打印全文
Processo n.º 144/2013 Data do acórdão: 2013-7-25 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– burla em valor elevado
– art.o 211.o, n.o 3, do Código Penal
– pena de multa
– suspensão da pena de prisão
S U M Á R I O
1. A pena de multa não consegue realizar, de forma suficiente e adequada, as prementes necessidades da prevenção geral do crime de burla em valor elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.os 1 e 3, do Código Penal.
2. Por ser o recorrente um delinquente não primário, é impossível formar qualquer juízo de prognose favorável a ele para efeitos de pretendida suspensão, à luz do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal, da execução da sua pena de prisão pelo referido tipo legal de crime.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 144/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente (1.o arguido): A (XXX)







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 443 a 448v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-11-0231-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que, de entre outras coisas, o condenou, pela co-autoria material de três crimes consumados de burla simples, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 1, do Código Penal (CP), em um ano de prisão por cada, e de dois crimes consumados de burla em valor elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.os 1 e 3, com referência ao art.o 196.o, alínea a), ambos do CP, em um ano e seis meses de prisão por cada, e pela autora material de um crime consumado de burla simples, em sete meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas seis penas parcelares, finalmente em três anos de prisão única efectiva, veio o 1.o arguido A (XXX) recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir que passasse a ser condenado à luz da figura de crime continuado prevista no art.o 29.o, n.o 2, do CP, e rogar também, fosse como fosse, a suspensão da execução da prisão (cfr., com mais detalhes, a motivação apresentada a fls. 466 a 469 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 482 a 487v dos autos), no sentido final de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 498 a 498v), pugnando pela sem razão do recorrente.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir (sendo o recorrente já advertido da eventualidade da alteração oficiosa da qualificação jurídico-penal dos factos provados, com a adopção do seguinte critério para contagem do número dos crimes de burla: seriam tantos crimes de burla quantos os planos de burla em questão, com a soma total de quantias burladas em cada plano de burla a ser considerada para efeitos de determinação de qual a moldura penal aplicável).

II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto julgada em primeira instância, é de tomar a factualidade descrita como provada nas páginas 5 a 8 do texto do acórdão recorrido (correspondentes às fls. 445 a 446v dos autos) como a fundamentação fáctica do presente aresto de recurso, por aval do art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal (CPP).
Dessa factualidade provada, sabe-se que:
– em Maio de 2009, o 1.o arguido A (XXX) (ora recorrente) foi contratado para desempenhar as funções de gerente numa empresa de limpeza, denominada em inglês como “XXX Limited”, sendo ele responsável pela aceitação de negócios, contratação de trabalhadores, e distribuição de salários ao pessoal da empresa, etc;
– ao mesmo tempo, o recorrente contratou o 2.o arguido B (XXX) para o posto de chefe na dita empresa, responsável essencialmente pela gestão do andamento de trabalho do pessoal trabalhador;
– o recorrente e o 2.o arguido, para obter vantagens ilegítimas, cooperaram-se na prática dos factos de burla;
– houve dois planos de burla;
– no primeiro dos planos, o recorrente disse, no ano de 2009, a diversos trabalhadores de limpeza da empresa que esta tinha 20 vagas de trabalhador de limpeza, e exigiu a cada um deles que apresentasse familiares e amigos seus no Interior da China para virem trabalhar em Macau, contra o pagamento de RMB9.000,00 de despesa individual de apresentação; na sequência disso, os dois arguidos acabaram por conseguir receber, em 4 de Novembro de 2009, um total de RMB63.000,00 de despesas de apresentação juntado e entregue pelas duas primeiras ofendidas dos autos, tendo o 2.o arguido emitido respectivos recibos, e o 1.o arguido recorrente, em 3 de Novembro de 2009, acabou por receber também da 5.a ofendida dos autos um total de RMB18.000,00, entregue a título de despesas de apresentação, e não lhe emitiu qualquer recibo;
– no segundo dos planos de burla, o recorrente disse, em Dezembro de 2009, à 2.a ofendida dos autos, que em Macau havia hotéis a precisarem de contratar um conjunto de trabalhadores para housekeeping, sendo as despesas de apresentação nesta vez de RMB12.000,00 por pessoa; e na sequência disso, os dois arguidos acabaram por conseguir receber, em Dezembro de 2009, da 2.a ofendida RMB48.000,00, da 3.a ofendida RMB12.000,00, da 4.a ofendida RMB24.000,00 e do 6.o ofendido RMB24.000,00, tendo o 2.o arguido passado respectivos recibos;
– o recorrente já chegou a ser condenado, em 8 de Junho de 2010, no Processo n.o CR1-07-0153-PCC, pela prática de um crime de aquisição de moeda falsa (cartão de crédito) para ser posta em circulação, de um crime de falsificação de documento de especial valor e de um crime de falsificação de documento, na pena única de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos;
– o recorrente tem o Processo n.o CR1-10-0206-PCC a aguardar pelo julgamento, por 47 acusados crimes de burla;
– o 2.o arguido, não recorrente, é delinquente primário.

III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A propósito da primeiramente colocada questão de crime continuado, é de seguir o entendimento jurídico já assumido no acórdão deste TSI, de 26 de Julho de 2012, no Processo n.o 433/2011, emitido sobre uma factualidade provada muito congénere à dos presentes autos, no sentido de que não se pode aplicar a figura de crime continuado.
Entretanto, a improcedência desta questão não obsta a que o presente Tribunal ad quem proceda oficiosamente – com adopção também do critério de contagem do número de crimes de burla já explanado no citado acórdão de recurso – à alteração da qualificação jurídico-penal dos factos, no sentido de passar a condenar (nos termos designadamente do art.o 392.o, n.o 2, alínea a), do CPP) os dois arguidos do subjacente processo apenas como co-autores de dois crimes de burla em valor elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.os 1 e 3, com referência ao art.o 196.o, alínea a), ambos do CP, porquanto em causa estão dois planos de burla, com obtenção efectiva no primeiro dos planos delinquentes, de um total de RMB81.000,00, e no segundo plano, de um total de RMB108.000,00.
É mister, assim, proceder à nova medida da pena.
O crime de burla em valor elevado é punível com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
In casu, não se pode aplicar a pena de multa em prevalência à de prisão, uma vez que a pena de multa não conseguirá satisfazer, de forma suficiente e adequada, as prementes necessidades da prevenção geral deste tipo-de-ilícito (cfr. o critério material vertido no art.o 64.o do CP, para a escolha da espécie da pena).
Por outro lado, há que observar que o recorrente já não é um delinquente primário, visto que chegou a ser condenado finalmente em Junho de 2010 num processo penal instaurado em 2007, qual seja, o Processo n.o CR1-07-0153-PCC, por prática dos três crimes não menores, já referidos na parte II do presente acórdão de recurso.
Assim, dentro da moldura de prisão de um mês a cinco anos (cfr. também o art.o 41.o, n.o 1, do CP), e aos critérios da medida da pena ditados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, e atendendo mormente ao papel preponderante do recorrente nos dois planos de burla ora em causa, é de passar a impor-lhe dois anos de prisão por cada um dos dois crimes de burla em valor elevado, enquanto para o 2.o co-arguido não recorrente, já se pode aplicar um ano e seis meses de prisão a cada um dos mesmos dois crimes de burla.
Em sede de cúmulo jurídico nos termos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, com ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade dos dois co-arguidos, é de aplicar ao recorrente três anos de prisão única, e ao 2.o arguido não recorrente dois anos e seis meses de prisão única.
Por ser o recorrente um delinquente não primário, é realmente impossível formar agora qualquer juízo de prognose favorável a ele para efeitos do art.o 48.o, n.o 1, do CP, pelo que não deixa de naufragar o seu recurso também na presente parte relativa à pretendida suspensão de execução da prisão.
Quanto ao 2.o arguido não recorrente, e atendendo a que a regra de aproveitamento ao co-arguido, como tal ditada na alínea a) do n.o 2 do art.o 392.o do CPP, só deve operar quando ela poder oferecer em concreto algum benefício ao co-arguido não recorrente, fica assim, independentemente do demais, intocado o juízo de prognose favorável já formado pelo Tribunal recorrido aquando da decidida suspensão da execução da pena de prisão, sendo, pela mesma razão, intactos também o período de três anos da suspensão da prisão e a condição dessa suspensão, já imposta por esse Tribunal, consistente no pagamento, dentro de um ano e seis meses a contar do trânsito em julgado da decisão, de indemnizações precuniárias a favor da 1.a ofendida, da 2.a ofendida, da 3.a ofendida, da 4.a ofendida e do 6.o ofendido. Pela mesma razão, também não se pode mexer a decisão feita no acórdão recorrido em matéria de indemnizações a favor dos ofendidos (embora o 2.o arguido não recorrente, sendo co-arguido do recorrente na execução dos dois planos de burla, deva ter sido condenado também a pagar, solidariamente com o recorrente, a indemnização a favor da 5.a ofendida, burlada no primeiro dos planos de burla).

IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso do 1.o arguido A, e, não obstante, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal dos factos, passando a condenar este recorrente e o 2.o arguido B apenas pela co-autoria material de dois crimes consumados de burla em valor elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.os 1 e 3, com referência ao art.o 196.o, alínea a), ambos do Código Penal, com imposição de dois anos de prisão para cada um destes dois crimes praticados pelo recorrente, e, em cúmulo, de três anos de prisão única efectiva, e com imposição de um ano de seis meses de prisão para cada um dos mesmos dois crimes praticados pelo 2.o arguido, e, em cúmulo, de dois anos e seis meses de prisão única, suspensa na sua execução por três anos e sob a mesma condição da suspensão já imposta pelo Tribunal recorrido, consistente no pagamento de indemnizações dentro de um ano e seis meses a contar do trânsito em julgado da decisão, sendo intacta a decisão já tomada no acórdão recorrido em sede de arbitramento de indemnizações.
Custas do recurso pelo recorrente, com oito UC de taxa de justiça, e três mil e duzentas patacas de honorários para o seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Notifique o 2.o arguido não recorrente B.
Comunique ao Processo n.o CR1-10-0206-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base.
E comunique aos seis ofendidos dos autos.
Macau, 25 de Julho de 2013.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 144/2013 Pág. 1/10