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Processo nº 393/2013 Data: 25.07.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Quebra de caução.
Extinção.




SUMÁRIO

A sentença absolutória implica a imediata extinção das medidas de coacção aplicadas, não se podendo declarar quebrada uma caução prestada por despacho proferido depois de tal decisão.

O relator,

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Processo nº 393/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, B e C, com os sinais dos autos, vieram recorrer do despacho proferido pelo Mmo Juiz do T.J.B. que declarou quebradas as cauções que como arguidos prestaram nos autos, alegando, em essência, que observado não tinha sido o contraditório e que reunidos não estavam os pressupostos legais para tal decisão; (cfr., fl.s 3716 a 3723 e 3725 a 3733-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento, devendo ser rejeitado; (cfr., fls. 3937 a 3745).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“A, B, C e outros, ora arguidos foram absolvidos pelo douto Acórdão do Tribunal Colectivo do T.J.B., em 12/04/2013, pronunciando a decisão oportuna da medida de coacção de caução.
O douto Acórdão acima referido transitou em julgado em 22/04/2003.
Em 07/05/2013, foi decidida o quebra das cauções, prestadas pelos arguidos A, B e C, pelo Mttm.° Juíz titular, ora recorrido, com audição do M.P., nos termos do art.° 192 n.°s 1 e 2 do C.P.P.M ..
Em 22/05/2013, inconformados com o douto decisão de quebra de caução, os arguidos A, B e C vêm respectivamente recorrer para o Tribunal de Segundd Instância, invocando os violações previstas nos art.°s 50 n.° 1 al. b), 357 n.° 1 e 198 n.° 1 al. c) do C.P.P.M., e solicitando a revogação da dita decisão e o devolução de caução.
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Quanto à imputação da violação dos art.°s 357 n.° 1 e 198 n.°1 aI. c) do C.P.P.M. do douto despacho de quebra de caução, entendemos que não se pode reconhecer razão aos recorrentes.
Vejamos que meramente estipulam as disposições dos art.°s 357 n.° 1 e 198 n.° 1 al. c) do C.P.P.M. as regras da sentença absolutória do Tribunal de julgamento, não incluindo, no caso de processo comum colectivo, os despachos posteriores exarados apenas pelo Mttm.° Juíz titular, como o recorrido.
Entendemos que não se vislumbra, nem se pode vislumbrar a violação das normas jurídicas dos art.°s 357 n.° 1 e 198 n.° 1 al. c) do C.P.P.M., devendo-se assim julgar, desde já, improcedente nesta parte os recursos interpostos respectivamente pelos arguidos A, B e C.
Caso assim não se entenda, parece-nos que se deveria interpretar a disposição do art.° 198 n.° 1, incluindo a alínea c) do C.P.P.M., sempre juntamente com a do art.° 357 n.° 1 do mesmo Código, extinguindo-se as medidas de coacção de imediato, ou seja, sem ter que aguardar o trânsito, necessariamente com uma declaração da autoridade judiciária, no intuito de garantir os direitos fundamentais dos arguidos bem como a concretização do efeito, especialmente face ao exterior, da extinção da medida de coacção em causa.
In casu, declarou o Tribunal colectivo a extinção das medidas de coacção dos recorrentes na sentença absolutória à excepção do destino das cauções prestadas pelos recorrentes (cfr. fls. 3625), não havendo aqui omissão de atenção dos art.°s 198 e 357 do C.P.P.M..
É exigida formalmente uma declaração da extinção de medida de coacção de caução da autoridade judiciária por força do art.° 357 n.° 1, sem prejuízo da sua extinção materialmente imediata nos termos do 198 n.° 1 al. c) do C.P.P.M., pois a quantia referente à caução se encontra efectivamente depositada em conta bancária a favor da autoridade judiciária, cujo levantamento depende sempre de um despacho judicial.
Além de mais, a nosso ver, mais uma oportunidade foi dada pela decisão de declaração adiada do destino de caução, para os recorrentes, nomeadamente A e B, apresentarem justificações para as suas ausências nos dias de audiência de julgamento.
Como não vieram justificar as suas ausências, tornou-se realizado automaticamente o efeito jurídico previsto no art.° 192 do C.P.P.M., quebrando as cauções e revertendo os respectivos valores a favor da R.A.E.M ..
Com conjugação das faltas injustificadas antes dadas, entendemos que em nada é incorrecta a decisão de quebra da caução recorrida nem se vislumbra também, deste ponto de vista como doutro, a violação das normas jurídicas dos art.°s 357 n.° 1 e 198 n.° 1 al. c) do C.P.P.M. na decisão de quebra da caução recorrida, devendo julgar-se já improcedentes nesta parte os recursos interpostos respectivamente pelos arguidos A, B e C.
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Quanto ao título da omissão da audição prévia dos arguidos aquando da quebra de medidas de coacção de caução, violando o princípio de contraditório exigido pelo art.° 50 n.° 1 al. b) do C.P.P.M ..
Concordamos vertentemente com o entendimento do douto acórdão do Proc. de recurso penal do T.S.I. de que "o princípio do contraditório materializado na audição prévia do arguido aquando da aplicação de medidas de coacção radica, principalmente, no artigo 50°, b) do CPP", não redundando numa nulidade mas sim numa irregularidade a não audição de arguido. O arguido devia arguir tempestivamente perante o próprio Juiz nos termos dos art.°s 105 n.° 1 e 2 e 110° do C.P.P.M. (v. Proc. do T.S.I. n.° 596/2006, de 14/12/2006).
In casu, mesmo que não seja a aplicação de medida de coacção mas a quebra de caução, deveria ser cumprida a formalidade de audição dos arguidos recorrentes e do M.P., uma vez que se atinge sempre os interesses dos mesmos.
Como não tendo os recorrentes reclamado, sob o princípio do contraditório, da preterição dessa formalidade dentro do prazo previsto no art.° 110 do C.P.P.M., verifica-se sanada essa irregularidade.
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Pelo exposto, por não se mostrar haver violação dos art.°s 50 n.° 1 al. b), 357 n.° 1 e 198 n.° 1 al. c) do C.P.P.M. na decisão recorrida, deve assim ser julgado improcedente o recurso dos A, B e C”; (cfr., fls. 3759 a 3761).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Vem interposto recurso do despacho pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferido que declarou quebradas as cauções prestadas por A, B e C.

E cremos que tem os recorrentes razão.

Vejamos, (necessária não nos parecendo uma abundante fundamentação).

Nos termos do art. 198° do C.P.P.M.:

“1. As medidas de coacção extinguem-se de imediato:
a) Com o arquivamento do inquérito, se, decorrido o prazo previsto no n.º 2 do artigo 270.º, não tiver sido requerida a abertura da instrução;

b) Com o trânsito em julgado do despacho de não-pronúncia;

c) Com a sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto recurso; ou

d) Com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
2. A medida de prisão preventiva extingue-se igualmente de imediato quando tiver lugar sentença condenatória, ainda que dela tenha sido interposto recurso, se a pena aplicada não for superior à prisão já sofrida.
3. Se, no caso da alínea c) do n.º 1, o arguido vier a ser posteriormente condenado no mesmo processo, pode, enquanto a sentença condenatória não transitar em julgado, ser sujeito a medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no caso.
4. Se a medida de coacção for a de caução e o arguido vier a ser condenado em prisão, aquela só se extingue com o início da execução da pena”; (sub. nosso).

No caso, a decisão de quebra da caução foi proferida no dia 07.05.2013, depois de, por Acórdão de 12.04.2013, se ter absolvido os ora recorrentes da imputada prática de 2 crimes de “burla”, e de 1 crime de “emprego ilegal” (o 3° arguido); (cfr., fls. 3606 a 3627 e 3645 a 3646).

E, desta forma, evidente se nos parece também que a decisão em crise colide, frontalmente, com o estatuído no transcrito comando legal, (art. 198°, n.° 1, al. c)), pois que no momento da sua prolação, extinta já estava a “medida de coacção” (“caução”) em questão.

Pugnando pela manutenção da decisão recorrida, diz, porém, o Ministério Público, (na sua Resposta), que, como afirma P. P. Albuquerque no seu “Comentário ao C.P.P.”, “a declaração da quebra pode ter lugar em qualquer momento do processo”, pelo que “tempestiva” é dita decisão.

Com muito respeito por tal entendimento, cremos haver equívoco.

Com efeito, tal afirmação no sentido de que a declaração da quebra pode ter lugar em “qualquer momento do processo”, tem de ser entendida com as devidas cautelas, ou seja, sem se esquecer o que estatui o art. 198° do C.P.P.M., que não pode deixar de ser o “prazo limite (absoluto)” para tal decisão; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. Porto de 06.12.2000, Proc. n.° 0011066 in www.dgsi.pt, onde se consignou, nomeadamente, que: “a prolação de sentença absolutória implica a imediata extinção de todas as medidas de coacção, não podendo, posteriormente declarar-se quebrada a caução (que já não existe) independentemente de os factos que determinariam a quebra terem ocorrido em data anterior.
Na quebra da caução nestas circunstâncias existe evidente lapso da máquina judiciária, que não poderá aceitar-se criando a ficção de que o arguido ainda está caucionado por factos anteriores a sentença”).

Isto é, a declaração da quebra da caução pode ter lugar em qualquer momento do processo, desde que ainda não se verifique nenhuma das situações previstas no art. 198° do C.P.P.M..

In casu, proferida que foi a sentença absolutória extintas ficaram todas as medidas de coacção aplicadas, (o que, aliás, não deixa de ser também a consagração do princípio vertido no art. 499° do C.P.P.M., onde se estatui que as “decisões penais absolutórias são exequíveis logo que proferidas”).

E, assim, sentido não faz declarar “quebrada” uma caução que já não existe.

Este, cremos nós, o entendimento adequado a adoptar, tanto pela inserção dos comandos legais em questão, como também, atenta a redacção do art. 198°, n.° 1, onde se estatui que: “as medidas de coacção extinguem-se, de imediato”, de onde se deve retirar que a vontade do legislador foi no sentido de que a “extinção” seja “ope-legis”, e “imediata”.

Dest’arte, e claro nos parecendo o que se deixou expendido, resta decidir.

Decisão

3. Em face do exposto, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.

Sem tributação.

Macau, aos 25 de Julho de 2013


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José Maria Dias Azedo
(Relator)
[Com a declaração de que considero que a decisão recorrida viola também o “princípio do contraditório”, pois que, tal como tinha alegado o recorrente, e como tinha feito constar no meu projecto de acórdão, em obediência ao “princípio do contraditório” e da proibição de “decisões-surpresa”, constitui entendimento firme que o arguido deve ser ouvido antes da declaração da quebra da caução, pois que esta não é automática; (cfr., v.g., M. Gonçalves, in “C.P.P.”, 17ª ed., 2009, pág. 507, P. Pinto de Albuquerque, in “Comentário ao C.P.P.”, pág. 558, o Ac. da R.P. de 11.01.1995, Proc. n.° 9330987, e da R.L. de 24.03.2004, Proc. n.°6008/2003-3 in www.dgsi.pt, aqui citados como mera referência)].

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)


Proc. 393/2013 Pág. 12

Proc. 393/2013 Pág. 1