Processo nº 270/2013 Data: 27.06.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime(s) de “burla”.
Atenuação especial.
Pena.
Suspensão da execução.
SUMÁRIO
1. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
3. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.
4. Verificando-se que o arguido não é primário, e que com a sua conduta prejudicou 44 ofendidos, a quem, agindo com dolo directo e intenso, e movido com o interesse de obter vantagens pecuniárias, prometeu, (falsamente), arranjar emprego, sabendo que tal não iria acontecer, a troco do pagamento de quantias monetárias que fez suas, censura não merece a sua condenação na pena parcelar de 5 meses de prisão (por cada 1 dos 44 crimes de “burla”), e, em cúmulo jurídico, e perante uma moldura penal com limite mínimo de 5 meses e máximo de 18 anos e 3 meses, a pena única de 3 anos de prisão.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 270/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), arguido com os sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B. que o condenou como autor da prática em concurso real de 44 crimes de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão cada, e, em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisão.
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Motivando o seu recurso produz, a final as conclusões seguintes:
“A) O recorrente discorda essencialmente da forma como foi aplicado o direito relativamente à determinação da medida da pena, nomeadamente quanto à aplicação de uma pena de prisão efectiva, quando entende que deveria essa pena ter sido suspensa na sua execução, nem que para tal tivesse o Meritíssimo juiz a quo que condicionar essa suspensão ao cumprimento de determinado facto, como por exemplo, o pagamento das quantias pagas pelos ofendidos, num determinado prazo.
B) Não foram devidamente valoradas todas as circunstâncias atenuantes aplicáveis in casu.
C) Neste particular e com todo o respeito, que é muito, dir-se-á que o douto tribunal a quo não considerou na fixação da pena tais aspectos à luz do preceituado no artigo 71.° do Código Penal.
D) Trata-se de assumir a pena como mal inevitável, mas dirigido para a produção do maior número possível de efeitos úteis, sendo que a aplicação de uma pena suspensa na condição de pagar aos ofendidos num determinado período de tempo teria como (possível) efeito útil o ressarcimento destes.
E) Deveria, salvo o devido respeito, ter sido dado relevância ao facto de o recorrente ter confessado integralmente e sem reservas, estar arrependido e de ter depositado MOP$13.500,00 (treze mil e quinhentas patacas) como compensação aos três ofendidos que comparecerão na Audiência de Discussão e Julgamento.
F) E, desse modo, ter tido o Douto Colectivo a quo ter em conta o disposto no n° 2 do art° 201° do CPM aplicado por via do 221° do mesmo Diploma operando os termos da atenuação especial da pena previstos no art° 67° do mesmo CPM e optando por uma pena de prisão sim, mas suspensa na sua execução, possibilidade essa com fundamento no n° 2 desse are 67°.
G) Considera o recorrente que a pena aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução, pois existem atenuantes importantes que não foram atendidas e que podem levar à aplicação de um pena não privativa da liberdade, nos termos do art° 64° do CPM. Podendo mesmo fixar-se uma condição de suspensão da pena como seja o pagamento aos ofendidos das quantias em questão num prazo razoável.
H) Consideram-se, desse modo, violados o art° 67° do CPM (aplicado por via do disposto nos n° 2 do art° 201° ex vi art° 221° do mesmo Diploma) e o art° 64° do mesmo CPM”.
Pede, uma pena não privativa da liberdade”; (cfr., fls. 1721 a 1727).
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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 1734 a 1736-v).
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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:
“B, ora arguido dos presentes autos, foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 44 crimes de burla p.° p.° pelo art.° 211 n.° 1 do C.P.M., em cúmulo jurídico, das penas parcelares na pena única de 3 anos de prisão efectiva.
Inconformado com a decisão, vem recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando violação dos art.s° 67 e 64 do C.P.M. e solicitando a aplicação de uma pena não privativa da liberdade ao recorrente B.
Analisados os autos, em completa sintonia com a Digna Magistrada do M.P. na sua resposta à motivação do recurso, entendemos correcta a decisão da aplicação da pena de prisão efectiva pelo Tribunal a quo, por força da consequência jurídica exigida pelos art.° 211 n.° 1 do C.P.M..
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O Tribunal é livre para fixar a pena, dentro da moldura penal de cada crime, atendendo às exigências de prevenção criminal e da culpa do agente, nomeadamente de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do art.s° 40 e 65 do C.P.M ..
Como já foi demonstrado na fundamentação da decisão recorrida, tendo ponderado todas as circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis ao recorrente, concordamos com o entendimento do Tribunal a quo, nomeadamente o da insuficiência e da inadequação da aplicação das penas não privativas da liberdade ao recorrente para os fins das penas senão, face à gravidade de crime e à necessidade da prevenção criminal.
O recorrente é residente da R.A.E.M., que sabe bem a sua incompetência e incapacidade de ajuda aos ofendidos não residentes na procura de trabalho em Macau, bem como a dificuldade do recorrente de poder satisfazer o pedido de devolução de dinheiro ou de indemnização aos ofendidos, por não serem residentes de Macau e não poderem cá permanecer livremente, apontando-se assim para o dolo intenso do recorrente na prática de tais actos ilícitos, evidenciando vontade de prejudicar o património dos ofendidos não residentes.
São, sem dúvida, prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática dos crimes em causa, que se constituem como factores de elevado risco para a tranquilidade e a paz social da R.A.E.M..
Tudo ponderado, não se afigura inadequada ou excessiva a pena de prisão aplicada ao recorrente, tendo em consideração as molduras abstractas das penas previstas para os crimes, a culpa do recorrente e as exigências de prevenção criminal previstos no art.° 65 do C.P.M., tendo em linha de conta a necessária ponderação dos fins da protecção de bens jurídicos e a reintegração do recorrente na sociedade previstos no art.° 40 do mesmo Código.
Em cúmulo jurídico, a pena única de 3 anos de prisão efectiva não é exagerada, por força do disposto do art.° 71 do C.P.M., face as circunstâncias ponderadas durante a formulação da decisão recorrida, especialmente ao grande número de ofendidos.
Por tanto, concordando com a digna resposta do M.P., reiteramos que não assiste, em nossa opinião, razão ao arguido recorrente, em termos da medida da pena e da suspensão da pena, por não haver mais espaço que permita reduzir a medida da pena além da que decidiu o Tribunal a quo, sem lugar para a aplicação do art.° 48 do mesmo código.
Pelo exposto, deve ser julgado improcedente o recurso do arguido B”; (cfr., fls. 1749 a 1750).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 1687 a1698, que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor da prática em concurso real de 44 crimes de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão cada, e, em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisão.
E, como fez constar em sede de conclusões, “considera o recorrente que a pena aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução, pois existem atenuantes importantes que não foram atendidas e que podem levar à aplicação de uma pena não privativa da liberdade, nos termos do art° 64° do CPM. Podendo mesmo fixar-se uma condição de suspensão da pena como seja o pagamento aos ofendidos das quantias em questão num prazo razoável”, (cfr., concl. G), considerando assim “violados o art° 67° do CPM (aplicado por via do disposto nos n° 2 do art° 201° ex vi art° 221° do mesmo Diploma) e o art° 64° do mesmo CPM”, (cfr., concl. H).
Cremos porém que não se pode acolher o ponto de vista do ora recorrente.
Vejamos.
O crime de “burla” vem previsto no art. 211° do C.P.M. onde se preceitua que:
“1. Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. Se o prejuízo patrimonial resultante da burla for de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
4. A pena é a de prisão de 2 a 10 anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;
b) O agente fizer da burla modo de vida; ou
c) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica”.
Em causa não estando a qualificação jurídica da matéria de facto dada como provada, e sendo que é o crime de “burla simples” (n.° 1), punido com a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, “quid iuris”?
Diz o recorrente que não foram adequadamente tidas em consideração as circunstâncias atenuantes que lhe eram favoráveis, alegando que “confessou integralmente os factos pelos quais estava acusado, que demonstrou arrependimento, e que depositou MOP$13.000,00 como forma de compensar 3 ofendidos dos autos”.
Ora, é verdade que “confessou integralmente os factos”, (cfr., fls. 1657), todavia, dos autos não consta que se tenha arrependido em relação aos mesmos.
Por sua vez, importa atentar no seguinte.
Os factos praticados e qualificados como a prática em concurso real de 44 crimes de “burla” pelos quais foi o recorrente condenado ocorreram no ano de 2008, e resulta igualmente provado que por factos ocorridos em 2003, e em sede do processo n.° CR1-07-0153-PCC, em 08.06.2010, foi o mesmo recorrente condenado pela prática em concurso real de 3 crimes de “falsificação” e “aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação”, na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos.
Perante isto, não sendo o recorrente “primário”, evidente é que motivos não havia para se optar por uma “pena de multa” ao abrigo do art. 64° do C.P.M., pois que, atenta a sua “conduta”, razoável não seria concluir que a pena de multa satisfaz, de forma adequada e suficiente, (como o exige o dito comando legal), as finalidades da punição.
Aqui chegados, e em causa estando uma moldura penal de 1 mês a 3 anos de prisão, evidente é que censura também não merece a pena parcelar de 5 meses de prisão para cada crime de burla pelo recorrente cometido.
Com efeito, e como temos vindo a entender, “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 18.04.2013, Proc. n° 185/2013), certo sendo também que como igualmente temos vindo a consignar, “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 30.05.2013, Proc. n° 293/2013).
Nesta conformidade, e censura não merecendo as penas parcelares fixadas ao recorrente, vejamos agora da “pena única”.
Nos termos do art. 71° do C.P.M.:
“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”.
E, como já teve este T.S.I. oportunidade de consignar:
“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012, e mais recentemente, de 07.02.2013, Proc. n.° 1010/2012).
No caso, fixou o Colectivo a quo a pena única de 3 anos de prisão.
E, também aqui nos parece que nenhuma censura merece a decisão proferida.
De facto, confrontamo-nos com uma moldura penal com limite mínimo de 5 meses e máximo de 18 anos e 3 meses, (cfr., art. 71°, n.° 2), afigurando-se-nos assim que a pena fixada não deixa de ser benevolente.
Com efeito, não se pode esquecer que nos presentes autos, 44 são os ofendidos, a quem o arguido, agindo com dolo directo e intenso, e movido com o interesse de obter vantagens pecuniárias, prometeu, (falsamente), arranjar emprego, sabendo que tal não iria acontecer, a troco do pagamento de quantias monetárias que fez suas.
Quanto à suspensão da execução desta pena, a mesma é a solução.
Em recente Acórdão deste T.S.I. consignou-se que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 30.05.2013, Proc. n° 147/2013).
E, no caso, ainda que viável fosse um juízo de prognose favorável, (o que não cremos), atento, nomeadamente, o número de ofendidos, fortes são as razões de prevenção geral, o que, impede, irremediavelmente, a pretendida suspensão da execução da pena.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 27 de Junho de 2013
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
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