Processo nº 303/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 04 de Julho de 2013
ASSUNTO:
- Marca
- Capacidade distintiva
SUMÁRIO:
- A marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, daí que o seu registo exige a capacidade distintiva.
- “COTAI” indica uma determinanda zona específica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento.
- A expressão “AT THE HEART OF COTAI”, para a tradução directa em português, corresponde “NO CORAÇÃO DO COTAI”, ressaltando desde logo à vista o seu sentido de localização geográfica: no centro do COTAI.
- Assim, um consumidor médio, ao ver a referida expressão “AT THE HEART OF COTAI”, pode não saber se se tratar duma marca do produto ou duma publicidade ao centro da zona geográfica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento, bem como pode não saber, em concreto, qual a entidade exploradora desse produto ou dessas actividades, uma vez que existem diferentes entidades titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar que praticam as mesmas actividades na referida zona.
- Não possuindo capacidade distintiva, não pode ser objecto do registo.
O Relator,
Processo nº 303/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 04 de Julho de 2013
Recorrente: A Corp.
Recorrida: B Limited
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 19/12/2012, foi decidido julgar procedente o recurso judicial interposto pela B Limited e, em consequência, anulou-se a decisão da Direcção dos Serviços de Economia (DSE), recusando assim a concessão do registo da marca nº N/55921 a favor da A Corp., para a classe de produtos nº 43.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) A marca N/55921 AT THE HEART OF COTAI é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já que constitui um topónimo: COTAI.
b) AT THE HEART OF, traduzido por NO CORAÇÃO DE, constitui uma alusão, uma referência indirecta, ao núcleo ou centro do COTAI, como pode também ser entendido como uma alusão ao coração como alma, à representação mais original, mais verdadeira ou mais genuína do que é o COTAI.
c) Para que uma marca possa ser admitida a registo, basta que possua um mínimo de capacidade distintiva.
d) Uma marca só é descritiva se for exclusiva e directamente descritiva.
e) A marca AT THE HEART OF COTAI não é exclusivamente constituído por uma indicação que serve para estabelecer a proveniência geográfica dos produtos ou serviços marcados e, como tal, cumpre o requisito do mínimo de capacidade distintiva.
f) A Recorrente não pretende obter qualquer exclusivo sobre a designação COTAI mas, tão-só, sobre o conjunto formado por essa indicação geográfica e pelas demais expressões que constituem a marca e que lhe conferem uma distintividade própria.
g) Trata-se, pois, de uma marca que permite distinguir os serviços prestados pela Recorrente daqueles que sejam prestados por outros empresários e que é capaz de preencher igualmente as funções complementares da marca, quais sejam, a garantia de qualidade dos serviços que assinala e publicitária.
h) Ao considerar que a marca AT THE HEART OF COTAI é destituída de capacidade distintiva, a decisão recorrida incorre num erro de julgamento e faz uma errada aplicação da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 199.° e do artigo 197.°, ambos do RJPI.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
a) Em 19 de Abril de 2011, A Corp. requereu o registo da marca N/55921 para a classe de produtos nº 43 a qual consiste em “AT THE HEART OF COTAI”.
b) A marca destina-se aos resorts turísticos, hotéis e serviços de alojamento, restaurantes e bares, serviços de salas de banquetes, serviços de bar de cocktails e de bar de salão, disponibilização de suites de luxo para entretenimento, negócios e hospedagem, fornecimento de instalações e serviços para congressos e conferências a terceiros.
c) Foi publicado no B.O., nº 22 da II Série de 01 de Junho de 2011, o pedido de registo de marca.
d) O registo foi concedido por despacho pela Srª Chefe de Departamento das Propriedades Intelectuais de 13 de Dezembro de 2011 e publicado no B.O. nº l, II Série, de 4 de Janeiro de 2012.
e) B Limited é titular dos seguintes registos de marca que consistem em “WHERE COTAI BEGINS”: os registos com os nºs N/26014, para a classe nº14; N/26015, para a classe nº 16; N/26016, para a classe nº 18; N/26017, para a classe nº 20; N/26018, para a classe nº 24; N/26019, para a classe nº 25; N/26020, para a classe nº 28; N/26021, para a classe nº 35; N/26022, para a classe nº 36; N/26023, para a classe nº 38; N/26024, para a classe nº 39; N/26025, para a classe nº 41, e N/26026, para a classe nº 43.
f) Todas essas marcas da Recorrida foram concedidas em 02 de Fevereiro de 2009.
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III – Fundamentos
O presente recurso consiste em saber se a marca N/55921 possui capacidade distintiva, susceptível de ser objecto de protecção pelo registo.
Como se sabe, a marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas.
A constituição da marca, em princípio, é livre. Pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, fonéticos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente. Pode ser ainda composta pelo formato de um produto ou da respectiva embalagem (artº 197º do RJPI)
Todavia, esta liberdade de composição da marca não é ilimitada.
A lei estabelece, a este respeito, várias restrições, uma das quais é justamente a constituição da marca tem de ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
Assim, a marca não pode ser exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem, a época de produção dos produtos ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (artº 199º do RJPI).
Referem-se aqui, nas palavras do Prof. Ferrer Correia, os chamados sinais descritivos dos produtos.
Para o mesmo autor, os sinais descritivos dos produtos só não poderão preencher, de per si, o conteúdo da marca se forem usados sem modificação. A proibição já não valerá quando, através de alterações gráficas e fonéticas, se lhes atribua um conteúdo original e distintivo.
No caso em apreço, a marca em causa é composta simplesmente por caracteres “AT THE HEART OF COTAI”.
A palavra “COTAI”, na RAEM, tem um significado especial, que se refere a uma localização geográfica específica desta Região Administrativa Especial, isto é, o local situado entre as Ilhas da Taipa e de Coloane.
Aliás, a palavra “COTAI” resulta da síncope das palavras Coloane e Taipa.
Com a instalação de hotéis luxos e casinos na zona em referência, “COTAI” é actualmente uma zona específica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento pelos diferentes titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar.
Já vimos que a palavra “COTAI” é uma designação geográfica.
A expressão “AT THE HEART OF COTAI”, para a tradução directa em português, corresponde “NO CORAÇÃO DO COTAI”, ressaltando desde logo à vista o seu sentido de localização geográfica: no centro do COTAI.
Nesta conformidade, um consumidor médio, ao ver a referida expressão “AT THE HEART OF COTAI”, pode não saber se se tratar duma marca do produto ou duma publicidade ao centro da zona geográfica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento, bem como pode não saber, em concreto, qual a entidade exploradora desse produto ou dessas actividades, uma vez que existem diferentes entidades titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar que praticam as mesmas actividades na referida zona.
Face ao expendido, se conclui que a marca registanda N/55921 não tem capacidade distintiva, pelo que não pode ser objecto do registo.
Assim, o recurso sub justice não deixará de se julgar improcedente.
Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 04 de Julho de 2013.
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Ho Wai Neng
(Relator)
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José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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303/2013