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Processo n.º 450/2012 Data do acórdão: 2013-6-27 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime de acolhimento
– momento da prática do crime
S U M Á R I O

O crime de acolhimento pode não ser de execução instatânea ou momentânea, pois tudo há-de depender da duração concreta (se pequena ou grande) do tempo de acolhimento da pessoa clandestina.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 450/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): B (B)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 69 a 75 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-10-0111-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que a condenou, pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de acolhimento, p. e p. pelo art.º 15.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, de 22 de Julho, na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, veio a arguida B (B), aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado e peticionado, na sua essência, o seguinte na sua motivação de recurso (de fls. 95 a 109 dos presentes autos correspondentes):
– o Tribunal a quo confundiu aquilo que consubstancia a mera celebração de um contrato de arrendamento de natureza civil com o ilícito criminal de acolhimento descrito no art.o 15.o da Lei n.o 6/2004;
– aquando da celebração do contrato de arrendamento em causa (i.e., no momento dos factos), a inquilina C (C) encontrava-se em situação regular;
– e da matéria de facto provada resulta por demais claro que a arguida ora recorrente celebrou um contrato de arrendamento com uma imigrante legal, titular de um visto válido de permanência na Região Administrativa Especial de Macau, e nunca tomou conhecimento (nem lhe era exigível que tivesse tomado conhecimento) de que a referida imigrante viesse a colocar-se em situação ilegal;
– a vingar a interpretação jurídica que o Tribunal recorrido deu àquele preceito incriminador, então qualquer senhorio é um potencial criminoso, e ninguém aceitaria celebrar quaisquer contratos com qualquer indivíduo que não fosse residente permanente, de maneira que todos os cidadãos estrangeiros provenientes de outras regiões seriam vítimas de discriminação e exclusão;
– por outro lado, não existe culpa por parte da arguida na prática dos factos;
– a decisão recorrida padece, assim, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada referida na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do vigente Código de Processo Penal (CPP), porque os factos dados por provados não se subsumem, por qualquer forma, na acima referida norma incriminadora, ao que acresce a consideração de que só há negligência inconsciente (e nunca dolo) por parte da recorrente na prática dos factos, já que no momento de celebração do contrato de arrendamento com tal senhora, a própria recorrente não previu nem representou que tal senhora se colocaria em situação de imigração ilegal, até porque releva ainda o facto de que apenas em 15 de Janeiro de 2007, ou seja, decorridos 11 meses e 15 dias do contrato, é que a recorrente teve conhecimento da situação ilegal da dita senhora;
– daí que a recorrente nunca poderia ter sido condenada pelo crime pelo qual vinha acusada, impondo-se, portanto, a sua absolvição;
– ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o art.o 15.o da referida Lei.
Ao recurso, respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido (a fls. 112 a 114) no sentido de confirmação do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 122 a 123), pugnando materialmente também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos, e com audiência já realizada neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal a quo acabou por dar por provada toda a factualidade então descrita na acusação deduzida (a fls. 41 a 42 dos autos) pelo Ministério Público contra a arguida ora recorrente, a qual, na contestação escrita apresentada (a fl. 59 dos autos), não chegou a alegar outros factos em concreto, mas sim ofereceu o merecimento dos autos.
Segundo essa mesma factualidade provada (descrita originalmente em chinês, com tradução aqui feita para português pelo relator), e na sua essência com pertinência à solução do recurso:
– em 20 de Dezembro de 2005, C, munindo-se do passaporte chinês n.o G02XXXXXX, entrou em Macau;
– em 8 de Janeiro de 2006, a arguida B deu de arrendamento a C a fracção autónoma habitacional sita em Macau, na Rua da ......, n.o …, ….o andar …, mediante a renda mensal de 2100 patacas, com prazo de arrendamento desde 8 de Janeiro de 2006 até 30 de Janeiro de 2007;
– na altura, a arguida chegou a pedir a C que exibisse documento de identificação, pelo que sabia claramente que esta só podia ficar em Macau por um curto período de tempo, e que excedido que fosse esse período de tempo, estaria C em situação ilegal. Contudo, a arguida não ligava a esse risco;
– pouco tempo depois, C regressou ao Interior da China;
– em Abril de 2006, C usou o mesmo passaporte chinês para entrar outra vez em Macau. Até à expiração, em 16 de Abril de 2006, do seu prazo de permanência em Macau, C continuou, na mesma, a ficar em Macau e continuou a viver na fracção autónoma acima referida;
– em 15 de Janeiro de 2007, cerca das 15:30 horas, o pessoal policial do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), ao proceder à investigação na dita fracção autónoma, descobriu C;
– a arguida, ao praticar os actos referidos, agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
E o Tribunal recorrido afirmou na fundamentação fáctica do seu acórdão que a arguida tinha praticado os factos com dolo eventual (cfr. a 22.a linha da página 3 desse texto decisório, a fl. 70 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Embora a arguida tenha invocado o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP, do raciocínio da sua argumentação tecida na motivação do recurso decorre, com nitidez, que ela não está a apontar qualquer lacuna na investigação, por parte do Tribunal a quo, do objecto probando do processo, mas sim que está a preconizar materialmente que os factos descritos como provados no acórdão recorrido não dão para sustentar a verificação cabal, no caso, do crime de acolhimento por que vinha acusada e finalmente condenada em primeira instância.
E para rogar a absolvição, alega ela, nuclearmente, que ao celebrar em 8 de Janeiro de 2006 o contrato de arrendamento com a senhora C, na altura em situação legal em Macau, nunca tomou conhecimento (nem lhe era exigível que tivesse tomado conhecimento) que essa senhora viesse a colocar-se em situação ilegal.
Entretanto, para o presente Tribunal ad quem, este argumento está a contrariar frontalmente o seguinte já dado como provado no acórdão impugnado:
– na altura, a arguida chegou a pedir a C que exibisse documento de identificação, pelo que sabia claramente que esta só podia ficar em Macau por um curto período de tempo, e que excedido que fosse esse período de tempo, estaria C em situação ilegal. Contudo, a arguida não ligava a esse risco.
Daí que há-de decair a tese de actuação sem culpa ou de actuação com negligência inconsciente, como tal defendida pela recorrente. De facto, tendo em presente toda a factualidade então acusada à recorrente e finalmente descrita como provada no aresto recorrido, ela praticou os factos em causa realmente com dolo eventual (cujo conceito está definido no n.o 3 do art.o 13.o do vigente Código Penal). Sendo assim com dolo eventual, já não releva, para efeitos de verificação dessa modalidade do dolo, a alegada circunstância de que ela só tenha tido conhecimento da situação ilegal da dita senhora C em 15 de Janeiro de 2007.
Ademais, cumpre observar que o crime de acolhimento pode não ser de execução instatânea ou momentânea, pois tudo há-de depender da duração concreta (se pequena ou grande) do tempo de acolhimento da pessoa clandestina. Por isso, no caso concreto dos autos, ante a factualidade provada no acórdão recorrido, é de concluir que a recorrente acolheu ilegalmente, com dolo eventual, na fracção autónoma dos autos, tal senhora no período de 17 de Abril de 2006 a 15 de Janeiro de 2007 (até antes da descoberta dessa senhora pelo pessoal do CPSP cerca das 15:30 horas desse dia), e não que ela já acolheu ilegalmente a mesma senhora no curto período de tempo de permanência legal desta em Macau, aquando da celebração, em 8 de Janeiro de 2006, do contrato de arrendamento em causa.
Do exposto, sai confirmada a legalidade da condenação penal decidida pelo Tribunal recorrido, sem necessidade de abordagem, na presente lide recursória, do demais alegado pela arguida na motivação do seu recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela arguida, com oito UC de taxa de justiça, e seis mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso, honorários esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 27 de Junho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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