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Processo nº 312/2013
(Recurso contencioso)


Relator: João Gil de Oliveira

Data: 16/Janeiro/2014


Assuntos:
    - Arrendamento de moradia da Região; transferência do arrendamento

SUMÁRIO :
Transferindo-se o direito ao arrendamento de moradia da RAEM ao cônjuge não separado de facto, do titular do arrendamento, indeferindo a Administração a transmissão do arrendamento à viúva do aposentado, alegando que existia uma separação de facto, cabe-lhe provar que o casal se encontrava separado de facto, não sendo bastante para tal uma separação física determinada pela necessidade de permanência num lar por parte da esposa, pessoa doente e de avançada idade e uma declaração de integração do agregado familiar de cariz tabelar e destinada a outros efeitos.
    
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 312/2013
(Recurso Contencioso)

Data : 16 de Janeiro de 2014

Recorrente: A (XXX)

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificada nos autos, notificada pelo Ofício n.º 023/NAJ/DB/2013, de 7 de Março, do despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 28 de Dezembro de 2012, exarado sobre a Informação n.º XXX/NAJ/DB/2012, de 11 de Dezembro, que lhe indeferiu o recurso hierárquico necessário por si apresentado em 20 de Agosto de 2011, dele vem recorrer, alegando em síntese conclusiva:
    1. Constitui o objecto do recurso contencioso de anulação o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 28/12/2012, exarado na Informação n.º XXX/NAJ/DB/2012, de 11 de Dezembro.
    2. Despacho que indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado pela Recorrente em 20/08/2012.
    3. A Recorrente requereu a aquisição da moradia da propriedade da Região Administrativa Especial de Macau, sita na Estrada do XXX, n.ºs XXXA, Edifício XXX, X.º andar "X".
    4. Moradia onde reside e que constituía a casa de morada de família.
    5. O cônjuge da Recorrente era o titular do direito ao arrendamento dessa moradia.
    6. A Recorrente, cônjuge sobrevivo, tem o direito à transmissão da manutenção do direito ao arrendamento da moradia e da consequente aquisição da mesma.
    7. Não o entendeu assim a entidade recorrida, dando origem ao presente recurso.
    8. A Recorrente nunca deixou de se deslocar à casa de morada de família.
    9. O indeferimento, por parte da Administração, da pretensão à transmissão do arrendamento, funda-se em critérios formais e testemunhais insuficientes para afastar os critérios legais, previstos no DL n. ° 31/96/M, de 17 de Junho.
    10. É aplicável à Recorrente a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.° conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 22.°, ambos do Decreto-Lei n.º 31/96/M.
    11. A Recorrente pertence ao agregado familiar do titular do arrendamento e como cônjuge sobrevivo tem direito à transmissão desse arrendamento pelo seu por óbito.
    12. A Recorrente permaneceu no estado de casada com o titular do arrendamento, XXX, até à sua morte.
    13. A Recorrente nunca se encontrou em situação de separação de pessoas e bens ou separação de facto.
    14. Não pode vingar a posição da entidade recorrida de que existe uma separação de facto.
    15. Não existiu qualquer processo judicial de separação de pessoas e bens.
    16. A fundamentação do acto recorrido baseia-se nas "Declarações de Agregado Familiar" assinadas pelo cônjuge marido, entregues anualmente na DSF.
    17. Por declarar o cônjuge marido residir sozinho, presume a entidade recorrida uma separação de facto.
    18. Não podendo assim verificar-se a transmissão do arrendamento pretendida pela Recorrente.
    19. As circunstâncias de vida do casal são específicas e não foram tidas em conta pela entidade recorrida.
    20. A Recorrente foi vítima de Ave e padece de obesidade mórbida, facto determinante para que se tenha ausentado temporariamente da moradia em causa.
    21. Facto que se encontra certificado por médico.
    22. O estado de saúde do cônjuge marido não permita que ambos permanecessem na casa de morada de família dado que este padecia de doença terminal e de grave incapacidade visual que o deixou com cerca de 5% de visão.
    23. Só faz sentido ter como declaração relevante o "Boletim de Candidatura" anexo ao pedido de transferência do arrendamento para a Recorrente.
    24. Este Boletim contém, na Secção I e linha 2, menção expressa de que a Recorrente integrava o agregado familiar e era residente na moradia em causa.
    25. Este Boletim contem menção de que a Recorrente estava confinada a habitar por um determinado período de tempo o Lar da Santa Casa da Misericórdia
    26. Este Boletim é do conhecimento da entidade recorrida desde 7/05/2012 e foi o último documento relativo à situação do casal assinado em vida pelo titular do arrendamento.
    27. Ainda assim, não foi tido em conta na fundamentação do acto recorrido.
    28. A prova produzida pela entidade recorrida, através de declarações do porteiros do edifício da moradia em causa, não afasta a efectiva união do casal nem as deslocações da Recorrente à mesma.
    29. Padece o acto recorrido de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, conducente à sua anulação.
    
    Nestes termos requer, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, a anulação do acto recorrido por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, ao abrigo do artigo 124.º do Código do Processo Administrativo, que conduziu à incorrecta aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 22.º, ambos do DL n.º 31/96/M, de 17 de Junho.
    
    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida nos autos à margem identificados, contesta, em síntese:
    I. Constitui o objecto do presente recurso o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 28.12.2012, exarado na Informação n.º 606/NAJ/DB/2012, de 11 de Dezembro, que indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado pela recorrente a 20.08.2012.
    II. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 22.° do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho, no caso de falecimento do arrendatário de moradia propriedade da RAEM, o arrendamento pode transmitir-se ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto.
    III. O marido da recorrente entregou, de 2001 a 2011, uma declaração anual afirmando sob compromisso de honra que residia sozinho na moradia, não tendo declarado ao longo de todos esses anos qualquer elemento do seu agregado familiar como residente na mesma.
    IV. Facto que foi confirmado por dois porteiros do edifício em questão, um do turno de dia e outro da noite, que afirmaram nunca ter visto a recorrente naquele edifício, nem de dia nem de noite, e que o arrendatário da fracção Xº andar "X" vivia sozinho, ajudado por uma empregada doméstica e, esporadicamente, pela filha.
    V. A ser verdade que a recorrente e o seu marido não viviam juntos na mesma moradia grande parte do tempo por motivos de saúde, não se compreende porque razão o cônjuge marido não incluiria a esposa na declaração de agregado familiar que fazia anualmente.
    VI. Porque a verdade é que viveu sem a presença da recorrente na moradia durante todos esses anos e não havia entre eles uma vida em comum.
    VII. O questionário do Boletim de Candidatura à compra da casa, onde o marido teria incluído a recorrente como residente na moradia, não é susceptível de provar a não existência de uma separação de facto, uma vez que não tendo sido entregue pelo próprio na D8F, pois já tinha falecido, foi junto pela recorrente ao seu requerimento para compra da moradia, não se podendo afirmar com toda a certeza que o questionário foi preenchido pelo marido da recorrente.
    VIII. Pelo que, existindo entre marido e mulher uma separação de facto, não pode o arrendamento transmitir-se à recorrente, nos termos da legislação supra citada.
    Nestes termos, afirma, deve o presente recurso contencioso de anulação ser julgado improcedente, em virtude de não padecer o acto administrativo recorrido do alegado vício, mantendo-se, em consequência, o acto praticado em 28 de Dezembro de 2012.
    
    A, recorrente nos autos de recurso contencioso à margem cotados, apresentou oportunamente alegações facultativas, dizendo, no essencial:
    1. Constitui o objecto do recurso contencioso de anulação o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 28/12/2012, exarado na Informação n.º XXX/NAJ/D6/2012, de 11 de Dezembro.
    2. Esse despacho indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado pela recorrente em 20/08/2012.
    3. A Recorrente requereu a aquisição da moradia da propriedade da Região Administrativa Especial de Macau, sita na Estrada do XXX, n.ºs XXX A, Edifício XXX X.º andar "X".
    4. Moradia onde reside e que constituía a casa de morada de família.
    5. O cônjuge da Recorrente era o titular do direito ao arrendamento dessa moradia.
    6. A Recorrente, cônjuge sobrevivo, tem o direito à transmissão da manutenção do direito ao arrendamento da moradia e da consequente aquisição da mesma.
    7. Não o entendeu assim a entidade recorrida, dando origem ao presente recurso.
    8. A Recorrente nunca deixou de se deslocar à casa de morada de família.
    9. O indeferimento, por parte da Administração, da pretensão à transmissão do arrendamento, funda-se em critérios formais e testemunhais insuficientes para afastar os critérios legais, previstos no DL n.º 31/96/M, de 17 de Junho.
    10. É aplicável à Recorrente a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 22.°, ambos do Decreto-Lei n.º 31/96/M.
    11. A Recorrente pertence ao agregado familiar do titular do arrendamento e como cônjuge sobrevivo tem direito à transmissão desse arrendamento pelo seu por óbito.
    12. A Recorrente permaneceu no estado de casada com o titular do arrendamento, XXX, até à sua morte.
    13. A Recorrente nunca se encontrou em situação de separação de pessoas e bens ou separação de facto.
    14. Não pode vingar a posição da entidade recorrida de que existe uma separação de facto.
    15. Não existiu qualquer processo judicial de separação de pessoas e bens.
    16. A fundamentação do acto recorrido baseia-se nas "Declarações de Agregado Familiar" assinadas pelo cônjuge marido, entregues anualmente na DSF.
    17. Por declarar o cônjuge marido residir sozinho, presume a entidade recorrida uma separação de facto.
    18. Essa declaração consta de documento que não advém de uma obrigação legal e que o desvaloriza perante os arrendatários face ao agregado familiar identificado para efeitos de atribuição da moradia.
    19. As circunstâncias de vida do casal são específicas e não foram tidas em conta pela entidade recorrida.
    20. A Recorrente foi vítima de Ave e padece de obesidade mórbida, facto determinante para que se tenha ausentado temporariamente da moradia em causa.
    21. Facto que se encontra certificado por médico.
    22. O estado de saúde do cônjuge marido não permitia que ambos permanecessem na casa de morada de família dado que este padecia de doença terminal e de grave incapacidade visual que o deixou com cerca de 5% de visão.
    23. Só faz sentido ter como declaração relevante o "Boletim de Candidatura" anexo ao pedido de transferência do arrendamento para a Recorrente.
    24. Este Boletim contém, na Secção I e linha 2, menção expressa de que a Recorrente integrava o agregado familiar e era residente na moradia em causa.
    25. Este Boletim contem menção de que a Recorrente estava confinada a habitar por um determinado período de tempo o Lar da Santa Casa da Misericórdia
    26. Este Boletim é do conhecimento da entidade recorrida desde 7/05/2012 e foi o último documento relativo à situação do casal assinado em vida pelo titular do arrendamento.
    27. É documento válido, levantado pessoalmente perante a DSF, assinado pelo marido da recorrente e aceite junto do Instituto Cultural e da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
    28. Ainda assim, não foi tido em conta na fundamentação do acto recorrido.
    29. A prova produzida pela entidade recorrida, através de declarações do porteiros do edifício da moradia em causa, não afasta a efectiva união do casal nem as deslocações da Recorrente à mesma.
    30. Padece o acto recorrido de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, conducente à sua anulação.
    Nestes termos requer seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, anulado o acto recorrido, com base na sua ilegalidade, nos termos do artigo 124.º do CPA, por vício de violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto.

    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida nos autos à margem identificados também apresentou alegações facultativas, dizendo, em suma:
    I. Constitui o objecto do presente recurso o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 28.12.2012, exarado na Informação n.º XXX/NAJ/DB/2012, de 11 de Dezembro, que indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado pela recorrente a 20.08.2012.
    II. Concretamente, indeferiu o pedido da recorrente de transmissão por morte do arrendamento do imóvel da RAEM, sito na Estrada do XXX, n.º XXXA, Edif. "XX", X° andar "X", em Macau, de que era titular o seu marido, uma vez que não estavam reunidos os requisitos legais para essa atribuição, isto é, encontravam-se os mesmos separados de facto.
    III. Com efeito, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 22.° do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho, "no caso de falecimento do arrendatário de moradia propriedade da RAEM, o arrendamento pode transmitir-se ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto".
    IV. O marido da recorrente entregou anualmente, de 2001 a 2011, uma "Declaração de Agregado Familiar" afirmando sob compromisso de honra que residia sozinho na moradia, não tendo declarado ao longo de todos esses anos qualquer elemento do seu agregado familiar como residente na mesma.
    V. Tal facto foi confirmado pelos 2 porteiros do edifício em questão, que afirmaram que o marido da recorrente vivia sozinho, com a ajuda de uma empregada doméstica e visitas esporádicas de uma filha.
    VI. Afirmaram também nunca ter visto a recorrente naquele edifício, nem de dia nem de noite.
    VII. Por outro lado, o Boletim de Candidatura à compra da casa levanta justificadas dúvidas sobre quem terá preenchido o questionário de onde consta o nome da recorrente como pertencente ao agregado familiar do candidato.
    VIII. Com efeito, tendo o marido da recorrente falecido durante o processo de candidatura, o Boletim em questão foi levantado na DSSOPT por outra pessoa e junto ao requerimento entregue pela recorrente na DSF para compra da moradia, indiciando o questionário em causa, por ter sido preenchido com diferentes esferográficas, ter sido completado em diferentes momentos ou por pessoas diferentes.
    IX. Pelo que existindo entre marido e mulher uma separação de facto, não pode o arrendamento transmitir-se à recorrente, nos termos do artigo supra citado.
    Termos em que requer que o recurso seja declarado improcedente sendo, consequentemente, mantido o despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 28 de Dezembro de 201 2.
    
O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    Vem A impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 28/12/12 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão da directora dos Serviços de Finanças de 18.7/12 que indeferiu pretensão da recorrente na compra de uma moradia da RAEM, atribuída ao seu marido, entretanto falecido, assacando ao acto vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão, invocando, em síntese, não corresponder à realidade a situação em que a Administração se estribou para o indeferimento registado, isto é, que, à altura do falecimento do seu marido, se encontrasse separada de facto do mesmo.
    Pois bem:
    Analisando o conteúdo do alegado por ambas as partes, a sensação com que se fica é a de que a qualquer delas poderá assistir razão, ou o seu inverso, atento o acervo probatório carreado para o instrutor, o qual, em nosso critério, não é de molde a atestar, com segurança, a veracidade do invocado ou sugerido pela Administração.
    Concretizando :
    - É inequívoco e não é, sequer, contestado, que o marido da recorrente, falecido em 2012, entregou anualmente na DSF, de 2001 a 2011, a "Declaração de Agregado Familiar" onde nunca mencionou a sua esposa como habitando consigo.
    Mas, se é verdade que essa omissão se revela algo estranha, já que nada o impediria de efectuar tal menção, "malgré" a sua esposa, devido a motivos de doença, necessitar de se encontrar internada no Lar da Santa Casa da Misericórdia, não custa também acreditar que, perante aquele quadro factual, aquela ausência forçada da sua esposa, o declarante pretendesse apenas, nobremente, dar conta de uma realidade (ignorando, porventura, as consequências nefastas daí advenientes), sem que tal tivesse forçosamente que corresponder a uma separação de facto, isto é, que, apesar de tudo, não existisse alguma vida em comum dos cônjuges, dentro das possibilidades fornecidas pela precária condição física da natureza humana, não cabendo, porém, aqui esgrimir com eventual "desequlibrio" do falecido em virtude da doença e falta de visão, já que tais condições sobressairiam, ainda com maior acuidade relativamente ao "Boletim de Candidatura" a que adiante nos reportaremos e relativamente ao qual a recorrente parece querer fazer esquecer tais debilidades ...
    - Por outro lado, se está demonstrado no procedimento que o AVC sofrido pela recorrente ocorreu apenas em Junho de 2010, reportando-se o início das declarações do seu marido a 2001, não é menos verdade que os relatórios médicos da mesma se reportam também a "obesidade mórbida", ignorando-se se tal condição, ''per se", constituiria motivo suficiente e adequado para a necessidade de internamento da mesma e eventual incompatibilidade de tratamento clínico adequado na moradia que habitava.
    - Quanto aos depoimentos dos porteiros, tratando-se de matéria relevante, não cremos que, só por eles próprios tenham o condão de afastar a possibilidade de que, mesmo muito raramente, a recorrente poder ter visitado o seu marido no domicílio deste (os porteiros, vendo muito, nem sempre vêem tudo, sobretudo o que os visados não desejam que os mesmos vejam) e, de todo o modo, não asseguram, certamente, que o inverso pudesse suceder, isto é, que aquele, porventura, visitasse a sua esposa no Lar ou que, de alguma maneira, existisse algum tipo de vida em comum.
    - Finalmente, sendo certo que da análise do "Boletim de Candidatura" para aquisição da moradia (fls. 410 e v do instrutor apenso) se podem colher algumas dúvidas razoáveis quanto à autenticidade respectiva, (no caso, quanto a ter sido o próprio requerente a preencher o "Questionário" respectivo) , atentas as circunstâncias a que a entidade recorrida não deixa de se reportar, a verdade é que ninguém põe em causa que tal boletim foi efectivamente assinado pelo próprio, mostrando-se o facto de não ter sido ele, em pessoa, a entregar tal boletim na DSF como irrelevante para o efeito, a que não deixará de acrescer o facto de o mesmo ter merecido da parte, quer do I.C., quer da DSSOPT despachos de concordância quanto à alienação da moradia.
    Ou seja, afigura-se-nos inquestionável a necessidade de se ter procedido a investigação mais profunda e completa sobre a verificação, “in casu” da excepção a que alude a parte final da al. a) do n.º 1 do art. 22º do Dec. Lei 31/96/M de 17/6, o mesmo é dizer, sobre real comprovativo acerca da situação de separação de facto da recorrente e seu marido, à altura da morte deste, motivo factual essencial invocado como estribo do indeferimento registado.
    Haveria, pois, em nosso critério, em nome da razoabilidade e senso comum, que indagar, com o rigor e segurança possíveis tal premissa, o que, aparentemente, se não revelaria difícil, até por confronto com a situação com a filha do casal, da empregada que terá acompanhado o falecido, bem como dos responsáveis do Lar onde a recorrente encontrou abrigo, designadamente no sentido de apurar se existia algum contacto entre os cônjuges, não se revelando também de somenos, alguma indagação e perícia relativamente ao conteúdo do "Questionário" constante do "Boletim de Candidatura", para além dos olhos do que qualquer leigo alcança.
    Ou seja, em síntese, não aceitando a recorrida a veracidade do declarado pela recorrente, impor-se-ia a efectivação das diligências julgadas pertinentes para a averiguação respectiva, pois que, nos termos do n.º 1 do art. 86º do C.P.A., "O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito", constituindo, pois, tal normativo a evidente concretização do princípio do inquisitório ou da oficialidade.
    "O dever de instrução oficiosa em relação a todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para uma justa decisão do procedimento não significa que o instrutor não possa ter liberdade de determinação dos factos (dos pressupostos e dos motivos) de que depende legalmente a decisão do procedimento porque, quanto a isso, é a norma material (não a procedimental) que dispõe, ou no sentido da sua verificação obrigatória ou da discricionaridade da sua eleição.
    O dever de instrução é, portanto, vinculado quanto ao conhecimento dos pressupostos legais (positivos ou negativos) da decisão do procedimento : não há, em relação a essa parcela procedimental, qualquer juízo de conveniência ou oportunidade, ditado por razões de justiça, muito menos de celeridade.
    Só em relação a domínios onde exista discricionariedade "material" relativamente aos factos a tomar em conta na decisão, é que a extensão da instrução poderá ser comandada por considerações dessas.
    Neste sentido, escreveu-se no acórdão do S. T.A. de Portugal, de 18/11/88 (in A.D. 323/1362) que "a falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta, não só se (tais diligências) forem obrigatórias (violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto).
    "Ou seja, as omissões, inexactidões, insuficiências e os excessos na instrução estão na origem do que se pode designar como um déficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, derivado não só da omissão ou preterição das diligências legais, mas também de não se tomar na devida conta, na instrução, interesses que tenham sido introduzidos pelos interessados, ou factos que fossem necessários para a decisão do procedimento." (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, "Código do Procedimento Administrativo, Comentado", vol. 1, pág. 489 e 490).
    No caso vertente, não sendo indiferente, mas, ao invés, revelando-se fundamental para boa decisão o escrutínio sobre a veracidade integral da situação relatada pela recorrente a ele haveria que proceder.
    Assim não sucedendo, não se tomando em devida conta, ou pelo menos, não efectuando o devido apuramento de factos cujo conhecimento era manifestamente conveniente e necessário para uma justa decisão, encontrar-nos-emos face a déficit instrutório, a redundar em erro nos pressupostos de facto, invalidante da decisão punitiva.
    Razão por que pugnamos pelo provimento do presente recurso.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
A recorrente foi notificada do acto recorrido nos seguintes termos:
«Notificação do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 28/12/12.
    Por referência ao Recurso Hierárquico Necessário apresentado por V. Exª., cumpre-me notifica-la, nos termos dos artigos 68° e ss. do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 28 de Dezembro de 2012, exarado na Informação n° XXX/NAJ/DB/12, de 11 de Dezembro, consistindo o seu teor no seguinte:
    "Concordo com o parecer indeferindo o recurso em causa;"
    Ass.: Tam Pak Yuen, aos 28.12.2012. »
    A citada informação foi objecto de despacho da Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças. de 19.12, do seguinte teor:
    "Exmº Senhor SEF,
    Concordo com a análise e conclusões da presente informação, pelo que submeto a informação e solicito que V. Exª. considere o indeferimento do recurso hierárquico necessário.
    Ass. : Vitória da Conceição (Directora dos Serviços)
    Data: 19 de Dezembro de 2012"
    Da informação referida reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho:
“I. Do Recurso Hierárquico Necessário - Pressupostos processuais.
    Nos termos que constam do requerimento dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que deu entrada nesta Direcção de Serviços no dia 20 de Agosto de 2012, vem A, recorrer hierarquicamente, ao abrigo do artigo 153º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), do despacho de V. Ex.º de 18 de Julho de 2012, exarado na Informação n.º XXX/DGP/DACE/12, de 9 de Julho, que indeferiu à recorrente o pedido de transmissão do arrendamento de moradia da Região, silo na Estrada do XXX. n.º XXXA, Edif. "XX", X" andar "X", em Macau, por falecimento do seu cônjuge XXX.
    O recurso é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 30 dias previsto no artigo 155º do CPA, sendo o Senhor Secretário para a Economia e Finanças a entidade competente para decidir. A interposição do presente recurso suspendeu a eficácia do acto recorrido, ao abrigo do disposto n.º 1 do artigo 157º do Código do Procedimento Administrativo.

II. Os factos
    1. No dia 7 de Maio de 2012 deu entrada na Direcção de Serviços de Finanças (DSF) um requerimento da Sr.ª A, informando que o seu marido, XXX. Policia aposentado da então Cadeia Central de Macau, havia falecido no dia 6 de Abril de 2012, e solicitando à Administração a aquisição da moradia da RAEM atribuída ao seu falecido marido, sita na Estrada do XXX. n.º XXXA. Edif. "XX", Xº andar "X", em Macau.
    2. Nessa sequência, foi mandada realizar uma audiência escrita à interessada, nos termos do art. 94.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), para se clarificar os pressupostos de facto e de direito subjacentes ao deferimento da sua pretensão, isto porque, antes da questão da aquisição da moradia. existe a questão prévia de saber se a requerente tinha ou não direito à transferência da titularidade do arrendamento, nos termos do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho.
    3. or requerimento que deu entrada na DSF no dia 18 de Junho de 2012, veio a recorrente informar a administração, resumidamente, que sempre foi casada com o arrendatário da moradia, em únicas núpcias de ambos, não deixando no entanto de ser verdade que o cônjuge marido vivia na moradia sem a sua presença continua, mas que a recorrente se deslocava àquela que era a sua residência amiúde e na medida do que permitia o seu estado de saúde. Mais informa que o precário estado de saúde de ambos impossibilitava que aos mesmos pudessem ser prestados os necessários cuidados de saúde dentro da mesma habitação, pelo que se decidiu que a recorrente ficasse ao cuidado do Lar da Santa Casa da Misericórdia, tendo estado a recorrente nessa condição de internamento em vários períodos da sua doença. Pelo que, conclui, o preenchimento por parte do arrendatário e cônjuge marido, de declarações nas quais mencionou que habitava sozinho devem ser lidas neste contexto: o de pessoa que sendo casada vivia na moradia sem a presença contínua da sua mulher por força da sua saúde, requerendo pois, a final, a transmissão do arrendamento em causa, nos termos do artigo 22º supra citado.
    4. No seguimento da audiência da interessada, foi elaborada a Informação n.º XXX/DGP/DACE/12, de 9 de Julho, onde se propõe o indeferimento da sua pretensão por falta de base legal, com os fundamentos que se analisarão de seguida. Tal informação mereceu despacho de concordância da Sr. o Directora dos Serviços de Finanças, de 18 de Julho de 2012, o qual foi notificado à recorrente mediante o oficio n.º XXX/DGP/DACE/12, de 25 de Julho.
    5. É desse despacho que recorre agora a interessada, para o Sr. Secretário para a Economia e Finanças, por considerar que esse acto administrativo padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto, solicitando a sua revogação e substituição por outro que defira a transmissão do arrendamento do imóvel em causa em favor da recorrente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 22.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho.

III. Apreciação
    O Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho, regula a atribuição de alojamento, em moradias que sejam propriedade da RAEM, a trabalhadores da administração pública de Macau e membros do seu agregado familiar. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10º entende-se por agregado familiar do candidato, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ( ... ) e que coabitem com o candidato. A utilização das moradias atribuídas obedece ao regime do arrendamento. mediante o pagamento da renda devida, o qual pode ser transmitido, em caso de falecimento do arrendatário, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto. (alínea a) do n.º 1 do art. 22º)
    A questão de fundo, subjacente a todo o recurso, está pois em saber se existe ou não entre o ex-arrendatário e o seu cônjuge uma separação de facto que impossibilite a transmissão do arrendamento.
    No seu recurso hierárquico, alega a recorrente que as "Declarações de Agregado Familiar assinadas pelo cônjuge marido e entregues anualmente na DSF, desde 2001, onde afirmava residir sozinho na moradia, não podem fazer presumir uma separação de facto, nem essa era a realidade dos factos. uma vez que a mesma "esteve até à data do óbito do seu cônjuge na condição de casada com o arrendatário, sem qualquer separação judicial de pessoas e bens ou de facto e que não é lima declaração anualmente apresentada pelo seu falecido marido para atestar a composição do agregado familiar que permite presumir uma separação de facto efectiva entre cônjuges."
    Ora salvo o devido respeito, uma declaração assinada pelo ex-marido a declarar anualmente, sob compromisso de honra, que reside sozinho na moradia, entregue de 2001 a 2011, não faz presumir uma separação de facto, mas antes pelo contrário, faz prova plena desse jacto. Como é sabido, uma presunção é uma ilação que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Pelo contrário, no presente caso, é o próprio que afirma a separação de facto, ao declarar, sob compromisso de honra e durante 11 anos consecutivos, que habita sozinho,
    Por outro lado, no mesmo sentido do afirmado pelo ex-arrendatário, foi confirmado pelos porteiros do edifício em questão, que ali trabalham, um desde 1988 (há 24 anos) e outro desde 2006 (há 6 anos), que nunca a recorrente foi vista naquele edifício, ao longo dos anos, nem durante o dia nem durante a noite, conforme as respectivas declarações juntas ao processo.
    Estes dois meios de prova são, em nosso entender, meios absolutamente idóneos e insofismáveis para que se tenha retirado a inevitável conclusão de que o ex-arrendatário residia sozinho no apartamento e que, portanto, se encontrava separado de facto do cônjuge, que é a questão que está aqui em causa. Afirma-se aqui que nunca se pôs nem se põe em dúvida o estado de saúde da recorrente, nem que a mesma tenha estado internada no Lar da Santa Casa da Misericórdia, O que se questiona é que o AVC sofrido pela recorrente em Junho de 2010 possa servir de fundamento para justificar uma ausência de casa do marido, que o próprio declara existir desde 2001.
    Não se pode pois compreender que as declarações preenchidas pelo cônjuge marido, onde afirmava habitar sozinho, devam ser lidas no sentido de que, sendo o mesmo casado, "vivia na moradia sem a presença continua da mulher." As declarações em questão, denominadas "Declaração de Agregado Familiar", são entregues anualmente na DSF, para efeitos de aplicação do Decreto-Lei n.º 1/91/M. de 14 de Janeiro, ou seja, para o cálculo da renda devida pelo arrendatário, e nela se declara, sob compromisso de honra, "que as pessoas abaixo indicadas coabitam com o signatário, não sendo proprietários de qualquer prédio urbano na RAEM e não beneficiam de alojamento definitivo da RAEM. "Ora em todas elas, nunca o arrendatário declarou o seu cônjuge, nem qualquer outra pessoa. A não existir uma separação de facto, não se alcança por que razão o declarante não incluiria a sua esposa na declaração, mesmo que a mesma não se encontrasse, temporariamente, a residir na moradia.
    Pelo exposto, é convicção profunda da administração, porque assente em provas irrefutáveis, que o ex-arrendatário se encontrava separado de facto da recorrente, pelo que carece de base legal o deferimento do pedido de transmissão da titularidade do arrendamento, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 22º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho.
    
結論
    CONCLUSÕES:
一. 根據第31/96/M號法令第二十二條第一款a)項的規定, 如屬澳門特區房屋之承租人死亡, 承租人地位得移轉予未經法院裁定分居及分產之配偶或事實婚之配偶 :
1. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 22º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, em caso de falecimento do arrendatário de moradia propriedade da RAEM, o mesmo pode transmitir-se ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto;
二. 上訴人之配偶於二O一二年死亡, 他由二OO一年至二O一一年, 每年都有向財政局遞交[家庭成員聲明], 但從來沒有聲明其配偶, 即上訴人, 是與他同居的 ;
2. O cônjuge da recorrente, que faleceu em 2012, entregou anualmente na DSF, de 2001 a 2011, uma "Declaração de Agregado Familiar" onde nunca declarou a recorrente sua esposa como habitando consigo ;
三. 上訴人認為是因為她有生病在身, 其丈夫才聲明 “他的妻子不是經常在他居住的地方” , 但不能幾這個理由而不將上訴人列於其[家庭成員聲明] 內, 其實, 承租人的妻子若不是短期居住於該房屋, 為何在過往十年都沒有將她列在有關的聲明上?
3. A leitura que a recorrente pretende fazer desse facto, de que sendo o marido casado, "vivia na moradia sem a presença continua da mulher" devido à sua doença, não serve de justificação para o facto do marido não a incluir na sua declaração de agregado familiar. Antes pelo contrário, não se entende por que razão não incluiria a sua esposa na declaração ao longo de todos esses anos, se a mesma não se encontrasse apenas temporariamente a residir na moradia.
四. 對有關聲明, 唯一可以理解的就是名譽承落中所證明的 : 由於他們倆已事實分居, 故是聲明人自己居住於該房屋, 而不是與上訴人同居.
4. Pelo que a única leitura que se pode fazer dessa declaração, feita sobre compromisso de honra, é exactamente o que lá se afirma: que o declarante habitava sozinho na moradia e que a recorrente não coabitava consigo, pelo que existia uma separação de facto entre os dois.
五. 上述事情可在有關大廈分別工作满二十四年 (自一九八八年起計) 和满六年 (自二OO六年起計) 的管理員的聲明中證實. 該等管理員可以肯定, 不論晝夜, 從來沒有在該大廈見過上訴人.
5. O mesmo é confirmado pelas declarações dos porteiros do edifício em questão, que ali trabalham, um desde 1988 (há 24 anos) e outro desde 2006 (há 6 anos), que afirmam nunca a recorrente ter sido vista naquele edifício, ao longo dos anos, nem durante o dia nem durante a noite.
六. 基此, 行政當局深信前承租人與上訴人早已事實分居, 而根據六月十七日第31/96/M號法令第二十二條第一款a)項規定, 批准移轉租賃擁有權的申請是需要有法律依據的.
6. Pelo que é convicção profunda da administração, que o ex-arrendatário se encontrava separado de facto da recorrente, carecendo de base legal o deferimento do pedido de transmissão da titularidade do arrendamento, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 22.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho.
故此, 由於本訴願欠缺可導致廢止被訴行為的瑕疵歸責, 所以本人建議駁回是次訴願, 並維持財政局局長於18/07/2012所作之行為.
Propõe-se, consequentemente, o indeferimento do presente recurso hierárquico, mantendo-se o acto da Sr.ª Directora dos Serviços de 18/07/2012, dada a falta de imputação de vícios que afectem o acto ora recorrido conducentes à sua revogação.
呈上級考慮 ”

    IV - FUNDAMENTOS
    1. A questão que interessa resolver no presente caso reconduz-se ao apuramento da situação familiar da recorrente, em relação ao seu marido, antes deste falecer, isto é, se o casal se encontrava ou não separado de facto.
Isto, porque, enquanto cônjuge de XXX, por morte deste, sempre a recorrente teria direito à transmissão do arrendamento da casa que lhe estava atribuída, face ao disposto no artigo 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho que prevê: “1. Em caso de falecimento do arrendatário, o arrendamento pode transmitir-se, pela ordem indicada, aos seguintes familiares: a) Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto (…)”
Ao indeferir-se a transferência da titularidade do arrendamento da referida moradia, questão configurada como prévia à pretensão de aquisição da mesma por banda da recorrente, importa saber se a Administração incorreu no vício de erro sobre os pressupostos de facto na decisão tomada, ao considerar que a recorrente A se encontrava separada de facto do seu marido à data da morte deste.
    
    2. A Administração baseou a sua convicção nos seguintes elementos:
    - No facto de o marido da recorrente, falecido em 2012, ao entregar anualmente na DSF, de 2001 a 2011, a "Declaração de Agregado Familiar" nunca aí ter mencionado que a sua esposa habitava consigo.
    - Ainda no facto de o AVC da recorrente ter ocorrido apenas em 2010.
    - Os porteiros do prédio não terão visto a recorrente entrar no prédio ao longo de anos.
    - O requerimento do marido da recorrente, corporizado no respectivo “Boletim de Candidatura”, manifestando a vontade de aquisição da casa não terá sido entregue por ele, ficando dúvidas quanto ao preenchimento do questionário pelo próprio.
    
    3. Afigura-se-nos que os supra citados elementos fácticos não são definitivos em termos de suporte de uma tese de separação de facto do casal.
    A união conjugal, por maioria de razão, quando juridicamente estabelecida, mais do que uma mera manifestação material de convivência física, traduz-se num estado de alma, numa disposição anímica de manter uma união que passa pelos laços afectivos que uma separação física não apaga necessariamente.
    Ora, o raciocínio da Administração é demasiado linear e simplista para que se possa sufragar o entendimento adoptado: a recorrente não morava na casa arrendada pelo marido, donde decorre necessariamente que estava separada de facto.
    Isto, sem cuidar nas razões que levavam a compreender essa ausência e que se mostram sobejamente comprovadas nos autos: a doença, a idade, a dependência de assistência e de tratamentos por parte da recorrente, o que levava a que esta estivesse internada num lar.
    4. Na verdade, a ora recorrente foi vítima de um grave AVC e, se bem que ocorrido apenas em 2010, é verdade que se comprova que sofre de obesidade mórbida, situação clínica devidamente atestada por médico em documento que faz parte do processo instrutor.
    Esquece, no entanto, a decisão tomada a condicionante que resultava do próprio estado de saúde problemático do próprio marido da recorrente, XXX - prolongada doença grave e quase perda total de visão - e da impossibilidade de assistir na doença a duas pessoas idosas e desvalidas, relevando-se uma impossibilidade objectiva de permanência do casal na mesma casa, o que não é demonstrativo, por si só, de uma separação de facto no sentido de se ter como assente a intenção de deixar de ser cônjuge, de deixar de estar casado com o outro, de cortar os laços que unem marido e mulher, de deixar de o ser e de tal ser considerado pela generalidade das pessoas, familiares e amigos.
    
    5. Invoca-se o facto de o falecido XXX ter declarado sempre desde 2001 que vivia sozinho na moradia. Convenhamos que há aqui uma grande falta de rigor. Desde logo não é isso que consta das declarações de agregado familiar que integram o Instrutor. Essas declarações são formatadas em impressos próprios e delas consta apenas o espaço para identificação dos elementos do agregado familiar que o beneficiário do arrendamento deve indicar, mas apenas para efeitos do Decreto-Lei n.º 1/91/M, de 14 de Janeiro, o que se destina à fixação da renda. Ora, se assim é, não faria sentido que o declarante fizesse ali constar pessoas que em nada relevariam para o estabelecimento de uma renda diferente daquela que ele pagaria enquanto único titular do rendimento relevante para fixação da renda.

8. Depois, esquece ainda a decisão proferida a condicionante dinâmica que resulta de se apurar, antes da ocorrência do referido AVC, do seu real estado de saúde e da possibilidade ou impossibilidade de morar naquela casa com o marido, ou, porventura, no limite, a alteração de um estado relevante em termos civis, como seja o de separado de facto que pode existir hoje e deixar de existir amanhã, donde não ser decisivo o estabelecimento de uma data a quo, qual seja a da ocorrência do AVC, para se dizer que, já antes dessa data, a recorrente não morava com o marido. Isto é, podia até nem morar e tal não significa que estivesse separada de facto; podia até estar separada de facto e deixar de o estar posteriormente a essa data.
Toda esta reflexão deve ser enquadrada com a condicionante de uma provecta idade de um casal cujos cônjuges teriam mais de 70, rondando os 80 anos.
Esta análise e sensibilidade não foi adoptada pelos Serviços que de alguma forma mais superficial e formal pegam em dois ou três elementos para afirmarem a sua profunda convicção de que aqueles idosos estavam separados de facto.
A nosso ver essa convicção não é suportada pelo circunstancialismo que se desenha nos autos, antes pelo contrário, sendo desmontada nos termos que vimos fazendo.
9. Invoca-se o facto de no processo de candidatura, o respectivo formulário não ter sido preenchido pelo interessado. Ora, da análise desse documento, com todo o respeito por entendimento contrário, concluímos exactamente no sentido da veracidade das declarações que dele constam, sendo inquestionável a autenticidade da assinatura do mesmo e de somenos o facto de eventualmente ter sido um terceiro a preenchê-lo. O que se observa é que no momento, no acto que interessa e que releva, afirma-se de uma forma clara qual a composição do agregado familiar do candidato à aquisição da casa e se explica que a esposa, a ora recorrente, está a viver num lar. Sendo de registar até que tal documento não deixou de merecer parecer favorável, não se tendo suscitado quaisquer dúvidas sobre o mesmo. Nada de mais claro.

10. Alude-se ao facto de os porteiros que ali estão há muitos anos nunca terem visto a senhora naquela casa. Sem desprimor para a função, todos sabemos, quantas vezes, os porteiros são os primeiros a não quererem ver, a que acresce o facto de a impossibilidade física da senhora obrigar a que se deslocasse de viatura e a que o acesso, confessadamente esporádico, à moradia em causa, se pudesse fazer porventura por outro local.
É questão que fica em aberto e por isso mesmo não se pode ter por definitiva.

11. O que se nos afigura, no fundo, é que houve um deficit de instrução, não sendo difícil apurar de uma real separação de facto que não se conjuga com a realidade aparente das coisas e a sua compreensão, para mais quando estamos perante um facto que a Administração invoca, que pretende sobrepor ao casamento existente e que devia comprovar, encetando até outras diligências, não esquecendo o universo humano que rodeia aquela realidade, nomeadamente a existência de uma empregada na casa.
É verdade que também a recorrente negligenciou a comprovação da real situação existente, não lhe sendo difícil, aparentemente, comprovar que a situação de casal se mantinha. Só que nos parece que o primeiro ónus de comprovação de uma situação de facto em que se louva a decisão tomada incumbiria à Administração nesta situação em concreto.
    Como já se tem afirmado nesta instância,1 nos termos do n.º1 do artigo 83° do C.P.A., "O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito", constituindo, pois, tal normativo a evidente concretização do princípio do inquisitório ou da oficialidade.
    As omissões, inexactidões e as insuficiências na instrução estão na origem do que se pode designar como um déficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, derivado não só da omissão ou preterição das diligências legais, mas também de não se tomar na devida conta, na instrução, factores que tutelem interesses irrenunciáveis dos administrados.2
    Por força do disposto no artigo 335º do C. Civil, quem invoca um direito tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos respectivos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
    Pese embora o facto de não valer no processo administrativo um ónus da prova subjectivo ou formal3, o que implica que o juiz só pode considerar os factos alegados e provados por cada uma das partes interessadas, o certo é que há sempre um ónus de prova objectivo, na medida em que se pressupõe uma repartição adequada dos encargos de alegação, isto é, de modo a repartir os riscos da falta de prova, desfavorecendo quem não veja provados os factos em que assenta a posição por si sustentada no processo.
    Importará, não obstante o princípio da presunção da legalidade do acto administrativo, considerar os limites da actuação da Administração que se deve pautar pela juridicidade das sua opções e pela obrigatoriedade de fundamentação do acto, dentro do respeito pela imparcialidade, igualdade, justiça e proporcionalidade, o que implica um ónus da prova dos pressupostos de facto subjacentes às decisões desfavoráveis aos interessados em respeito pelo princípio de justiça e legalidade.
    Pode, neste enquadramento, continuar a falar-se, mesmo em sede do recurso de anulação, de um ónus da prova, a cargo de quem alega os factos4, no entendimento de que “há-de caber à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos”.5
Este enquadramento, já adoptado noutros arestos deste Tribunal,6 e que, no caso presente, nos leva a considerar, contrariamente ao afirmado pela Administração, que, neste caso, não se comprova a invocada situação de separação de facto.

Este Tribunal não ignora uma situação um pouco estranha, a de se reconhecer à recorrente um direito que, aparentemente, nas actuais condições, parece não estar em condições de usufruir directa e imediatamente, visto o seu internamento num lar. São razões que a razão não desconhece mas que o legislador não contemplou em termos de exclusão da transmissibilidade que ora se reconhece, porventura de forma avisada, seja em termos de valoração de uma ligação familiar que não deixa de existir, seja em função da própria dinâmica da evolução do estado de saúde que, em qualquer momento, pode permitir a utilização física, imediata e permanente da referida fracção.

Donde sermos, na esteira, aliás, da mesma sensibilidade expressa no douto parecer do Digno Magistrado do MP, a decidir pela procedência do recurso.

    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso, anulando o acto recorrido em face do referido vício de erro nos pressupostos de facto.
    Sem custas, por delas estar isenta a entidade recorrida.
                  Macau, 16 de Janeiro de 2014
                   João A. G. Gil de Oliveira
                  Ho Wai Neng
                  José Cândido de Pinho
                  Presente
                  Victor Manuel Carvalho Coelho
1 - A. do TSI, proc. 41/2003, de 19/2/2004
2 Ac. do TSI de 13/2/2003, proc. 2000/35 e de 19/6/2003, proc. 2001/201
3 - Vieira de Carvalho, in A Justiça Administrativa, Lições, 1999, 268
4 - Marcello Caetano, Manual de Dto. Adm., II, 1972,1351
5 - Vieira de Carvalho, ob. cit., 269
6 - Ac. do TSI, Proc.18/2002 de 20/Março/2003 e 212/2003, de 11/3/2004

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312/2013 32/32