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Processo n.º 751/2012 Data do acórdão: 2013-7-25 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– causa de emissão do cheque
– prejuízo pecuniário
– condição da suspensão de execução da prisão
– pagamento de indemnização
S U M Á R I O
1. Não ficando provada a causa de emissão dos cheques sem provisão dos autos, e, por isso, também não ficando provado o prejuízo pecuniário alegado pelo ofendido ora recorrente no pedido cível de indemnização enxertado nos subjacentes penais, já deixou de ter base sólida a tese dele de que os valores titulados pelos cheques já representariam o prejuízo pecuniário sofrido.
2. E perante a não comprovação da causa de emissão dos cheques, é irrealista a pretensão do recorrente em ver sujeita a suspensão de execução da pena de prisão do arguido a alguma “condição de pagamento de indemnização destinada a reparar o mal dos crimes”.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 751/2012
(Autos de recurso penal)
Assistente (recorrente): A (XXX)
Arguido (recorrido): B (XXX)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 302 a 309 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-12-0021-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, não só na parte em que se decidiu absolver o arguido B do enxertado pedido, julgado como não provado, de condenação no pagamento de um total pecuniário de HKD1.007.000,00 (um milhão e sete mil dólares de Hong Kong) e dos respectivos juros já vencidos e vincendos, como também na parte em que não se fixou qualquer condição da decidida suspensão, por dois anos, de execução da pena única de um ano de prisão do arguido, resultante do cúmulo jurídico das três penas parcelares igualmente de nove meses de prisão impostas ao mesmo arguido pela comprovada autoria material, na forma consumada, de correspondentes três crimes qualificados de emissão de cheque sem provisão, p. e p. sobretudo pelo art.o 214.o, n.o 2, alínea c), do vigente Código Penal (CP), veio o assistente e demandante civil A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar, material e concretamente, a agravação das penas achadas nesse acórdão (em função mormente do valor consideravelmente elevado – mas não levado em conta pelo Tribunal recorrido – nos dois dos três cheques em causa), a procedência do seu pedido cível inicialmente enxertado nos autos (por os montantes titulados nos cheques já transparecerem qual o montante das dívidas em causa), e a necessária sujeição da suspensão de execução da pena de prisão à condição do pagamento da indemnização cível, destinada a reparar o mal dos crimes (cfr., com mais detalhes, a motivação de recurso apresentada a fls. 323 a 325 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 329 a 330 dos autos) o recorrido arguido, defendendo a improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 341 a 342) sobre a causa penal, pugnando pelo não provimento do recurso respeitante a essa parte.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da fundamentação fáctica do acórdão recorrido (tecida originalmente em chinês a fls. 303v a 305v dos autos) na parte que interessa à solução do recurso, resulta que o Tribunal recorrido julgou como provado, em essência, que:
– o arguido chegou a preencher, assinar e emitir, em favor do ofendido (ora assistente, demandante civil e recorrente), um cheque do Banco Tai Fung com o n.o C1222XXX no valor de HKD310.000,00 (trezentos e dez mil dólares de Hong Kong), e com data, aí constante, de 13 de Julho de 2007;
– e chegou a assinar e entregar ao ofendido dois cheques do Banco Tai Fung com os n.os C1222XXX e C1222XXX, respectivamente no valor de HKD600.000,00 (seiscentos mil dólares de Hong Kong) e HKD27.000,00 (vinte e sete mil dólares de Hong Kong), e com datas, aí constantes, de 24 de Abril de 2007 e 3 de Maio de 2007;
– e também chegou a assinar e entregar ao ofendido um cheque do Banco Tai Fung com o n.o C1222XXX, no valor de HKD70.000,00 (setenta mil dólares de Hong Kong), e com data, aí constante, de 31 de Outubro de 2007;
– todos os cheques em causa, levados tempestivamente pelo ofendido ao Banco da China para efeitos de pagamento, foram sempre devolvidos com fundamento na “insuficiência do capital depositado”;
– o arguido, ao assinar e emitir os cheques referidos, sabia inteiramente que a conta bancária não tinha dinheiro depositado suficiente para garantir o pagamento, e que a sua conduta não era permitida e era punível por lei;
– o ofendido, em 12 de Junho de 2007, fez mover no Tribunal Judicial de Base acção executiva contra o arguido, com base no cheque n.o C1222XXX;
– o arguido é delinquente primário, trabalha actualmente como emprego de mesa, com MOP12.000,00 (doze mil patacas) de rendimento mensal, com curso superior como habilitações literárias, e com dois filhos a seu cargo.
Enquanto o Tribunal recorrido já deu como não provada expressamente a seguinte factualidade:
– em 8 de Maio de 2007, o ofendido, através do arguido, comprou um veículo automóvel de chapa de matrícula n.o ML-XX-XX;
– como não se conseguiu finalmente concluir as formalidades de mudança do nome de proprietário, o arguido, para fins de restituição do preço do veículo, entregou ao ofendido o cheque n.o C1222XXX do Banco Tai Fung, no valor de HKD310.000,00;
– o arguido, no ano de 2007, pediu, por várias vezes, empréstimo de dinheiro ao ofendido;
– para devolver parte do montante emprestado pelo ofendido, o arguido preencheu as datas de 24 de Abril de 2007 e 3 de Maio de 2007, respectivamente, nos cheques do Banco Tai Fung n.os C1222XXX e C1222XXX, nos valores de HKD600.000,00 e HKD27.000,00.
Na fundamentação jurídica do seu acórdão, o Tribunal recorrido referiu, em quatro vezes (i.e., na 1.a linha do 1.o parágrafo, na 3.a linha do 2.o parágrafo, ambos da página 11 desse acórdão, a fl. 207, e na 3.a linha e na 7.a linha do último parágrafo da página 13 do acórdão, a fl. 308), que o valor do cheque n.o C1222400 era de HKD270.000,00.
O Tribunal recorrido explicou na fundamentação jurídica do seu acórdão (concretamente nos últimos três parágrafos da página 10 desse texto decisório, a fl. 306v) que: como antes do dia 19 de Julho de 2007 em que apresentou queixa criminal contra o arguido à Polícia Judiciária, o ofendido já fez instaurar, em 12 de Junho de 2007, acção executiva no Tribunal Judicial de Base com base no cheque n.o C1222XXX, já não era possível prosseguir o procedimento penal a propósito deste cheque, por força do disposto nos art.os 60.o e 61.o, n.o 2, do vigente Código de Processo Penal (CPP).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, é de mandar rectificar, desde já, e nos termos do art.o 361.o, n.o 1, alínea b), e n.o 2, do CPP, quatro idênticos lapsos manifestos de escrita contidos na fundamentação jurídica do acórdão recorrido, a respeito do valor do cheque do Banco Tai Fung n.o C1222XXX, no sentido de que onde se lê sempre “duzentos e setenta mil dólares de Hong Kong” na fundamentação jurídica desse aresto, se deve ler correctamente “vinte e sete mil dólares de Hong Kong”. Isto porque até o próprio ofendido demandante também reclamou na sua petição cível enxertada nos presentes autos penais o montante total de um milhão e sete mil dólares de Hong Kong como soma do capital devido inicialmente pelo arguido (e ao qual se reportavam os quatro cheques dos autos), pelo que é autêntico acto de venire contra factum proprium o recorrente ter vindo alegar na sua motivação de recurso que dois dos três cheques em causa eram com valor consideravelmente elevado.
Cumpre conhecer, agora, das questões postas pelo ofendido no recurso:
Desde logo, e ante a matéria de facto dada por não provada no acórdão recorrido, impõe-se, e sem mais indagação por desncessária ou prejudicada, a improcedência da pretensão do recorrente na parte referente ao seu enxertado pedido cível de indemnização: na verdade, como não ficou materialmente provada a causa de emissão dos cheques, e, por isso, também não ficou provado o prejuízo pecuniário alegado nessa petição cível, já deixou de ter base sólida a tese, preconizada na motivação de recurso, de que os valores titulados pelos cheques já representariam o prejuízo pecuniário sofrido.
No que à medida das penas diz respeito, afigura-se ao presente Tribunal ad quem como equilibrada e justa, aos padrões da medida plasmados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, a pena de nove meses de prisão, achada pelo Tribunal recorrido ao crime qualificado de emissão de cheque sem provisão do art.o 214.o, n.o 2, alínea c), do CP, punível com prisão até cinco anos, e cometido pelo arguido através do cheque n.o C1222XXX, com o valor de HKD310.000,00. E sobre a justeza da mesma pena de nove meses de prisão, aplicada no acórdão recorrido aos restantes dois crimes por que vinha condenado o arguido, também se mostra incontestável, visto que apesar de os respectivos cheques em causa terem montantes substancialmente inferiores ao daquele, não se pode esquecer de que a conduta de emissão desses dois cheques é considerada como um crime qualificado de emissão de cheque sem provisão devido à mesma circunstância da alínea c) do n.o 2 do art.o 214.o do CP, circunstância essa que agravou em dose substancial o limite máximo da moldura penal prevista no n.o 1 deste artigo incriminador para o delito fundamental de emissão de cheque sem provisão, razões porque, diversamente do sustentado pelo recorrente, a pena de nove meses de prisão graduada igualmente pelo Tribunal recorrido para os actos criminais do arguido por causa desses dois cheques nunca pode ser considerada como benévola ao arguido. Por fim, ponderando todos os factos e circunstâncias já apurados em primeira instância, também se apresenta justa e equilibrada a pena única de prisão encontrada pelo Tribunal recorrido, à luz do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP.
E perante o acima tecido sobre a não comprovação da causa de emissão dos cheques, é irrealista a pretensão do recorrente em ver sujeita a suspensão de execução da pena única de prisão do arguido a alguma “condição de pagamento de indemnização destinada a reparar o mal dos crimes”.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso e rectificar oficiosamente, nos termos acima especificados, os lapsos de escrita contidos na fundamentação jurídica do acórdão recorrido, tudo a propósito do montante do cheque n.o C1222XXX do Banco Tai Fung, que é de HKD27.000,00, e não de HKD270.000,00.
Custas do recurso totalmente a cargo do assistente, com doze UC de taxa de justiça.
Fixam em duas mil e quinhentas patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso do arguido.
Macau, 25 de Julho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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