Processo nº 328/2013 Data: 04.07.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Associação dos Advogados de Macau.
Constituição de assistente.
Taxa de justiça.
Isenção.
SUMÁRIO
A Associação dos Advogados de Macau não está isenta do pagamento de taxa de justiça pela sua constituição de assistente.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 328/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE MACAU, (A.A.M.), assistente, vem recorrer do despacho pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal proferido que, em sede do Inquérito n.° 415/2012, indeferiu um pedido no sentido de ser declarada isenta do pagamento de taxa de justiça pela sua constituição de assistente.
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Em síntese, diz que o despacho recorrido viola o preceituado no art. 2°, n.° 1, al. b) do Regime das Custas dos Tribunais, aprovado pelo D.L. n.° 63/99/M de 25.10.1999; (cfr., fls. 2 a 5-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não devia ser admitido, atento o disposto no art. 390°, n.° 1, al. a) do C.P.P.M.; (cfr. fls. 67 a 67-v).
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Admitido o recurso, (cfr., fls. 68), e remetidos os autos a esteT.S.I., em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:
“Associação dos Advogados de Macau, inconformada com a decisão, exarada pela Exm.ª Sr.ª J.I.C. em 19/04/2013, de indeferimento do seu pedido da isenção de pagamento de taxa de justiça devida pela constituição de assistente, vem recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, alegando ser uma Pessoa Colectiva Pública como integrante da Organização Administrativa da R.A.E.M. e invocando violação das normas contidas, nomeadamente, no art.a 2 n.º 1 al. b) do Decreto-Lei n.º 63/99/M de 25/10, conhecido por <>.
Entendemos que, salvo o devido respeito, o dito despacho da Exm.ª Sr.ª J.I.C. é uma decisão recorrível pela sua natureza decisória de condenação de custas nos órgãos judiciais.
No entanto, ao nosso ver, não se pode reconhecer razão à recorrente, pois não se vislumbra que o douto despacho ora recorrido tenha violado as regras e as normas legais que lhe imputa a recorrente.
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Vejamos.
É exigido o pagamento de taxa de justiça devida pela constituição de assistente pela força do art.º 67 do Decreto-Lei n.º 63/99/M de 25/10, e dos art.ºs 491, 494 a 495 do Código de Processo Penal de Macau, sem prejuízo da isenção de responsabilidade do assistente por imposto de justiça, “nos casos em que o arguido não é pronunciado ou é absolvido por razões supervenientes à acusação que tiver deduzido ou com que se tiver conformado, e que lhe não sejam imputáveis”, nos termos do art.º 492 do mesmo Código.
Nota-se também o direito especial da isenção de custas dos sujeitos processuais na esteira dos art.ºs 2, 62 e 95 do Decreto-Lei n.º 63/99/M de 25/10, cuja existência baseia em interesses públicos.
Alegando, assim, ser uma Pessoa Colectiva Pública como integrante da Organização Administrativa da R.A.E.M., entende a recorrente que se encontra beneficiada pela força do art.d 2 n.º 1 al. b) do Decreto-Lei n.º 63/99/M de 25/10, cuja redacção a saber:
“1. São isentos de custas:
...
b) O Território, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados;...”
Como se sabe, é dividida doutrinamente a Administração Pública em dois sectores:Administração estadual e Administração autónoma.
Muito obviamente se percebe que o mencionado artigo refere apenas à administração estadual, correspondendo à administração regional, nesta R.A.E.M..
Permitimo-nos citar desde já as ilustres doutrinas do Professor José Eduardo Figueiredo Dias na sua obra de <> (ponto 2.1 constante a fls. 53 a 58):
“No direito administrativo comparado é costume distinguir-se, no seio da administração estadual, a administração directa da administração indirecta:a administração estadual directa abrange os órgãos e serviços que levam a cabo fins do Estado (como tal referidos a toda a comunidade nacional) sob o comando do Governo, comportando todos os órgãos sujeitos à hierarquia (ao poder de direcção) do Governo;a administração estadual indirecta, pelo seu lado, compreende os serviços que, visando ainda a prossecução de finalidades estaduais (de toda a comunidade nacional), constituem pessoas colectivas diferentes do Estado e que exercem a sua actividade não já sob a hierarquia do Governo mas sim sob a sua superintendência, a qual comporta poderes de tutela e de orientação, mas não de dar ordens (hierarquia).
......
Ainda no que se refere à administração directa, dentro dos seus órgãos genericamente designados por serviços públicos a lei ou os regulamentos usam por vezes designações diferentes, com diminutas diferenças de regime:é isso que acontece com os serviços simples, os serviços com autonomia administrativa, os serviços com autonomia administrativa e financeira e, por último, com os fundos públicos (que, em regra, são meros instrumentos de gestão financeira, sem suporte humano relevante).
.....
Em termos de direito comparado, costumam integrar-se na administração indirecta os institutos públicos e as empresas públicas. Ao seu estudo, na RAEM, nos dedicaremos de seguida, embora com a consciência de que não existem aqui verdadeiras empresas públicas.”
Pela subsunção das doutrinas e dos conceitos acima referidos, não é difícil de perceber que “o Território e os seus serviços e organismos” estipulado no art.P 2 n.º 1 al. b) do Decreto-Lei n.º 63/99/M de 25/10 se trata dos conceitos da Administração regional desta R.A.E.M., incluindo a administração directa e a administração indirecta, mas não dos da Administração autónoma.
Pergunta única com que nos confrontamos é se a Associação dos Advogados de Macau, ora recorrente tem qualidade e natureza da Administrativa regional da R.A.E.M. ou da autónoma?
Não duvidamos que para responder a esta pergunta basta ver e ler o disposto nos art.ºs 3 e 27 do Decreto-Lei n.º 31/91/M, de 06/05, ou conhecido por <>, devendo-se tipificar como uma administração autónoma da recorrente por ser uma “associação pública profissional”, uma “pessoa colectiva pública”, “livre e autónoma”, “não estando sujeita a poderes de orientação de qualquer outra pessoa colectiva pública”, representando os interesses dos licenciados em Direito de Macau.
Quanto ao entendimento da administração autónoma, o Professor José Eduardo Figueiredo Dias nos esclareceu no ponto 2.2 constante a fls. 58 a 60 da sua obra de <>:
“2.2.—Administração autónoma
2.2.1.—No direito comparado
Em termos das administrações públicas no direito comparado, surge ao lado das administrações estaduais um sector mais ou menos amplo de administração (ou administrações) autónoma, que não está destinada à satisfação de interesses gerais de carácter nacional mas sim de interesses específicos das comunidades respectivas. Trata-se de formas de auto-administração de formações sociais infra-estaduais organizadas segundo princípios electivos e representativos.
......
Como afirma VITAL MOREIRA, numa definição abrangente da Administração autónoma, esta consiste na administração de interesses públicos próprios de certas colectividades ou agrupamentos infra-estaduais (de natureza territorial, profissional ou outra), por meio de corporações de direito público ou de outras formas de organização representativa, dotadas de poderes administrativos que exercem sob responsabilidade própria, sem sujeição a um poder de direcção ou de superintendência do Estado (através do Governo) nem a formas de tutela de mérito.
......
Ao lado da administração autónoma territorial existe também a administração autónomo a associativa ou corporativa, constituída pelas associação públicas: são organismos de base associativa, formados por pessoas ou por entidades agrupadas com vista à satisfação de interesses comuns (que não se identificam como os interesses da generalidade dos cidadãos) que se configuram como interesses públicos, o que explica que elas estejam dotadas de prerrogativas de interesse público. Assumem aqui um relevo muito particulares ordens profissionais (Ordem dos Médicos, Ordem dos Advogados, Ordem dos Engenheiros, etc.).1[ Em Portugal as associações públicas são consideradas pacificamente pessoas colectivas públicas, de natureza associativa, criadas como tal por acto do poder público, que desempenham tarefas administrativas próprias, relacionadas com os interesses dos próprios membros e que em princípio se governam a si mesmas mediante órgãos próprios que emanam da colectividade dos seus membros, sem dependência de ordens ou orientações governamentais, embora normalmente sujeitas a tutela administrativa estadual].
......
2.2.2.—A situação na RAEM
......
Em todo o caso, em termos associativos, existirá um caso isolado de uma associação pública que defende os interesses de uma classe determinada de pessoas que desempenham uma profissão liberal:referimo-nos à Associação dos Advogados de Macau, associação pública destinada a representar os “licenciados em Direito que (...) exercem a advocacia em Macau” (artigo 1.º dos seus Estatutos) e que, deste modo, visa a prossecução dos interesses próprios dos profissionais liberais que representa, regendo-se com autonomia mas em obediência a princípios de ordem pública.”
A Associação dos Advogados de Macau, ora recorrente tem o fim principal de satisfação dos interesses comuns dos seus Advogados membros, representando “licenciados em Direito que (...) exercem a advocacia em Macau”, mas não dos interesses da generalidade dos cidadãos, sendo assim pessoa colectiva pública da administração autónoma, mas não um instituto público da administração regional indirecta, nem uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, em conformidade da douta decisão da Mttm.ª J.I.C. recorrida.
Pois, o facto da concessão aos advogados do direito ou da tarefa de participação na administração da justiça, patrocinando juridicamente as partes, na esteira do art.º 67, nomeadamente n.ºs 3 e 4, do Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, não reflecte a defesa automática dos direitos de qualquer cidadão quando for necessário, como o Ministério Público faz, gozando assim este da isenção de custas na totalidade. Defendendo tão só a recorrente as partes ou os interessados processuais, quer individuais quer colectivos, actividade pela qual lhe são concedidas remunerações ou honorários.
Nunca há lugar, a nosso ver, aplicação do art.N 2 n.º 1, nem al. b) nem al. e), do Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25/10, ou seja, da isenção de custas para a Associação recorrente pela prática de qualquer acto processual.
Além do mais, conjugarmos ainda o art.º 36, nomeadamente o n.º 1 al. c) do Estatuto de Advogados, não resulta nada de obscuro o seu dever de pagamento de custas, não havendo previsão da isenção necessária ou obrigatória para a Associação recorrente:
“Artigo 36.º
(Receitas)
1. Constituem receitas da Associação dos Advogados de Macau:
a) As contribuições dos seus membros, na forma prevista nos estatutos;
b) Multas;
c) Participação nas custas judiciais e no imposto de justiça pagos no Território;
d) Participação nas receitas emolumentares arrecadadas pelos cartórios notariais e conservatórias de registos.
2. .......”
Embora não estejamos em oposição quanto à possibilidade de decisão judicial de isenção de custas para a Associação dos Advogados de Macau, noutros processos distintos do caso sub judice, em que se patrocina juridicamente em representação dos interesses públicos em generalidade dos cidadãos, entendemos que esta decisão judicial devia ser proferida dentro da administração da justiça mas não pela força dos art.ºs art.a 2 n.º 1 al. b) ou al. e) do Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25/10.
In casu, parece-nos que os interesses dos objectos processuais se relacionam apenas com os dos seus advogados, membros da Associação recorrente, não existindo nenhuma razão do deferimento da isenção de pagamento de taxa de justiça devida pela constituição de assistente, tendo em conta a natureza do crime semi-público de ameaça participada pela recorrente.
É de concluir que é da responsabilidade da Associação de Advogados de Macau, ora recorrente, o pagamento de taxa de justiça devida pela constituição de assistente pela força do art.º 67 do Decreto-Lei n.º 63/99/M de 25/10, e dos art.ºs 491, 494 a 495 do Código de Processo Penal de Macau, sem prejuízo da isenção de responsabilidade do assistente por imposto de justiça, nos termos do art.º 492 do mesmo Código, não havendo violação do art.o 2 n.º 1 al. b) do Decreto-Lei n.º 63/99/M de 25/10.
Pelo exposto, entendemos que se deve ser julgado improcedente o recurso”; (cfr., fls. 75 a 79).
*
Passa-se a apreciar.
Fundamentação
2. “Questão prévia: da admissibilidade do recurso”.
Como se consignou em despacho proferido em sede de exame preliminar, (cfr., fls. 80), motivos não existem para não se admitir o presente recurso.
Com efeito, e antes de mais, não se mostra de considerar a dita decisão recorrida um “despacho de mero expediente”, (cfr., art. 390°, n.° 1, al. a) do C.P.P.M.), como se entendeu em sede de Resposta do Ministério Público; (cfr., fls. 67 a 67-v).
Na verdade, “despachos de mero expediente” são actos processuais do Juiz pelos quais ele regula o andamento normal do processo, sem que se pronuncie sobre o mérito da causa ou de quaisquer incidentes ou questões interlocutórias suscitadas pelos sujeitos processuais; (como, v,g, a marcação da data de uma diligência; cfr., v.g., P. P. Albuquerque, in “Comentário ao C.P.P.”, pág. 1001.
Por sua vez, e como se preceitua no art. 391°, n.° 1, al. b) do C.P.PM., ao “assistente” assiste legitimidade para recorrer das “decisões contra ele proferidas”, consignando-se também que a alínea d) deste mesmo preceito reconhece igualmente legitimidade para recorrer “aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão”.
Nesta conformidade, e nada parecendo obstar, passa-se a apreciar do recurso.
3. “Do recurso”.
Como sabido é, constitui entendimento pacífico que, à luz do art. 402°, n.° 1 do C.P.P.M., o âmbito de um recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, obviamente, das questões de conhecimento oficioso.
Por sua vez, a função do Tribunal de recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o “thema decidendum” que foi colocado à apreciação do Tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
A tanto se passa.
Nas suas conclusões, diz (essencialmente) a ora recorrente o que segue:
“(…)
II. Salvo devido respeito por melhor opinião, a ora Recorrente beneficia da isenção subjectiva de custas conforma previsto no Regime das Custas nos Tribunais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 63/99/M, de 25 de Outubro, nomeadamente na alínea b) do número 1 do artigo 2°.
III. A Associação dos Advogados de Macau é uma Associação Pública, criada pelo Governo, mediante acto legislativo, que no termos estabelecidos nos respectivos Estatutos (artigo 27.º, n.º 1), representa os licenciados em Direito que, de acordo com esses estatutos e as disposições legais aplicáveis, exercem a advocacia em Macau.
IV. A Associação dos Advogados de Macau goza de personalidade jurídica, é independente e autónoma na prossecução dos seus objectivos, sendo suas atribuições, entre outras, colaborar na administração da justiça, e cabendo das deliberações da Assembleia Geral da Associação que constituam actos definitivos e executórios recurso contencioso nos termos gerais de direito - cfr. arts. 1º, 3º e 5.º, n.º 3 dos Estatutos da Associação Pública dos Advogados de Macau.
V. Nos termos do Estatuto do Advogado, a Associação dos Advogados de Macau é uma pessoa colectiva pública, não estando sujeita a poderes de orientação de qualquer outra pessoa colectiva pública - cfr. art. 27º -, resultando do mesmo diploma que as suas receitas, entre outras, incluem a participação nas custas judiciais e no imposto de justiça pagos na RAEM, e bem assim participação nas receitas emolumentares arrecadadas pelos cartórios notariais e conservatórias de registos - dr. art. 36º do mencionado Estatuto do Advogado.
VI. Nos termos da Lei de Bases da Organização Judiciária, aprovada pela Lei nº 9/1999, com as alterações e aditamentos introduzidas pela Lei nº 7/2004 e pela Lei nº 9/2004, de 1 de Novembro, e conforme republicação integral ordenada por Despacho do Chefe do Executivo nº 265/2004, os Advogados participam na administração da justiça, patrocinando juridicamente as partes - cfr. art. 67º, nº 3.
VII. As supra citadas disposições legais revelam o regime jurídico da Associação dos Advogados de Macau e configuram a actividade desta Associação e Pessoa Colectiva Pública como integrante da Organização Administrativa da RAEM, sendo comummente aceite que a Administração Pública é um sistema constituído por órgãos e serviços, entidades públicas e seus agentes, que desenvolve e regula um conjunto de actividades que visam assegurar a satisfação das necessidades colectivas.
VIII. A Associação dos Advogados de Macau como organismo personalizado de natureza associativa, incumbido de prosseguir interesses institucionais, quais sejam, a participação e colaboração na administração da justiça, tem uma natureza jurídica enquadrável na previsão legal do art. 2°, n° 1 alínea b) do Regime das Custas nos Tribunais, que estabelece isenção de custas para O Território, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados, devendo assim beneficiar da isenção de custas estabelecida nesse diploma legal.
IX. Isenção essa que foi, aliás, recentemente reconhecida no âmbito do Inquérito Número 5235/2010 da 1ª Secção do Ministério Público da RAEM, quer pelo digno Magistrado do Ministério Público, quer pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal.
X. O despacho recorrido viola assim o disposto no art. 2°, n° 1 alínea b) do Regime das Custas nos Tribunais, devendo consequentemente ser revogado e substituído por douta decisão que reconheça à ora Recorrente a isenção do pagamento de custas e preparos no âmbito do presente processo”; (cfr., fls. 4 a 5).
Nesta conformidade, verifica-se que vem peticionado que se profira “decisão que reconheça à ora Recorrente a isenção do pagamento de custas e preparos no âmbito do presente processo”.
E, sendo o “presente processo” um “processo de natureza penal”, certo sendo também que as “custas” cuja isenção de pagamento foi indeferida diz respeito à “constituição da ora recorrente como assistente”, constata-se assim que a (única) questão que importa decidir no presente recurso consiste em saber se a Associação dos Advogados de Macau beneficia de isenção do pagamento de taxa de justiça pela sua constituição de assistente.
Identificada que assim fica a “questão a decidir”, continuemos. (Note-se que em causa está a “isenção de natureza subjectiva”, relativa ao sujeito processual, cujo critério assenta na qualidade dos sujeitos responsáveis, e não uma “isenção de ordem objectiva”, cujo critério assenta na “matéria tratada no processo”, como é exemplo, a referida no art. 3° e 63° do citado “Regime das Custas dos Tribunais” assim como no art. 28°, n.° 6, do Regime geral de apoio judiciário, aprovado pelo D.L. 13/2012, onde se preceitua que “a impugnação contenciosa está isenta de preparos”).
Ora, atenta a “natureza” e “atribuições” da ora recorrente, e sendo que nos termos do art. 2°, n.° 1, al. e), do já referido “Regime das Custas dos Tribunais”: “1. São isentos de custas: e) As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa”, seria de se reconhecer razão à ora recorrente.
Porém, (tendo-se presente que uma boa interpretação da lei não é aquela que, numa perspectiva hermenêutico – exegética determina correctamente o sentido textual da norma, sendo antes aquela que numa perspectiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério de decisão do problema concreto, e) da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, outra nos parece que deva ser a solução.
Antes de mais, mostra-se-nos adequado consignar o que segue: o direito fundamental de “acesso ao direito e aos Tribunais” – cfr., v.g., o art. 36° da L.B.R.A.E.M. – poderia levar à defesa do princípio da gratuitidade do funcionamento da máquina judiciária.
E, como já notou A.S. Abrantes Geraldes, sucede porém que, como alguém teria de suportar os custos finais, estes iriam repercutir (necessariamente) na generalidade dos cidadãos, através do pagamento de impostos; (cfr., “Temas Judiciários”, I Vol., pág. 173).
Abordando a questão de dever ou não, ser a “justiça gratuita”, também há muito que concluiu Alberto dos Reis que sem prejuízo de se dever inscrever no Orçamento Geral as verbas necessárias ao funcionamento dos Tribunais, não deviam os litigantes ficar dispensados da obrigação de suportar, pelo menos, uma parte da despesa global com a administração da justiça; (cfr., “C.P.C. Anot.”, Vo. II, pág. 199).
Acresce também que a necessidade de pagamento de custas judiciais encontra a sua justificação (racional) num princípio de justiça distributiva, constituindo também um travão que não deixa de atenuar os efeitos negativos da excessiva litigiosidade, contribuindo, (eventualmente), para afastar dos Tribunais questões que – em termos jurídicos, económicos ou sociais – se mostrem irrelevantes; (neste sentido, cfr., v.g., S. Costa, in “C.C.J. Anot.”, pág. 30, e B. Sousa Santos in, “Os Tribunais nas sociedades contemporâneas”, pág. 158).
Com efeito, e como também ocorre com a generalidade dos serviços públicos – v.g., educação (propinas) e saúde (taxas) – o funcionamento dos mecanismos jurisdicionais está, em regra – excepto casos de isenção ou dispensa – sujeito a tributação, a fim de, por um lado diminuir a responsabilidade pública e de moderar o uso dos Tribunais.
Justificada que assim cremos ficar a regra geral do pagamento de custas judiciais, (e não olvidando que, no caso, em causa está o pagamento destas em virtude da “constituição de assistente” da ora recorrente), vejamos.
O C.P.P.M. – após tratar da “legitimidade” e da “posição processual e atribuições do assistente”, (cfr., art°s 57° e 58°, que para a questão a decidir, não relevam) – preceitua, (no Livro XI, sobre a “Responsabilidade por imposto de justiça e por custas” e) no seu art. 495°, que:
“1. A constituição de assistente dá lugar ao pagamento de imposto de justiça igual ao mínimo correspondente ao processo, o qual é levado em conta no caso de o assistente ser, a final, condenado em novo imposto; se o processo ainda não estiver classificado no momento do requerimento para a constituição de assistente, o requerente paga o imposto mínimo correspondente ao processo comum com julgamento efectuado pelo juiz singular e, logo após a classificação, o complemento que for devido.
2. Entende-se que desiste e perde todos os direitos de assistente aquele que, notificado para pagar o complemento do imposto, o não faz no prazo de 5 dias.
3. No caso de morte ou incapacidade do assistente, o pagamento do imposto já efectuado aproveita àqueles que se apresentem em seu lugar, a fim de continuarem a assistência”; (sub. nosso).
Seguidamente, estatui o seu art. 496° que:
“Pagam imposto de justiça e custas, além do assistente e do arguido:
a) A parte civil, ainda que representada pelo Ministério Público, quando se dever entender que deu causa às custas, segundo as normas do processo civil, salvo se por outra razão dever ficar isenta;
b) Qualquer pessoa que não for sujeito do processo, pelos incidentes que provocar, quando neles venha a decair;
c) O denunciante, quando se mostrar que denunciou de má fé ou com negligência grave;
d) O denunciante e o ofendido que, pela sua oposição, inviabilizarem a suspensão provisória do processo ou a condenação em processo sumaríssimo, se essa oposição se vier a revelar infundada;
e) O impugnante que vir a sua impugnação rejeitada”; (sub. nosso).
Por sua vez, (sob a epígrafe “isenções”), dispõe o art. 498° que:
“1. O Ministério Público está isento de imposto de justiça e de custas.
2. Não é devido imposto de justiça pela interposição de recurso ou de impugnação, nem imposto inicial na instância superior.
3. Os arguidos presos gozam de isenção de imposto de justiça nos incidentes que requererem ou a que fizerem oposição”.
E, sob a epígrafe “disposições subsidiárias”, preceitua o art. 499° que:
“É subsidiariamente aplicável em matéria de responsabilidade por imposto de justiça e por custas o disposto na legislação sobre custas”; (sub. nosso).
Constatando-se assim que a “constituição de assistente” implica o pagamento de “imposto de justiça”, (cfr., art. 495°, n.° 1), e nada se preceituando no C.P.P.M. sobre a questão a tratar – sobre a “isenção da ora recorrente”, cfr., art. 498° – legítimo (e natural) é assim recorrer-se à “legislação sobre custas”, (cfr., o transcrito art. 499°), no caso, o mencionado “Regime das Custas dos Tribunais”, aprovado pelo D.L. n.° 63/99/M, (onde, no seu art.° 67° se regula o “prazo” e “sanção” pelo atraso no “pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente”).
Todavia, e em nossa modesta opinião, adequada não é a invocação do art. 2° deste diploma para se solucionar a dita questão.
É que, como de uma mera análise e leitura ao referido diploma legal se pode concluir, o dito “art. 2°” encontra-se inserido (na matéria do “Âmbito das custas e isenções”, mas) no Título I, respeitante às “Custas no Processo Civil”, devendo-se antes recorrer ao art. 62° do mesmo diploma, que sob a epígrafe “isenções subjectivas”, situa-se no Título II, referente às “Custas em Processo Penal”.
Com efeito, movendo-nos em “processo de natureza penal”, motivos não nos parecem existir para não se aplicar as disposições da “legislação sobre custas” (expressa e) especialmente destinadas a este tipo de processo.
E, então, impõe-se concluir que não se pode reconhecer razão à ora recorrente.
De facto, prescreve o art. 62° em questão que:
“Sem prejuízo do disposto nas leis de processo ou em lei especial, são isentos de custas:
a) Os menores ou os seus representantes legais ou equivalentes nos recursos de decisões relativas à aplicação, alteração ou cessação de medidas em processos do regime educativo da jurisdição de menores;
b) Os arguidos não recorrentes que responderam no sentido da confirmação da decisão recorrida;
c) Os requeridos no incidente de apoio judiciário, excepto quando tenham deduzido oposição manifestamente infundada;
d) Quaisquer outras entidades assim declaradas por lei especial”.
E, assim, atento o seu teor, (onde não consta a situação da ora recorrente), não existindo igualmente nenhuma “lei especial” a declarar a ora recorrente isenta do pagamento de custas (em processo penal), outra solução não nos parece possível.
Dir-se-á, eventualmente, que (dada a natureza e atribuições da ora recorrente) sempre se deveria aplicar, subsidiariamente, o preceituado no citado “art. 2°”.
Não nos parece acertado o assim considerado.
Desde logo, porque o pagamento de custas judiciais, (como atrás se viu), é a “regra (geral)”, (neste sentido, cfr., também o art. 1° e 61° do mencionado R.C.T.), sendo a isenção (ou dispensa) do seu pagamento a “excepção”, e, então, como cremos ser maioritariamente pacífico, adequada não é a aplicação subsidiária de disposições que prevêem excepções.
Por sua vez, de olvidar não é também o estatuído no art. 10° do C.C.M., onde, admitindo-se a interpretação extensiva de normas excepcionais, afasta a possibilidade da sua aplicação analógica.
Mas, ainda que assim não se entenda, outra razão cremos que existe.
É que, no art. 84° do D.L. n.° 63/99/M, com o qual se inicia o “Título III” deste diploma legal, referente às “Custas em Processo Administrativo”, preceitua-se que:
“Aos processos administrativos contenciosos e aos respectivos incidentes e recursos aplicam-se as disposições deste título e, subsidiariamente, as disposições do título I”.
E, se entendeu o legislador local regular a matéria das custas em processo administrativo por “remissão” para as normas referentes às “custas em processo civil”, (constantes no “Título I”), afirmando mesmo que, no caso, estas aplicam-se “subsidiariamente”, não o fazendo em relação às “custas em processo penal”, (e nestas estatuindo diversamente), legítimo não se mostra ao aplicador do direito, outra solução que não a assente numa interpretação em conformidade, aliás, como determina o preceituado no art. 8° do citado C.C.M.; (no sentido de o Inst. de Seg. Social não estar isento do pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, vd., v.g., o Ac. da Rel. Porto de 24.05.2006, Proc. n.° 0640042, podendo-se ainda, com interesse para a questão, ver o de 09.06.2004, Proc. n.° 0441436, onde se decidiu que em processo penal, uma autarquia local não está isenta de custas, e, mais recentemente, o da R. de Lisboa de 03.04.2013, Proc. n.° 2359/08, todos in www.dgsi.pt, aqui citado como mera referência).
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Macau, aos 4 de Julho de 2013
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (com declaração de voto)
Declaração de voto ao Acórdão de 4 de Julho de 2013 do
Tribunal de Segunda Instância no
Processo n.º 328/2013
Quanto ao fundamento legal da admissão e imediato conhecimento, por este Tribunal de Segunda Instância, do recurso interposto pela Associação dos Advogados de Macau (AAM) do despacho da M.ma Juíza de Instrução Criminal (que lhe indeferiu o pedido, formulado no requerimento de sua constituição como assistente no subjacente processo penal, de isenção do pagamento do imposto de justiça devido pela constituição de assistente, e mandou pagá-lo para efeitos de constituição de assistente), tem o ora signatário o seguinte entendimento, algo diverso do vertido no Acórdão que antecede:
– a norma do art.º 391.º, n.º 1, alínea b), do vigente Código de Processo Penal (CPP) (de acordo com a qual o assistente tem legitimidade para recorrer de decisões contra ele proferidas), como está a referir-se tão-só à questão de legitimidade para recorrer, não sustentaria cabalmente a admissão e imediato conhecimento daquele identificado recurso, sendo, outrossim, de frisar que aquando da emissão do despacho recorrido, a AAM ainda não estava efectivamente constituída como assistente;
– outrossim, nem a alínea d) do dito n.º 1 do art.º 391.º (que prescreve que têm legitimidade para recorrer aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos do CPP, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão) suportaria totalmente a admissão e imediato conhecimento do mesmo recurso, porque desde logo, a AAM não foi condenado no despacho judicial recorrido a pagar o imposto de justiça pela sua constituição de assistente, mas sim é o art.º 495.º, n.º 1, do CPP a exigir esse pagamento, e, por outro lado, a letra da última parte dessa alínea d) também só resolve a questão de legitimidade;
– seria, portanto, de invocar, por ser pertinente ao caso concreto dos autos, o espírito da norma do art.º 397.º, n.º 1, alínea g), do CPP (por força da qual sobe imediatamente o recurso interposto de despacho que não admitir a constituição de assistente) para fundamentar a decisão de admissão e imediato conhecimento do recurso ora interposto pela AAM, porquanto sendo o pagamento do imposto de justiça a que se refere no art.º 495.º, n.º 1, do CPP um dos pressupostos legais para a constituição de assistente, o não pagamento disso acarreta o indeferimento da constituição de assistente, pelo que se a AAM tivesse insistido no não pagamento (por estar convicta da legalidade e justeza da sua tese de isenção do pagamento, em sede do art.º 2.º, n.º 1, alínea b), do actual Regime das Custas nos Tribunais), iria ter o seu pedido de constituição de assistente necessariamente indeferido, daí que vistas as coisas nesta perspectiva, enquadrável no espírito da atrás referenciada alínea g) do n.º 1 do art.º 397.º, deveria, realmente, ser admitido e conhecido imediatamente o recurso da AAM do dito despacho de indeferimento.
Macau, 4 de Julho de 2013.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
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