagamento de renda durante quatro meses considerados necessários para a realização das ditas obras, pelo que a renda apenas seria devida seis meses e duas semanas após a entrada em vigor do referido contrato (cláusula 11) (reposta ao quesito da 32º da base instrutória).
- Foi acordado que a renda seria devida a partir de 3 de Abril e que não seria paga renda durante o período de 4 meses, para realização das obras de restauração e decoração do hotel (reposta ao quesito da 34º da base instrutória).
- O Autor disponibilizou-se a desenvolver todas as formalidades necessárias para os Réus poderem efectuar as obras acordadas, tendo as partes estimado o valor de HKD20.000.000,00 para realização das ditas obras, valor esse que os réus deveriam demonstrar possuir (reposta ao quesito da 36º da base instrutória).
- Em 2000, foi intentada uma acção de despejo contra o anterior arrendatário do XX Hotel cuja sentença foi proferida em Julho de 2002 (reposta ao quesito da 38º da base instrutória).
- O Autor e demais 1.os Outorgantes autorizaram os Réus a retirar todo o mobiliário e equipamento existente (reposta ao quesito da 39º da base instrutória).
- Em 21 de Julho de 2004, os Réus apresentaram o projecto de modificação e reabilitação do imóvel locado, a que foi atribuído n.º de Proc. 424/2004/L (reposta ao quesito da 44º da base instrutória).
- Em 27 de Julho de 2004 os Réus comunicaram ao Autor que a licença de obras havia sido emitida pela DSSOPT, enviando conjuntamente os planos de obras, e informando que os trabalhos iniciar-se-iam de imediato (reposta ao quesito da 45º da base instrutória).
- O Autor respondeu, em 31 de Julho de 2004, reiterando o período de isenção de rendas para conclusão das obras, o qual teria início em 3 de Agosto, até 3 de Dezembro, inclusive, conforme estipulado pelas partes (reposta ao quesito da 46º da base instrutória).
- Pelo que, os Réus efectuaram o pagamento da renda de Julho (reposta ao quesito da 47º da base instrutória).
- Em 27 de Agosto de 2004, os Réus apresentaram o seu relatório das diligências efectuadas até à data, tendo informado que devido ao cancelamente do fornecimento da electricidade, a resposta ao pedido foi morosa (reposta ao quesito da 48º da base instrutória).
- Informaram também que os elevadores, de acordo com a empresa que assegurava a sua manutenção, não se encontravam em condições de transportar pessoas, devido à falta de segurança, tendo sido aconselhados a mudar ambos os elevadores e que se encontravam a aguardar a aprovação dos planos de obras pela DSSOPT (reposta ao quesito da 49º da base instrutória).
- Em 18 de Outubro de 2004 o Autor comunicou por fax aos Réus, que verificou o bom andamento dos trabalhos, designadamente, o desmantelamento e limpeza, tendo sugerido que, enquanto persistissem os problemas do tanque de água, os Réus prosseguissem com a substituição das janelas, antes que caíssem, e os trabalhos das paredes exteriores, escadas de emergência e condutas de ar (reposta ao quesito da 50º da base instrutória).
- Sugeriu ainda o Autor que, caso as obras não recomeçassem, deveria ser paga a renda de Novembro, recomeçando a contar o prazo de isenção de renda, logo após o reinício dos trabalhos (reposta ao quesito da 53º da base instrutória).
- Por notificação datada de 21 de Outubro de 2004, foram os Réus informados pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que deveriam apresentar o documento comprovativo da titularidade do imóvel e respectiva procuração, o projecto de obras das águas e esgotos, uma solução para a reparação de betão degradado e das armaduras seriamente oxidadas, os pormenores construtivos para o encerramento dos vãos de escadas (reposta ao quesito da 54º da base instrutória).
- Foram igualmente advertidos da obrigação de instalação de chaminé para a cozinha e notificados dos pareceres emitidos pela Direcção de Serviços de Turismo, Corpo de Bombeiros e Instituto Cultural, os quais requereram a introdução de alterações ao projecto (reposta ao quesito da 55º da base instrutória).
- O Corpo de Bombeiros, em 17 de Agosto de 2004, consignou no relatório que elaborou que no locado existiam muitas falhas e que o mesmo não cumpria com os requisitos técnicos de segurança à data vigentes, pelo que deveriam ser corrigidas tais falhas(reposta ao quesito da 56º da base instrutória).
- Em 29 de Outubro de 2004, o Autor requereu que os Réus iniciassem a renovação do hotel de imediato (reposta ao quesito da 57º da base instrutória).
- Os Réus responderam em 8 de Novembro de 2004, dando conhecimento das exigências indicadas no ofício da DSSOPT de 21 de Outubro de 2004 justificando que o atraso era devido às exigências daquela entidade e à antiguidade do imóvel (reposta ao quesito da 58º da base instrutória).
- Em 1 de Dezembro de 2004, os Réus apresentaram relatório dos trabalhos, informando o Autor que o atraso do projecto se deveu à demora na aprovação dos planos pela DSSOPT, e devido às alterações requeridas, designadamente o fortalecimento das vigas e dos soalhos, pelo que foi contratado um engenheiro civil para o efeito, o que atrasaria as obras, requerendo por conseguinte, a isenção de rendas por mais dois meses, o que não foi aceite pelo Autor (reposta ao quesito da 59º da base instrutória).
- Em 17 de Dezembro de 2004, os Réus, em resposta ao ofício da DSSOPT, de 21 de Outubro de 2004, enviaram a esta entidade os documentos e alterações exigidos (reposta ao quesito da 60º da base instrutória).
- Em 4 de Janeiro de 2005, os Réus, através do seu advogado, pediram ao Autor os documentos relativos à titularidade do locado (reposta ao quesito da 62º da base instrutória).
- O Corpo de Bombeiros, em 13 de Janeiro de 2005, emitiu um parecer com as alterações que deveriam ser efectuadas no locado (reposta ao quesito da 63º da base instrutória).
- Em 24 de Março de 2005, em resposta à carta dos Réus, foram estes informados pela DSSOPT que os documentos comprovativos da titularidade, entregues em 17 de Dezembro de 2004, não eram suficientes, requerendo a apresentação de certidões emitidas pela CRP, bem como as respectivas procurações, o que foi feito (reposta ao quesito da 64º da base instrutória).
- A determinada altura os Réus foram informados por um dos comproprietários, designadamente através de N, que o Autor e os demais 1.os Outorgantes do contrato de arrendamento, não tinham legitimidade para celebrar o contrato, uma vez não representavam todos os membros da família XX, tendo os Réus, em 23 de Fevereiro de 2005, requerido ao referido N que comprovasse as suas afirmações (reposta ao quesito da 65º da base instrutória).
- Os Réus contactaram o Autor, tendo requerido a resolução de tal problema (reposta ao quesito da 66º da base instrutória).
- O Autor, em 24 de Fevereiro de 2005, informou os Réus que não havia qualquer problema familiar no que respeita ao imóvel locado, uma vez que era ele, juntamente com outros comproprietários, quem representava a família XX (reposta ao quesito da 67º da base instrutória).
- O Autor, em 28 de Fevereiro de 2005, os Réus voltaram a ser contactados por N, o qual reiterou que o Autor e demais 1ºs Outorgantes não eram representantes de todos os comproprietários e que referiu que reservava o direito de instaurar os processos judiciais para resolver o assunto (reposta ao quesito da 68º da base instrutória).
- Em 23 de Março de 2005, os Réus solicitaram ao Autor, mais uma vez, a resolução dos diferendos familiares, uma vez que haviam recebido outra carta assinada por um dos comproprietários, O, de 3 de Março de 2005 (reposta ao quesito da 69º da base instrutória).
- Em 31 de Março de 2005, os Réus deram conhecimento ao Autor do ofício da DSSOPT, de 24 de Março de 2005, a requerer, mais uma vez, a apresentação de documentos referentes à titularidade, bem como das cartas enviadas por O e N, reiterando o teor das comunicações anteriores e ameaçando a apresentação de queixa-crime contra quem fosse encontrado no locado (reposta ao quesito da 70º da base instrutória).
- Por carta datada de 12 de Abril de 2006, os Réus informaram o Autor que aguardavam pelo resultado da reunião familiar que o autor prometera por fax de 4 de Abril e solicitaram isenção de renda pelo período de 6 meses, a partir de Maio de 2006 (reposta ao quesito da 73º da base instrutória).
- N, em representação do comproprietário O, instaurou, em 2006, uma acção judicial contra os 3 1.os Outorgantes, solicitando a apresentação de vários documentos, na qual manifestou a intenção de instauração de uma acção de prestação de contas para se inteirar da legitimidade daqueles, bem como a intenção de embargar as obras iniciadas no hotel pelos ora Réus (reposta ao quesito da 76º da base instrutória).
- A 1ª renda foi paga em Abril de 2004, tendo sido igualmente pagas as rendas de Maio, Junho e Julho, após o que decorreu o período de isenção de 4 meses, previsto na cláusula 11ª do contrato, tendo depois sido paga a renda de Dezembro (reposta ao quesito da 78º da base instrutória).
- Tendo sido pagas as rendas correspondentes a 2006, desde Janeiro até Junho, última renda paga pelos Réus (reposta ao quesito da 80º da base instrutória).
- Embora no contrato dos presentes autos, tenha sido estipulado o prazo de 6 anos, renovável por igual período na primeira renovação e por 3 anos na segunda, tendo ainda sido inscrita uma cláusula que contém uma convenção através da qual o Autor e demais 1ºs Outorgantes assumiram a obrigação de dar preferência aos Réus na compra, findo o prazo ali estabelecido, efectivamente, as partes quiseram um arrendamento cujo prazo seria, pelo menos, de 15 anos (reposta ao quesito da 83º da base instrutória).
- Os Réus, tendo em vista desenvolver o projecto a que se vincularam, por força do contrato celebrado, incorreram em despesas, entre Junho de 2003 até 2006, que de outra forma não teriam incorrido (reposta ao quesito da 90º da base instrutória).
- As obras, tanto as contratualmente estipuladas como as ordenadas pela DSSOPT tiveram em vista a finalidade de uso contratualmente estipulada (reposta ao quesito da 101º da base instrutória).
- Pela instalação do sistema de ar condicionado, os Réus procederam ao pagamento até à data, da quantia de MOP$660.000.00 (reposta ao quesito da 110º da base instrutória).
- Até 26 de Janeiro de 2005, os Réus não eram sócios, gerentes ou de algum modo parte da Sociedade XX Hotel, Limitada (reposta ao quesito da 123º da base instrutória).
- Até 26 de Janeiro de 2005, mais um ano após a celebração do contrato de arrendamento, muito após os dois meses e duas semanas referidos na Cláusula 7 do Contrato de Arrendamento para iniciarem as obras, a sociedade era alheia aos Réus (reposta ao quesito da 124º da base instrutória).
- O Autor os outros outorgantes nunca deram qualquer autorização aos Réus para constituírem essa Sociedade e, muito menos, para que essa sociedade se substituísse aos Réus como outorgantes do Contrato de Arrendamento, bem como que se substituísse aos Réus nas obrigações contratuais e legais a que eles estavam adstritos (reposta ao quesito da 125º da base instrutória).
- O projecto de modificação e reabilitação do imóvel locado, a que foi atribuído o n.º de Proc. 424/2004/L, foi entregue à DSSOPT pela Sociedade XX Hotel, Limitada, em nome dos Réus, esclarecendo-se que a procuração passada por estes a favor daquela foi outorgada em 17 de Dezembro de 2004 (reposta ao quesito da 126º da base instrutória).
- A notificação da DSSOPT, não foi para os Réus, mas para a sociedade XX Hotel (reposta ao quesito da 127º da base instrutória).
- O contrato foi celebrado por comproprietários com mais de metade das quotas (reposta ao quesito da 128º da base instrutória).
- Os Réus não obtiveram de imediato as licenças que solicitaram porque, em vez de apresentarem um pedido em nome de um dos titulares do contrato de arrendamento, isto é, em nome dos Réus, o pedido de obras foi feito em nome da XX Hotel, Limitada sem indicação de que esta actuava em nome dos Réus (reposta ao quesito da 129º da base instrutória).
- A não obtenção pronta da licença deveu-se ao facto de os Réus(reposta ao quesito da 130º da base instrutória):
* Não terem feito o pedido de obras em seu nome, como locatários (juntando, com o pedido, o contrato de arrendamento com declaração de autorização de obras pelo locatário);
* Não terem juntas as procurações que tinham em seu poder.
- Os Réus, em vez de fazerem o pedido através do arrendatário, fizeram-nos através de uma sociedade sem indicação de que esta actuava em nome dos Réus(reposta ao quesito da 131º da base instrutória).
- A sociedade requerente das obras não juntou certidão registral do prédio, que é de acesso público, no início do processo de licenciamento para as obras de conservação e limpeza, a que foi atribuído o n.º de Proc. 269/2004/L (reposta ao quesito da 136º da base instrutória).
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III – Fundamentos:
Cumpre analisar a matéria alegada, os factos provados e aplicar o direito.
Pela presente acção, pretendem o Autor e o Interveniente I que o acordo celebrado entre as partes seja resolvido e os Réus condenados a restituir-lhes o prédio sito na Avenida de Almeida Ribeiro, nº XXX, de que são comproprietários, bem como pagar-lhes a retribuição acordada entre as partes pelo uso do imóvel, os respectivos juros e demais indemnizações decorrentes da relação estabelecida entre as parte relativa ao mesmo imóvel bem como, subsidiariamente, repor o prédio no estado em que o receberam.
Para o efeito, alegam que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento do referido imóvel em que foram insertas cláusulas relativas à execução de obras de renovação do mesmo imóvel a levar a cabo pelos Réus a fim de lhes permitir ali instalar um hotel, bem como cláusulas relativas ao direito de preferência na venda do imóvel e à manutenção do contrato de arrendamento no caso de alienação do imóvel a terceiro não tendo, no entanto, os Réus honrados os seus compromissos de pagamento da renda e de conclusão das obras de renovação dentro do prazo acordado.
Contestando a acção, vieram os Réus impugnar o alegado pelos Autor e referido Interveniente, deduzir excepções da caducidade do direito de resolução, do incumprimento do contrato e da anulabilidade ou modificabilidade do contrato como base no erro sobre o negócio, e imputar ao Autor o incumprimento do próprio acordo bem como deduzir pedidos reconvencionais.
Tendo em conta o alegado pelas partes e os pedidos formulados, para a decisão sobre o mérito da causa, urge analisar sucessivamente as seguintes questões:
1. Natureza do acordo celebrado entre as partes;
2. Erro sobre a base do negócio;
3. Caducidade do direito de resolução;
4. Resolução do contrato (1) e demais pedidos do Autor e Interveniente I;
5. Modificação do contrato;
6. Resolução do contrato (2) e demais pedidos dos Réus;
7. Litigância de má fé.
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Natureza do acordo celebrado entre as partes
Ficou assente que o Autor é um dos dezoito comproprietários do imóvel, objecto dos presentes autos onde está edificado o “XX Hotel” tendo aquele juntamente com os Intervenientes E, XX por si e em representação de outros comproprietários, no total representando mais de metade das quotas, locado o mesmo imóvel aos Réus mediante renda mensal de HK$160.000,00 para a exploração de um hotel, karaoke, restaurante e demais actividades comerciais no imóvel (cfr. alíneas A), C), H), I), NN) e TT) dos factos assentes e resposta aos quesitos 127º e 128º da base instrutória). Ademais, está provado que consta do acordo que os Réus ficaram obrigados a proceder, por sua conta, a obras de reparação, conservação e limpeza do imóvel porque as partes tinham reconhecido que o edifício “XX Hotel” precisava de obras de renovação e, por isso, foi fixada uma renda baixa (cfr. alíneas H) e Q) dos factos assentes e respostas ao quesitos 4º e 5º da base instrutória).
As partes qualificaram o acordo como um contrato de arrendamento apesar de dele constar a obrigação de proceder a obras de renovação por parte do arrendatário, obrigação esta que não se enquadra num simples contrato de arrendamento.
Segundo o artigo 969º do CC, “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.” Por sua vez, dispõe o artigo 970º do CC que “A locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel.”
Apesar da existência da cláusula respeitante à execução de obras de renovação do edifício “XX Hotel”, afigura-se pouco discutível que o acordo celebrado entre as partes consubstancia um contrato de arrendamento e não qualquer outro tipo de contrato designadamente uma locação de empresa comercial.
Senão, vejamos.
Mediante a retribuição a pagar pelos Réus, o Autor e os comproprietários que ele representava ficaram obrigados a proporcionar aos Réus o gozo do “XX Hotel” enquanto imóvel. Apesar de os Réus tencionarem explorar ali um hotel, karaoke, restaurante e demais actividades comerciais no imóvel, o Autor e os comproprietários que ele representava não ficaram obrigados a facultar o gozo de qualquer empresa comercial enquanto conjunto de factores de produção coordenados susceptíveis de significar aos olhos do público uma nova empresa comercial existente no imóvel a que se referem os presentes autos. Aliás, nem consta dos factos assentes, qualquer indicação da existência de factores de produção coordenados de tal forma que pudessem funcionar como uma empresa comercial.
É, pois, na base de um contrato de arrendamento que se debruçará sobre as restantes questões.
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Erro sobre a base do negócio
Para se defenderem da presente acção, alegam os Réus que estavam em erro quando celebraram o contrato de arrendamento.
Assim, antes de se apreciar a excepção de caducidade do direito de resolução invocada pelos Réus, convém averiguar se o acordo celebrado padece do vício a ele imputado pelos Réus visto que a invalidade do mesmo faz cair imediatamente os pedidos de resolução formulados por ambas as partes.
Conforme o alegado pelos Réus, celebraram o acordo porque o Autor e os demais outorgantes os tinham feito crer que representavam todos os comproprietários e lhes prometido que o prazo do acordo seria de 15 anos findo o qual o Autor e os demais outorgantes lhes venderiam o imóvel. Defendem que celebraram o acordo porque estavam em erro quanto à suficiência de poderes de representação do Autor e dos outros dois outorgantes e quanto ao prazo do acordo bem como a faculdade de aquisição do imóvel e que não o teriam celebrado se não estivessem em erro sobre estes aspectos, erro este induzido pelos Autor e demais outorgantes.
Entendem os Réus que está em causa um erro sobre a base do negócio previsto no artigo 245º do CC. Segundo esta norma, “Quando o erro recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, o negócio pode ser anulado ou modificado de acordo com o disposto no artigo 431º, aplicável com as necessárias adaptações.”
Antes da audiência de discussão e julgamento, estava assente que, aquando da celebração do acordo, o Autor e os outros dois outorgantes actuavam em nome próprio e na qualidade de representante de outros comproprietários (cfr. alínea C) dos factos assentes); que o prazo do acordo era de 6 anos mas passível de duas renovações, a primeira de 6 anos e segunda de 3 anos (cfr. alínea M dos factos assentes); e que assistiria aos Réus o direito de adquirir o imóvel findo o prazo do acordo (cfr. alíneas N) e MM) dos factos assentes).
Feito o julgamento da matéria de facto, mais ficou assente que, no contrato, o Autor e os outros dois outorgantes tinham-se identificado como representantes da família XX, proprietários do prédio em causa (cfr. resposta ao quesito 30º da base instrutória).
Contudo, os Réus não lograram provar os restantes factos por si alegados para sustentar a existência de erro relevante. Com efeito, o tribunal colectivo deu como não provados os factos relativos à indução dos Réus em erro quanto à suficiência de poderes de representação por parte dos Autor e demais outorgantes (cfr. respostas ao quesitos 35º, 85º e 89º da base instrutória), ao erro quanto ao efectivo prazo do acordo (cfr. respostas ao quesitos 84º e 89º da base instrutória) e à essencialidade desses erros na celebração do acordo (cfr. respostas ao quesitos 85º e 135º da base instrutória).
Ora, independentemente do acerto da qualificação feita pelos Réus, dos factos assentes nunca se pode concluir que houve erro por parte dos mesmos sobre a qualidade em que os Autor e outros dois outorgantes intervieram nem quanto ao prazo do acordo nem ainda sobre a faculdade de aquisição no termo do acordo.
Nem se diga que está assente que consta do acordo que o Autor e os outro dois outorgantes se identificaram como representante da família XX, proprietários do prédio em causa (cfr. alínea C) dos factos assentes) quando, na verdade, os mesmos outorgaram o acordo em nome próprio e na qualidade de representante de outros comproprietários e não na de todos os demais comproprietários (cfr. resposta ao quesito 30º da base instrutória). É que, estes dois factos não são suficientes para concluir que os Réus estavam em erro sobre a verdadeira qualidade em que os Autor e outros dois outorgantes intervieram. Aliás, foi por isso que eram necessários os factos constantes dos quesitos 35º, 85º e 89º da base instrutória os quais acabaram por não ficar provados.
O mesmo se diga em relação ao erro quanto ao prazo, não obstante estar provado que ficou estipulado um período de vigência de 6 (seis) anos, renovável por igual período e, em segunda renovação, pelo período de mais 3 (três) anos (cfr. alínea M dos factos assentes) mas que as partes quiseram um prazo de, pelo menos, 15 anos (cfr. resposta ao quesito 83º da base instrutória). Isto porque da mera discrepância entre o declarado no contrato e o querido não se pode tirar a conclusão de que os Réus estavam em erro. É necessário que estejam provados os factos constantes dos quesitos 84º e 89º da base instrutória, o que não aconteceu.
Não há, pois, qualquer erro relevante como alegam os Réus.
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Tendo em conta a matéria assente, o que verdadeiramente está em causa é a simulação do prazo do acordo, pois as partes queriam fixá-lo em 15 anos mas acabaram por fazer constar um prazo de 6 anos passível de duas renovações, uma de 6 anos e outra de 3 anos. Pois, o acordo com prazo de 6 anos com possibilidade de duas renovações não era o negócio que as partes queriam mas sim aquele que tem um prazo de 15 anos.
Nos termos do artigo 232º do CC, “1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo.”
Por outra banda, dispõe 233º, nº 1, do CC que “Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.”
Disso resulta que o contrato não pode valer com o prazo de 6 anos passíveis de duas renovações por se tratar de uma negócio nulo. Apesar de essa nulidade não ter sido invocada, por força do disposto no artigo 279º do CC, pode este tribunal conhecê-lo. Assim, é de declarar o acordo com o prazo de 6 anos com possibilidade de duas renovações nulo.
Quanto ao prazo de 15 anos, por ser a cláusula que as partes efectivamente quiseram apesar de estar encoberto por um prazo de 6 anos, a sua validade é apreciada à luz do respectivo regime.
Nos termos do artigo 972º, nº 1, do CC, “O contrato de locação, referente a bem indiviso, celebrado por prazo superior a 6 anos depende, para a sua validade, do acordo de todos os comproprietários ... “
Ora, foi já referido que o contrato tinha sido celebrado por comproprietários do imóvel com mais de metade das quotas (cfr. resposta ao quesito 128º da base instrutória). Assim, por não ter sido celebrado por todos os comproprietários, o contrato é inválido, mais especificamente, anulável – artigo 972º, nº 2, do CC.
Estipula o artigo 280º, nº 1, do CC que “Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano seguinte à cessação do vício que lhe serve de fundamento.”
Os próprios Réus chegaram a invocar tal vício na sua contestação. No entanto, ainda assim este tribunal não pode anular o contrato visto que é mais que evidente que a anulabilidade ora em análise é estabelecida no interesse dos comproprietários que não participaram no negócio e não do arrendatário. Não têm, pois, estes legitimidade para a invocar.
Nestes termos, para os efeitos da presente acção, o contrato de arrendamento vale com o prazo de 15 anos não sendo a sua validade posta em causa por qualquer erro incorrido por parte dos Réus aquando da sua celebração.
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Caducidade do direito de resolução
Para excepcionar a pretensão do Autor e do Interveniente I, alegam os Réus que o direito de resolução dos mesmos se encontrava há muito caducado por ter já decorrido um ano entre a data em que a falta de pagamento da renda ocorreu e a data da proprositura da presente acção.
Nos termos do artigo 1018º do CC, “A acção de resolução deve ser proposta dentro de 1 ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.”
Conforme os factos assentes, os Réus pagaram as rendas mensais de Abril a Julho de 2004 e Janeiro a Junho de 2006 e deixaram de pagar as rendas desde Julho de 2006 (cfr. alínea AA) dos factos assentes e respostas ao quesitos 47º, 78º 80º da base instrutória).
Se se limitasse a causa de pedir à falta de pagamento da renda de Julho de 2006 e se abstraísse da questão da data em que o Autor e os demais comproprietários tomaram conhecimento da falta de pagamento, a excepção de caducidade seria procedente. Pois, a renda daquele mês devia ser pago até o dia 5 de Julho de 2006 e a presente acção de despejo foi intentada em 31 de Julho de 2007.
Não se pode, no entanto, olvidar que o Autor e o Interveniente I baseiam o seu pedido de resolução na falta de pagamento das rendas a partir de Julho de 2006 (cfr. artigos 37º da petição inicial e 44º e 45º do articulado do Interveniente I). Conforme o estipulado entre as partes, a renda era mensal e deveria ser paga até ao dia 5 de cada mês (cfr. alíneas I) e J) dos factos assentes). Trata-se de uma obrigação reiterada, periódica ou com trato sucessivo que se renova, em prestações sucessivas – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, Almedina.Coimbra, pg 93 a 94. Assim, apesar de o direito de resolução fundado na falta de pagamento da renda de Julho de 2006 ter já caducado, ainda assim, podem o Autor e o Interveniente I pedir a resolução do contrato com base na falta de pagamento das rendas devidas a partir de Agosto de 2006.
Nestes termos e sem necessidade de se debruçar sobre a data em que o Autor e os demais comproprietários tiveram conhecimento da falta de pagamento da renda, não pode deixar de improceder a excepção da caducidade.
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Resolução do contrato (1)
Foi já referido que o Autor e o Interveniente I pedem a resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento da renda.
Nos termos do artigo 1034º, a), do CC, “O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios nem fizer depósito liberatório, sem prejuízo do disposto no artigo 1019º.”
Está provado que os Réus deixaram de as pagar a partir de Julho de 2006. Aliás, os próprios Réus assim o reconhecem.
Não obstante isso, os Réus entendem que não há resolução do contrato nos termos requeridos pelos Autor e Interveniente I porque o não pagamento se destinava e se destina a excepcionar o não cumprimento do contrato por parte do Autor. Com efeito, alegam que impendia sobre o Autor a obrigação de os auxiliar na obtenção das licenças administrativas das obras indispensáveis para a realização das obras de renovação, obrigação esta não cumprida porque o Autor não facultou as procurações exigidas pela respectiva autoridade administrativa apesar de ter sido interpelado para isso o que impediu a obtenção atempada das licenças.
Estipula o artigo 422º, nº 1, do CC que “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”
No que concerne à obtenção de licenças administrativas para a realização das obras de renovação, estão provados os seguintes factos: cabia aos Réus obter tais licenças tendo os Réus apresentado dois pedidos à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transporte e o Autor disponibilizou-se a desenvolver todas as formalidades necessárias para a realização das obras (cfr. alíneas PP) e ZZ) dos factos assentes e respostas aos quesitos 36º e 44º da base instrutória).
Contudo, não ficou provado que o Autor e os demais outorgantes do contrato tinham sido interpelados para facultar as procurações exigidas pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transporte mas que os mesmos se recusaram a facultar-lhas (cfr. respostas aos quesitos 40º a 42º da base instrutória).
É certo que está provado que aquando do pedido das licenças, os Réus tinham sido notificados para apresentar documentos comprovativos da titularidade do imóvel e respectiva procuração e chegaram a transmitir isso ao Autor (cfr. respostas aos quesitos 54º, 62º, 64º e 70º da base instrutória). Porém, também é verdade que entre Outubro e Dezembro de 2004, os Réus sempre deram conta ao Autor de que os atrasos se deviam a exigências de outra natureza feitas pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transporte (cfr. respostas aos quesitos 58 e 59º da base instrutória) quando em 21 de Outubro de 2004, esta autoridade já tinha exigido documentos comprovativos da titularidade do imóvel e respectiva procuração (cfr. resposta ao quesito 54º da base instrutória). Pelo que, avultam dúvidas acerca da imputação feita pelos Réus no sentido de a não obtenção das licenças ter sido devido à recusa de entrega das procurações por parte do Autor, pois não pediram a este para os facultar logo quando eram confrontados com o problema.
Por outra banda, das respostas aos quesitos 55º, 56º e 63º da base instrutória, vê-se que os atrasos não se deveram apenas à falta de tais documentos.
Ademais, o que ficou provado é a falta de procurações e documentos comprovativos da titularidade sem qualquer especificação concreta do tipo de comprovativos. Ora, cabe aos Réus alegar e provar que apenas o Autor e os outros comproprietários é que tinham esses comprovativos e procurações. Porém, isto não foi feito como se pode ver dos articulados apresentados pelos Réus.
Pelo que, pela conjugação desses factos, não se pode concluir que o Autor e os outros outorgantes deixaram de cumprir a sua obrigação de prestar auxílio na obtenção das licenças.
Mesmo que assim não se entenda, as respostas aos quesitos 129º a 131º da base instrutória são claras. A não obtenção atempada das licenças deveu-se a falhas cometidas pelos próprios Réus no decurso do processo de licenciamento.
Assim, não assistem aos Réus qualquer direito de excepcionar o incumprimento da obrigação de pagamento da renda sendo, portanto, legítimo aos Autor e Interveniente I pedir a resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento das rendas.
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Também para fundamentar o pedido de resolução, o Autor imputa aos Réus o incumprimento da obrigação de conclusão das obras. Para o efeito alega que os Réus iniciaram as obras mas não as acabaram dentro do prazo fixado e suspenderam-nas definitivamente em Janeiro de 2006 deixando o edifício “XX Hotel” em estado de degradação.
Qualificando a situação, entendem que, desta vez, o pedido de resolução tem por base o disposto no artigo 1034º, d), 2ª parte e i), do CC
Dispõe esta norma que “O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário: d) Fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar quaisquer acto que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos do artigo 987º ou do nº 1 do artigo 1041º; i) Tratando-se de arrendamento para o exercício de empresa comercial ou profissão liberal, conservar o prédio encerrado por mais de 1 anos, consecutivamente, salvo caso de força maior ou ausência forçada do arrendatário, que não se prolongue por mais de 2 anos, ou em caso de assentimento do senhorio, prestado aquando ou após o contrato.”
Não se julga que a situação dos autos se enquadra na 2ª parte do artigo 1034º, d), do CC visto que esta norma apenas visa actos não consentidos. Ora, resulta dos factos provados que o Autor e os outros dois outorgantes reconheceram a necessidade de realização de obras em todo o edifício e autorizaram-nas incluindo a construção de mais dois pisos (cfr. alíneas P), Q), OO) e QQ) dos factos assentes e respostas aos quesitos 4º, 6ºA, 31º e 32º da base instrutória). Ademais, o Autor acompanhou sempre as obras, pois era constantemente informado do progresso das mesmas (cfr. respostas aos quesitos 45º, 46º, 48º, 49º, 50º, 53º, 58º e 59º da base instrutória) tendo até pedido aos Réus para darem início às mesmas (cfr. resposta ao quesito 57º da base instrutória). Além disso, está também provado que as obras tinham em vistas a finalidade do uso estipulado pelas partes (cfr. resposta ao quesito 101º da base instrutória).
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Bem vistas as coisas, o que, na verdade, está em causa é a não conclusão das obras dentro do prazo previsto e a suspensão das mesmas em Janeiro de 2006 deixando-as inacabadas.
Conforme os factos assentes, é obrigação dos Réus realizar as obras sub judice e obter as respectivas licenças e estava previsto que, para o cumprimento de cada uma destas obrigações, os Réus necessitariam de 4 meses (cfr. alíneas H), Q), PP), S), T) dos factos assentes e respostas aos quesitos 6ºAe 10º da base instrutória). Também ficou provado que os Réus tinham pedido as licenças respectivas licenças de administrativas (cfr. alínea ZZ) dos factos assentes e resposta ao quesito 44º da base instrutória) e começado as obras mas não lograram concluí-las (cfr. alínea V) dos factos assentes) tendo-as até suspendido em Janeiro de 2006 não mais voltando a retomá-las (cfr. alíneas X) e Z) dos factos assentes).
Flui inequivocamente desses factos que os Réus incumpriram o dever de conclusão das obras para o fim a que se destina o arrendamento. Com efeito, ambas as partes previam que as mesmas durariam 4 meses tendo até o Autor e os demais outorgantes isentado os Réus do pagamento das rendas mensais durante este período. No entanto, contra o que se esperava, as obras iniciadas nunca chegaram a concluir tendo até os Réus suspendido as mesmas em Janeiro de 2006 o que impediria a sua conclusão ainda que fora do prazo previsto.
Para se eximir de qualquer responsabilidade pela não conclusão das obras e justificar a suspensão das mesmas, alegam os Réus que tal se deveu à não obtenção atempada das licenças administrativas porque o Autor e os demais outorgantes não facultaram as procurações exigidas pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transporte.
Foi já apreciado mais acima o mérito desse argumento sendo de dispensar repeti-lo. Aliás, mesmo que tivesse havido falta de cooperação por parte do Autor e demais outorgante, esta falta não legitima a suspensão total das obras desde Janeiro de 2006 até a presente data. É que, a licença administrativa em falta foi concedida em 19 de Abril de 2005 com condições que não tinham nada a ver com a alegada falta de procurações (cfr. documentos juntos a fls 825 e 764). Nada, portanto, obstava a prossecução das obras a partir de 19 de Abril de 2005.
Mais argumentam os Réus que as reinvindicações feitas por um tal N com base na alegada qualidade de comproprietário do seu pai e as ameaças de denúncia criminal contra os ocupantes do imóvel e de uma acção judicial para embargar as obras feitas pelo mesmo levaram a que os Réus decidissem pelo não prosseguimento das obras.
Ficou, de facto, provado que esse N tinha invocado tal qualidade e a falta de legitimidade dos Autor e os restantes outorgantes para celebrar o contrato de arrendamento bem com ameaçado apresentar queixa criminal tendo os Réus informado o Autor da situação (cfr. respostas aos quesitos 65º, 66º, 68º, 69º, 70º e 73º da base instrutória). Também está assente que o tal N intentou uma acção de apresentação de contas onde manifestou a pretensão de embargar as obras iniciadas pelos Réus (cfr. resposta ao quesito76º da base instrutória).
Contudo, não lograram os Réus provar que o Autor se recusava a resolver eventuais conflitos com o tal N (cfr. respostas aos quesitos 71º, 72º, 74º, 75º, 81º e 82º da base instrutória) e que chegaram a ser mesmo ameaçado pelo mesmo de que iria embargar as obras (cfr. resposta ao quesito 86º da base instrutória). Ademais, a justificação apresentada pelos Réus de foi por esse incidente de N que as obras não puderam ser concluídas no prazo de 4 meses não foi acolhida pelo tribunal colectivo depois da produção da respectiva prova (cfr. resposta ao quesito 77º da base instrutória).
Pela conjugação dos factos assentes, pode-se apenas concluir que o incidente de N, de facto, causou algum distúrbio aos Réus mas não permite justificar os atrasos verificados muito menos a suspensão total das obras.
Em primeiro lugar, da resposta ao quesito 65º da base instrutória, vê-se que os próprios Réus chegaram a questionar o próprio N da veracidade do alegado pelo mesmo pedindo-lhe prova disso. Pelo que, os Réus não seguiram cegamente a versão apresentada pelo N.
Em segundo lugar, o tribunal colectivo não ficou convencido de que o problema da não conclusão atempada das obras tinha a ver com tal incidente, como foi já referido.
Finalmente, conforme a análise feita acima sobre a validade do contrato de arrendamento, apenas os comproprietários que não participaram na celebração do mesmo é que têm legitimidade para arguir a invalidade dos mesmo. Porém, por se tratar de uma mera anulabilidade, esses comproprietários têm que o fazer no prazo de 1 ano a contar da data da celebração do contrato – cfr. artigo 280º, nº 1, do CC. Assim, quando os Réus estavam a confrontar com as questões levantadas pelo tal N, o prazo tinha já caducado. Pelo que, jamais este podia questionar a validade do contrato. Cai, assim, por terra o argumento da incerteza gerada pelas reinvindicações e ameaças feitas pelo N.
Mesmo que se entenda que o prazo deva ser contado a partir da data de conhecimento do vício pelo respectivo comproprietário, o tal N podia apenas invocar o vício, o mais tardar, antes de 23 de Fevereiro de 2006, pois, em 23 de Fevereiro de 2005, o tal N já revelou conhecer o vício (cfr. resposta ao quesito 65º da base instrutória).
Pelo que, em 23 de Fevereiro de 2006, os Réus munidos das licenças administrativas necessárias, não tinham qualquer razão para não prosseguir com as obras. Ao manter as obras totalmente suspensas mesmo depois dessa data não pode deixar de ser uma violação de uma obrigação contratual a que estavam adstritos.
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Apesar de estar assente que houve incumprimento da obrigação de conclusão das obras, por o mesmo não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no artigo 1034º do CC que legitimam a resolução do contrato, urge analisar se a situação se subsume na alínea i) do mesmo preceito como defende o Autor.
Resulta da matéria provada que os Réus procederam à demolição de todo o interior do Hotel; esvaziaram todo o seu recheio (mobiliário, equipamentos, utensílios, etc.), em todos os pisos do Hotel, demoliram todas as portas e demais madeiras e demoliram todas as paredes interiores, que individualizavam os quartos e casas de banho, restaurantes e cozinhas; apenas reconstruíram parcialmente as casas de banho (Wc), do 5.º ao 8.º andares, em número de 13 (treze) por cada piso; encontrando-se simplesmente com as paredes rebocadas (desengrosso) sem acabamento, e canalizações de águas e esgotos; do rés-do-chão ao quarto andares mantém-se demolidas todas as paredes interiores; do que era o interior do Hotel, restaram somente as lajes, a caixa de escada, as respectivas escadas e a caixa de elevadores com estes; nas paredes exteriores do edifício foram removidas todas as janelas e vidros; por não terem sido concluídos as obras acordadas, o imóvel encontra-se em degradação; há mais de ano e meio por referência à data de apresentação da petição inicial, sujeito à livre e perniciosa acção dos elementos, sem um único vidro em toda a fachada exterior do edifício; e antes o Autor tinha um hotel que permitia ser explorado depois de realizadas obras de renovação e agora tem um edifício que não permite ser utilizado sem a conclusão das obras acordadas (cfr. alíneas DD), EE), FF), HH), II) e JJ) dos factos assentes e respostas aos quesitos 11ºA, 12º, 14º, 15º e 20º da base instrutória).
Julga-se que não é preciso muito esforço para poder concluir que o imóvel está num estado em que não pode ser utilizado para o fim constante do contrato de arrendamento. Está assente que os Réus receberam o imóvel em Janeiro de 2004 (cfr. resposta ao quesito 65º da base instrutória) e decorre da matéria provada que os Réus nunca chegaram a explorar qualquer hotel, karaoke, restaurante ou outra actividade comercial no imóvel. A isso acresce que, no estado actual do imóvel, jamais conseguirão. Com base nisso, pode-se dizer que os Réus mantiveram o prédio inutilizado por mais de 1 ano. Aliás, do facto de os mesmos terem suspendido as obras em Janeiro de 2006 e de não mais as terem retomado, resulta inequivocamente que os mesmos mantiveram o prédio encerrado há mais de 1 ano.
Nestes termos, é também de julgar procedente o pedido de resolução formulado pelos Autor e Interveniente I com fundamento no artigo 1034º, i), do CC,
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Despejo dos Réus do imóvel
Deferida a resolução do contrato que legitima a ocupação e detenção do prédio arrendado por parte dos Réus, cessa o fundamento para estes poderem continuar a mantê-lo na sua disponibilidade.
Ademais, dispõe o artigo 983º, j), do CC, que é obrigação do locatário “Restituir a coisa locada findo o contrato, nos termos do nº 1 do artigo 1025º”
Nestes termos, deve proceder o pedido de restituição do imóvel.
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Pagamento das rendas vencidas e vincendas
Pedem os Autor e Interveniente I que os Réus sejam condenados a pagar as rendas vencidas e as que vencerem na pendência da presente acção.
Como foi já referido, resulta provado que os Réus deixaram de pagar as rendas desde Julho de 2006.
Segundo o artigo 996º, nº 3, do CC, as rendas que se vão vencendo depois do não pagamento das rendas anteriores continuam devidas. E uma vez que o dever de pagar as rendas só extingue com a cessação do contrato de arrendamento a qual terá lugar com o trânsito da presente sentença que decreta a resolução do contrato, as rendas vincendas são devidas até este momento.
Pelo que, os Réus devem pagar as rendas vencidas a partir de Julho de 2006 e as que vencerão até ao trânsito em julgado da presente sentença.
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Pagamento dos juros das rendas vencidas e vincendas
Mais pedem os Autor e o Interveniente I que os Réus sejam condenados a pagar juros de mora pelas quantias referidas na parte anterior.
Nos termos do artigo 795º, nº 1, do CPC, “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”
Por outra banda, dispõe o artigo 996º, nº 1, do CC o seguinte: “Constituindo-se o locatário em more, tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento; se o atraso exceder 30 dias, a indemnização referida é aumentada para o dobro.” (sublinhado nosso).
Conforme o acima expendido, um dos fundamentos de resolução invocados pelos Autor e Interveniente I é a falta de pagamento das rendas. Assim, coloca-se a questão de saber se a norma do artigo 996º, nº 1, do CC afasta qualquer direito a indemnização pela falta de pagamento da renda.
Bem analisada a questão, julga-se que se deve entender que a norma do artigo 996º, nº 1, do CC apenas se destina a fixar um regime de indemnização especial para os casos de falta de pagamento sem resolução do contrato e a afastar, neste caso, a aplicação do regime geral previsto na norma do artigo 795º, nº 1, do CC. Para os demais casos em que é pedida a resolução do contrato, assiste ao locador o direito de receber as rendas em falta e a indemnização geral. Com efeito, não se vislumbra qualquer fundamento plausível para afastar o direito a uma indemnização pela falta de pagamento da renda.
Além disso, por as rendas serem mensais e deverem ser pagas até o dia 5 do respectivo mês, os juros devem ser calculados separadamente em relação a cada uma das rendas, vencidas e vincendas até ao trânsito da presente sentença, juros esses contados a partir do dia 6 do mês a que a renda diz respeito. Ou seja, para a renda do mês de Julho de 2006 no valor de HK$160.000,00, os juros à taxa legal (artigo 795º, nº 2, do CC) incidem sobre esta quantia e contam-se a partir do dia 6 de Julho de 2006 até efectivo pagamento, e assim sucessivamente para cada uma das rendas seguintes.
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Indemnização por danos não patrimoniais
Os Autor e Interveniente I pedem também a condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais tidos em virtude dos sofrimentos que os Réus infligiram neles. Com efeito, alegam que as obras iniciadas e não acabadas tornaram o “XX Hotel” parcialmente destruído e totalmente desmembrado e inutilizável. Este facto aliado ao de o imóvel ter sido um hotel de referência em Macau com que se identifica a família do Autor, causou grande desgosto aos Autor e Interveniente I.
Feito o julgamento da matéria de facto, ficou provado que as obras levadas a cabo pelos Réus deixaram o “XX Hotel” num estado lastimável, inutilizável e sem resguardo contra qualquer condição atmosférica adversa (cfr. alíneas DD), EE), FF), HH), II) e JJ) dos factos assentes e respostas aos quesitos 11ºA, 12º, 14º, 15º e 20º da base instrutória). No que se refere aos factos respeitantes aos danos sofridos pelos Autor e Interveniente I, apenas foi dado como provado que o “XX Hotel” foi por largas décadas o “Landmark” de Macau e uma referência na hotelaria do Território (cfr. resposta ao quesito 22º da base instrutória). Nada mais ficou provado o que exclui qualquer possibilidade de nexo de causalidade pois, sem danos, nunca pode haver nexos entre estes e o facto ilícito.
Nestes termos, sem necessidade de se debruçar sobre a questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no âmbito das relações contratuais, é de julgar improcedente o respectivo pedido.
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Indemnização por danos patrimoniais ou reposição do locado no estado anterior
Com base nos factos por si alegados, entendem os Autor e Interveniente I que sofreram danos patrimoniais passíveis de ser ressarcidos. Sustentam que as obras iniciadas e não acabadas são causa de desses danos, pois diminuíram o valor do prédio e impediram o aumento do valor que o Autor teve em vista ao celebrar o contrato. Segundo os Autor e Interveniente I os danos são os prejuízos causados pela demolição do interior do locado e pela falta de reconstrução do mesmo e os lucros cessantes.
Flui da análise acima feita que os Réus violaram a obrigação de conclusão das obras destinadas a tornar o imóvel apto para a fim estipulado no contrato. Por força do disposto no artigo 788º, nº 1, do CC, presume-se culposa tal incumprimento.
Nos termos do artigo 787º do CC, “O devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”
Dos factos assentes vê-se que o “XX Hotel” era composto pelo rés-do-chão, sobreloja (ou 1º andar) e oito andares, nos quais estava instalado um coffee shop, dois restaurantes e um night club e 90 quartos de hóspedes (cfr. alíneas E), F) e G) dos factos assentes). Todo o edifício estava revestido de caixilharia envidraçada e resguardado (cfr. resposta ao quesito 20º da base instrutória). No entanto, era um imóvel com falta de conservação das instalações de fornecimento de água e de electricidade, de segurança contra o incêndio bem como das fachadas e paredes exteriores, com os elevadores inseguros para serem utilizados, com janelas susceptíveis de caírem e com a actividade suspensa por muitos anos (cfr. respostas aos quesitos 13º, 31º, 48º, 49º e 50º da base instrutória). Era um hotel que permitia ser explorado depois de realizadas obras de renovação (cfr. resposta ao quesito 20º da base instrutória).
Os Réus demoliram todas as portas, demais madeiras, todas as paredes interiores que individualizavam os quartos e casa de banho, restaurante e cozinhas e todas as janelas e vidros das paredes exteriores e retiraram todo o recheio sem dar contra do destino do mesmo ao Autor (cfr. alíneas DD), EE), FF), e JJ) dos factos assentes e respostas aos quesitos 11º e 12º da base instrutória). Apenas reconstruíram parcialmente as casas de banho do 5º a 8º andares, em número de 13 por cada piso e rebocaram as paredes sem acabamento (cfr. alíneas HH) e II) dos factos assente).
Actualmente, todas as paredes interiores mantém-se demolidas, as outras paredes rebocadas sem acabamento mas com canalizações de água e esgotos, o rés-do-chão e sobreloja amontoados de entulhos, no interior do imóvel, restam apenas lajes, a caixa de escada, as respectivas escadas e a caixa de elevadores com estes (cfr. alíneas II), JJ) e LL) dos factos assentes e resposta ao quesito 11º A da base instrutória). O prédio está em degradação e sujeito à livre e perniciosa acção dos elementos sem um único vidro em toda a fachada exterior do edifício e não pode ser utilizados sem a conclusão das obras acordadas (cfr. respostas aos quesitos 14º, 15º e 20º da base instrutória).
Conforme as respostas aos quesitos, as obras em questão são a causa da degradação do prédio e tem gerado aos proprietários prejuízos patrimoniais, pois diminuíram o valor do edifício e criaram dificuldades na rentabilização do imóvel (cfr. respostas aos quesitos 14º, 16º, 17º e 19º da base instrutória).
Desses factos retira-se facilmente a conclusão de que o incumprimento da obrigação de conclusão das obras previstas no contrato é a causa adequada dos prejuízos que os proprietários do imóvel sofreram e estão a sofrer, pois foram as obras iniciadas mas não acabadas que deixaram o imóvel naquele estado manifestamente pior do que a que se encontrava à data do arrendamento. Impende, deste modo, sobre aos Réus a obrigação de indemnizar.
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Dispõe o artigo 556º do CC que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstruir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Pedem os Autor e o Interveniente I que os Réus sejam condenados a indemnizá-los dos prejuízos causados pela demolição do interior do locado e pela falta de reconstrução do mesmo em valor a liquidar em execução de sentença ou subsidiariamente a reposição do imóvel no estado em que o receberam.
No que ao primeiro pedido se refere, julga-se que se está perante uma dificuldade de interpretação do mesmo. É que ao remeter para a execução da sentença sem concretizar os valores envolvidos e a forma como estes valores podem ser calculados, não se percebe o alcance do pedido que tanto pode consubstanciar numa indemnização pelo interesse contratual negativo, que consiste na colocação dos Autor e Interveniente I na situação em que estariam se não tivesse sido celebrado o contrato, como positivo que corresponde à situação em que os mesmos estariam se o contrato tivesse sido escrupulosamente cumprido. Pois, a única referência é a causa dos prejuízos: a demolição do locado e a falta de reconstrução do mesmo e não as efectivas consequências.
Além dessa dificuldade, verifica-se que o pedido, seja na vertente do interesse contratual negativo seja na do interesse contratual negativo, não pode proceder.
Senão, vejamos.
Se o que se pretendia é a tutela do interesse contratual negativo, então, os Autor e Interveniente I tinham que alegar e provar factos relativos à situação em que estariam se o contrato nunca tivesse sido celebrado. Tinham que indicar o estado actual dos proprietários e/ou do imóvel se não tivessem celebrado o contrato, por exemplo, porque teriam celebrado semelhante contrato com um terceiro que teria cumprido integralmente o contrato, ou porque teriam pura e simplesmente vendido o imóvel a terceiro recebendo determinado preço o qual, por sua vez, teria gerado certo rendimento anual, etc, etc.
Analisados os factos alegados pelos demandantes, verifica-se que nenhuma dessas hipóteses foi colocada para poder ser provada nesta instância o que afasta a possibilidade de fixar o valor devido da almejada indemnização. É que, o valor da indemnização corresponde à diferença entre o estado actual do imóvel e/ou dos Autor e Interveniente I e o estado hipotético da não celebração do contrato.
Para o interesse contratual positivo que corresponde à situação em que os demandantes estariam se o contrato tivesse sido escrupulosamente cumprido, já era preciso alegar e provar qual é a situação actual e qual seria a situação se os Réus tivessem honrado os seus compromissos. No que a isso diz respeito, mais acima foi já dado conta da situação actual do imóvel. Por outro lado, está assente que é obrigação dos Réus concluir obras de restauração interna e de modificação podendo os mesmos construir mais dois pisos no “XX Hotel”, de valor não inferior a HK$20.000.000,00 o que permitiria aos Réus explorar nele um hotel, karaoke e restaurantes e demais actividades comerciais (cfr. alíneas NN), OO) e RR) dos factos assentes e resposta ao quesito 11º A da base instrutória).
Por força dessa obrigação, é legítimo aos Autor e Interveniente ter expectativas de ver o imóvel restaurado e renovado com obras de valor não inferior à quantia acima referida e receber um imóvel assim, com desgaste natural, como é óbvio, no termo do contrato, ou seja, 15 anos depois do início do arrendamento. Ora, tendo em conta que ficou assente que os Réus já incorreram em despesas com a realização dessas obras tendo nomeadamente despendido MOP$660.000,00 com o sistema de ar condicionado (cfr. respostas aos quesitos 90º e 110º da base instrutória), pode-se defender que estes devem ser condenados a concluir as obras previstas ou a pagar a diferença entre o valor de HK$20.000.000,00 e o valor das despesas já incorridas, pelo menos, as provadas MOP$660.000,00.
Contudo, os cálculos nunca podem ser feitos dessa forma simplista visto que se o contrato tivesse sido cumprido, os Autor e Interveniente I só teriam direito de reaver o imóvel naquele estado daqui a quase 8 anos. Deveriam ser feitos os necessários descontos pela antecipação da entrega do imóvel renovado. Por outra banda, não se pode olvidar que assistem aos Réus o direito de preferência na compra do imóvel e de renovação do arrendamento no fim do contrato (cfr. alíneas N), O) e MM) dos factos assentes e resposta ao quesito 11º A da base instrutória). Ora, esse factores devem também ser tidos em conta na determinação do valor efectivo do imóvel no fim do contrato para daí calcular a diferença.
Como se pode facilmente constatar dos factos assentes, nenhum facto diz respeito a isso porque nem sequer foram alegados o que obsta a condenação dos Réus a indemnizar eventual interesse contratual positivo dos Autor e Interveniente I o que também consiste no valor diferencial entre o estado actual e o estado hipotético.
Nem se diga que tal obstáculo não se verifica no presente caso porque os mesmos pediram que a liquidação do valor da indemnização seja feita aquando da execução da sentença.
É verdade que o artigo 564º, nº 2, do CPC dispõe que , “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.” Contudo, não se pode olvidar que nada indica que a falta de acesso no locado obstou a que os Autor e Interveniente I aleguem factos relativos às situações hipotéticas em que estariam. Se estes tivessem sido alegados e viessem a ser provados, então, nesse caso poder-se-ia condenar os Réus em valor a liquidar em execução de sentença visto que apenas o desconhecimento e a consequente alegação da exacta situação actual do imóvel, ou melhor, os exactos termos da degradação não podem ser imputados aos Autor e Interveniente I.
Ora, tendo em conta que cabe aos demandantes alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (cfr. artigo 5º, nº 1, do CPC e artgio 335º, nº 1, do CC), a condenação nos termos do artigo 564º, nº 2, do CPC só ocorre quando não existem objectivamente elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação ou os mesmos não são conhecidos pelos demandantes por facto a eles não imputável e não nos casos em que a falta de elementos se verifica por falha de alegação ou prova dos respectivos factos quando nada obsta a essa alegação e prova.
Pelo que, é de julgar improcedente o pedido de condenação em indemnização por danos patrimoniais a liquidar em sentença.
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Resta agora analisar o pedido subsidiário.
Pedem os Autor e Interveniente I que os Réus sejam condenados a reporem o locado no estado em que o receberam.
Das respostas aos quesitos 13º, 31º, 48º, 49º e 50 da base instrutória, vê-se que o imóvel padecia de vários problemas, nomeadamente no sistema de fornecimento de água e de electricidade e de segurança contra o incêndio e nos elevadores e tinha a actividade suspensa por muitos anos. Assim, não se deve fazer recair sobre os Réus qualquer obrigação relacionada com estas instalações.
Apesar de estar provado que os Réus terem retirado todo o recheio do imóvel, o certo é que foram o Autor que os autorizou a assim proceder (cfr. respostas aos quesitos 11º e 39º da base instrutória). Ademais, nem está indicado o tipo de recheio retirado o que impede qualquer condenação na recolocação do mesmo no imóvel. Pelo que, os Réus também não são responsáveis pelo recheio.
Está ainda assente que o imóvel tinha um coffee shop, dois restaurantes e um night club (cfr. alínea F) dos factos assentes). Porém, nada consta dos factos assentes acerca da sua situação à data da entrega do imóvel aos Réus. O único facto que pode servir de referência é o de o imóvel ter a actividade suspensa por muitos anos (cfr. resposta ao quesito 31º da base instrutória). Pelo que, também não se vislumbra como condenar os Réus, pois faltam os termos da reposição.
Resulta provado que havia no total 90 quartos de hóspedes nos 3º a 8º andar, 15 quartos por cada piso, e todo o edifício estava revestido de caixilharia envidraçada (cfr. alínea G) dos factos assentes e resposta ao quesito 20º da base instrutória). No entanto, os Réus demoliram todas as paredes que individualizavam os quartos e casa de banho, restaurante e cozinhas e as janelas e vidros das paredes exteriores deixando o imóvel sem um único vidro em toda a sua fachada exterior (cfr. alíneac FF) dos factos assentes e respostas aos quesitos 12º e 15º da base instrutória). Apenas reconstruíram parcialmente as casas de banho do 5º a 8º andares e rebocaram as paredes sem acabamento (cfr. alíneas HH) e II) dos factos assentes).
Ora, por esses factos já se pode condenar os Réus a reconstruir as paredes interiores que individualizavam os 90 quartos e casas de banho, restaurante e cozinhas. Além disso, é também de condenar os Réus a concluir a reconstrução das casas de banho do 5º a 8º andar apesar de não lhes caber a reconstrução da parte relacionada com o sistema de fornecimento de água e de electricidade e de segurança contra o incêndio. Outrossim, incumbem aos Réus concluir os acabamentos das paredes já rebocadas. Finalmente, devem os Réus recolocar os vidros nas caixilharias das janelas.
Uma vez que os Autor e Interveniente I pediram que a reposição seja feita num prazo não superior a 4 meses, é de fixar em 4 meses o prazo para a conclusão dessas obras. Além disso, por ter entendido mais acima que os Réus devem restituir o imóvel aos Autor e Interveniente I, estes deverão facultar o acesso dos Réus ao imóvel para a realização dessas obras.
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Modificação do contrato
Pedem os Réus a modificação do contrato de arrendamento com base no erro por si incorrido quanto à qualidade em que o Autor e os dois outros outorgantes intervieram na celebração do contrato e na quanto ao prazo do arrendamento.
Na parte em que se debruçou sobre o erro foi já concluído que os Réus não estavam em erro sobre os supramencionados aspectos. Assim, nada resta senão julgar improcedente o pedido reconvencional de modificação do contrato
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Resolução do contrato (2)
Com base na falta de cumprimento do dever de prestar auxílio na obtenção das licenças administrativas e de resolução de conflitos existentes entre os comproprietários por parte do Autor e demais outorgantes, pedem os Réus que o contrato de arrendamento seja declarado resolvido e as cauções prestadas no início do contrato restituídas.
Uma vez que na exposição e análise acima feitas se concluiu que não houve incumprimento da obrigação de prestar auxílio na obtenção das licenças e que o alegados conflitos não justificavam os atrasos verificados nas obras muito menos a suspensão total das mesmas, os Réus não têm qualquer fundamento para pedir a resolução do contrato.
Assim, é de julgar improcedente os pedidos acima referidos.
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Indemnização por má fé contratual
Alegando que o Autor e os outros dois outorgantes fizeram os Réus crer que representavam todos os comproprietários e lhes prometeram que o prazo do acordo seria de 15 anos findo o qual o Autor e os demais outorgantes lhes venderiam o imóvel, os Réus pedem que o Autor e os demais Intervenientes sejam condenados a pagar-lhes uma indemnização correspondente às despesas que incorreram por força do contrato de arrendamento.
Socorrendo novamente à exposição feita na parte respeitante ao erro sobre a base do negócio, conclui-se facilmente que não está provado que os Autor e demais outorgantes fizeram os Réus crer que representavam todos os comproprietários.
No que se refere à promessa acerca do prazo, por o tribunal colectivo não ter considerado provado o respectivo facto (cfr. resposta ao quesito 89º da base instrutória), também não se pode dizer que o Autor e os demais outorgantes induziram os Réus em erro quanto ao prazo.
Nestes termos, também improcede o pedido de indemnização por má fé contratual.
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Indemnização pelas benfeitorias
Por entender que parte das despesas por si despendidas com as obras consubstanciar benfeitorias necessárias e úteis, pedem os Réus que sejam indemnizados dos respectivos valores.
Para o efeito, invocam as normas dos artigos 989º, nº 1, e 1198º, nº 1, do CC.
Dispõe o artigo 989º, nº 1, do CC que “As obras de conservação ordinária estão a cargo do locador, sem prejuízo do disposto nos artigos 987º e 1025º.”
O artigo 1198º, nº 1, do CC, por sua vez, estipula que “Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.”
Ora, da análise acima feita pode-se concluir facilmente que não se pode aqui aplicar a norma do artigo 989º, nº 1, do CC visto que as partes acordaram expressamente que incumbem aos Réus proceder, por sua conta, às obras (cfr. alínea Q) dos factos assentes).
No que se refere à aplicação da norma do artigo 1198º, nº 1, do CC, deve-se ter em conta que as despesas feitas com as obras tinham por base um contrato em que uma das prestações a que os Réus estavam adstritos era precisamente a realização dessas obras. Na estrutura da relação constituída entre as partes, o signalagma estabelece-se entre a obrigação de pagar a renda mensal e de realizar as obras por sua conta, por um lado, e, por outro, o direito de gozar o imóvel e de renová-lo para melhor servir o fim a que os Réus tencionaram dar ao imóvel. Perspectivando as coisas sob o ângulo dos Autor e demais outorgantes, ao dever de ceder o gozo do imóvel aos Réus e permitir a realização de obras no locado corresponde o direito de receber a renda mensal e de exigir a conclusão das obras.
Não há dúvidas que foram os Réus que deram aso à ruptura da relação contratual. Pois, os Réus deixaram de pagar as rendas mensais e não cumpriram a obrigação de concluir as obras. Ora, isso afasta-lhes qualquer hipótese de ser ressarcido de danos eventualmente incorridos por causa desta ruptura. Por só o devedor que falta culposamente ao cumprimento é que é responsável pelo prejuízo que causar ao credor – artigo 787º do CC.
Nem se diga que por os Réus nunca terem gozado o prédio com a extensão prevista no contrato, isto é, explorar no imóvel um hotel e outras actividades durante 15 anos, é justo que lhes seja permitido reaver as despesas incorridas. É que, esse não gozo foi causado pelos próprios Réus como foi já referido. Os prejuízos foram infligidos pelos próprios Réus.
Ademais, do sinalagma acima referido não consta qualquer direito dos Réus de reaver as despesas feitas com a realização das obras.
Mesmo que assim não se entenda, para o efeito pretendido pelos Réus, cabe aos mesmos alegar e provar que foram efectivamente realizadas tais obras no imóvel e não conseguiram levantar as respectivas benfeitorias. Das várias verbas indicadas pelos Réus, apenas ficou provado os Réus procederam ao pagamento de MOP$660.000,00 pela instalação do sistema de ar condicionado (cfr. resposta ao quesito 110º da base instrutória). Não consta dos factos assentes qualquer indicação acerca da realização das respectivas obras no imóvel. Uma coisa é o pagamento e outra, bem diferente, é a efectiva concretização do benefício decorrente das obras. Por outra banda, também nada indica que as obras não podem ser levantadas.
Nestes termos, não assiste aos Réus qualquer direito de reaver as despesas feitas.
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Litigância de má-fé
Pedem os Réus a condenação do Autor como litigantes de má fé por alegadamente ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignora, omitido factos relevantes para a decisão da causa e feito uso manifestamente reprovável do processo.
Feito o julgamento, grande parte dos factos que serviam de base para sustentar tal pedido não foi dada como provada. Pela análise dos restantes que ficaram provados, também não se julga que permitem concluir que o Autor incorreu nos erros a ele imputados.
Nestes termos, é de julgar improcedente o pedido de condenação de má fé.
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IV – Decisão (裁 決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção e, em consequência, decide:
1. Declarar resolvido o contrato de arredamento celebrado pelo Autor, A e Intervenientes, D e E, em nome próprio e na qualidade de outros proprietários e os Réus, B, Limitada e C que tem por objecto o prédio urbano denominado «XX Hotel», sito em Macau, na Av. De Almeida Ribeiro, n.º XXX, inscrito na matriz sob o artigo 000962 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1513, a fls. 258v do Livro B8;
2. Condenar os Réus a restituir o locado aos Autor e Interveniente I;
3. Condenar os Réus a pagar aos Autor e Interveniente I as rendas mensais de HK$160.000,00, vencidas desde Julho de 2006 e as que vencerão até ao trânsito em julgado da presente sentença;
4. Condenar os Réus a pagar aos Autor e Interveniente I juros legais calculados separadamente sobre cada uma das rendas mensais, vencidas desde Julho de 2006 e as que vencerão até ao trânsito em julgado da presente sentença, e contados a partir do dia 6 do mês a que a renda diz respeito;
5. Condenar os Réus a proceder às seguintes obras no locado no prazo de quatro meses:
a. Reconstruir as paredes interiores que paredes que individualizavam os 90 quartos e casas de banho, restaurante e cozinhas;
b. Concluir a reconstrução das casas de banho do 5º a 8º andar à excepção da parte relacionada com o sistema de fornecimento de água e de electricidade e de segurança contra o incêndio;
c. Concluir os acabamentos das paredes já rebocadas; e
d. Recolocar os vidros nas caixilharias das janelas, devendo os Autor e Interveniente I facultar o acesso dos Réus ao locado.
6. Absolver os Autor e Intervenientes D, E, F, B, H, I, J, K, L e M dos pedidos reconvencionais formulados pelos Réus.
Custas pelos Autor, Interveniente I e Réus nas proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e Notifique.
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據上論結,本法庭裁定訴訟理由部分成立及反訴理由不成立,裁決如下:
1. 宣告解除原告A、參與人D及E以個人及部份共有人之名義與被告B有限公司及C就標示於物業登記局1513號B8簿冊第258背頁,房地產紀錄962號,座落於亞美打利庇盧大馬路 (新馬路) XXX號 «澳門XX大酒店» 所訂立之租賃合同;
2. 判被告將該不動產返還原告及參與人I;
3. 判處被告向原告及參與人I支付自2006年7月至本判決轉為確定日期間、每月金額為港幣160,000.00元之已到期及將到期之租金;
4. 判處被告向原告及參與人I支付自2006年7月至本判決轉為確定日期間按每月租金獨立計算之法定利息,計算日以有關租金所指之月份的第6日起計;
5. 判被告於四個月期限內在該不動產進行下列工程:
a. 重建90個獨立房間、浴室、餐廳及廚房的間隔牆;
b. 除建築物的水電及消防設施外,重建五至八樓的所有浴室;
c. 完成所有已批盪的牆壁;
d. 替窗戶重新安裝玻璃,為此原告及參與人I應容許被告進入該不動產;
6. 駁回被告提出之反訴請求,開釋原告及參與人D、E、F、G、H、I、J、K、L及M。
訴訟費用由原告、參與人I及被告按勝負比例承擔。
依法作出通知及登錄本判決。
Não se conformando com o decidido, vieram os Réus B Limitada e C recorrer da mesma concluindo e pedindo que:
l) Vêm o presente recurso interposto da seguinte sentença que julgou procedente a presente acção;
Do erro sobre a base do negócio
2) Salvo o devido respeito, a douta sentença ora recorrida incorreu o vício da interpretação e aplicação errada do disposto nos artigos 245.°, 431.°, 972.° e 1304.°, todos do Código Civil;
3) Ficou provado que as partes quiseram um arrendamento cujo prazo seria, pelo menos, de 15 anos, em que nos termos do disposto no artigo 972.°, n.º 1, do CC, a celebração deste arrendamento depende o consentimento de todos os comproprietários;
4) O contrato de arrendamento em causa exige os Recorrentes como arrendatários, por sua conta, a realização das obras de demolição, execução, renovação, conservação, reparação, restauração, modificação, construção de ampliação de dois pisos sobre o referido imóvel para o início da exploração do hotel, de karaoke e de restaurante, e estas consubstanciam a prática dos actos de administração extraordinária previsto pelo disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 1304.° do CC, em que devam ser praticados conjuntamente estão dependentes do acordo dos consortes que representem mais de dois terços do mesmo valor;
5) O Autor e os demais Primeiros Outorgantes por si e invocaram na qualidade de representantes de outros comproprietários (em chinês “X氏家族各業權人代表”), celebraram com os RR., um acordo que possui a natureza de jurídica de arrendamento do imóvel em causa, onde o Autor, E foram mencionandos a qualidade de "X氏家族各業權人代表" no referido acordo;
6) O Autor e os demais Primeiros Outorgantes por si e os seus representados apenas representam mais de metade mas não superior a dois terço dos comproprietários do imóvel em causa, isto é, possuem a quota indivisa de 27/53 avos sob o nosso cálculo, na celebração do contrato de arrendamento em causa, violaram frontalmente o disposto nos artigos 972.°, n.º 1, e 1304.°, n.º 3, alínea b), todos do CC, o qual acarreta a anulabilidade do contrato de arrendamento em causa, e os Recorrentes invocaram expressamente este vício para todos os efeitos legais;
7) Os Réus foram induzidos, pelos Autor e os Demais Primeiros Outorgantes do contrato de arrendamento em causa, o erro de que o Autor e os Demais Primeiros Outorgantes já obteram ou irão obter o consentimento de todos os comproprietários do locado sobre a celebração do referido contrato de arrendamento;
8) As circunstâncias de que o Autor e os Demais Primeiros Outorgantes já obteram ou irão obter o consentimento de todos os comproprietários do locado sobre a celebração do referido contrato de arrendamento constituem a base do negócio do contrato de arrendamento em causa, sem o qual os Réus não celebraram o referido contrato arrendamente, porque conhecem que o prazo de arreridamento (15 anos) e a realização das supra mencionadas obras como actos de administração extraordinária exigem o consentimento de todos os comproprietários para o prazo e de mais de dois terços de comproprietários para a prática dos actos de administração extraordinária;
9) Os Recorrentes existem o erro sobre a qualidade do Autor e os Demais Primeiros Outorgantes na outorga do contrato de arrendamento em causa, pressupõe que o Autor e os Demais Primeiros Outorgantes possuem a qualidade de representante de todos os comproprietários do imóvel em causa;
10) Sob o ponto vista jurídico, no nosso entender, este erro é qualificado como o erro sobre a base do negócio previsto pelo disposto no artigo 245.° do CC;
11) Salvo o devido respeito, a douta sentença ora recorrida incorreu o vício da interpretação e aplicação errada do disposto nos artigos 245:°, 431.°, 972.° e 1304.°, todos do Código Civil;
Da excepção de não cumprimento
12) A douta sentença ora recorrida julgou procedente a resolução do contrato de arrendamento em causa com o fundamento nos termos do disposto no artigo 1034.°, alíneas a) e f), do CC, o qual salvo o devido respeito não assiste a razão;
13) Face à matéria de facto provada considera que no caso sub judice o contrato em causa é um contrato de locação (arrendamento) do "XX Hotel", complementando com a obrigação de execução, por conta dos arrendatários, nomeadamente as obras de demolição, execução, renovação, conservação, reparação, restauração, modificação, construção de ampliação de dois pisos sobre o referido imóvel, para o inicio de exploração de hotel, de karaoke e de restaurante;
14) A demora na obtenção da licença da DSSOPT para o projecto de modificação e reabilitação do hotel "XX Hotel", bem como a suspensão das obras, deveu-se ao facto de, tratando-se de obras de conservação e administração extraordinária e/ou de beneficiação, as mesmas necessitarem do consentimento de mais de dois terços de comproprietários nos termos do disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 1304.° do CC, e nunca foi obtido;
15) A excepção do não cumprimento é oponivel quer no caso de falta integral de cumprimento quer no de cumprimento parcial ou defeituoso, contanto que a sua invocação não contrarie o princípio da boa fé ínsito no artigo 752.°, n.º 2, do CC, por cuja força no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé; .
16) Escreve Antunes Varela,... o que é justo e está conforme com o. pensamento subjacente aos contratos bilaterais, espelhado claramente no art.º 428º e noutras disposições do Cód. Civil, é que o contratante que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva controprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte dentro da economia da relação contratual, e enquanto não corrigir o defeito da sua prestação;
17) Quando alguns dos defeitos da prestação efectuada são verdadeiramente irreversíveis, o contraente faltoso só readquire o direito à contraprestação quando prévia ou simultaneamente se oferece para reparar os danos causados à contraparte, repondo a situação dela;
18) Nos que nos casos em que à prestação continuada de uma das partes (locador, facultar o gozo da coisa para o fim do contrato) corresponde a prestação reiterada ou periódica da outra (locatário, pagamento da renda), pode esta suspender o cumprimento da obrigação a seu cargo, se a primeira interromper a sua prestação ou a cumpriu defeituosamente;
19) Ocorre o cumprimento defeituoso da obrigação quando a prestação efectuada não tem requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo obrigacional tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e da boa fé, podendo o defeito ser quantitativo ou qualitativo ;
20) A excepção do não cumprimento do contrato pode ser oposta mesmo no caso de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso (exceptio non rite adimpleti contractus);
21) A obrigação assumida pelo Autor e demais Primeiros Outorgantes como Senhorio respeitante ao fornecimento da procuração ou dos documentos necessários para provar o consentimento de mais de dois terços de comproprietários (suficiência da titularidade) para obter a licença administrativa que aprova a realização das obras supra mencionadas, não reveste a natureza de dever acessório de conduta, nem de dever acessório da prestação principal, mas integra a própria prestação principal - proporcionar o gozo pleno do espaço para o fim a que se destina;
22) A prestação a que o Autor e os demais Primeiros Outorgantes e obrigaram foi a de proporcionar aos Réus a utilização para fins de hotel, de karaoke e de restaurante de um imóvel passível de estar aberto ao público, com as devidas licenças administrativas;
23) O consentimento de mais de dois terços de comproprietários (suficiência da titularidade) para obter a licença administrativa que aprova a realização das obras supra mencionadas constitui e integra o cerne da prestação do Autor e dos demais Primeiros Outorgantes, faz parte, neste tipo de contrato, do dever principal, primário ou típico que constitui a prestação do Autor e dos demais Primeiros Outorgantes;
24) A renda a pagar pelos Réus não era devida pela simples cedência do imóvel, mas sim pela cedência de um imóvel específico de hotel, de karaoke e de restaurante, pressupondo a realização das supra mencionadas obras, em que carecem consentimento de mais de dois terços de comproprietários do imóvel em causa (suficiência da titularidade);
25) Acontece que os Autor e demais Primeiros Outorgantes cumpriram defeituosamente a sua prestação porquanto não forneceram as procurações ou os documentos comprovativos do consentimento de mais de dois terços de comproprietários (suficiência da titularidade) para a realização das obras supra mencionadas;
26) Desta sorte, encontra justificação, à luz do disposto no artigo 422.° do CC, a atitude dos Réus no sentido de suspender o pagamento das rendas até que os Autor e demais Primeiros Outorgantes corrigissem o defeituosa sua prestação (sendo certo que nunca o fizeram);
27) Apesar do cumprimento pelos Autor e demais Primeiros Outorgantes já não ser possível em relação ao tempo passado, a consequência desta circunstância não é a de os Réus estarem obrigados a pagar as rendas, como se nada tivesse acontecido;
28) Os Autor e demais Primeiros Outorgantes só têm direito às rendas se prévia ou simultaneamente se oferecessem para reparar os danos que causaram aos Réus, repondo o equilíbrio das prestações, o que nunca chegou a acontecer;
29) Os Autor e demais Primeiros Outorgantes que cumpriram defeituosamente a sua obrigação não podem ser premiados com a condenação dos Réus no pagamento das rendas, como se tivessem cumprido pontualmente;
30) Estão reunidos os requisitos da excepção do não cumprimento prevista no artigo 4220 do CC, que constitui uma excepção peremptória, que só pode levar o V. Tribunal de recurso a absolver os Réus do pedido;
31) A douta sentença ora recorrida incorreu o vício da interpretação e aplicação errada do disposto no artigo 1034.°, alíneas a) e f) do CC, e violou-se por desaplicação o disposto no artigo 422.° CC;
Da reposição do locado
32) Na petição inicial apresentado pelo Autor, o pedido subsidiário do Autor consiste “Os RR. condenados a reporem o locado no estado em que o receberam, em prazo nunca superior a 4(quatro) meses a contar da decisão.”, e determinou concretamente as obras de reposição;
33) A douta sentença ora recorrida determinou concretamente as obras de reposição a ser efectuada pelos Recorrentes, mas o Autor não efectuou esta determinação no pedido que incumbe a efectuar nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 389.° CPC, na sua petição inicial;
34) Salvo o devido respeito, a determinação concreta das obras de reposição na douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 389.°, n.º 1, alínea d), e 564.°, n.º 1, todos do CPC, violando o princípio dispositivo subjacante aos mesmos preceitos legais;
35) Esta parte da sentença deveria ser declarada nula nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 571.° do CPC;
Face ao exposto, requer, muito respeitosamente, finalmente a V. Exa. se digne revogar a sentença ora recorrida, julgar o presente recurso procedente, deverá a acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e consequentemente:
- Ser modificado o acordo celebrado entre as partes, aumentando-se o período de carência e, consequentemente, conferindo aos Réus o período considerado para terminar as obras em virtude dos atrasos verificados;
Caso assim se não entenda, deverá o contrato ser resolvido por culpa exclusivamente imputável aos Autor e demais Primeiros Outorgantes.
- Consequentemente, deverá ser abatido às rendas em dívida, o montante de HKD$960,000.00, correspondente a MOP$988,800.00, entregue a título de caução;
- Bem como devolvida a quantia de HKD$l,000,000.00, correspondente a MOP$l,030,000.00, entregue a título de caução;
- E bem, assim, deverá ser devolvido o montante de MOP$148,340.00, pago a título de selo de verba.
Veio apenas o Autor A responder pugnando pela improcedência do recurso.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões na petição de recurso, são em síntese as seguintes questões de direito levantadas pela ora recorrente:
1. Do erro sobre a base do negócio;
2. Da excepção de não cumprimento; e
3. Da violação do princípio do dispositivo
Então vejamos.
1. Do erro sobre a base do negócio
Antes de entrar na análise desta questão, convém relembrar sucintamente o que se passou com as partes da causa.
Pelas partes foi celebrado um contrato de arrendamento de um imóvel.
Nos termos do qual, além da locação do imóvel em si, foram inseridas cláusulas relativas à execução de obras de renovação do mesmo imóvel a levar a cabo pelos arrendatários e à autorização dada pelo senhorio aos arrendatários de construir mais dois pisos sobre o mesmo imóvel, a fim de lhes permitir ali instalar um hotel, bem como cláusulas relativas ao direito de preferência na venda do imóvel quando terminar o arrendamento aprazado e à manutenção do contrato de arrendamento no caso de alienação a terceiro.
Com fundamento no alegado incumprimento da obrigação de pagamento das rendas e de outras obrigações contratuais, nomeadamente a não conclusão das obras nos prazos contratualmente fixados, o Autor inicialmente e os intervenientes mais tarde vieram pedir ao Tribunal a declaração da resolução do contrato, a condenação dos arrendatários a despejar do imóvel, a repor o imóvel locado em estado em que o receberam e a pagar indemnização pelos prejuízos causados pelo incumprimento do contrato por parte dos arrendatários, ora réus recorrentes.
Na contestação, os réus invocaram, entre outros, o erro dos arrendatários sobre a base do negócio, isto é a ilegitimidade do autor e dos demais outorgantes que, na óptica dos réus, sendo embora parte dos comproprietários e não tendo poderes para representar os comproprietários no seu todo, invocaram e agiram na qualidade dos representantes de todos os comproprietários, na celebração do contrato com os réus, e pediram com fundamento nesse alegado erro a modificação do acordo no sentido de conferir aos réus o período considerado necessário para terminar as obras em virtude dos atrasos verificados e subsidiariamente a resolução do contrato por culpa exclusivamente imputável ao Autor e aos demais primeiros outorgantes do contrato.
O Tribunal a quo, tal como podemos verificar com a leitura da sentença recorrida, analisou a questão do invocado erro como se fosse invocação para a anulação do negócio objecto do contrato em causa e acabou por não anular o negócio por considerar inverificados os pressupostos de facto de direito para a anulação.
Todavia, se analisarmos melhor o que foi alegado na contestação pelos réus, ora recorrentes, verificamos que, apesar de terem citado algumas normas relativas à (i)legitimidade de parte dos comproprietários para prática de actos de administração ordinária e extraordinária e à validade ou consequência legal dos actos praticados por comproprietários que para tal carecem de legitimidade, o certo é que os réus invocaram o erro-vício sobre a qualidade da pessoa do senhorio, alegadamente já existente no momento da formação do negócio jurídico e gerador da invalidade do negócio, não para a anulação do negócio, mas sim para pedir a modificação ou a resolução do negócio que, como se sabe, só podem ser pedidas com fundamento na alteração de circunstâncias ou na tomada de determinadas posturas ou condutas pelas partes, ocorrida após a formação válida do negócio e já durante a execução dos estipulados no negócio jurídico validamente celebrado.
E para fazer crer essa afirmação nossa, nada é melhor do que transcrevermos a seguir o que foi alegado pelos réus na contestação para fundamentar o seu pedido de modificação e subsidiariamente a resolução do negócio:
78.°
Estipula o n.º 1 do art.º 972.° do Código Civil que “O contrato de locação, referente a bem indiviso, celebrado por prazo superior a 6 anos depende, para a sua validade, do acordo de todos os comproprietários e o celebrado por um prazo igual ou inferior a 6 anos depende do acordo da maioria indicada na alínea a) do n.º 3 do artigo 1304.º”
79.º
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo estipula que “Os actos efectuados em violação do disposto no número anterior são anuláveis; contudo, a anulabilidade é sanável pelo assentimento posterior dos comproprietários que representem a maioria exigida para a validade do acto.”
80.º
E o n.º 3 do art.º 1304.° do Código Civil, sob a epígrafe “Administração da compropriedade” estipula que os actos que devam ser praticados conjuntamente estão dependentes do acordo dos consortes que representem mais de metade do valor total da coisa, tratando-se de actos de administração ordinária; e de mais de dois terços do mesmo valor, tratando-se de actos de administração extraordinária.
81.º
Os 1.os Outorgantes, onde se inclui o Autor, tanto no contrato de arrendamento, como no aditamento posterior, invocaram a qualidade de representantes da família XX, o que fazia pressupor o consentimento de todos os comproprietários do locado.
82.º
A determinada altura, os Réus começaram a ser contactados por outros comproprietários que os informaram que não tinham dado o seu consentimento para a celebração do contrato de arrendamento.
83.º
Pelo que, legitimamente, tendo em vista acautelar a sua situação no contrato de arrendamento, os Réus, por diversas vezes, tentaram reunir com aqueles 3 outorgantes, de modo a esclarecer os diferendos familiares e solicitando que fosse comprovada a sua legitimidade para outorgar o referido contrato.
84.º
No entanto, os 1.os Outorgantes, onde se inclui o Autor, nunca se mostraram disponíveis para esclarecer tais factos, continuando os Réus a serem contactados pelos restantes familiares que não deram consentimento ao arrendamento, o que levou a que abrandassem as obras iniciadas no locado, com receio de que o contrato pudesse vir a ser anulado.
85.º
Os 1.os Outorgantes poderiam facilmente ter ilídido tal presunção, bastando que, para o efeito, ao invés de fazerem inscrever no contrato e respectivo aditamento, que representavam todos os membros da família XX, tivessem inscrito que representavam mais de metade do valor da coisa, necessária para a celebração de um contrato de prazo igual a 6 anos.
86.º
Sucede que, embora no contrato dos presentes autos, tenha sido estipulado o prazo de 6 anos, renovável por igual período na primeira renovação e por 3 anos na segunda, tendo ainda sido inscrita uma cláusula que contém uma convenção através da qual o Autor e demais 1.os Outorgantes assumiram a obrigação de dar preferência aos Réus na compra, findo o prazo ali estabelecido, forçosamente ter-se-à de interpretar que, efectivamente, as partes quiseram e celebraram um arrendamento cujo prazo seria, pelo menos, de 15 anos; o que transformaria tal arrendamento num acto de administração extraordinária. "
87.º
O que aliás é comprovado pelo facto de ter sido efectuado junto dos Serviços e Finanças o pagamento do montante devido, tendo por referência os aludidos 15 anos de contrato, conforme se vê do teor da carta enviada para o Autor em Junho de 2004 e do documento comprovativo do pagamento do selo de verba no montante de MOP$148.340.00, que ora se junta como doc. 40.
88.º
De facto, não obstante não se encontrar inscrito no contrato, as partes pretenderam celebrar o contrato de arrendamento pelo prazo efectivo de 15 anos, findo os quais os Réus poderiam adquirir o locado.
89.º
O que aliás, pelo menos, no que toca aos Réus, se constata facilmente, porquanto, não faria o mínimo sentido os Réus investirem o montante HKD20.000.000.00, tendo prestado um caução de HKD 1.000.000.00, antecipado o pagamento de rendas no montante de HKD960.000.00, e pagando ainda a renda mensal de HKD160.000.00, caso pretendessem gerir o locado por apenas 6 anos.
90.º
E o Autor e demais 1.os Outorgantes comprometeram-se a reunir o quórum necessário para o efeito.
91.º
Só por estas circunstâncias é que os Réus resolveram celebrar o contrato: porque teria um prazo efectivo de 15 anos; findo o qual os Réus, querendo poderiam adquirir o imóvel; o Autor e 1.os Outorgantes prometeram, para o efeito, obter a necessária autorização dos demais comproprietários.
92.º
Verificando-se, assim, o erro sobre a base do negócio, por parte dos Réus, previsto no art.º 245.° do Código Civil, o qual dispõe que “Quando o erro recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, o negócio pode ser anulado ou modificado de acordo com o disposto no artigo 431.º, aplicável com as necessárias adaptações.”
93.º
Estipulando o art.º 431.º do Código Civil que “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”
94.º
Pelo que se requer, em conformidade, a modificação do contrato, designadamente, aumentando-se o período de carência, conferindo-se aos Réus o período considerado necessário para terminar as obras em virtude dos atrasos verificados e imputáveis ao Autor e demais 1.os Outorgantes, porquanto, contrariamente ao previsto, não foi possível a obtenção das licenças dentro do prazo de 2 meses e duas semanas, nem sequer foi possível a conclusão das obras em 4 meses, devido à falta de legitimidade dos Réus, à inércia do Autor e demais 1.os Outorgantes em facultar os documentos solicitados, às alterações requeridas pela DSSOPT e às ameaças constantes dos comproprietários que não deram poderes de representação ao Autor e demais 1.os Outorgantes.
95.º
Pelos factos acima expostos, verifica-se que seria aos Réus e não ao Autor, a quem assistiria o direito de resolução do contrato, uma vez que a presente situação em que se encontra o contrato, apenas se deve a factos imputáveis ao Autor e 1.os Outorgantes, bem como aos seus representados.
96.º
Pois que não faz o mínimo sentido exigir-se que alguém disponha, desde logo, das quantias acima referidas no artigo 89.°, sem ter a garantia da validade do negócio celebrado.
97.º
Acresce que, “Se o direito do locador não possuir os atributos que ele assegurou ou estes atributos cessarem posteriormente por culpa dele" há lugar a "falta de cumprimento do contrato quando [tais circunstâncias] determinarem a privação, definitiva ou temporária, do gozo da coisa ou a diminuição dele por parte do locatário”, o que se retira do art.º 980.°, n.º 1, al. c) e n.º 2 do Código Civil.
98.º
Pelo que em alternativa, caso seja considerado que não haja lugar à modificação do contrato, deverá ser o mesmo resolvido por culpa imputável, exclusivamente ao Autor e demais 1.os Outorgantes, caso em que deverá ser devolvido aos Réus o montante pago a título de selo de verba, referido no art.º 87.°
99.º
Pois, ainda que os Réus tenham deixado de efectuar o pagamento das rendas, a falta de cumprimento foi determinada pela inércia do Autor e seus representados, a qual consequentemente, determinou o comportamento dos Réus.
Ora, como se sabe, a resolução e a anulação de negócio jurídico são figuras jurídicas distintas e não confundíveis.
Diz-se resolução a extinção do contrato por manifestação de vontade de uma das partes, com fundamento na lei ou na convenção – artº 426º do CC.
Quando fundada na lei, a doutrina denomina-a resolução legal, que pode ser v. g. fundada em incumprimento, mora de cumprimento, impossibilidade de cumprimento ou alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, fundamentos esses que são todos ocorridos após a formação válida do negócio – cf. artºs 790º, 791º/2, 797º e 431º, todos do CC.
Quando fundada na convenção, temporalmente coincidente com o próprio contrato ou mediante acordo posterior, a resolução tem lugar quando qualquer dos contraentes ou ambos exercerem o direito de resolver o contrato nos termos convencionados.
Por sua vez, a anulação de um negócio jurídico, é a sua destruição retroactiva fundada na invalidade por inverificação de qualquer dos requisitos legalmente exigidos para a sua formação.
Assim, apesar de serem semelhantes os efeitos de resolução e os de anulação, até em alguns aspectos equiparados, face ao disposto nos artºs 427º e s.s. do CC, o Tribunal não está in casu autorizado a substituir-se aos réus para alterar ex oficio seus pedidos ou pretensão, por forma a fazer corresponder aos fundamentos de facto por eles invocados os efeitos não queridos por eles, dada a natureza não oficiosa do conhecimento tanto da anulabilidade do negócio jurídico como da resolução do contrato.
Por outro lado, como os réus pediram, a título principal, com fundamento no alegado erro, a modificação do contrato no sentido de conferir aos réus um período de tempo considerado necessário para terminar as obras em virtude dos atrasos verificados e só subsidiariamente a resolução do contrato por culpa exclusivamente imputável ao Autor e aos demais primeiros outorgantes do contrato, temos de analisar se é legalmente possível aquele pedido principal de modificação, justamente fundado no invocado erro, nos termos do disposto no artº 245º que mandou aplicar mutatis mudantis o 431º/1, todos do CC.
Ora, reza o artº 245º do CC que “quando o erro recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, o negócio pode ser anulado ou modificado de acordo com o disposto no artigo 431.º, aplicável com as necessárias adaptações.”.
Ao passo que o artº 431º/1 diz que “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”.
Ora, a alternativa à resolução de contrato prescrita na segunda parte do artº 245º, ou seja, a modificação do negócio, por lógica das coisas não é sempre viável se o erro-vício incidir sobre motivos determinantes da vontade que se refiram à legitimidade da pessoa do declaratário, como se sucede in casu.
Pois é preciso ver quê modificação pretende ver operada a parte que invocar o erro.
Se, como sucede in casu, o erro em que incorreram os réus (declarantes) incidir sobre os poderes do autor e dos demais 1ºs outorgantes (declaratários) para representar todos os comproprietários e a modificação pedida for apenas por exemplo o simples encurtamento para seis anos ou menos do prazo de arrendamento, fazendo com que o arrendamento passe a poder ficar validamente celebrado por se tratar de administração ordinária para a qual a lei exige, para a sua validade, apenas a intervenção dos consortes que representem mais metade do valor total do imóvel, a tal modificação é obviamente viável.
Só que, in casu, a modificação pedida pelos réus é conferir a eles um período de tempo, de maior duração do já estipulado no contrato, dentro do qual os réus ficam dispensados do pagamento de renda, para terminar as obras de conservação e benfeitorias e ampliação do imóvel locado.
E o fundamento para o alargamento do prazo de dispensa de renda invocado pelos réus é a alegada impossibilidade de obter atempadamente a licença para a realização das obras e de concluir as obras em quatro meses, causada pela alegada inércia do autor e dos demais 1ºs outorgantes do contrato (enquanto senhorio) em facultar os documentos solicitados pela DSSOPT para comprovar os réus terem sido habilitados pelo senhorio a pedir a licença de obras, pelas alterações das obras entretanto requeridas pela DSSOPT e pelas ameaças constantes dos comproprietários que não deram poderes de representação ao autor e demais 1ºs outorgantes do contrato.
Mas no fundo o que os réus estão a invocar para pedir a modificação do negócio não é um erro-vício acerca das circunstâncias já existentes à data do contrato, mas sim circunstâncias entretanto ocorridas na execução do contrato, isto é, o incumprimento por parte do autor e dos demais 1ºs outorgantes dos chamados deveres acessórios de conduta para possibilitar os réus a obter atempadamente a licença de obras.
Pelo que, quer a modificação pedida a título principal, quer a resolução do contrato pedida subsidiariamente, nenhuma delas pode ser sustentada pela causa de pedir que é o invocado erro-vício que consiste na falsa representação sobre os poderes de representação do senhorio da contraparte.
E como já dissemos supra, face ao disposto no artº 567º do CPC, o Tribunal não está habilitado a converter a pretendida modificação ou resolução do contrato na anulação do negócio jurídico titulado pelo mesmo contrato, dado que essa conversão não resulta simplesmente da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, permitidas pelo citado artº 567º.
Improcede assim o recurso nessa parte.
2. Da excepção do não cumprimento
Pelo que ficou decidido no ponto 1, passemos a debruçar-nos sobre o pedido subsidiário do recurso interposto pelos réus.
O Tribunal a quo declarou resolvido do contrato com fundamento fáctico no não pagamento das rendas e na circunstância de os réus terem conservado o imóvel encerrado por mais de 1 ano, e com fundamento de direito, respectivamente, no disposto na alínea a) e na alínea i) do artº 1034º do CC.
Alegou o autor na petição inicial que, decorrido o período de isenção de renda, contratualmente acordado, para a obtenção da licença para as obras de renovação e a conclusão das mesmas obras, os réus suspenderam em JAN2006 a realização das obras já iniciadas mas não concluídas e deixaram de pagar a renda a partir de JUL2006.
E com fundamento nesses factos pediu que fosse resolvido o contrato de arrendamento do imóvel.
Na contestação, os réus alegaram que o motivo do atraso e da não conclusão atempada das obras de renovação do imóvel foi porque o autor não lhes facultou os documentos comprovativos da titularidade do imóvel e as procurações, alegadamente necessários à instrução do pedido de licença administrativa para a realização das obras, conforme solicitado pela DSSOPT.
No entanto, a sentença recorrida não reconheceu aos réus a tal faculdade de recusar o pagamento das rendas a partir do Julho de 2006 por entender que, tendo em conta a matéria de facto provada, a não obtenção atempada da licença administrativa para as obras não foi devida ao incumprimento pelo autor da sua obrigação de auxílio que consiste em facultar documentos comprovativos da titularidade do imóvel e as procurações passadas pelos comproprietários, mas sim por falhas cometidas pelos próprios réus no decurso do procedimento administrativo de licenciamento das obras de renovação do imóvel.
E além disso, na óptica de Tribunal, tendo em conta o teor do documento ora junto aos autos a fls. 825 pelo autor na fase de instrução do processo, a licença administrativa já veio a ser concedida em 19ABR2005 com condições que não tinham nada a ver com a alegada falta dos documentos comprovativos da titularidade do imóvel e procurações.
Na motivação do seu recurso, os réus reiteraram grosso modo o já alegado na sua contestação para legitimar a sua conduta de não pagamento de renda a partir de JUL2006 e a suspensão das obras de renovação do imóvel, já iniciadas mas não concluídas em JAN2006.
Então vejamos.
Ora, a excepção de não cumprimento (exceptio non adimpleti contratus), consiste na recusa de executar a sua prestação por parte de um dos contraentes quando o outro não cumpriu a sua obrigação.
Trata-se de um dos traços fundamentais do regime dos contratos bilaterais.
O raciocínio dos recorrentes é assim: como o autor não cumpriu a sua obrigação de auxílio consistente em facultar os documentos comprovativos da titularidade do imóvel e as respectivas procurações passadas pelos comproprietários, necessários à obtenção da licença de obras, e o atraso e a não conclusão das obras de renovação devem-se justamente à falta desses documentos, então eles, enquanto devedores da renda, têm o poder de recusar de a pagar.
Ora, para beneficiar dessa faculdade de não pagar a renda, é preciso que os réus logrem provar o nexo de causalidade entre a falta desses documentos e o atraso e a não conclusão das obras.
Tal como podemos ver na sentença ora recorrida, para além de não terem sido provados factos demonstrativos desse nexo de causalidade, ficou antes provado que:
Os Réus não obtiveram de imediato as licenças que solicitaram porque, em vez de apresentarem um pedido em nome de um dos titulares do contrato de arrendamento, isto é, em nome dos Réus, o pedido de obras foi feito em nome da Novo Grande Hotel, Limitada sem indicação de que esta actuava em nome dos Réus (reposta ao quesito da 129º da base instrutória).
A não obtenção pronta da licença deveu-se ao facto de os Réus(reposta ao quesito da 130º da base instrutória):
* Não terem feito o pedido de obras em seu nome, como locatários (juntando, com o pedido, o contrato de arrendamento com declaração de autorização de obras pelo locatário);
* Não terem juntas as procurações que tinham em seu poder.
Os Réus, em vez de fazerem o pedido através do arrendatário, fizeram-nos através de uma sociedade sem indicação de que esta actuava em nome dos Réus(reposta ao quesito da 131º da base instrutória).
A sociedade requerente das obras não juntou certidão registral do prédio, que é de acesso público, no início do processo de licenciamento para as obras de conservação e limpeza, a que foi atribuído o n.º de Proc. 269/2004/L (reposta ao quesito da 136º da base instrutória).
Tendo em conta esta matéria de facto provada, bem demonstrativa de que o atraso na obtenção da licença para as obras de renovação do imóvel foi originado por factos imputáveis aos réus, cai por terra a tese dos recorrentes para justificar o não pagamento da renda a partir de JUL2006.
De qualquer maneira, tal como destacou e bem pelo Tribunal a quo, tendo os réus obtido já em ABR2005 a licença administrativa para a realização das obras de renovação, com condições que não têm nada a ver com os documentos comprovativos de titularidade e as procurações, conforme se vê no documento ora constantes das fls. 825 dos p. autos, é-nos injustificável a conduta de não pagamento da renda a partir de JUL2006, ou seja, mais de um ano após a obtenção da licença.
Finalmente, os recorrentes também aproveitaram os mesmos argumentos, ou seja, o alegado incumprimento por parte do autor da sua obrigação de auxílio consistente em facultar os tais documentos necessários à obtenção da licença para as obras, para tentar pôr em crise o outro fundamento com base no qual o Tribunal a quo declarou resolvido o contrato de arrendamento, nos termos prescritos no artº 1034º/-i) do CC, à luz do qual, se tratando de arrendamento para o exercício de empresa comercial ou profissão liberal, o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário conservar o prédio encerrado por mais de 1 ano.
Mutantis mutandis, não tendo os réus logrado provar factos demonstrativos do nexo de causalidade entre a falta dos tais documentos e o atraso das obras, esses argumentos deduzidos pelos réus do alegado não auxílio por parte do autor não podem deixar de ser considerados inválidos para fazer valer a sua faculdade exceptio non adimpleti contractus.
3. Da violação do princípio do dispositivo
Finalmente imputaram os réus à sentença recorrida a violação do disposto no artº 564º/1 do CPC, nos termos do qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Todavia, os recorrentes limitaram-se a imputar à sentença recorrida a violação daquela norma citada, sem que tivesse especificado se se trata de condenação superior ao pedido ou de condenação diversa do pedido.
Na óptica dos recorrentes, como o autor pediu apenas que fossem os réus condenados a repor o locado no estado em que o receberiam, o Tribunal a quo não pode determinar, na condenação, concretamente as obras de reposição a ser efectuada pelos réus condenados.
De qualquer maneira, para nós, basta uma simples leitura da sentença na parte que diz respeito ao pedido subsidiário de reposição do locado em estado em que os réus receberam, podemos concluir que não se verifica nem a condenação excessiva nem a condenação diversa do pedido.
Ora, para fundamentar a condenação nos termos concretamente determinados na sentença recorrida, o Tribunal a quo diz que:
Resulta provado que havia no total 90 quartos de hóspedes nos 3º a 8º andar, 15 quartos por cada piso, e todo o edifício estava revestido de caixilharia envidraçada (cfr. alínea G) dos factos assentes e resposta ao quesito 20º da base instrutória). No entanto, os Réus demoliram todas as paredes que individualizavam os quartos e casa de banho, restaurante e cozinhas e as janelas e vidros das paredes exteriores deixando o imóvel sem um único vidro em toda a sua fachada exterior (cfr. alíneac FF) dos factos assentes e respostas aos quesitos 12º e 15º da base instrutória). Apenas reconstruíram parcialmente as casas de banho do 5º a 8º andares e rebocaram as paredes sem acabamento (cfr. alíneas HH) e II) dos factos assentes).
Ora, por esses factos já se pode condenar os Réus a reconstruir as paredes interiores que individualizavam os 90 quartos e casas de banho, restaurante e cozinhas. Além disso, é também de condenar os Réus a concluir a reconstrução das casas de banho do 5º a 8º andar apesar de não lhes caber a reconstrução da parte relacionada com o sistema de fornecimento de água e de electricidade e de segurança contra o incêndio. Outrossim, incumbem aos Réus concluir os acabamentos das paredes já rebocadas. Finalmente, devem os Réus recolocar os vidros nas caixilharias das janelas.
Tendo em conta a matéria de facto provada, nomeadamente a referente às demolições e desmontagens entretanto levadas a cabo pelos réus na estrutura do próprio imóvel, verificamos que as obras que o Tribunal a quo teve o cuidado de especificar e cuja realização ordenou a cargo dos réus mais não são do que aquelas partes estruturantes ou componentes do imóvel existentes no momento em que o receberam os réus e que tinham sido entretanto demolidas ou desmontadas pelos réus na realização das obras de renovação, iniciadas mas não concluídas, com vista a torna-lo apto ao fim visado pelo negócio jurídico titulado no contrato em causa.
E essas obras concretamente determinadas na sentença recorrida, por natureza, encontram-se sempre abrangidas no âmbito demarcado pelo pedido de repor o imóvel e não se apresentam algo diverso do pedido de repor o imóvel.
Improcede assim essa parte do recurso.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso interposto pelos réus, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelos réus recorrentes.
Registe e notifique.
RAEM, 11JUL2013
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira