Processo n.º 416/2012 Data do acórdão: 2013-6-27 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– apoio judiciário
– art.º 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 41/94/M
S U M Á R I O
Segundo o art.o 4.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.º 41/94/M, de 1 de Agosto, uma pessoa que não seja residente em Macau não pode ter direito ao apoio judiciário.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 416/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 55 a 58 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR2-11-0310-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que a condenou, pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.º 19.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de cinco meses de prisão, e de um crime de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.o 21.o da mesma Lei, na pena de três meses de prisão, e, em cúmulo dessas duas penas, finalmente na pena única de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por dezoito meses, veio a arguida A, aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado e peticionado, em essência, o seguinte na sua motivação de recurso (de fls. 62 a 67 dos presentes autos correspondentes):
– em alguns dias antes da data da audiência de julgamento então feita em primeira instância, a Defensora Oficiosa subscritora da motivação do recurso em causa recebeu um telefonema proveniente do Interior da China, no qual uma senhora (que alegava ter por nome A) lhe disse que tinha recebido a notificação do Tribunal sobre a realização da audiência de julgamento (com indicação de meios de contacto da Defensora) e que ela, como nunca tinha chegado a entrar em Macau nem praticado aqui quaisquer actos, se sentia supreendida com os factos descritos na acusação;
– foi na sequência dessa conversa telefónica, e a pedido, aí feito pela própria Defensora, que esta veio receber depois, por via postal, o original de um bilhete de identidade n.o 422422630208504, com seguintes dados identificativos da respectiva pessoa titular: A, nascida em 8 de Fevereiro de 1963, e com morada numa aldeia de uma povoação numa zona de um distrito da Província de Hubei da China;
– e foi por isso que a própria Defensora, no início da audiência de julgamento então realizada, pediu a junção desse bilhete de identidade aos autos, para demonstrar que havia importante dúvida sobre a real identidade da arguida, pois tudo indicava que a arguida tinha prestado, mais uma vez, uma identidade falsa;
– o M.mo Juiz a quo, embora tenha autorizado a junção do dito bilhete de identidade nos autos, já discordou da realização de diligência investigatória para se apurar da real identidade da verdadeira arguida, e acabou por dar por provada toda a factualidade descrita na acusação;
– entretanto, o próprio M.mo Juiz a quo, o Digno Magistrado do Ministério Público e o guarda policial ouvido na audiência de julgamento como única testemunha da acusação confirmaram todos que a fotografia constante do passaporte chinês exibido pela arguida ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) aquando da detenção mostrava cara totalmente diferente da senhora com fotografia constante do dito bilhete de identidade;
– há, por isso, e em evidência, duas senhoras que alegavam ter por nome A, mas com caras diferentes;
– daí que o Tribunal recorrido deveria ter procedido a diligências investigatórias necessárias, para confirmar se a arguida do presente processo tinha ou não, como verídica, a identidade declarada e preenchida nos autos;
– e no caso de procedência do acima apontado erro notório e importante sobre a real identidade da arguida, dever-se-ia passar a declarar como penalmente inocente a senhora com nome verdadeiro de A;
– razões por que o Tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova no referente aos dados de identificação da arguida, tendo violado assim o disposto no art.o 355.o, n.o 1, alínea a), do vigente Código de Processo Penal (CPP);
– pretendeu, pois, a arguida a revogação da sentença, com determinação de realização de investigação sobre a sua real identidade;
– e mais pediu a dispensa de pagamento das custas do processo.
Ao recurso, respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido (a fls. 80 a 82) no sentido de confirmação do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 95 a 97v), pugnando materialmente também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos, e com audiência já realizada neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes dados, com pertinência à solução do recurso:
– conforme o teor da sentença ora recorrida, a arguida tem por nome verdadeiro A, nascida em 8 de Fevereiro de 1963;
– segundo a matéria de facto descrita como provada na sentença, a reentrada da arguida em Macau foi detectada com base na comparação das impressões digitais dela;
– no bilhete de identidade junto aos autos pela Ex.ma Defensora Oficiosa, consta que a respectiva pessoa titular tem por nome A, nascida em 8 de Fevereiro de 1963, e com morada com dizeres essencialmente coincidentes com os dizeres da morada declarada pela arguida no título de identidade e residência prestado a fl. 31 dos autos;
– esse bilhete de identidade, com fotografia da respectiva titular, foi emitido na China em 31 de Dezembro de 1987, para ser válido por dez anos;
– o passaporte chinês legal com o qual entrou a arguida em Macau nesta vez foi emitido em 15 de Agosto de 2007, com inscrição de seguintes dados identificativos da respectiva pessoa titular: A, nascida em 8 de Fevereiro de 1963 em Hubei da China (cfr. a fotocópia desse passaporte a fl. 5 dos autos).
– na ordem de expulsão à luz da qual foi expulsa a arguida na última vez em Outubro de 2007, estava colada uma fotografia desta (cfr. a fotocópia dessa ordem de expulsão, a fl. 7 dos autos);
– na acta de audiência de julgamento da Primeira Instância (lavrada a fls. 54 e seguintes dos autos), consta que foram lidas, nos termos do art.o 338.o, n.o 1, alínea a), do CPP, as declarações então prestadas pela arguida no Ministério Público, nas quais (e registadas a fls. 28 a 28v dos autos) a arguida afirmou que foi ela própria quem tinha assinado a ordem de expulsão de fl. 7, e que os dados identificativos nesta vez fornecidos ao Ministério Público eram verdadeiros, segundo os quais ela tinha por nome A e nasceu em 8 de Fevereiro de 1963.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
No recurso, a arguida não se reagiu contra a matéria de facto dada por provada pelo Tribunal a quo sobre os actos integradores dos tipos legais de reentrada ilegal e de falsas declarações sobre a identidade, mas sim apenas contra a identificação da pessoa arguida como tal constante na sentença.
A recorrente tem por tese nuclear que a fotografia constante do passaporte chinês legal da arguida condenada na sentença e a fotografia constante do bilhete de identidade junto aos autos no início da audiência de julgamento mostram que, no caso, há duas pessoas com caras diferentes.
Contudo, não se mostra patente ao presente Tribunal ad quem – depois de examinadas essas duas fotografias e comparadas as mesmas com a fotografia constante da ordem de expulsão – que se trata de pessoas diferentes, posto que não se pode esquecer de que o referido bilhete de identidade foi emitido em 1987, e o passaporte foi emitido em 2007, com vinte anos de intervalo de tempo, pelo que não é de estranhar que as feições do rosto ou da cara da pessoa fotografada em questão já tenham mudado algo, naturalmente, como as regras da experiência humana ensinam, em função do avanço da idade ao longo desse período de tempo.
Assim sendo, e conjugando com outros elementos probatórios então carreados aos autos até antes da emissão da sentença recorrida e já acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso, de entre os quais se sobressaem as circunstâncias de a reentrada da arguida em Macau ter sido detectada por comparação das impressões digitais, e de a arguida, aquando do seu interrogatório no Ministério Público em sede do inquérito, ter afirmado que foi ela própria quem assinou a ordem de expulsão da última vez e que os dados identificativos nesta vez fornecidos ao Ministério Público eram verdadeiros, crê o presente Tribunal de recurso que o Tribunal a quo, ao considerar como verdadeira a identidade assim declarada pela arguida ao Ministério Público na fase do inquérito dos autos, não violou qualquer regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, nem qualquer norma jurídica sobre o valor da prova, nem tão-pouco quaisquer leges artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto.
Pelo que, e sem mais outra indagação por ociosa ou prejudicada, há que naufragar o recurso.
Quanto ao pedido de dispensa de pagamento de custas, como a motivação do recurso em que se formulou essa pretensão tinha data anterior ao início da vigência, no dia 1 de Abril de 2013, da Lei n.o 13/2012, há que decidir desse pedido – por força das regras próprias da aplicação da lei no tempo – ainda sob a égide do anterior Decreto-Lei n.o 41/94/M, de 1 de Agosto.
Pois bem, segundo o art.o 4.o, n.o 1, desse Decreto-Lei, uma pessoa que não seja residente em Macau não pode ter direito ao apoio judiciário, pelo que sendo a arguida recorrente nesta situação, terá que ser indeferido o seu desejo de ver dispensado o pagamento das custas do processo.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso e indeferir o pedido de dispensa de pagamento das custas.
Custas do recurso pela arguida, com seis UC de taxa de justiça, e quatro mil patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa, honorários esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 27 de Junho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
(Concordo com a decisão de mérito, e quanto ao pedido de apoio judiciário, concordo com a decisão de indeferimento desde que a recorrente não seja residente nem temporariamente residente em Macau.)
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