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Proc. nº 381/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 04 de Julho de 2013
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios


SUMÁRIO:

I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.

II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).

III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).

V- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante os dias de descanso anual, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).












Proc. nº 381/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, com os demais sinais dos autos, representado pelo Ministério Público, intentou acção de processo comum de trabalho contra a “STDM - Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SARL”, pedindo a condenação desta no pagamento do valor de Mop$628.402,78 referente a dias de descanso semanal, anual e feriados que diz não ter gozado, nem lhe terem sido pagos, referentes ao tempo por que durou a relação laboral estabelecida entre ambos.
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No despacho saneador, de que não foi interposto qualquer recurso, foram julgados prescritos os créditos invocados anteriores a 7/03/1992.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré no pagamento da importância de Mop$5.395,00, acrescida dos juros legais.
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Contra essa sentença recorre primeiramente o autor da acção, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1-A sentença recorrida enferma de várias violações da lei, nomeadamente, no que diz respeito à aplicação do regime de prescrição dos créditos do trabalhador;
2-pois, caso em discussão nos presentes autos, dever-se-á aplicar todo o regime referente à prescrição e sua contagem vertido no Código Civil de 1966 e não o do novo Código Civil de Macau, por falta de regulamentação específica deste no domínio do direito do trabalho.
3-Na verdade, embora a inércia prolongada do exercício de um direito pelo seu titular tenha corno consequência jurídica a prescrição, o legislador prevê situações, ligadas a relações de especial proximidade e confiança e até de conflito de interesses, em que não é justo que a inércia prolongada do titular do direito no seu exercício seja desvalorizada.
4-Uma dessas relações é a relação de trabalho doméstico, a qual é, na sua essência, extremamente semelhante com a relação de trabalho do recorrente, urna vez que existe o mesmo tipo de subordinação jurídica.
5-Aliás, atento o facto de, na altura em que a recorrente exerceu funções na recorrida, apenas existir esta concessionária do jogo em Macau, o receio de perca de emprego é ainda mais acentuado do que na própria relação de trabalho doméstico.
6-Justifica-se, assim, um tratamento legal semelhante para estes dois tipos de contratos de trabalho.
7-Pelo que é de alargar também à relação laboral do recorrente o âmbito da causa bilateral de suspensão prevista na alínea e) do artº 318º do Código Civil de 1966.
8-Face à lacuna legislativa verificada na ordem jurídica de Macau, no âmbito do Código Civil de 1966, dever-se-á colmatá-la através do recurso à analogia.
9-E, assim, dever-se-à aplicar o disposto no artº 318º alínea e) do Código Civil de 1966, sendo que o prazo de prescrição dos créditos emergentes da relação laboral só comecará a correr após a cessação do contrato de trabalho.
10-Por outro lado, o recorrente não se conforma com esta sentença uma vez que considera que a mesma violou também a lei, ao considerar que as gorjetas não integravam o salário do recorrente na sua componente variável e, por esse motivo, não as contabilizar a título de compensação pelos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios não gozados;
11-Na verdade, ficou provado que a quase totalidade da remuneração do recorrente era paga pela Ré a título de rendimento variável,
12-O legislador de Macau recortou o conceito técnico-jurídico de salário nos artigos 7º alínea b), 25º nº 1 e 2 e 27º nº 2 do RJRL;
13-É o salário tal como se encontra definido nesses artigos que seve de base de cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, nomeadamente, do montante de acréscimo salarial devido pelos trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório;
14-A doutrina portuguesa invocada a douta sentença recorrida não serve de referência no caso em apreço, por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes;
15-Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito, não é a própria concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações, as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos;
16-Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização;
17-O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertem directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas segundo critérios estabelecidos pela Ré a todos os trabalhadores desta e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes;
18-As gorjetas que agora se discutem não pertencem aos trabalhadores mas sim à Ré que com elas faz o que entende.
19-A Ré tinha o dever jurídico de pagar ao recorrente quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho.
20-O pagamento da parte variável da retribuição do recorrente - que correspondia à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduzia-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre existiu durante todo o período da relação laboral e contribuiu para o seu orçamento pessoal e familiar;
21-Assim, e nos termos do disposto nos artigos 7º alínea b) e 25º nº 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição do recorrente terá que ser considerada como salário para efeitos do cômputo da indemnização a pagar relativamente aos dias de trabalho prestados nos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios;
22-Como vem referido em vários acordãos proferidos pelo Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M., “As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pela A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em última ratio devem ser vistas como “rendimento de trabalho”, porquanto devidas em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.”
23-A sentença recorrida fez uma errada interpretação do disposto nos artigos 5º, 27º, 28º, 29º nº 2 e 36º todos do Decreto-Lei nº 101/84/M de 25 de Agosto e, bem assim, uma interpretação incorrecta do consagrado nos artigos 5º, 7º nº 1 al. b), 25º, 26º e nº 27º todos do Decreto-Lei nº 24/89/M de 3 de Abril, pelo que deverá ser alterada com todas as legais consequências, nomeadamente no que diz respeito à contabilização das indemnizações devidas ao recorrente pelo trabalho prestado nos períodos de descanso e feriados obrigatórios;
24-O descanso semanal deverá ser contabilizado por aplicação da fórmula salário médio diário x 2 (artº 17º nº 6 do Decreto-Lei nº 24/89/M);
25-Quanto ao descanso anual apenas foi contabilizada erradamente o valor da remuneração diária, pois no demais foi cumprido o cálculo de contabilização previsto na lei;
26-Por último, os seis feriados obrigatórios deverão ser contabilizados, a partir de 3 de Abril de 1989, com a fórmula de cálculo seguinte: salário diário x número de feriados obrigatórios (6) x 3».
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Em resposta ao recurso, a ré, STDM, concluiu as suas alegações do seguinte modo:
«(i) A especialidade do regime prescricional aplicável à relação de trabalho doméstico assenta numa opção do legislador em a regular diferentemente. Caso o legislador pretendesse que os créditos resultantes de qualquer tipo de relação laboral estivessem sujeitos à suspensão prescricional prevista para os créditos resultantes do trabalho doméstico, assim o teria previsto. Estamos perante uma opção legislativa e não perante uma lacuna;
(ii) Como tal, não há lugar ao recurso a qualquer instituto legal de integração das lacunas da lei, porquanto não existe lacuna;
(iii) Aliás, este é também o entendimento do Tribunal de Segunda Instância (TSI), por tantas vezes expresso, nomeadamente, para citar as mais recentes Decisões, no Acórdãos proferidos nos processos n.º 835/2010, de 19 de Abril de 2012, n.º 864/2012, de 26 de Abril de 2012, n.º 4/2010, de 26 de Abril de 2012, n.º 138/2010, de 26 de Abril de 2012, n.º 104/2012, de 26 de Abril de 2012, n.º 110/2010, de 26 de Abril de 2012, n.º 999/2010, de 10 de Maio de 2012, n.º 419/2010, de 10 Maio de 2012 e n.º 7/2011, de 17 de Maio de 2012;
Ainda concluindo,
(iv) As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário;
(v) A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos: é uma prestação regular e periódica; em dinheiro ou em espécie; a que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal; como contrapartida pelo seu trabalho;
(vi) No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do espírito de animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o trabalhador ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento, inexistindo aquela oferta por parte dos clientes;
(vii) O Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero;
(viii) Na Jurisprudência e Doutrina de Portugal, é entendimento maioritário que as gorjetas oferecidas pelos clientes não constituem parte do salário. E, na verdade, a única diferença relevante entre os dois sistemas é a circunstância de as regras/critérios de distribuição das gratificações/gorjetas serem definidas, em Macau, pela entidade empregadora, enquanto em Portugal, esses critérios/regras encontram-se definidas pelo membro do Governo responsável pelo sector do turismo, ouvidos os representantes dos trabalhadores;
(ix) Também em Portugal os trabalhadores dos casinos estão proibidos de fazerem suas, a título individual, as gorjetas recebidas, devendo depositá-las, após o recebimento, em caixa própria, sendo as ditas gorjetas distribuídas, posteriormente, pelos trabalhadores de acordo com os ditos critérios definidos por via legislativa;
(x) Cremos que o facto de a definição dos critérios de distribuição das gorjetas caber, em Macau, à entidade empregadora não altera a natureza não salarial daquelas prestações, até porque, nem quando começou a trabalhar para a ora Recorrida, nem durante toda a relação contratual, o Recorrente alguma vez se interessou por esta questão, aceitando tais critérios sem questionar;
(xi) Dispõe o artigo 25.º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”:
(xii) Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos do Recorrente, não se pode dizer que ao Autor não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento/ remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do Recorrente e sua família;
(xiii) Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do Douto Tribunal Recorrido e, bem assim, da Doutrina e Jurisprudência maioritárias de Portugal, é também entendimento da Recorrida que: “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”;
(xiv) É, pois, forçoso concluir - como fez e bem o Tribunal a quo - que o rendimento dos trabalhadores dos casinos da STDM, proveniente das gorjetas concedidas pelos clientes, não pode ser qualificado como prestação retributiva e, desta forma, ser levado em linha de conta no cálculo de uma eventual indemnização que o ex-trabalhador, pudesse reivindicar da aqui Recorrida pelos dias de descanso semanal, anual e de feriados obrigatórios;
Ainda concluindo,
(xv) Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o ora Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais eventualmente devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
1. DL 101/84/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. DL 24/89/M: salário diário x 1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
3. DL 32/90/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
1. DL 101/84/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. DL 24 DL 24/89/M e DL 32/90/M: salário diário x 0 (e não x1 ou x3, porque uma parcela já foi paga e porque a Ré não impediu a Autora de gozar quaisquer dias de descanso);
iii. Trabalho prestado em dia feriado obrigatório:
1. DL 101/84/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. DL 24/89/M e DL 32/90/M: DL 24/89/M: salário diário x 1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
(xvi) Subsidiariamente, caso se entenda que as fórmulas supra expostas não devem ser as adoptadas para o cálculo de uma eventual indemnização devida ao Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007/ 29/2007 e 58/2007/ datados de 21 de Setembro de 2007/ 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008/ respectivamente».
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Recorreu também subsidiariamente a STDM, em cujas alegações formulou as conclusões que seguem:
«1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve improceder o recurso principal já interposto pelo Autor e aqui Recorrido Subordinado, mantendo-se a douta Sentença recorrida, ainda que esta não tenha aplicado a devida fórmula ao cálculo da compensação por trabalho prestado em dias de descanso anual;
2. Quanto a esta matéria, a aqui Recorrente Subordinada considera que há erro manifesto na apreciação da prova, nos termos do n.º 1 do artigo 599.º do Código de Processo Civil;
3. O trabalho prestado nos dias de descanso anual era remunerado à razão do triplo do salário de um dia de trabalho efectivo, apenas nos casos de impedimento, pelo empregador, do gozo de dias de descanso do trabalhador, o que não é o caso por não resultar de qualquer facto constante da matéria dada como provada;
4. Não resulta nem consta da matéria de facto assente nem daqueloutra dada como provada que a Ré tenha impedido, em qualquer circunstância, o gozo de dias de descanso anual por parte do Autor. Aliás, qualquer matéria relativa a um hipotético impedimento ao gozo de dias de descanso anual não foi nem alegada nem quesitada, em qualquer instância dos presentes autos;
5. Nestes termos, não existem factos que possam servir de fundamento para se concluir que a Ré impediu o gozo de dias de descanso anual por parte do Autor;
6. Nos termos do n.º 1 do artigo 335.º do Código Civil, seria ao Autor que se impunha a alegação, por um lado, e a prova, pelo outro, de que não gozou de dias de descanso anual por que a Ré o impediu, porquanto trata-se de factos constitutivos do direito que hipoteticamente deveria ter invocado e peticionado, mas que, note-se, nunca alegou nem peticionou;
7. Porque o Autor não o alegou nem provou, entende a aqui Recorrente Subordinada que, nesta parte da decisão, há erro manifesto na apreciação da prova, assim como na subsunção da matéria de facto provada à solução de direito encontrada;
8. Transcreve-se, a este respeito, parte do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 31 de Março de 2011, proferido no processo n.º 780/2007:
«No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O Empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar”. O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.» (destaques nossos);
9. E não se alegue que a não marcação de férias por parte da entidade patronal pode ser considerado impedimento ao seu gozo;
10. Invoca-se, a este respeito e a título exemplificativo da orientação jurisprudencial do ordenamento jurídico português - em termos gerais, saliente-se, bem mais proteccionista dos direitos do trabalhador que o ordenamento jurídico de Macau - o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) proferido no processo 05S1761, de 23 de Fevereiro de 2005:
“1. São dois os requisitos do direito à indemnização por violação do direito a férias: que o trabalhador não as tenha gozado e que tal tenha acontecido por a isso ter obstado, sem fundamento válido, a entidade empregadora.
2. A simples não marcação das férias não é suficiente para concluir que o empregador obstou ao seu gozo.
3. O termo obstar exige mais do que a simples inércia do empregador na concessão do gozo de férias; pressupõe uma atitude voluntária e consciente nesse sentido.
4. Compete ao autor alegar e provar aqueles dois factos, por serem factos constitutivos do direito àquela indemnização.
5. O facto das escalas de organização dos turnos não conterem os períodos de férias dos respectivos trabalhadores não permite concluir que eles não gozaram férias e muito menos que tenham sido impedidos de o fazer pela entidade empregadora.” - (sublinhado e destaque nosso);
11. Tal matéria nunca foi abordada nos presentes autos em primeira instância e até se pode ter dado o caso de o não gozo de dias de descanso ter ocorrido a pedido do próprio trabalhador; não sabemos, não é matéria assente nem foi quesitada;
12. E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual sem impedimento por parte da entidade patronal, entende a Recorrente subordinada que nada mais tem a pagar que não a remuneração já recebida pelo Autor, ou seja, um dia de salário, pelo que deve, o que se requer, ser a douta Sentença revogada na que a esta parte diz respeito».
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Não houve contra-alegações.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
«1. O autor começou a trabalhar para a Ré STDM, em 1978 e cessou a sua relação laboral em data posterior a 19 de Setembro de 1997.
2. Foi admitido como empregado de casino, recebia de dez em dez dias, da ré, duas quantias, uma fixa e outra variável, esta em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designada por gorjetas.
3. As “gorjetas” eram distribuídas pela ré segundo critério por esta fixado, a todos os trabalhadores dos casinos da ré, e não apenas aos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
4. O autor, entre os anos de 1992 a 1997, auferiu as seguintes quantias, pagas pela ré:
a) 1992 - MOP.209.135,00;
b) 1993 - MOP.200.650,00;
c) 1994 - MOP.215.650,00.
d) 1995 - MOP.215.129,00.
e) 1996 - MOP.182.145,00;
f) 1997 - MOP.99.825,00.
5. Foi acordado entre o autor e a ré que o autor tinha direito a receber as “gorjetas” conforme o método vigente na ré.
6. A ré pagou sempre regular e periodicamente ao autor a sua parte nas “gorjetas”.
7. O autor, como empregado de casino, era expressamente proibido pela ré de guardar para si quaisquer “gorjetas” que lhe fossem entregues pelos clientes do casino.
8. As “gorjetas” sempre integraram o orçamento normal do autor, o qual sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
9. O autor prestou serviço por turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
10. A ordem e o horário dos turnos eram os seguintes:
1. 1º e 6º turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3º e 5º turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3.2º e 4º turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00.
11. O autor podia pedir licença para ter dias de descanso sem qualquer remuneração.
12. O autor nunca gozou dias de descanso remunerados.
13. Durante o tempo em que trabalhou para a ré, o autor nunca gozou qualquer dia de descanso em cada período de sete dias.
14. O autor nunca gozou dias de descanso por cada período de um ano civil.
15. Autor e ré acordaram que o autor poderia pedir os dias de descanso que pretendesse gozar e que pelos que lhe fossem concedidos não receberia qualquer importância.
16. Autor e ré acordaram que aquele só receberia remuneração pelos dias em que efectivamente trabalhasse
17. A quantia fixa referida em 2) dos factos assentes foi de MOP$4,10 por dia, desde o início da relação laboral até 30/06/1989, de HKD$10.00 por dia, desde 01/07/1989 até 30/04/1995, e de HKD$15.00 por dia, desde 01/05/1995 até à data da cessação da relação laboral».
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III - O Direito
1 - Do recurso independente
O autor da acção não se conforma com a sentença, atacando-a em várias frentes:
a) - Em primeiro lugar, por entender que o prazo de prescrição só deveria ter começado a correr após a cessação do contrato de trabalho;
b) - Em segundo lugar, por discordar que as gorjetas não devam fazer parte do salário;
c) - Finalmente, por não aceitar as fórmulas de cálculo da indemnização referente aos dias de descanso e feriados não gozados utilizadas pela sentença recorrida, nem os valores remuneratórios diários a considerar para o efeito.
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1.1 - Quanto ao primeiro aspecto, que na verdade remonta ao despacho saneador, se ele era problema, deixou de o ser a partir do momento em que o autor o deixou transitar.
Com efeito, a decisão nele tomada de considerar prescritos os créditos anteriores a 7/03/1992 partiu do fundamento expresso que o prazo prescricional se começaria a contar do dia em que se venceram as quantias peticionadas, isto é, do dia em que o direito podia ser exercido, ou seja após o trabalho prestado, uma vez que se trata de uma obrigação pura que se vence com a interpelação do devedor para cumprir.
Ora, como o próprio recorrente reconhece, a sentença não aborda a questão da prescrição, por esta matéria exceptiva ter sido logo decidida naquele despacho saneador.
Assim sendo, tendo essa questão sido “concretamente apreciada” no despacho saneador, de que não foi interposto recurso pelo autor em recurso interlocutório, a sentença final que parte desse julgado definitivamente transitado não pode merecer qualquer censura expressa deste TSI, que se acha impedido de a reapreciar nesta sede de recurso (art. 429º, nº2).
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1.2 - A segunda questão a resolver implica a abordagem do conceito de salário.
Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Neste ponto, como este TSI tem reafirmado sem hesitar, as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos - jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
Aliás, e para terminar este ponto, não podemos deixar de salientar uma questão que emerge da própria matéria assente. Com efeito, se é líquido que o autor da acção recebia desde o início da contratação uma parte fixa e outra variável (ver facto assente B) e se foi acordado entre os contratantes que o autor tinha direito a receber as gorjetas (facto assente E)), então dificilmente se aceita que entre as partes não tenha sido estabelecida desde logo a fórmula de composição do salário de modo a que abrangesse tanto a contrapartida fixa, como a parte variável das gorjetas.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Certo também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06/2011 e 726/2012, de 22/11/2012, de 7/03/2013, Proc. nº 963/2012, entre tantos outros, cuja melhor doutrina aqui fazemos nossa em sustento da fundamentação do presente aresto.
Procede, pois, o recurso nesta parte.
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2 - Do recurso subordinado
Entende a recorrente STDM que houve erro manifesto na apreciação da prova porquanto não resulta dos autos que ela tivesse impedido o autor da acção de gozar os seus descansos anuais. Logo, não podia o tribunal aplicar o factor 3 na fórmula de cálculo da indemnização.
Trataremos da questão, porém, aquando da análise da compensação dos dias de descanso anual.
*
3 – Apuremos, então, o valor da indemnização.
Considerando a prescrição, a indemnização há-de fundar-se somente no regime legal que emerge do DL nº 24/89/M. Por outro lado, atender-se-á somente ao período que ocorre entre 7/03/1992 e 19/09/1997 (assim foi decidido, sem qualquer impugnação).
Vejamos, pois.
3.1 - Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, e não 1, como foi decidido na sentença. Procede, pois, o recurso nesta parte.
Assim:
Período de trabalho
Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X2
Valor da indemnização
1992 (entre 7/03/1992 e 31/12/1992)
42
580,93

48.798,12
1993
52
557,36

57.965,44
1994
52
599,03

62.299,12
1995
52
597,58

62.148,32
1996
52
505,96

52,619,84
1997 (entre 1/01/1997 e 19/09/1997)
37
378,12

27.980,88
Total: 311.811,72
*
3.2 - Descanso anual
Na vigência do DL n. 24/89/M
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil, e sem perda de salário (art. 21º,nº1), tal como já acontecia com o DL nº 101/84/M. Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do nº2 do artigo citado.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado, mas a matéria de facto adquirida na acção desmente a existência desse impedimento.
Como compensar, então, qualquer trabalhador que tenha prestado serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se entendemos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, a solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 21º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 26, nº1º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
Concluindo: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1 e não x 3, tal como decidido na 1ª instância.
Quer isto dizer, neste capítulo procede parcialmente o recurso subordinado.
Assim, o cálculo será o seguinte:
Período de trabalho
Nº de dias de descanso anual
Salário médio diário
Factor:
X1
Valor da indemnização
1992 (entre 7/03/1992 e 31/12/1992)
4,5
580,93

2.614,18
1993
6
557,36

3.344,16
1994
6
599,03

3.594,18
1995
6
597,58

3.585,48
1996
6
505,96

3.035,76
1997 (entre 1/01/1997 e 19/09/1997)
4,5
378,12

1.701,54
Total: 17.875,30
*
3.3 - Feriados obrigatórios
O DL nº 24/89/M trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer “não inferior”? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3.
É a posição que temos vindo a tomar.
Entretanto, o que fez a sentença?
Partiu do seguinte raciocínio fundamentativo: O autor não provou que tivesse trabalhado durante os feriados obrigatórios. Portanto, não poderia beneficiar do valor compensatório nos moldes habituais (na óptica do Ex.mo Juiz, o factor a considerar na fórmula de cálculo haveria de ser o 2). Todavia, tendo ficado provado que nos dias em que não trabalhasse, não receberia remuneração, deu como adquirido que nos dias de feriado obrigatório nada auferiu. Consequentemente, entendeu que ao menos o valor do salário diário, em singelo (x1), lhe seria devido, naquilo a que poderíamos designar teoria do alcance mínimo.
Este raciocínio é lógico e acolhe a solução representada pela ideia de que o gozo do feriado não implica perda de remuneração. Plausível!
Não obstante a referida fundamentação, perfeitamente defensável à luz do direito constituído, a sentença acabou, no entanto, por, contraditoriamente, conferir ao trabalhador uma indemnização em dobro (x2). Isto, que na verdade constitui causa de “nulidade de sentença” (art. 571º, nº1, al. c), do CPC), não permite, no entanto, que este TSI oficiosamente a declare, uma vez que nenhuma das partes a invocou nos respectivos recursos.
Assim, não nos resta senão aceitar a aplicação do factor de cálculo utilizado (x2) - assim claudicando a tese do recorrente trabalhador, que defendia que o facto de multiplicação deveria ser o 3 - apenas diferenciando a solução no que concerne ao valor da remuneração horária atendível.
Temos assim que a indemnização a este respeito é a que emerge do quadro que segue:
Período de trabalho

Nº de dias de feriado obrigatório
Salário médio diário
Factor:
X2
Valor da indemnização
1992 (entre 7/03/1992 e 31/12/1992)
2
580,93

2.323,72
1993
6
557,36

6.688,32
1994
6
599,03

7.188,36
1995
6
597,58

7.170,96
1996
6
505,96

6.071,52
1997 (entre 1/01/1997 e 19/09/1997)
5
378,12

3.781,20
Total: 33.224,08
Face ao exposto, o valor indemnizatório global é de Mop$362.911,10.
***

IV- Decidindo
Face ao que vem de ser dito, acordam em:
1- Conceder parcial provimento aos recursos (independente e subordinado)
2- Em consequência, revoga-se a sentença nos moldes acima expostos, condenando-se a STDM a pagar ao autor a quantia de Mop$362.911,10, acrescida dos juros legais, calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
TSI, 04 / 07 / 2013
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (Subscrevo o Acórdão à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.)
Choi Mou Pan