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Processo nº 292/2013
Data do Acórdão: 18JUL2013


Assuntos:

Marca
Capacidade distintiva
Designação geográfica


SUMÁRIO

Sendo o elemento nominativo COTAI da marca registanda uma designação geográfica que já surgiu na década 80 do século passado, quando a então Administração Portuguesa começou a pensar no planeamento do futuro aproveitamento da aluvião, parcialmente natural e parcialmente artificial, que se ia formando entre a Ilha de Taipa e a Ilha de Coloane ao longo da execução das obras da construção do Aeroporto Internacional de Macau e composto pelas primeiras duas letras de COLOANE e pelas primeiras três letras de TAIPA, a expressão THE HEART OF COTAI, não tem a capacidade distintiva dos serviços de organização e disponibilização de transportes e de viagens.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 292/2013


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos do recurso jurisdicional na matéria de propriedade industrial, registado sob o nº CV2-12-0019-CRJ, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

I) RELATÓRIO
A, sociedade comercial constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, com sede em P.O. Box XXX, XXX Centre, XXX Town, XXX, Ilhas Virgens Britâncias, vem apresentar
RECURSO
do despacho da Sr.ª Chefe substitua do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia que concedeu, a favor da recorrida LAS VEGAS SANDS CORP., registo da marca N/55926 que consiste em
THE HEART OF COTAI
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Foi citado o Exrnº Senhor Director da DSE e a parte contrária Las Vegas Sands Corp. nos termos do art°278° e 279° do D.L. nº97/99/M, de 15 de Março.
*
Veio o Sr. Director da DSE sustentar o despacho recorrido, reiterando que a marca registanda não constitui imitação da marca registada da recorrente, tem capacidade distintiva, não contem nenhuma falsa indicação de proveniência e o seu registo não ocasiona actos de concorrência desleal, a fls 43 a 48.
*
A recorrida Las Vegas Sands apresentou resposta constantes a fls.52 a 58.
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Os autos já reúnem elementos suficientes para a decisão conscienciosa do mérito da causa, o Tribunal pronuncia já o recurso interposto.
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O recurso é tempestivo e legal.
O Tribunal é competente em razão da matéria, territorial e hierarquia.
O processo é o próprio.
As partes têm legitimidade e dotados de capacidade.
Não existem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FACTOS
Dos documentos juntos aos dos autos, resultaram-se provados os seguintes factos relevantes para conhecimento do mérito da causa:
Em 19 de Abril de 2011, a recorrida Las Vegas Sands Corp. requereu o registo da marca N/55926 para a classe de produtos nº 39 a qual consiste em
"THE HEART OF COTAI"
A marca destina-se aos serviços de organização e disponibilização de transportes e de viagens.
Foi publicado no B.O., nº22 da II Série de 1 de Junho de 2011, o pedido de registo de marca.
O registo foi concedido por despacho pela Sr.ª Chefe de Departamento das Propriedades Intelectuais de 13 de Dezembro de 2011 e publicado no B.O. nº1, II Série, de 4 de Janeiro de 2012.
***
III) FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
Tudo visto, cumpre agora decidir sobre a questão de fundo.
Atentas as fundamentações expostas no recurso, são as seguintes as questões colocadas pela recorrente:
a) A reprodução da marca registanda com a marca da recorrente;
b) A falta de capacidade distintiva da marca;
c) A existência de carácter enganoso da marca.
d) O acto de concorrência desleal por parte da recorrente.
Considerando os elementos componentes da marca registanda, convém apreciar a questão mencionada na alínea b) supra quanto à falta da capacidade distintiva da marca, pois a eventual procedência dessa fundamentação prejudica o conhecimento das demais invocadas pela recorrente.
   A marca é um sinal distintivo que serve para diferenciar a origem empresarial do produto ou serviço proposto ao consumidor. (Carlos Olavo, in Propriedade Industrial Vol I, pág71)
Nas palavras do Ilustre mestre Ferrer Correria, a marca é um sinal distintivo de mercadorias, produtos e serviços e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie.
Vigora, quanto à constituição da marca, o princípio de liberdade.
Como se sabe, a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente.
A lei estabelece várias restrições à composição livre de marca, entre as quais o princípio de novidade e especificidade.
Assim, prevê-se que o art° 197º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que "Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nome de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas."
Porém, existem excepções e limitações à protecção que são regulamentadas no art° 199º do mesmo diploma:
  "a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
  b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
  c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
  d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva."
  Ensina-se o Amércio Silva Carvalho, in Direito de Marcas, pág, 253 e 254, no que diz respeito aos sinais usuais que "Pretende-se com esta disposição que não seja atribuído o exclusivo a alguém, de sinais ou denominações, cuja livre disponibilidade é necessário para que os empresários actuem eficientemente no mercado.
  Na verdade, os sinais que se tenham tomado correntes na linguagem ou nos hábitos leais e constantes, não diferem das marcas compostas exclusivamente por sinais que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade do produto. Estes sinais têm de ser acessíveis a todos os comerciantes e dos quais nenhum pode ter o exclusivo."
  Feita as considerações exposta, analisamos ao caso em concreto.
  No caso em apreço, a marca registanda é composta pelas quatro palavras simples "THE", "HEART", "OF" e "COTAI", sendo as primeiras três vocábulos ingleses.
  Não se suscita dúvida que a palavra Cotai que se integra na composição da marca registanda é uma indicação geográfica específica em Macau. E que é palavra geralmente utilizada na linguagem corrente.
  A palavra Cotai é vocábulo que exprime um local específico de Macau( concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal parece estar excluído da norma limitativa da protecção. (cfr. Acórdão do T.S.I., de 17/03/2011, n° 172/2008)
  Ou seja, a palavra "Cotai" é sinal genérico que indica a proveniência geográfica.
  A marca é composta por palavra que possam ser utilizado no comércio para designar a proveniência geográfica.
  Mas, para além da palavra Cotai, outros sinais existem na composição da marca registanda, se na combinação dos outros sinais com a palavra Cotai, a marca na sua globalidade, adquire a capacidade distintiva para assinalar os produtos e indicar a origem da empresa que produz esses produtos.
  Desses sinais nominativos da língua inglesa, a palavra inglesa "heart" significa a "coração" em português, e toda a expressão "THE HERAT OF COTAI" traduz-se literalmente para a língua portuguesa "a coração do Cotai", que aponta para o sentido de o centro do Cotai.
  Na realidade, a marca em causa é um slogan que ilude "o centro do Cotai".
  Porém, com o acréscimo de "the heart" ou "o centro" em português ao termo "Cotai", não só não consegue atribuir capacidade distintiva à indicação geográfica "Cotai", bem ao contrário, a expressão assim usada até acentuar a proveniência geográfica "Cotai" dos produtos ou serviços que se destinam assinalar.
  Afigura-se que, aos olhos dos consumidores médios, o "Cotai" e "The Heart of Cotai" não existe grande diferença.
  Pois, no último caso, embora seja marca complexa composta por mais de um sinal nominativo, o elemento predominante dessa marca é sempre a palavra "Cotai", ainda por cima que os outros elementos usados se destinem, particularmente, a sublinhar a ideia do centro dessa zona geográfica, o que não é mais de dar ênfase aos consumidores públicos a impressão de que os produtos ou serviços assinalados por essa marca ou o empresário desses produtos ou serviços provém dessa zona geográfica.
  Portanto, não obstante a marca registanda é composta por denominação geográfica "Cotai" em combinação com outros sinais nominativos, esses outros sinais ligados não têm capacidade para, no seu conjunto, dão à marca aspecto distintivo.
  É de lembrar para determinar se os sinais integrantes da marca têm força distintiva para diferenciar os bens que se destina dos outros empresários, há de atender os sinais no seu conjunto e por os seus elementos isolados. Portanto, a avaliação da aptidão distintiva da marca é feita no seu conjunto e por dissecção analítica.
  Considerando no conjunto, saltos aos vistos do consumidor médio, são sinais predominantes da marca registanda, no seu conjunto, a palavra "Cotai". De facto, a combinação do elemento COTAI e a expressão "THE HEART OF" não altera muito a impressão que cria nos consumidores de que os produtos ou serviços a que se refere com a proveniência geográfica de Cotai. Ou seja, a expressão no conjunto dos elementos descritivos não permite, realmente, dar uma impressão autónoma e distintiva à empresa que produz os produtos ou serviços a que se assinala a marca.
  Assim sendo, não é forçoso de concluir que a marca em jogo carece de força distintiva para designar as empresas que produzem ou fornecem e permitir para diferenciar dos outros da mesma espécie.
  Poderá suscitar a questão, pelo mesmo raciocínio acima exposto, as marcas registadas pela recorrente também não deveriam ser registadas, talvez sim, mas essa questão não poderia nem deveria ser apreciada no presente recurso, nem por esse fundamento (a concessão do registo da marca à recorrente) é que legitima o registo da marca registanda que nos afigura não ter capacidade distintiva para o efeito.
  Pelo que não deve ser concedido o registo com a atribuição de direito de uso exclusivo desses sinais, nos termos do art°199°, nº1, alínea b) conjugado com o art° 199º do R.J.P.I..
  Concluindo pela insusceptibilidade do registo da marca registanda, fica prejudicado o conhecimento dos outros fundamentos alegados pela recorrente.
*
IV) DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, na procedência do recurso, o Tribunal decide:
Conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente A, revoga-se a decisão recorrida e substitui-se por outra que recusa a concessão do registo da marca N/55926, (THE HEART OF COTAI) para a classe de produtos nº39.
Custas pela recorrida Las Vegas Sands. Corp, sendo a D.S.E. isento das custas.
Notifique e registe.

Não se conformando com o decidido, veio a Requerente Las Vegas Sands Corp. recorrer da mesma concluindo e pedindo que:

a) A marca N/55926 THE HEART OF COTAI é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já que constitui um topónimo: COTAI.
b) THE HEART OF, traduzido por O CORAÇÃO DE, constitui uma alusão, uma referência indirecta, ao núcleo ou centro do COTAI, como pode também ser entendido como uma alusão ao coração como alma, à representação mais original, mais verdadeira ou mais genuína do que é o COTAI.
c) Para que uma marca possa ser admitida a registo, basta que possua um mínimo de capacidade distintiva.
d) Uma marca só é descritiva se for exclusiva e directamente descritiva.
e) A marca THE HEART OF COTAI não é exclusivamente constituído por uma indicação que serve para estabelecer a proveniência geográfica dos produtos ou serviços marcados e, como tal, cumpre o requisito do mínimo de capacidade distintiva.
f) A Recorrente não pretende obter qualquer exclusivo sobre a designação COTAI mas, tão-só, sobre o conjunto formado por essa indicação geográfica e pelas demais expressões que constituem a marca e que lhe conferem uma distintividade própria.
g) Trata-se, pois, de uma marca que permite distinguir os serviços prestados pela Recorrente daqueles que sejam prestados por outros empresários e que é capaz de preencher igualmente as funções complementares da marca, quais sejam, a garantia de qualidade dos serviços que assinala e publicitária.
h) Ao considerar que a marca THE HEART OF COTAI é destituída de capacidade distintiva, a decisão recorrida incorre num erro de julgamento e faz uma errada aplicação da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 199.° e do artigo 197.°, ambos do RJPI.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a Sentença Recorrida revogada, substituindo-se por outra que conceda o registo da marca N/55926.

Notificada a recorrente da 1ª instância ora recorrida A, não respondeu.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do disposto no artº 282º do RJPI, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com o alegado nas conclusões dos recursos, as questões levantadas que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória podem ser reduzida à questão de saber se a marca registanda tem capacidade distintiva de produtos e serviços a que se destina individualizar, susceptível de protecção, face ao disposto no artº 199º/1-b) do RJPI.

Assim, passemos a debruçar-nos sobre essa única questão levantada.

A propósito de constituição da marca, o Prof. Ferrer Correia ensina que “Os interessados gozam de grande liberdade na escolha dos sinais distintivos que hão de constituir a marca. Prevalece aqui em grande escala a imaginação e a fantasia. A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos (marca nominativa), figurativos ou emblemáticos (marca figurativa ou emblemática), ou por uma e outra coisa conjuntamente (marca mista ……)” – in Lições de Direito Comercial, Vol. I, 321 a 322.

In casu, a marca registanda THE HEART OF COTAI é constituída por um conjunto de sinais nominativos.

Quid juris?

Se é verdade que, tal como ensina o Prof. Ferrer Correia, os interessados gozam de grande liberdade na escolha dos sinais distintivos que hão de constituir a marca, a liberdade de composição da marca não é, todavia, ilimitada.

Pois a lei estabelece, a este respeito, várias restrições.

Da leitura da sentença ora recorrida resulta que o fundamento legal para a recusa do registo da marca registanda é o disposto no artº 199º/1-b), ou seja, a marca registanda, na óptica da Exmª Juiz a quo, consiste nos vários sinais nominativos, dos quais a palavra COTAI é predominante, mesmo combinada com a expressão THE HEART OF, não tem a capacidade distintiva dos produtos e serviços a que se destina.

A marca nominativa é constituída por THE HEART OF COTAI.

Ora, o elemento COTAI é uma designação geográfica que já surgiu na década 80 do século passado, quando a então Administração Portuguesa começou a pensar no planeamento do futuro aproveitamento da aluvião, parcialmente natural e parcialmente artificial, que se ia formando entre a Ilha de Taipa e a Ilha de Coloane ao longo da execução das obras da construção do Aeroporto Internacional de Macau.

Aliás, tal como é fácil perceber a constituição dessa designação, pois advém das primeiras duas letras de COLOANE e das primeiras três letras de TAIPA.

Assim, sem dúvida se trata de uma designação geográfica.

Quanto as palavras na língua inglesa THE HEART OF, significam literalmente “o coração de” ou metaforicamente “o centro de”.

E portanto, não atribui à expressão COTAI qualquer capacidade distintiva dos produtos e serviços a que se destina dado que a marca no seu conjunto THE HEART OF COTAI mais não representa do que uma mera indicação da proveniência geográfica.

Pelo que fica supra dito e face ao disposto no artº 199º/1-b) do RJPI, é de concluir que a marca registanda não é susceptível de protecção por falta de capacidade distintiva dos serviços a que se destina e consequentemente deve ser recusado o registo, e que bem andou a Exmª Juiz a quo ao julgar como julgou procedente o recurso interposto pela ora recorrida A.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente Las Vegas Sands Corp..

Notifique.

RAEM 18JUL2013

Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira