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Processo n.º 905/2012 Data do acórdão: 2013-7-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– navalha com lâmina superior a 10 cm
– arma proibida
– art.º 262.º, n.º 1, do Código Penal
– presunção judicial
– art.o 342.o do Código Civil
– art.o 1.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento de Armas e Munições
– art.o 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições
– Decreto-Lei n.o 77/99/M
– multa penal em quantia na lei avulsa
– critério de conversão da multa em prisão
– art.o 6.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 58/95/M
– crime de tráfico de quantidades diminutas
– art.º 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 5/91/M
S U M Á R I O
1. Estando provado que a navalha então trazida pelo arguido recorrente no bolso das suas calças tem lâmina superior a 10 cm, e que ele trouxe essa navalha sem ter conseguido apresentar justificação razoável para isso, e sendo de presumir judicialmente (sob aval do art.o 342.o do Código Civil) que essa navalha, por ser materialmente uma espécie de faca, é susceptível de ser utilizada como instrumento de agressão física como ensinam até as regras da experiência da vida humana quotidiana, é de condenar o arguido como autor material de um crime consumado de arma proibida, p. e p. pelo art.º 262.º, n.º 1, do Código Penal, em conjugação com os art.os 1.o, n.o 1, alínea f), e 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M, de 8 de Novembro.
2. A multa aplicada ao arguido, conjuntamente com a pena de prisão, pela prática do crime de tráfico de quantidades do art.º 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, se não paga, deve ser convertida em prisão ao critério de conversão fornecido expressamente na alínea a) do art.o 6.o do Decreto-Lei n.o 58/95/M, de 14 de Novembro, aprovador do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 905/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A (XXX)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 119 a 128 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-11-0150-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou, como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de quantidades diminutas, p. e p. pelo art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de um ano e seis meses de prisão e na multa de cinco mil patacas (convertível, se não paga, em 33 dias de prisão), de um crime de detenção ilícita de estupefaciente para consumo, p. e p. pelo art.o 23.o, alínea a), do mesmo Decreto-Lei, na pena de dois meses de prisão, de um crime de detenção indevida de utensilagem, previsto pelo art.o 12.o do dito Decreto-Lei, e punido, por lhe serem mais favoráveis em concreto, nos termos do art.o 15.o da actualmente vigente Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de dois meses de prisão, e de um crime de arma proibida, p. e p. pelo art.o 262.o, n.o 1, do vigente Código Penal (CP), com referência aos art.os 1.o, n.o 1, alínea e), e 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M, de 8 de Novembro, na pena de dois anos e seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas quatro penas, na pena única de três anos e três meses de prisão e na multa de cinco mil patacas (convertível, se não paga, em 33 dias de prisão), veio o 1.o arguido do processo A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir – em função da sua culpa, grau de ilicitude dos factos, sua personalidade, ausência de antecedentes criminais, e situação pessoal, familiar e económica – a redução das penas parcelares e única (por ele tidas como excessivas e violadoras dos princípios da proporcionalidade e da adequação), com subsequente e possível suspensão da execução da nova pena única a aplicar, e para rogar também a convolação, pelo menos, do referido crime de arma proibida para o crime do art.o 262.o, n.o 3, do CP, para além de imputar ao mesmo acórdão condenatório os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, sem deixar de requerer o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas (cfr., com mais detalhes, a motivação apresentada a fls. 167 a 186 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 190 a 197v dos autos), no sentido de manifesta improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 206 a 208v), pugnando também pela rejeição do recurso, por evidentemente infundado.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir (sendo o recorrente já notificado da eventualidade da alteração de uma das disposições legais conjugadamente incriminadoras do crime de arma proibida, no sentido de que em vez da alínea e), seria a alínea f) do mesmo n.o 1 do art.o 1.o do Regulamento de Armas e Munições).
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Segundo a fundamentação fáctica do acórdão recorrido (tecida originalmente em chinês a fls. 121 a 122v dos autos, e com tradução para português aqui feita pelo ora relator), e na sua essência, com pertinência à solução do recurso:
– em 30 de Julho de 2009, às 16:30 horas, o pessoal policial interceptou, numa zona recreativa em Macau, o 1.º arguido A (ora recorrente) e o 2.º arguido B para efeitos de investigação;
– em face disso, o recorrente pôs-se logo em fuga, e deixou para o chão um embrulho de papel, contentor de dois troços de tubo de ingestão, cada um deles com um comprimido de cor azul e algum pó no interior;
– após feito o exame laboratorial, comprovou-se que os referidos comprimidos contêm Midazolam como substância controlada pela Tabela IV anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com 0,375 grama líquido de peso total, e que o dito pó contém Heroína como substância controlada na Tabela I-A do mesmo Decreto-Lei, com 0,105 grama líquido de peso;
– os produtos estupefacientes acima referidos foram objectos que o recorrente se preparou para vender ao 2.º arguido;
– mais tarde, o pessoal policial encontrou no bolso dianteiro direito das calças do recorrente uma já aberta navalha com lâmina dobrável com mola;
– após examinada, a navalha referida tem por comprimento total 24,7 cm, com lâmina em 10,4 cm, e com cabo em 13,3 cm;
– o recorrente trouxe tal navalha já aberta, e não conseguiu apresentar justificação razoável para isso;
– depois, o pessoal policial levou o recorrente para fazer busca na residência deste, onde foram encontrados 40 comprimidos de cor azul, dois embrulhos de substâncias sob a forma de grão, cinco tubos para ingestão de bebidas, 45 troços de tubos para ingestão de bebidas, uma tesoura, uma lâmina de canivete, uma canivete, um isqueiro e duas seringas;
– mediante exame laboratorial, comprova-se que os comprimidos de cor azul contêm Midazolam, no peso total de 7,469 gramas líquidos, que os grãos referidos contêm Heroína, no peso total de 1,758 gramas líquidos, e que as seringas e a tesoura têm vestígios de Heroína e Midazolam;
– os produtos estupefacientes referidos foram adquiridos pelo recorrente a indivíduo de identidade não apurada, com o objectivo de fornecê-los a outrem e consumi-los por ele próprio;
– os acima referidos tubos para ingestão de bebidas, tesoura, lâmina de canivete, canivete, isqueiro e seringas foram instrumentos usados pelo recorrente para embalagem de droga e consumo de droga;
– o recorrente, ao praticar os actos acima referidos, agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo claramente da natureza dos produtos estupefacientes referidos;
– a sua conduta referida não obteve a autorização legal;
– o recorrente sabia claramente que a sua conduta era proibida e punível por lei;
– o recorrente é delinquente primário, declarou trabalhar como operário de construção civil, com cerca de cinco a seis mil patacas de rendimento mensal, com o 3.o ano do curso secundário elementar como habilitações literárias e duas filhas a seu cargo.
Segundo a identificação do recorrente como tal descrita no intróito do acórdão recorrido, ele é titular do bilhete de identidade de residente de Macau.
Do exame dos autos, sabe-se que o recorrente pediu a dispensa de pagamento de custas do processo em Outubro de 2012.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Apesar de o recorrente ter apontado ao Tribunal recorrido o cometimento dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, a sua argumentação concretamente tecida na motivação do recurso faz transparecer que, no fundo, ele está a querer sindicar da justeza da subsunção, decidida por esse Tribunal, dos factos provados ao tipo legal do art.º 262.º, n.º 1, do CP.
Pois bem, o art.º 1.º, n.º 1, do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M, de 8 de Novembro, qualifica como “arma”, na sua alínea e), “Armas com disfarce, brancas ou …”, e na sua alínea f), “Instrumentos perfurantes ou contundentes e facas com lâmina superior a 10 cm de comprimento, susceptíveis de serem usados como instrumento de agressão física, e desde que o portador não justifique a respectiva posse”.
E o art.º 6.º, n.º 1, alínea b), desse Regulamento considera as armas referidas inclusivamente na dita alínea e) e f) como “armas proibidas”.
Assim, e estando provado que a navalha então trazida pelo recorrente no bolso dianteiro direito das suas calças tem lâmina superior a 10 cm, e que ele trouxe essa navalha sem ter conseguido apresentar justificação razoável para isso, por um lado, e, por outro, sendo de presumir aqui judicialmente (sob aval do art.o 342.o do vigente Código Civil) que essa navalha, por ser materialmente uma espécie de faca, é susceptível de ser utilizada como instrumento de agressão física (como ensinam até as regras da experiência da vida humana quotidiana), é mais adequado considerá-la como uma arma proibida à luz das regras conjugadas do art.o 1.o, n.o 1, alínea f), e do art.o 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições, normas legais essas, aliás, inicialmente imputadas contra o arguido recorrente no libelo acusatório.
Portanto, os factos já provados em primeira instância e referenciados em súmula na parte II do presente acórdão de recurso na parte em questão dão perfeitamente para integrar o crime de arma proibida do art.º 262.º, n.º 1, do CP, daí que há que decair o pedido de convolação deste crime para o crime mais leve do n.º 2 desse artigo incriminador, uma vez que só seria de aplicar esse n.o 2 se a arma não fosse legalmente qualificada como proibida.
Em suma, há que manter a condenação do recorrente pela autoria material de um crime consumado de arma proibida, pese embora a necessidade de alteração de uma das disposições legais conjugadamente incriminadoras desse delito, no sentido de que em vez da alínea e), será a alínea f) do mesmo n.o 1 do art.o 1.o do Regulamento de Armas e Munições.
Resta agora ver a questão da medida das penas.
Dentro dessa problemática, o recorrente só impugnou a justeza da duração das quatro penas parcelares de prisão, da pena única de prisão e da quantia da multa por que vinha condenado.
Mais uma vez, embora ele impute à recorrida decisão da medida das penas o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que ele, no fundo, pretende é tão-só atacar a alegada severidade das penas achadas e o excesso da quantia da multa fixada no acórdão recorrido.
Pois bem, vistos todos os factos e circunstancialismos já apurados pelo Tribunal a quo com pertinência para a fixação da duração das penas de prisão parcelares e única e da quantia da multa em questão dentro das respectivas molduras legais aplicáveis, e atendendo a que são muito elevadas as exigências da prevenção geral do crime de arma proibida e do crime de tráfico de quantidades diminutas, não se vislumbra que aquele Tribunal tenha violado os padrões da medida da pena mormente plasmados nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º do CP, e ainda que o recorrente seja um delinquente primário e com encargos familiares, daí que todas as penas parcelares e única de prisão e a quantia da multa aplicada no aresto impugnado já não admitem mais margem para redução.
Não obstante, há que reduzir oficiosamente (ainda dentro da grande problemática da justeza da medida da pena) o número de 33 dias de prisão sucedânea da multa de cinco mil patacas aplicada pelo Tribunal recorrido.
É que o Tribunal a quo determinou que no caso de não ser paga essa multa, ela ficaria convertida em 33 dias de prisão.
Mas, ao critério de conversão fornecido expressamente na alínea a) do art.o 6.o do Decreto-Lei n.o 58/95/M, de 14 de Novembro, aprovador do CP, é de passar a julgar, por ser mais equitativo, essa multa de cinco mil patacas convertível, se não paga, em 11 dias de prisão.
Intocada que está a pena única de prisão aplicada no acórdão recorrido ao recorrente, que é superior a três anos, é já inviável qualquer hipótese de se lhe suspender a execução da prisão nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
Finalmente, quanto ao pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, como este pedido foi formulado pelo recorrente antes da entrada em vigor, em 1 de Abril de 2013, da actual Lei n.o 13/2012, de 10 de Setembro, há que decidi-lo ainda à luz do então vigente Decreto-Lei n.o 41/94/M, de 1 de Agosto, por força das regras da aplicação da lei no tempo.
Pois bem, sendo o recorrente titular do bilhete de identidade de residente de Macau, e estando provado no acórdão recorrido que ele declarou trabalhar como operário de construção civil, com cerca de cinco a seis mil patacas de rendimento mensal, é de deferir-lhe essa pretensão, porquanto deve ser presumida a sua situação de insuficiência económica para custear todas as despesas normais do presente processo penal (cfr. os art.os 1.o, n.o 1, 2.o, n.os 1 e 3, 4.o, n.o 1, e 6.o, n.o 1, alínea e), do referido Decreto-Lei n.o 41/94/M).
Em síntese, para além de ser necessário alterar uma das disposições legais conjugadamente incriminadoras do crime de arma proibida cometido pelo recorrente, reduzir-se-á o número de 33 dias da prisão sucedânea da multa de cinco mil patacas referida no acórdão recorrido não só na punição do crime de tráfico de quantidades diminutas do recorrente, como também no cúmulo jurídico das penas dos quatro crimes cometidos pelo recorrente, indo passar esse número a ser apenas de 11 dias.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em:
– negar provimento ao recurso do arguido A;
– deferir o seu pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento das custas;
– alterar oficiosamente uma das disposições legais conjugadamente incriminadoras do crime de arma proibida praticado pelo arguido recorrente, no sentido de que em vez da alínea e), é a alínea f) do mesmo n.o 1 do art.o 1.o do vigente Regulamento de Armas e Proibições;
– bem como reduzir oficiosamente o número de 33 dias de prisão sucedânea da multa de cinco mil patacas referida no acórdão recorrido, passando esse número a ser apenas de 11 dias.
Custas do recurso por conta do recorrente, com dez UC de taxa de justiça, e quatro mil patacas de honorários para o seu Ex.mo Defensor Oficioso, honorários esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 18 de Julho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator) (opinando, porém, que: em sede de cúmulo jurídico das penas aplicadas aos quatro crimes cometidos pelo arguido recorrente, a multa de cinco mil patacas imposta, conjuntamente com a pena de um ano e seis meses de prisão, ao seu crime de tráfico de quantidades diminutas, deveria entrar na formação da pena única mediante a sua prévia conversão em dias de prisão (i.e., mediante a sua prévia conversão concreta em 11 dias de prisão nos termos especialmente previstos no art.o 6.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 58/95/M, de 14 de Novembro), de maneira que na pena única a sair finalmente do cúmulo jurídico operado jamais poderia ficar tal pena de cinco mil patacas de multa – neste sentido, cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in DIREITO PENAL PORTUGUÊS – AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME, Aequitas e Editorial Notícias, 1993, pág. 290, os três primeiros parágrafos, à luz de cujos preciosos ensinamentos, e designadamente, a multa provinda da “pena composta de prisão e multa” entrará na formação da pena única mediante a sua prévia conversão em dias de prisão).
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto) (Nos termos de declaração de voto que anexei ao Ac. de 31.03.2011, Proc. n.° 81/2011.)



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