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Processo n.º 779/2012 Data do acórdão: 2013-7-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– condenar anterior
– substituição da prisão por multa
– art.º 44.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Como depois de vistos todos os elementos probatórios dos autos, não se vislumbra como evidente ao tribunal ad quem que o tribunal recorrido, ao ter julgado a matéria de facto como o fez concretamente no seu acórdão, tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violado alguma norma jurídica cogente sobre o valor da prova, ou violado quaisquer legis artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, não pode o arguido recorrente vir sindicar gratuitamente a livre convicção a que chegou esse tribunal sob aval do art.o 114.o do Código de Processo Penal, improcedendo, pois, o esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do mesmo Código.
2. Não se pode substituir, por multa, da pena única de prisão por que vem o recorrente condenado nesta vez em primeira instância pela prática de dois crimes de ofensa simples à integridade física, porque como ele não é um delinquente primário, e na anterior condenação penal, já levou pena de prisão, apesar de ser suspensa, a eventual substituição da pena de prisão não conseguirá prosseguir as finalidades de punição, sobretudo a nível da prevenção especial (cfr. o critério material referido na parte final do n.o 1 do art.o 44.o do Código Penal).
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 779/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): B (B)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 126 a 129v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-11-0171-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou, como autor material, na forma consumada, de dois crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do vigente Código Penal (CP), na pena de dois meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de três meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, e na obrigação de pagar MOP60,00 (sessenta patacas) e MOP2.511,00 (duas mil, quinhentas e onze patacas), arbitradas oficiosamente, ao ofendido C (C) e à ofendida D (D), respectivamente, com juros legais contados a partir da data desse acórdão até efectivo e integral pagamento, para indemnizar os danos patrimoniais sofridos por estes dois, veio o arguido B (B), aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo concluído, em síntese, a sua motivação de recurso (apresentada a fls. 137 a 142 dos presentes autos correspondentes), de moldes seguintes, para pedir a reforma do julgado em seu favor:
– os factos dados por provados em primeira instância não davam para integrar o dolo do próprio recorrente na prática do crime de ofensa simples à integridade física contra a ofendida D, havendo, assim, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto, porquanto para além de o Tribunal a quo não ter especificado qual o grau concreto do dolo (se dolo directo, se dolo necessário ou se dolo eventual), o empurrão de mão dado por ele nesta ofendida no decurso de puxões recíprocos poderia ter resultado da negligência dele, pelo que lhe seria aplicável o tipo legal do art.o 142.o do CP;
– por outra banda, como à luz das regras da experiência da vida humana, era natural que no decurso de puxões recíprocos, ambas as partes utilizaram necessariamente força para repelir o adversário, pelo que o empurrão de mão dado pelo recorrente não foi exercido com o dolo de ofender a integridade física da ofendida, daí que cometeu o Tribunal recorrido erro notório na apreciação da prova, ao ter julgado como provado que o recorrente “de modo livre, voluntário e consciente, agrediu intencionalmente...”;
– não tendo o Tribunal recorrido feito a análise do grau do dolo dele na prática dos factos, as penas foram achadas com excesso, sendo até de atenuar especialmente a pena do crime praticado contra o ofendido (que era sobrinho do próprio recorrente), nos termos do art.o 141.o do CP, por a feitura da bofetada no sobrinho ter sido dominada pelos valores tradicionais chineses respeitantes ao castigo corporal por parentes;
– e fosse como fosse, seria suficiente a aplicação da pena de multa, sendo, em último caso, de substituir a pena de prisão por multa, ao abrigo do art.o 44.o, n.o 1, do CP.
Ao recurso respondeu (a fls. 145 a 149 dos autos) a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 158 a 160), pugnando até pela rejeição do recurso, por evidentemente infundado.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Segundo a fundamentação fáctica do acórdão recorrido (tecida originalmente em chinês a fls. 126v a 127v dos autos, e com tradução para português aqui feita pelo ora relator), e na parte que interessa à solução do recurso:
– o arguido ora recorrente B (B) é tio do ofendido C (C), e as respectivas famílias, devido ao conflito de dinheiro, chegaram a dividir entre si os negócios relativos a obras de água e electricidade, e travavam frequentemente altercação por causa da disputa na angariação desses negócios;
– em 4 de Janeiro de 2009, cerca das 15:00 horas, o ofendido C, ao ajudar a sua mãe, ou seja, a ofendida D (D), a fiscalizar os anúncios de papel de angariação de negócios de reparação colados na sala de contadores de água e de electricidade de um prédio em Macau, travou altercação com o seu primo F (F) que na altura estava a trabalhar pelo arguido; e subsequentemente, F e o ofendido C fizeram, cada um deles, chamadas telefónicas ao arguido e à ofendida, respectivamente, para estes dois virem ao local para tratar do caso;
– após chegado ao local, o arguido, no decurso de altercação e puxões, deu empurrão de mão no corpo da ofendida, fazendo com que a cabeça da ofendida tenha batido no contentor de lixo e a parte direita do corpo tenha batido no chão, causando à ofendida vertigens na cabeça e lesão na parte direita do corpo;
– ao ver isto, o ofendido C foi logo discutir com o arguido, mas o arguido deu bofetada na cara esquerda do ofendido, causando a este lesão na cara esquerda;
– os actos acima referidos do arguido causaram directamente ao ofendido contusão no tecido mole da cara esquerda, que lhe demandou um dia para convalescença, e à ofendida contusão com dores de contacto no tecido mole nomeadamente do ombro direito, que lhe demandaram três dias para convalescença;
– o arguido, de modo livre, voluntário e consciente, empregou intencionalmente violência para agredir os dois ofendidos, e por disso, causou directamente lesão à saúde destes dois;
– o arguido sabia claramente que a sua conduta não era permitida por lei e era punível por lei;
– de acordo com o registo criminal, o arguido foi condenado, em 20 de Novembro de 2006 no Processo n.o CR1-06-0202-PSM, pela prática de três crimes de emprego ilegal, em doze meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, sob condição de pagar, dentro de três meses, seis mil patacas a favor da Região Administrativa Especial de Macau, pena essa que já veio declarada como extinta;
– o arguido declarou ser empreteiro de obras de reparação e decoração, com cerca de trinta e duas mil patacas de rendimento mensal, sem encargos ecónomicos familiares, e com o 2.o ano do ensino secundário elementar como habilitações literárias;
– os dois ofendidos declararam o desejo de procedimento criminal contra o arguido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Apesar de o arguido ter começado por apontar ao Tribunal recorrido o cometimento do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a sua argumentação concretamente tecida a respeito disso na motivação do recurso faz transparecer que, no fundo, ele está a querer sindicar da justeza da subsunção, decidida por esse Tribunal, dos factos provados ao tipo legal do crime doloso de ofensa simples à integridade física do art.o 137.o, n.o 1, do CP.
E antes de se debruçar sobre isto, há que, por força da lógica das coisas, ver se procede o também arguido erro notório na apreciação da prova.
A este propósito, e depois de vistos todos os elementos probatórios dos autos, não se vislumbra como evidente ao presente Tribunal ad quem que o Tribunal recorrido, ao ter julgado a matéria de facto como o fez concretamente no seu acórdão, tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violado alguma norma jurídica cogente sobre o valor da prova, ou violado quaisquer legis artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, pelo que não pode o arguido recorrente vir sindicar gratuitamente a livre convicção a que chegou esse tribunal sob aval do art.o 114.o do Código de Processo Penal, improcedendo, pois, o esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do mesmo Código.
Sendo intocada a matéria de facto já dada por assente no aresto impugnado, cabe decidir se essa factualidade pode sustentar a verificação do dolo do arguido na prática do crime contra a ofendida.
Pois bem, estando já inclusivamente provado em primeira instância que o arguido, após chegado ao local dos autos, deu, no decurso de altercação e puxões, empurrão de mão no corpo da ofendida, fazendo com que a cabeça desta tenha batido no contentor de lixo e a parte direita do corpo tenha batido no chão, causando à ofendida vertigens na cabeça e lesão na parte direita do corpo, e que ele, de modo livre, voluntário e consciente, empregou intencionalmente violência para agredir a mesma ofendida, sabendo claramente que a sua conduta não era permitida por lei e era punível por lei, é juridicamente subsistente in totum a já decidida condenação dele, no acórdão recorrido, pela autoria material de um crime doloso consumado de ofensa simples à integridade física dessa ofendida, sendo certo que conforme a mesma factualidade provada, ele teve dolo directo em agredir a ofendida, pelo que é inconcebível qualquer hipótese de aplicação do art.o 142.o do CP.
Estando assente o dolo directo do arguido, as duas penas parcelares e a pena única de prisão achadas no acórdão recorrido mostram-se justas e equilibradas, atentos os factos e circunstancialismos já apurados pelo Tribunal a quo com pertinência para a fixação da duração das penas de prisão parcelares e única em questão dentro das respectivas molduras legais aplicáveis, não tendo, pois, o Tribunal recorrido violado os padrões da medida da pena mormente plasmados nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º do CP, sendo de frisar que:
– in casu, não é aplicável o art.o 141.o do CP, porque independentemente de mais indagação por desnecessária, não resulta da matéria de facto provada algum erro ou pecado cometido pelo ofendido que merecesse o castigo corporal do arguido através da bofetada à falada moda tradicional chinesa;
– não sendo o arguido um delinquente primário, é acertado o juízo de valor formado em sede do art.o 64.o do CP pelo Tribunal recorrido, no decidido sentido de não aplicação da pena de multa em detrimento da de prisão.
Por fim, no tangente à subsidiariamente pretendida substituição da pena única de prisão por igual tempo de multa, a razão também não está no lado do arguido, precisamente porque como ele não é um delinquente primário, e na anterior condenação penal, já levou pena de prisão, apesar de ser suspensa, uma eventual substituição da pena de prisão não conseguiria realmente prosseguir as finalidades de punição, sobretudo a nível da prevenção especial (cfr. o critério material referido na parte final do n.o 1 do art.o 44.o do CP).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com dezoito UC de taxa de justiça, e quatro mil patacas de honorários para o seu Ex.mo Defensor Oficioso, honorários esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique aos dois ofendidos.
Macau, 18 de Julho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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