Recurso nº 427/2013/A
(Suspensão de eficácia)
Requerentes: A
B
C
D(menor, representado pelos seus pais A e B) (D(未成年人,由父母A及B代表))
Entidade Requerida : Secretário para a Economia e Finanças
(經濟財政司司長)
A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
I – Relatório
A e outros acima identificados, vieram, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 22 de Maio de 2013, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido da renovação da autorização de residência dos mesmos, tendo para tal deduzido, no seu requerimento a fls. 2 a 4-A dos p. autos, as razões de facto e de direito que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
Citada a entidade requerida, veio contestar oferecendo o merecimento dos autos.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 104 a 105 dos p. autos, no qual opinou no sentido de deferimento do pedido, por ter entendido estar verificados todos os requisitos.
Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
De acordo com os elementos constantes dos autos e do processo instrutor, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:
- Em 14DEZ2009, foi concedida à requerente e aos seus familiares a autorização de residência temporária na RAEM;
- Autorização essa que terminou em 14DEZ2012;
- Oportunamente foi requerida a renovação da autorização; e
- Por ter verificado o facto que a 1ª requerente detinha 3 registos criminais na Região Administrativa Especial de Hong Kong, foi indeferido o pedido da renovação da autorização com fundamento no artº 9º/2, al. 1 da Lei nº 4/2003.
Os requerentes alegaram ainda os seguintes factos, que não tinham sido objecto da impugnação (em chinês):
- 第一聲請人於2009年12月14日獲批臨時居留許可,於是第二聲請人隨即結束了內地的拉鏈廠生意,第三聲請人亦放棄了內地的學業,帶同第四聲請人舉家搬到澳門定居。
- 第一聲請人來澳後主要在家擔當家庭主婦,照顧其丈夫(即第二聲請人)及兒子(即第三和第四聲請人)的起居飲食。
- 同時亦設立“XX時裝”,兼職經營男女成衣批發及零售(商業登記書面報告副本見附呈的文件9,營業稅開業申報M/1格式副本見附呈的文件10,所得補充稅B組2012年度收業申請書副本見附呈的文件11)。
- 第一聲請人在澳期間,參與社會義務工作(由澳門XX宗親會發出的感謝信副本見附呈的文件18,由澳門XX同鄉會發出的給義工的一封信副本見附呈的文件19)。
- 第一聲請人於2012年多次在澳門鏡湖醫院作婦科超聲波檢查後,發現患有子宮壁間肌瘤和雙側卵巢囊腫等婦科病,雖然暫診為良性,但須定時到澳門鏡湖醫院複診以監察病情(鏡湖醫院婦科超聲波查報告單多份見附呈的文件23至文件26)。
- 第二聲請人為一家四口的家庭經濟支柱,由2012年4月開始於金都娛樂場任職莊荷,其僱主為銀河娛樂場股份有限公司,其僱主證明函件副本見附呈的文件27,其員工證見附呈的文件28。
- 在舉家移民到澳門定居時,第二聲請人已變賣所有內地家產,包括其一直經營的拉鏈廠,所有家財亦轉移到澳門,用以購買其位於澳門涌河新街22至120號海濱花園第二座XX樓XX座的家庭居所。
- 第三聲請人來澳後曾就讀於新華學校中學部(其學生證副本見附呈的文件32)。
- 經過三年的高中生活,第三聲請人今年剛高中畢業(其畢業證書副本見附呈的文件33)。
- 第三聲明人正就讀澳門科技大學暑期補習班,如成績合格,將於新學期正式入讀澳門科技大學(其申請入讀暑期補習班的電郵副本見附呈的文件40,購買暑期補習班教科書收據見附呈的文件41)。
- 第三聲明人亦於澳門參加衛生局季節性流感疫苗接種計劃,接種季節性流感疫苗(其個人接種卡副本見附呈的文件42)。
- 第四聲請人雖然一直在香港讀書,但因其家人都在澳門,第四聲請人一直以澳門為家,學校一放假就會回澳與家人團聚。
Nos presentes autos, a requerente veio pedir a suspensão de eficácia do acto de indeferimento de renovação da residência temporária da requerente e do seu agregado familiar, e para tal alegando que a execução imediata do acto causaria prejuízos de difícil reparação e a suspensão não causará grave lesões para o interesse público e não se indicia ser ilegal o recurso.
Vejamos.
Como se sabe, o mecanismo de suspensão da eficácia do acto administrativo tem a natureza e a estrutura do processo cautelar, tendo como requisitos a instrumentalidade (artigo 123º do CPAC), o fumus bonni juris, o periculum in mora, e, até certo ponto, a proporcionalidade.1
Para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120º e os três requisitos gerais do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Vejamos em primeiro lugar o pressuposto.
Dispõe o artigo 120º:
“Artigo 120º
(Suspensão de eficácia de actos administrativos)
A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a. Tenham conteúdo positivo;
b. Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
Como se vê, a suspensão da eficácia de um acto administrativo pressupõe a existência do acto de conteúdo positivo.
Os actos positivos são aqueles que alteram a ordem jurídica, relativamente ao momento em que foram praticados, e os actos negativos são aqueles que não alteram a relação jurídica preexistente, deixando-a na mesma, ou seja, na palavra do Prof. Freitas Amaral, são “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”. 2
Há três exemplos típicos destes actos negativos: a omissão de um comportamento devido, o silêncio perante um pedido apresentado à Administração por um particular, e o indeferimento expresso ou tácito duma pretensão apresentada. E a destruição de um acto negativo implica a necessidade de praticar os actos positivos que por lei deviam ter sido praticados e não foram (é o chamado dever de praticar o contrarius actus).3
Razão por que só os actos positivos é que podem ser objecto da suspensão de eficácia e os actos de conteúdo negativo podem ser objecto de dita suspensão desde que contiver vertente positiva e a suspensão só se cinge nesta vertente (al. b. do artigo 120º do CPAC).
Assim, perante um pedido de um acto de conteúdo negativo, deve ser sempre analisado caso a caso para se determinar se se trata de um acto negativo puro ou se coexistem efeitos secundários positivos.
De um modo geral, apontam-se vários requisitos necessários para que uma situação de facto, anteriormente existente à prática de um acto negativo, possa ser objecto de suspensão:4
1. Só podem relevar situações de facto pré-existente que se tenham constituído ou se mantenham à sombra da ordem judicial;
2. O requerente deve poder suscitar uma vocação ou expectativa de alguma forma reconhecida ou protegida com vista à manutenção da situação;
3. A modificação da situação de facto em causa deve ser uma consequência imediata e necessária do acto negativo; e
4. A suspensão da eficácia do acto negativo traduz-se apenas na paralisação, a título provisório, dos efeitos ablativos e, em determinadas condições, na salvaguarda do efeito prático do recurso, ou da utilidade da sentença.
Como se sabe, a suspensão de eficácia de um acto administrativo traduz-se, aí, tão somente, na paralisação provisória dos efeitos ablativos do acto, aguardando-se que o recurso contencioso conheça da sua legalidade intrínseca, ou seja, tratando-se de um provisório "congelamento" da situação, de uma conservação da res integra, como é típico das medidas cautelares, visando assegurar que a sentença de mérito a proferir possa ter eficácia prática.
Uma decisão que indeferiu uma pretensão, em princípio, não vem a alterar-se as suas respectivas situações jurídicas anteriormente existentes e a suspensão da eficácia também não lhe viria a alterar as situações preexistentes, mas em alguns casos, este tipo de acto de conteúdo negativo pode ter, para além do seu efeito típico principal, ligado a um efeito secundário, ou acessório, que modifica a situação jurídica e de facto preexistente, que se mantivera antes, sendo essa modificação uma consequência imediata e necessária do acto negativo5.
Sendo o acto ora suspendendo um indeferimento de renovação da fixação de residência temporária, diferente do caso de mero indeferimento do pedido de fixação de residência (acto de conteúdo negativo puro), pois, a decisão de não renovação da residência em Macau, vem necessariamente alterar a sua situação actual e pre-existente, e a suspensão do mesmo acto teria potencialidade para determinar, ela mesma, a produção dos efeitos jurídicos negados ao administrado com a prática do acto suspendendo, pelo que do decretamento da suspensão da eficácia poderia resultar para o requerente efeito útil, ou evitar os prejuízos para a sua esfera jurídica.
Ou seja, com a suspensão da eficácia da não renovação da fixação de residência, podem tão só ver-se a manutenção do status quo, como se fosse a situação antes de renovação – estadia em Macau, e, com a pretendida suspensão da execução do indeferimento, a obter um efeito útil até à decisão do recurso contencioso em que se apreciará a legalidade e adequação do indeferimento do título de residência não permanente.
Nesta conformidade, verifica-se efectivamente um acto de conteúdo negativo com a vertente positiva, satisfazendo o pressuposto do pedido de suspensão de eficácia.
E quanto aos requisitos, digamos o seguinte:
Prevê o artigo 121° do CPAC que:
“Artigo 121º (Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1. a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessa-dos façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Em conformidade com o disposto no artigo 121º ora citado, para obter uma autorização da suspensão da eficácia de um acto administrativo deve satisfazer cumulativamente os requisitos, um positivo e dois negativos.
O requisito positivo é a possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação, enquanto os requisitos negativos a inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
Quanto ao requisito positivo, o requerente alegou que, como todos os membros familiares do requerente ficariam obrigados a deixar o lugar em que se integram, por um lado, o requerente ficaria obrigado a fazer:
- cessar o seu negócio da loja de vestido, parar os serviços sociais de que vem prestando;
- o cancelamento do contrato de trabalho do 2º requerente;
- o cancelamento da matrícula da universidade e escola dos seus filhos;
- com todos os custos sociais e económicos; ...
Embora não concordemos com o argumento do prejuízo de difícil de reparação em consequência da eventual execução imediata do acto com a consequência da cessação do seu negócio e do cancelamento dos contratos do seu esposo, pela forma de redução do sustento económico da família, contribuído por parte das 1ª e 2º requerentes (pois caso viesse a comprovar a ilegalidade do acto, é sempre de direito a pedir a indemnização e durante a pendência do contencioso pode sempre a requerente exercer as suas actividades na sua terra de origem), já não podemos deixar de dar-lhe a razão ao argumento de que, com a execução do acto em crise, quebrando, com certeza, a estabilidade da família que se estabeleceu desde 2009 na RAEM, ficarão os seus filhos obrigados a ausentarem da RAEM e, podendo embora a requerente voltar a Hong Kong ou uso o documento de Hong Kong a permanecer na RAEM, caso outro motivo não a impeça, o seu filho, ora 3º requerente viver na sua terra original, digamos que, com a saída da Região, o 3º requerente ficaria obrigados de deixar o estudo no meio de ensino universitário (independentemente de ser duvidoso se o 4º requerente pode continuar a ficar na RAEM com o documento de Hong Kong), factores estes que assim causaria um prejuízo, não concretizáveis ou quantificáveis, prejuízo esse que não pode ser pecuniariamente reparável.
E essa possibilidade, o prejuízo de índole escolar ou universitário, tem contornos de certeza, caso não suspenda a execução do acto, razão pela qual não se pode deixar de dar por verificada a existência da possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação.6
Quanto aos requisitos negativos, não se apresentam a sua verificação, pois, é óbvio que não se divisam mínimos indícios de ilegalidade na interposição do recurso, ao contrário, não é menos lícito interpor o recurso do acto administrativo que não renovou a fixação da residência por investimento.
Por outro lado, a entidade requerida não contestou, limitando-se a oferecer o merecimento dos autos, facto este que se conduz à presunção da inexistência da circunstância que decorra grave lesão do interesse público pela sua permanência na Região até decisão do recurso, nos termos do artigo 129º nº 1 parte, in fine do Código de Processo Administrativo e Contencioso.
Assim sendo, dão-se por verificados totalmente os requisitos da suspensão de eficácia do acto administrativo ora em causa, deferindo o pedido.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em deferir a requerida suspensão de eficácia.
Sem custas.
Macau, RAE, aos 18 de Julho de 2013
Choi Mou Pan Presente
João A. G. Gil de Oliveira Vitor Coelho
Ho Wai Neng
1 Acórdão do TSI do processo 30/00/A.
2 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
3 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
4 Maria Fernanda dos Santos Maçãs, A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva, in Boletim da Faculdade de Direito de Universidade de Ciombra, Stvdia Ivridica, 22º, 1996, p. 85.
5 Cfr., a propósito, Drs. Cláudio Monteiro, “Suspensão de Eficácia dos Actos Administrativos de Conteúdo Negativo” ed. A.A.F.D.L. 1990, e Pedro Machete, “Suspensão Jurisdicional da Eficácia dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional do Tutela Efectiva, 45-107). Neste sentido também o Acórdão deste TSI de 21 de Fevereiro de 2002 do Processo nº 190/2001/A
6 Julgou-se neste sentido no acórdão deste TSI, entre outros, no processo n° 288/2009/A.
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TSI-427/2013 Página 1