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Processo nº 322/2013
(Recurso Laboral)

Data: 25/Julho/2013

   Assuntos:
- Impugnação da matéria de facto
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado entre empregador e uma empresa agenciadora de mão- de- obra
- Contrato a favor de terceiro
- Subsídio de alimentação
- Subsídio de efectividade
    
    
    SUMÁRIO :
    
    1. Se está documentado que, durante o alegado período em que o trabalhador não residente esteve ao serviço da empregadora, ele se ausentou de Macau, por vezes, durante algumas semanas, é evidente que esse tempo não pode ser compatibilizado para efeitos de ser compensado como se tivesse estado a trabalhar.
    2. Muito embora se entenda que, quando se diz na sentença que o trabalhador prestou um número médio de horas (12), se pretende dizer que era esse o horário normal de trabalho habitual e se diz que o empregado trabalhou durante todos os dias, como é óbvio, face à prova dos autos, terá de se julgar, em termos de matéria de facto, o que está dentro da competência do Tribunal de Segunda Instância, que o trabalhador, quando não esteve ausente de Macau, sempre trabalhou aquele período de tempo.
    3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
    4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
    6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
    7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
    8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
    10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
    11. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
    12. O subsídio de alimentação, vista a natureza e os fins a que se destina, deve estar dependente do trabalho efectivamente prestado.
    13. Já o denominado subsídio de efectividade, não obstante a sua designação, tem uma natureza mais retributiva e, vistos os termos em que é concebido, atribuído por um mês sem faltas, as ausências autorizadas não o devem excluir.

               O Relator,
               João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 322/2013
(Recurso Laboral)
Data : 25/Julho/2013

Recorrente : Guradforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.

Recorrida : A

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
     GUARDFORCE (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança - Limitada, mais bem identificada nos autos, inconformada com a sentença que a condenou a pagar ao autor A, também aí mais bem identificado, determinadas quantias relativas a compensações devidas resultantes de créditos resultantes da prestação de trabalho por parte deste, enquanto guarda de segurança, vem recorrer, alegando em sede conclusiva:
    a) O ponto 11 da matéria de facto foi dado por provado por presunção de outros factos, inter alia o de não se ter apurado que, para além dos Contratos, tivessem sido celebrados quaisquer outros que abrangessem o A;
    b) A aplicação ao A de um específico regime contratual é facto constitutivo do direito por ele arrogado, e a sua prova impende sobre ele;
    c) Do mesmo modo, a da inexistência de quaisquer outros contratos que pudessem abranger o A é também facto constitutivo do direito que invoca, estando pois onerado com a prova dessa inexistência;
    d) Tal prova não foi não foi feita, desde logo porque tal facto nunca foi sequer alegado pelo A;
    e) Assim, não podia o Tribunal recorrida dar provado o facto contido no ponto 11;
    f) Ao decidir dessa forma, o Tribunal a quo julgou erradamente o referido ponto da matéria de facto, violando além do mais o disposto no art. 335°/1 do Código Civil;
    g) Deve pois ser ser alterada a resposta ao respectivo facto, julgando-se o mesmo não provado, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A;
    h) Quanto ao ponto 15 da matéria de facto, o Tribunal recorrida atendeu ao depoimento da testemunha XXX, do qual concluiu o "número médio" de horas diárias que o A trabalhava;
    i) Em momento algum o A. invocou que as 12 horas de trabalho alegadas correspondessem a qualquer "média";
    j) A conclusão de que, durante a sua relação laboral, o A trabalhou “em média” 12 "horas por dia pressupõe que, nos dias em que efectivamente trabalhou, o terá feito em número de horas díspar;
    k) A testemunha XXX não apresenta qualquer razão de ciência que lhe permita atestar sobre o número de horas que o A trabalhava por dia;
    I) Do mesmo modo, o depoimento dessa testemunha não faz qualquer referência a disparidades no número de horas de trabalho diárias do A, em moldes que legitimem qualquer conclusão sobre um valor médio;
    m) Com tão frágil suporte probatório, não é possível dar-se por provado qual o número de horas que o A trabalhava por dia, e muito menos que tal quantificação se faça por apelo a uma "média";
    n) O julgamento que incidiu sobre o ponto 20 da matéria de facto escorou-se também no depoimento da mesma testemunha;
    o) Também quanto a este facto a testemunha se revelou falha de razão de ciência ou riqueza de detalhe, por não avançar qualquer circunstância de facto que a habilitasse a atestar que o A nunca faltou ao trabalho sem justificação ou autorização;
    p) Razão por que o julgamento que indiciu sobre o referido ponto 20 se mostra também equivocado;
    q) Os pontos 23 e 25 da matéria de facto, relativos à ausência de gozo pelo A de descanso semanal e de concessão pela R. de descanso compensatório, suportam-se também no depoimento da testemunha XXX;
    r) Também quanto aos respectivos factos as respostas da testemunha são lacónicas e destituídas de qualquer detalhe que as credibilize;
    s) Por outro lado, os documentos de fls. 199 a 207 demonstram que por diversas vezes ao longo da sua relação laboral o A se ausentou pontualmente do território de Macau, o que denota que gozava dias de descanso;
    t) O que uma vez mais leva a que se considere errado o julgamento que o Tribunal a quo proferiu sobre estes pontos da matéria de facto;
    u) As provas têm por função demonstrar a realidade dos factos (art. 334º do Código Civil), e visam apurar factos relevantes para a decisão da causa (art. 433º do CPC);
    v) A prova faz-se vencendo a resistência da dúvida e introduzindo no mundo jurídico elementos que possam razoavelmente suportar um juízo sobre a realidade do facto sobre o qual se indaga;
    w) Se essa dúvida não é vencida, ela resolve-se contra quem invocou o facto (art. 437º do CPC);
    x) Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha XXX (gravado sob o ficheiro denominado "Recorded on 16-Jan-2013 at 16.12.00 (OPDNKZNW05411270).WAV") e dos registos de fronteiras de fls. 199 a 207, deverá ser alterada a resposta aos factos contidos nos pontos 15, 21, 23 e 25 da matéria de facto provada, julgando-se aqueles não provados, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A.;
    y) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
    z) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
    aa) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
    bb) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
    cc) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
    dd) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrida fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
    ee) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
    ff) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
    gg) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
    hh) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
    ii) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
    jj) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
    kk) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
    II) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
    mm) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
    nn) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
    oo) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
    pp) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
    qq) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400°/2 do Código Civil (princípio res inter alias acta, aJiis neque nocet neque prodest);
    rr) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
    ss) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
    tt) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A, sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
    uu) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A, de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
    vv) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrida violou o disposto nos arts. 400°/2 e 437º do Código Civil;
    ww) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
    xx) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
    yy) Por outro lado, em face da inexistência de qualquer prova por parte do A quanto ao contrato que lhe será aplicável, deverá igualmente claudicar o seu pedido a título de diferenças salariais;
    zz) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
    aaa) Acresce que, procedente a reapreciação do ponto 15 da matéria de facto, deverá igualmente ruir, por falta de suporte factual, o pedido deduzido pelo A a título de trabalho extraordinário;
    bbb) Em todo o caso, quanto ao regime previsto nos Contratos para o cálculo da remuneração do trabalho extraordinário, deverá entender-se que o mesmo remete para o art. 11 °/2 do Decreto-Lei n° 24/89/M, em cujo art. 11°/2, o qual deixa ao critério das partes o ajuste, em sede de contrato individual de trabalho, dos termos dessa remuneração;
    ccc) Cabia pois ao A alegar os termos desse ajuste contratual, o que não fez;
    ddd) Como tal, na falta de suporte de facto quanto aos termos de remuneração de trabalho extraordinário acordados entre as partes conclui-se que o A não demonstrou ser-lhe devida qualquer quantia adicional às que, como ficou provado nos pontos 16 a 19, lhe foram oportunamente pagas pela R. como remuneração do trabalho extraordinário prestado;
    eee) Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal recorrida violou o art. 228°/1 do Código Civil; º
    fff) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
    ggg) Acresce que, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, o pagamento de subsídio de refeição depende da prestação efectiva de trabalho;
    hhh) Porém, na decisão recorrida propugnou-se o entendimento de que as faltas justificadas ou autorizadas que o A. tenha dado ao trabalho em nada relevam para aferição do subsídio de alimentação que lhe será devido;
    iii) Ao decidir nesse sentido, o Tribunal recorrida fez errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228°/1 do Código Civil;
    jjj) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
    kkk) Assim sucederá também pela procedência da reapreciação requerida quanto ao ponto 21 da matéria de facto, por falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do A. a perceber tal subsídio;
    III) Acresce que, nos termos dos Contratos, o subsídio de efectividade é um mecanismo destinado a premiar a efectiva prestação de trabalho;
    mmm) Nesse sentido, é para o empregador irrelevante que o empregado, faltando, o faça por motivo atendível e justificado, ou até sob autorização prévia;
    nnn) Assim, ao decidir no sentido de que as faltas justificadas ou autorizadas não devem ser tidas em conta para a aferição do subsídio de efectividade, a decisão a quo violou uma vez mais o disposto no art. 228°/1 do Código Civil.
    ooo) A modificação da decisão sobre o ponto 23 da matéria de facto terá o efeito de absolver a R. do pedido formulado a título de compensação por trabalho prestado em dia de descanso semanal, por via da inexistência do respectivo suporte factual;
    ppp) Ainda assim, entende a R. que sempre haverá que considerar que a decisão recorrida enferma de erro de Direito, sendo nula por contradição entre os fundamentos e a decisão;
    qqq) Por regular apenas as relações de trabalho com residentes da RAEM, o Decreto-Lei n° 24/89/M não é aplicável ao caso em apreço, devendo entender-se que a remuneração do descanso semanal era tema tratado de forma definitiva no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre A. e R.;
    rrr) Ao decidir em sentido diverso, o Tribunal recorrida violou o disposto nos arts. 1°/2 e 3°/3/d) do Decreto-Lei n° 24/89M;
    sss) Vem também provado que, pelo trabalho em dia de descanso semanal que efectivamente prestou, o A. foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo (ponto n° 24 da matéria de facto);
    ttt) Ainda que se considere aplicável ao caso vertente o disposto no art. 17º do Decreto-Lei n° 24/89/M do RJRL, deverá ter-se em conta que o seu n° 6/a) estatui que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser remunerado pelo dobro da retribuição normal;
    uuu) Assim, terá que concluir-se que, para que lhe sejam satisfeitos os direitos que legalmente lhe assistam a esse título, o A. terá apenas que receber montante igual ao que já lhe foi liquidado pela R.;
    vv) Não obstante, a sentença recorrida condenou a R. a pagar ao A. o valor correspondente ao dobro de um salário diário, desconsiderando por completo o facto - que na mesma sentença se deu por provado - de a R. ter já pago ao A. metade desse valor.
    www) Decidindo de outra forma, a sentença recorrida é nula, por contradição entre o fundamento de facto contido no ponto 24 e a decisão proferida quanto ao pedido a título de trabalho prestado em dia descanso semanal (conforme estatuído no art. 571°/1/c) do CPC), tendo violado além do mais o disposto no art. 17º/6/a) do Decreto-Lei n° 24/89/M.
    Nestes termos, pronuncia-se no sentido da revogação da decisão recorrida.
    A, autor nos presentes autos, contra-alega, em síntese:
    1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a douta Sentença de que recorre procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na integra;
    2. Partindo dos meios de prova existentes nos presentes autos e da prova testemunhal produzida em sede de audiência, discussão e julgamento, não existe um qualquer erro, contradição ou vício que possa inquinar o conteúdo da matéria de facto dada por provada;
    3. Não é verdade que o Autor não tenha conseguido fazer prova do Contrato de Prestação de Serviço celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e ao abrigo do qual o ora Recorrida prestou trabalho para a Recorrente.
    4. Depois, não é correcto entender que o ónus de prova da inexistência de um qualquer outro Contrato que pudesse abranger o Autor deveria caber ao próprio.
    5. Com efeito, tratando-se de uma prova negativa, a mesma competia apenas à Recorrente e não ao Recorrida.
    6. Aliás, foi a própria Recorrente quem não conseguiu fazer prova de que a partir de 15 de Janeiro de 2001, ou noutro momento, o Contrato com base no qual o Recorrida havia sido substituído ou revogado por um qualquer outro Contrato de Prestação de Serviços.
    7. A testemunha apresentada pelo Recorrida mostrou conhecer plenamente a matéria sobre a qual foi questionada, visto durante largos anos ter exercido funções de guarda de segurança para a Ré nas mesmas condições que o Autor e os demais trabalhadores de origem Filipina.
    8. Não é verdade que o testemunho prestado não tenha apresentado qualquer razão de ciência ou que as respostas tenham sido lacónicas e destituídas de qualquer detalhe que as credibilize.
    9. Não resulta do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Recorrida foi autorizado a prestar trabalho para a Recorrente que a atribuição do subsídio de alimentação ou de refeição estivesse dependente da prestação efectiva de trabalho.
    10. Não obstante, mesmo que assim fosse, nunca as faltas justificadas ou previamente autorizadas pela Recorrente poderiam ser aptas a justificar a não atribuição ao Recorrida do subsídio de alimentação, porquanto não é irrelevante que o trabalhador falte ao serviço com ou sem motivo ou mediante motivo atendível e justificado e precedido de autorização prévia por parte da respectiva entidade patronal, isto é, da Recorrente.
    11. Idêntico raciocínio deve valer para a atribuição ao Recorrida do subsídio de efectividade constante do Contrato de Prestação de Serviço, tal qual decidido pelo Tribunal a quo.
    12. Não é correcto concluir que o Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril não se aplica, sem mais, à situação dos autos.
    13. Não faz sentido que a Recorrente se afaste da Jurisprudência seguida pelo Tribunal de Segunda Instância no sentido de entender que a prestação de trabalho em dia de descanso semanal deve ser remunerado pelo dobro da retribuição normal (isto é 2 X o salário normal) e não tão só uma vez em singelo.
    14. A afirmação de que tal retribuição deve ser feita em singelo nunca foi antes alegado pela Recorrida, quer em sede de Contestação, quer em sede de audiência.
    15. Basta ver que, em concreto, a fórmula de cálculo utilizada pela Recorrente em sede de Contestação (cfr. artigo 77,° da Contestação) corresponde exactamente à fórmula de cálculo utilizada pelo Autor na sua Petição Inicial: número de dias de descanso X valor diário X 2.
    Do Direito
    16. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência de Macau que o Despacho n." 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes.
    17. De onde, a Recorrente tão-só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a Recorrente) e uma entidade fornecedora de mão de obra não residente (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.).
    18. Assim, o Recorrida nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes estava sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderia ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.
    Por outro lado,
    19. Constitui jurisprudência assente ao nível do Tribunal de Segunda Instância que os Contratos de Prestação de Serviços concluídos entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes (e, in casu, o ora Recorrida) eram autorizados a prestar trabalho, juridicamente se configuram como contratos a favor de terceiros.
    20. Basta ver que do próprio conteúdo literal dos referidos contratos resulta que os mesmos - na sua grande totalidade - não se destinavam a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e que posteriormente eram cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o ora Recorrida).
    21. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrida é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrida) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.º, n.º l do C. Civil de Macau) e, em consequência, possa exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
    22. No demais, deve manter-se integralmente a douta decisão.
    Nestes termos, pede que seja julgado improcedente o recurso.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    1. Vêm provados os factos seguintes:
    1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
    2) Desde o ano de 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior». (B)
    3) A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os denominados «contratos de prestação de serviços»: n° 2/94, de 03/01/1994; n° 29/94, de 11/05/1994; n° 45/94, de 27/12/1994. (C)
    4) Do teor dos contratos aludidos em 3) resultava que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (D)
    5) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes. (E)
    6) O Autor esteve ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização exercer funções de guarda de segurança, mediante o pagamento de um salário. (F)
    7) Autor foi admitido ao serviço da Ré na sequência de um contrato, denominado de prestação de serviços, celebrado com a dita Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.. (G)
    8) Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários documentos escritos denominados contratos individuais de trabalho, que este assinou. (H)
    9) A Ré celebrou ainda com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os denominados "contrato de prestação de serviços" : n° 1/01 de 03 de Janeiro de 2001 e n.º 14/01, de 26 de Março de 2001, constantes dos autos a fls. 108 a 112 e fls.113 a 117, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos. (I)
    10) O Autor exerceu funções para a Ré desde data não apurada do ano de 1996 até ao início do ano de 2005. (resposta ao quesito 1.º)
    11) O Autor foi admitido ao serviço da Ré e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a mesma, ao abrigo de um dos contratos aludidos em 3). (2.°)
    12) Em 1996 e até Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP1.700,00 mensais. (3.°)
    13) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,800.00, mensais, a título de salário. (4.°)
    14) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00, mensais. (5.°)
    15) Durante o período aludido em 10) o Autor trabalhou, em média, 12 horas diárias (8.°, 10.°, 12.° e 14.°).
    16) Entre 1996 e 30 de Junho de 1997 a Ré remunerou o trabalho extraordinário à razão de MOP9.30, por hora. (9.°)
    17) Entre Julho de 1997 e Junho de 2002, a Ré remunerou o trabalho extraordinário à razão de MOP1 0.00, por hora. (11.º)
    18) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário à razão de MOP11.00, por hora. (13.°)
    19) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, a Ré remunerou o trabalho extraordinário à razão de MOP11.30, por hora. (15.°)
    20) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (16.°)
    21) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca este, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (17.°)
    22) Durante todo o período da relação laboral, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (18.°)
    23) Durante todo o período da relação laboral, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (19.°)
    24) A prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal foi remunerada pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo. (20.°)
    25) E sem que lhe tenha sido concedido um dia de descanso compensatório. (21.°)
    
    2. Em sede de fundamentação jurídica, fez-se constar na sentença recorrida o seguinte:
    «A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende, incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
    Ficou provado que a Ré foi autorizada a contratar o Autor, enquanto trabalhador não residente, através da celebração de um contrato de prestação de serviços com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que posteriormente era apresentado junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para aprovação dessas condições de contratação (tal como ficou assente nos factos 2) a 5) e 7), pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
    Os factos dados como assentes em 6), 8), 10) e 12) a 15) revelam que contrato estabelecido entre as partes é de trabalho, uma vez que está demonstrado que o Autor se obrigou, mediante uma retribuição, a prestar a sua actividade de guarda de segurança à ora Ré, fazendo-o sob a sua autoridade e direcção recebendo como contrapartida da sua actividade um salário mensal.
    Relativamente à questão jurídica fundamental, ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços e à sua repercussão na esférica jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unanime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário o ora Autor.
    Como se pode aferir da douta fundamentação de um desses arestos (1), que aqui nos permitimos reproduzir:
    "A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
    Esta nota é muito importante para a bordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender pura e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador. [ ... ]
    A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.º admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n. 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
    Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, onde no capitulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capitulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, ai se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril.
    [ ... ]
    As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora, elencar as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos (…).
    (…)
    Temos, por conseguinte, por inabalada a eficácia do Despacho n. 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
    (…)
    Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
    O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão-de-obra com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9° do Despacho n.º 12/GM/88.
    Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º d), d. 2) do aludido despacho 12/GM/88:
    "9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
    a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
    b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
    c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
    d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
    d.l. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
    d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
    d.3. Assistência na doença e na maternidade;
    d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
    d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
    e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
    f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território. "
    É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
    É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, "como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador".
    Razões estas, se não apodícticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
    "Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora. Entendeu-se assim que a solução do problema passava por uma clara destrinça entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas têm que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
    Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a título experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.
    Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.
    […]
    Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais cláusulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
    Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde, repete-se, o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
    Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro (…).
    […]
    Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um beneficio a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
    Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse beneficio que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um beneficio ou de uma vantagem.
    A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
    Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
    Não estamos certos desta aparente linearidade.
    A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
    Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X
    Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.
    Ora, o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
    Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.
    As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
    Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
    O beneficio para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em beneficio do trabalhador.
    Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.
    Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
    Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que "o artigo 443º (leia-se 437º trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas."
    Quanto ao argumento avançado na sentença, aliás douta, de que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
    (…)
    O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
    Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
    Nem outros direitos a favor de outrem estabelecido no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
    Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro.
    8. Estamos, pois, em condições de aplicar ao caso os valores reclamados com base naquele contrato celebrado entre a Ré e a dita Sociedade, aliás, nos termos previstos e condicionados pela necessária autorização administrativa, normativamente enquadrada.
    […]
    Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária de um dos contratos de prestação de serviços dado como assentes em 3), o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
    Dada resposta à primeira questão, avancemos para a questão suscitada pela Ré.
    Na contestação a Ré defendeu que os contratos de prestação de serviços que o Autor invocava na petição inicial (cuja existência e respectivo conteúdo foi dado como assente em 3), não foram os únicos a regular a relação jurídica entre as partes dado que, em 15.01.2001, esses contratos deixaram de vigorar e foram substituídos pelos contratos de prestação de serviços n.ºs 1/1 e 14/1, com condições de contratação mínimas diferentes daqueles outros.
    Ora, conforme se extrai da factualidade supra exposta, nada se apurou para demonstrar tal realidade uma vez que apesar de ter ficado assente que em 2001 a Ré celebrou novos contratos de prestação de serviço com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., desconhece-se se esses contratos se destinaram a substituir os anteriores, atenta a resposta negativa dada aos quesitos 22.° e 23.°.
    O que sabemos, porém, é que foi um dos contratos de prestação de serviços identificados em 3) que esteve na base da autorização concedida à Ré para admitir o Autor como seu trabalhador, e que esses contratos - com o mesmo exacto teor, tal como ficou assente em 4) - estabeleceram o tal conteúdo substantivo mínimo da futura relação laboral a favor do trabalhador.
    E não se apura, ao contrário do que defendia a Ré, que essas condições mínimas, supra discriminadas no facto 5, tenham sido alteradas durante a vigência da relação laboral que uniu as partes.
    A prova que fica a cargo do Autor, no que concerne aos elementos constitutivos do seu direito derivados do contrato de prestação de serviços, circunscreve-se à demonstração de que a Ré foi sucessivamente autorizada a contratá-lo com base num contrato de prestação de serviços que lhe garante determinadas prestações, tal como supra assente em 7) e 11). Enquanto titular de uma relação jurídica de trabalho o Autor tem de provar os respectivos elementos, ou seja, que prestava a sua actividade a outra pessoa, com subordinação jurídica e económica, concretizando, quando se mostre necessário, as prestações a que tem direito como contrapartida do seu trabalho (e esses factos foram todos demonstrados pelo Autor).
    Ressalvando sempre melhor opinião, ao configurarmos o aludido contrato de prestação de serviços como um contrato a favor de terceiro, ao Autor, enquanto beneficiário das prestações nele previstas, incumbia provar o conteúdo dessas prestações e provar que a Ré as assumiu a seu favor, constituindo ónus da Ré, demonstrar em juízo, que tais obrigações se extinguiram ou se modificaram.
    Em conclusão, em face da matéria de facto apurada, julgamos que ao caso serão aplicáveis os valores reclamados pelo Autor com base nos contratos de prestação de serviços n.ºs 2/94, n.º 29/94 e 45/94 (com o mesmo teor), durante todo o período em que durou a relação laboral, uma vez que ficou provado que o Autor foi admitido ao serviço da Ré, e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a mesma, ao abrigo de um desses os contratos (cfr. facto 11).
    Vejamos, pois, se os montantes peticionados pelo Autor lhe são efectivamente devidos.
    O Autor reclama MüP$81.800,00 a título diferenças remuneratórias entre o salário pago efectivamente pela Ré, durante todo o período de execução do contrato, e os valores a que estava obrigada através das condições definidas para tal contratação.
    Está provado que:
    - entre 1996 e 30 de Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MüP$1.700,00 mensais, quando de acordo com o valor mínimo aprovado para a sua admissão deveria ter recebido MOP$90.00 diárias, ou seja, MOP$2.700,00 mensais (MOP90x30 dias), pelo que se regista uma diferença de MOP$1.000,00 mensais.
    Conforme ficou provado em 10), o Autor exerceu funções para a Ré desde data não apurada do ano de 1996 até ao início do ano de 2005, pelo que não conseguiu demonstrar, tal como lhe competia, que tenha direito aos montantes reclamados relativos aos anos de 1996 e 2005.
    Assim, relativamente a este período, o Autor é credor apenas da quantia de MOP$6.000,00 (6 meses de 1997 x MOP$1.000,00);
    Está igualmente provado que entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais, quando de acordo com o valor mínimo aprovado para a sua admissão deveria ter recebido MOP$90.00 diárias, ou seja, MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$900,00 mensais.
    Assim, relativamente a este período, o Autor é credor da quantia de MOP$8.100,00 (9 meses x MOP$900,00);
    Já entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005 como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais, quando deveria ter pago MOP$2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP$700,00 mensais, num total de MOP$56.700,00 (81 meses x MOP$700,00);
    Assim, verificamos que a título de diferenças retributivas tem o Autor direito a receber da Ré a quantia global de MOP$70.800,00.
    No que tange ao trabalho extraordinário prestado pelo Autor à Ré também se verificam diferenças entre aquilo que era devido e o efectivamente pago, tendo em mente o que dispõem os artigos 10.°, n.º 2 e 11.°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 24/89/M e o facto dado como assente em 4.
    Assim, constatamos que:
    - entre 1996 e 30 de Junho de 1997 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.00 por hora quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, havendo uma diferença de MOP$2.25, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 15), 16), 21) e 23) é o Autor credor da quantia global de MOP$1.629,00 (correspondente a 4 horas x 181 dias, ou seja, 724 horas prestadas);
    - entre Julho de 1997 e Junho de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10,00 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, havendo uma diferença de MOP$1.25, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 17), 15), 21) e 23) é o Autor credor da quantia global de MOP$9.130,00 (correspondente a 4 horas x 1826 dias, ou seja, 7304 horas prestadas);
    - entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, havendo uma diferença de MOP$0.25, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 18) 15), 21) e 23) é o Autor credor da quantia global de MOP$184,00 (correspondente a 4 horas x 184 dias, ou seja, 736 horas prestadas);
    - entre Janeiro de 2003 e 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, pelo que, quanto a este período, verifica-se que o Autor recebeu mais do que tinha direito.
    Em conclusão, a título de diferenças retributivas devidas ao Autor por trabalho prestado para além do horário normal de trabalho incumbe à Ré pagar a quantia total de MOP$10.943,00.
    O Autor reclama, ainda, o pagamento de subsídio de alimentação e efectividade previstos no contrato de prestação de serviços.
    Neste ponto está provado que durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca este - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré deu qualquer falta ao trabalho (cfr. facto 21), sendo que esta nunca lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação e qualquer quantia a título de «subsídio mensal efectividade de montante igual ao salário de 4 dias» (factos 20 e 22).
    A ré obrigou-se a pagar MOP$15.00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço (cfr. facto 4).
    Naturalmente que as faltas ao serviço devidamente autorizadas e justificadas pela entidade patronal, ora Ré, não poderão considera-se faltas ao serviço para efeito de excluir a atribuição destes subsídios.
    Assim sendo, haverá que julgar parcialmente procedente o pedido do Autor de lhe ser paga a quantia de MOP$42.360,00 a título de subsídio de alimentação por 2824 dias de trabalho efectivamente prestado durante 8 anos, descontados os dias de gozo de férias anuais e feriados obrigatórios legais, em conformidade com os factos provados em 10), 21), 23) a 25).
    Idêntica conclusão se retira quanto ao subsídio de efectividade, dado que o Autor demonstrou nunca ter dado qualquer falta injustificada ao serviço durante esses 8 anos, razão pela qual lhe será devida a quantia peticionada no montante de MOP$34.560,00 (correspondentes a MOP$360,00 mensais x 96 meses).
    Por fim, o Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou - facto demonstrado em 23.
    Está igualmente provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e que não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório nos trinta dias seguintes - cfr. factos 24 e 25.
    O artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.°.
    O n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
    Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos e tendo em consideração a jurisprudência unanime do TSI nesta matéria (ou seja, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
    Aqui chegados, como sabemos que o rendimento diário devido ao Autor era de MOP$90,00, tendo em conta o facto dado como assente em 4, e como entre Janeiro de 1997 e Dezembro de 2004 teria direito a gozar 416 dias de descanso semanal, podemos concluir que é credor da quantia de MOP$74.880,00, a este título (MOP$90,00 x 416 x 2).
    A todas as quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença (2), atento o que dispõe o artigo 794.°, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório. »
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - Análise da matéria de facto;
    - Determinação do regime jurídico aplicável à relação laboral em presença;
    - Imperatividade do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada;
    - determinação e cálculo das compensações devidas.
    
    2. Do recurso da matéria de facto:
    2.1. Do ponto 11 da matéria provada
    Alega a recorrente que o ponto 11 da matéria de facto é merecedora de amplo reparo, porquanto terá assentado na mera circunstância de a contratação do A. ter tido, forçosamente, na sua base um contrato de prestação de serviços, e a de a R. não ter logrado provar que os contratos enumerados pelo A. tivessem sido substituídos, revogados ou alterados e, bem assim, pelo facto de não se ter apurado que, para além desses contratos (ie., dos alegados pelo Autor), tivessem sido celebrados quaisquer outros que abrangessem o A.
    Não tem razão a recorrente pois o que releva é que se tenha provado quais as cláusulas contratuais aplicáveis ao caso e isso não deixou de ser fixado nos pontos 4, 6, 7, 10, 12 a 19.
    Mais do que a identificação do contrato em concreto, sendo certo que eles se foram sucedendo no tempo, com disposições semelhantes, é aferir do regime que era aplicável ao caso em concreto.
    Neste ponto não se deixa de registar uma censura à postura da recorrente - não se vendo, no entanto, ainda, matéria justificativa de uma condenação em má-fé -, ao não apresentar o contrato que terá celebrado individualmente com o trabalhador e que bem podia ajudar a dilucidar algumas das questões que são colocadas na acção, em particular, ajudando à integração e complementaridade do regime aplicável à presente relação laboral, tanto mais que adoptou aqui uma postura que se demarca daquilo que tem acontecido noutras acções que por aqui têm passado. Admite-se ou não queremos deixar de excluir a hipótese de extravio dessa documentação.
    Não sem que se diga ainda que essa postura, porventura pouco louvável, se manifesta na posição assumida pela recorrente, enquanto, por um lado, põe em causa a imperatividade do regime dos aludidos Contratos de Prestação de Serviço ao caso vertente, mas é ela mesma que vem defender a aplicabilidade de um contrato da mesma natureza, como sejam os contratos n.ºs 171 e 14/1. Sabemos bem que a recorrente invoca essa aplicabilidade por “mera cautela de patrocínio” (artigo 16º da Contestação). Mas se assim é, então devia, enquanto parte, juntar o contrato e pronunciar-se sobre o regime concretamente aplicável à relação laboral em causa.
    Posto que foi este parêntesis, prossigamos com a análise da questão que vem colocada.
    Ainda em relação à matéria do ponto 11) não será difícil descortinar que o contrato aplicável à data da contratação era o que àquela data se mostrava celebrado, não sendo de esquecer que a própria sentença faz eco desta realidade, ao dizer que os diversos contratos mantinham “o mesmo exacto teor, tal como ficou assente em 4) – estabeleceram o tal conteúdo mínimo substantivo mínimo da futura relação laboral a favor do trabalhador.”
    Também não faz sentido vir argumentar com o facto de não se identificar o exacto contrato ao abrigo do qual o autor foi contratado na exacta medida em que a ré não deixou de o(s) identificar, sendo que o importante é apurar o regime aplicável, tal como acima dito.
    E se fosse realmente importante e decisivo, se outro contrato eventualmente aplicável dispusesse diferentemente, então, parece que sempre cabia à recorrente fazer prova dessa matéria de natureza exceptiva.
    Sobre esta argumentação já se pronunciou este Tribunal de Segunda Instância, enquanto aqui se disse:
    "Ora, ao contrário do que pensa a recorrente (leia-se a Ré), bastava ao autor a prova de que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi contratado (...). E se tal contrato previa a sua renovação, ao abrigo da qual os contratos de trabalho entre A. e R. se desenvolveriam, parece evidente que o ónus de prova do autor se cumpriu. Quer dizer, bastaria a demonstração daquela [actualidade base para se aceitar que a longa duração desta relação laboral se deveu a esse contrato e suas sucessivas renovações. O contrário, isto é, a prova de facto impeditivo do efeito pretendido pelo autor caberia à ré, através da alegação e demonstração (art. 335º, n.º 2, do C.C.) que, afinal, aquele contrato (...) caducou e que outro com diferente conteúdo foi celebrado abrangendo o trabalhador autor (Cfr. Ac. do TSI, n.º 441/2012, de 19/7/2012).
    Ou ainda que
    "Importa ainda não esquecer que o aludido contrato era renovável, sendo indiscutível que após o período da sua vigência o trabalhador continuou a trabalhar, pelo que é de crer que aquele contrato se renovou, cabendo ao empregador alegar e provar que renovou noutras condições" (Cfr. Ac. do TSI n.º 131/2012).
    De todo o modo, contrariamente ao que a recorrente afirma, foi ela própria que não conseguiu fazer prova de que a partir de 15 de Janeiro de 2001, ou noutro momento, o contrato com base no qual o recorrida havia sido substituído ou revogado por um qualquer outro Contrato de Prestação de Serviços.
    De onde se retira não dever ser acolhido o argumento vertido pela recorrente, entre outros, nos pontos a) a g) das suas Conclusões, sendo de manter a decisão do Tribunal a quo, visto ter sido a recorrente e não o recorrida quem não consegui fazer prova das excepções por si invocadas.
    
    2.2. Dos pontos 15, 20, 23 e 25 da matéria provada
    Insurge-se a recorrente contra o testemunho levado a cabo pelo Sr. XXX, por entender que o mesmo não apresenta qualquer razão de ciência ou porque as suas respostas são lacónicas e destituídas de qualquer detalhe que as credibilize, defendendo que os quesitos 15, 20, 23 e 25 devem ser considerados não provados.
    De uma forma algo agreste a recorrente invoca um argumento que não podemos aceitar na medida em que vem pôr em causa a convicção do julgador, sem que avance com razões que se imponham por si. Estamos perante a convicção da recorrente contra a convicção do julgador. Tendo ouvido tal depoimento, verifica-se que o mesmo é claro e escorreito e não é por ser lacónico que há que o desconsiderar. Aliás, não se deixa de registar uma palavra de apreço pela forma como a Mma Juíza se mostrou atenta e cuidadosa ao justificar de um modo tão detalhado (cfr. 234v. a 236) a forma como moldou a sua convicção. Aí se observa que as dúvidas levantadas pelo recorrente não deixaram de ser antecipadamente respondidas, não se tendo deixado de levar em conta os registos das entradas e saídas, factos que foram escalpelizados e devidamente comentados.
    Quanto à testemunha XXX, verifica-se que era guarda de segurança, na mesma área de trabalho do autor e nas mesmas condições, mostrou conhecer plenamente a matéria sobre a qual foi questionado, disse ter-se tornado amigo do autor e falava frequentemente com ele, não sendo necessário trabalhar lado a lado, a todas as horas, com o autor para poder depor com segurança à aludida matéria.
    Mais disse que todos os seguranças tinham as mesmas condições; as condições eram as mesmas.
    A testemunha afirma claramente que trabalhavam 12 horas por dia e é natural que esse tempo de trabalho fosse rigoroso, pois não se concebe que um trabalho de tal natureza estivesse sujeito a variações, vista uma necessidade que se evidencia de organização dos respectivos turnos e escalas. No entanto, para salvaguardar um maior rigor não se estranha que tenha sido fixado o adjectivo médio, relativamente ao horário das 12 horas, na certeza de que mesmo que não houvesse qualquer variação, a média, ainda que redundante, não deixaria de ser aquela.
    Mais se anota o facto de as perguntas feitas à testemunha terem sido esclarecidas e complementadas, a cada passo, pela Mma Juíza.
    Nem se pode empolar o facto de a testemunha não ter falado em “médio” e ter dito respondido que “não”, que não trabalhava sempre ao lado do autor, para daí se integrar na resposta dada também uma resposta negativa à segunda parte incluída na pergunta “se por isso não sabia se ele trabalhava as 12 horas”, Se há defeito, ele reside na formulação da pergunta que comporta duas questões, sendo de crer que, face ao restante depoimento, a resposta se limitou à primeira parte da pergunta.
    Quanto ao facto de a testemunha ser lacónica, não se releva esse facto, pois que se limita a responder às perguntas - que por vezes já contêm elas próprias a resposta pretendida -, não se tendo visto preocupação do mandatário da recorrente em procurar maior esclarecimento.
    Mais resulta que não está em causa que o trabalhador não se tenha ausentado de Macau, antes se podendo admitir que o fez fora das horas de serviço, ou que, se autorizado, não tenha trabalhado, também não recebendo por isso, na certeza de que isso não pode ser contabilizado a título de dias de descanso não gozados que lhe eram devidos.
    Não se deixa ainda de realçar que o Ilustre Mandatário da recorrente fala e falou na vaguidade das declarações genéricas da testemunha, mas o certo é que também da sua parte não houve preocupação em que elas fossem concretizadas e oferecido maior detalhe, preocupação essa que a Mma Juíza não deixou de ter, aqui e acolá, durante o depoimento dessa testemunha.
    
    Mas uma coisa, no entanto, é certa. Não há dúvida que se comprova documentalmente que, durante certos períodos, - cfr. os registos de entradas e saídas, fls 199 e segs -, por vezes, algumas semanas (em 2002 e 2004), em que o autor esteve ausente da RAEM. Ora, perante esta prova que não se mostra refutada, muito embora se admita a formulação utilizada de um período de trabalho habitual médio de 12 horas, esse facto não pode deixar de ser entendido como uma mera referência e já não pode servir de base de cálculo de apuramento do número de horas a compensar, dando-se o facto como adquirido, rigorosamente, em relação a todos os dias dos meses e anos.
    Aliás, é a própria Mma Juíza que reconhece na sua douta sentença que terá havido dias em que o autor autorizadamente não terá prestado trabalho.
    Assim, sendo, como se disse, muito embora se admita a expressão utilizada na resposta ao quesito 15, já a mesma não pode servir de base de cálculo.
    Este Tribunal tem poderes de julgamento da matéria de facto e, assim sendo, face às provas analisadas e produzidas nos autos, há que corrigir o julgamento efectuado no sentido de explicitar a matéria de facto que foi fixada, importando desconsiderar os dias em que comprovadamente se atesta que o autor não pôde cumprir um horário que era normal e habitual de 12 horas.
    Isto é, há que descontar os dias de impossibilidade de prestação do seu turno ou turnos de 12 horas por dia, valorando os documentos de fls 199 a 207, sendo que não se relevam os anos de 1996 e 2005 igualmente desconsiderados na sentença proferida.
    Temos, pois, no ano de 2000, impossibilidade de prestação de trabalho, no mês de Abril e Maio, de 15 dias faltas de trabalho; no ano de 2002, 26 dias, em Setembro e Outubro; no ano de 2004, 31 dias, em Setembro e Outubro; no total, apura-se que o autor não trabalhou 72 dias, nos anos de 97 a 2004.
    Nesta particular questão não deixa, pois, de assistir parcial razão à recorrente, havendo que retirar daí as necessárias conclusões, tal como adiante se explicitará.
    
3. Imperatividade do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro
    Entende a ora recorrente que, no plano do Direito aplicável ao caso, a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento, porquanto, nada na lei fez nascer na esfera jurídica do autor os direitos a que se arrogou e reclamou.
    Nem o Despacho 12/GM/88, nem o despacho de autorização administrativa, sustenta a recorrente, nem mesmo o contrato de prestação de serviços celebrado entre a recorrente e a entidade fornecedora de mão-de-obra geram os direitos que o autor pretendeu ver reconhecidos na sua esfera jurídica, não tendo a virtualidade de reger a relação laboral estabelecida entre as partes, ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo.
    Entende a recorrente que a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento.
    Esgrime a recorrente com argumentos que, não sendo novos, já foram esmiuçados por este Tribunal e nos quais se louvou a douta sentença proferida, para onde nos remetemos. A este concreto assunto e relativamente às questões identificadas deu já este TSI resposta, trata-se de matéria sobejamente tratada por este Tribunal, pelo que reproduzimos aqui o já exarado noutros arestos (cfr. entre outros, o Ac. do TSI proc. n.º 574/2011, de 12 de Maio de 2012; proc. n.º 779/2010, de 16/6/011; 131/2012, de 31 de maio de 2012).
    Dispensamo-nos, pois de transcrever a posição unanimemente aceite nesta Instância e já bem conhecida, remetendo-nos para o que foi exarado na douta sentença proferida.
    
    4. Do contrato a favor de terceiros
    Do mesmo modo, sem necessidade de longas considerações, é já Jurisprudência assente ao nível deste TSI que os Contratos de Prestação de Serviços concluídos entre a recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes (e, in casu, o ora recorrida) eram autorizados a prestar trabalho juridicamente se configura como sendo um contrato a favor de terceiros.
    Ainda aqui nos remetemos para o que foi exarado na douta sentença recorrida e, entre outra, na Jurisprudência acima citada.
    Nesta conformidade, será de aplicar ao caso o aludido regime do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a recorrente e a empresa autorizada a importar mão-de-obra não residente.
    
    5. Do subsídio de alimentação
    Ao contrário do alegado pelo recorrido, o subsídio de alimentação ou de refeição depende da prestação efectiva de trabalho, fazendo todo o sentido que assim seja, tendo até em vista a sua natureza e os fins a que se propõe. Destinar-se-á a fazer face a um custo suplementar a suportar por quem trabalha e por quem tem de comer fora de casa ou com custos acrescidos por causa do trabalho.
    É esta a Jurisprudência deste Tribunal, concretizada no acórdão n.º 376/2012, de 14/6, onde se fez constar:
    “Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva.3
    E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.
    Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”.4 Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso).5
    Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (…), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
    Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão.6”
    
    Posto isto, estamos em crer que que a sentença deixou escapar o facto de o autor não ter trabalhado todos os dias, como nela se acaba por admitir, ainda que sempre justificadamente e sob autorização do empregador.
    
    Importa assim refazer os cálculos, com base no julgamento de facto a que este tribunal pode proceder, retirando os dias em que se comprova que o trabalhador não trabalhou.
    Só que se verifica que, em prejuízo do trabalhador, na sentença recorrida se descontaram 96 dias (dias de descanso anual e feriados obrigatórios legais), um número superior àquele por que concluímos, ou seja 72, o que implica que se mantenha o decidido por a decisão ter sido ainda favorável à recorrente.

    6. Subsídio de Efectividade
    Trata-se de um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas, pois assim o dizem os contratos, nomeadamente o nº 29/94 (cláusula 3.4: fls. 27 dos autos). Com efeito, o trabalhador teria direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta.
    Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.
    
    Neste sentido vai também o acórdão deste TSI já acima citado.
    
    Ora, tendo o quesito 17º sido dado como provado,- perguntava-se se “durante todo o período da relação contratual entre R. e A, nunca este, sem conhecimento e autorização prévia da R., deu qualquer falta ao trabalho?” - cremos que, contendo-se na resposta afirmativa uma assiduidade para a qual não contam as ausências autorizadas, tal não pode obstar ao deferimento da pretensão a este título.
    Em suma, se o trabalhador falta porque autorizado, por razões de descanso ou de férias, tal não implica que se considere que o trabalhador não foi assíduo e se lhe retire uma componente retributiva que resulta da própria redacção que atribui uma retribuição extra em função do mês anterior e já não de um determinado número de dias de trabalho efectivo.
    Improcede, assim, neste segmento, o recurso interposto.
    
    7. Diferenças salariais
    Face ao que acima se disse, quanto às conclusões a extrair da constatação de que houve dias em que o autor não trabalhou, não será de manter o que fixado foi quanto às diferenças salariais.
    Na medida em que se evidencia que o autor apenas não terá trabalhado durante alguns dias - haja em vista, nomeadamente, os apontados registos -, face ao número de dias que há que descontar (72 = 2meses e 12 dias), no período compreendido entre Abril de 1998 e Início de 2005, importa subtrair ao montante encontrado na sentença a quantia de MOP$1680,00 (2 meses e 12 dias X MOP$700,00.
    
    8. Trabalho extraordinário
    Mantendo-se a matéria de facto e a interpretação de direito acima referida, nada se prevendo no aludido Contrato de Prestação de Serviços, não se concebe que o trabalhador trabalhasse mais do que as 8 horas de trabalho normal e recebesse por isso menos do que aquilo que uma hora de trabalho normal.
    Pelo menos esse valor era devido e o raciocínio vertido na douta sentença mostra-se irrefutável. Há, contudo, que retirar ao valor encontrado o correspondente ao trabalho extraordinário que não foi seguramente prestado, correspondente aos 72 dias acima referidos.
    Assim, na parcela correspondente ao período Julho de 97 a Junho de 2002 há que abater MOP$18,75 (MOP$1,25 X 15 dias); na parcela correspondente ao período de Julho de 2002 a Dezembro de 2002, há que abater MOP$6,50 (MOP$0,25 X 26 dias); na parcela correspondente ao período entre Janeiro de 2003 e 2005, nada a abater, considerando o que foi explicado na sentença, ou seja, o trabalhador já recebeu mais do que o devido.
    
    9. Compensação pelo trabalho em descansos semanais
    9.1. Importa nesta matéria extrair as consequências de quanto acima entendido foi em termos de matéria de facto e de direito.
    Mais uma vez, no seu legítimo direito, aliás, vem, ainda aqui mui doutamente, pôr em causa a interpretação que tem sido feita nesta Instância no que à fórmula de cálculo x2 respeita.
    Põe a recorrente ainda em causa a aplicabilidade do aludido Dec-Lei n.º 24/89/M de 3/Abril.
    Antes dos cálculos uma referência, pois, quanto à aplicação do RJRL.
    Neste passo, não podemos deixar de reafirmar a nossa estranheza pelo facto de não se ter junto o contrato individualmente assinado com o autor, dizendo ele que o não possui. Parece-nos que não teria sido de somenos importância e merecedor de reparo que a empregadora, ora recorrente, o tivesse feito, sabendo nós por dever de ofício que esses contratos individuais não deixaram de ser formalizados com os trabalhadores em idênticas situações - disso mesmo nos é dado conta nos inúmeros processos que nos têm passado pelas mãos - , sendo que esses contratos contêm uma cláusula onde se remete, nos casos não especialmente regulados, para a legislação laboral comum.
    Bem poderíamos nós suprir essa falta, ordenando a sua junção - o que não deixa de ser revelador de alguma vontade de oclusão de uma realidade co reguladora da situação em apreço, sendo que essa regulação passa, como já afirmado noutros momentos7, em situações paralelas, pelo recurso ao Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, ao contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, ao contrato celebrado entre o A. e a Ré, ao RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
    De todo o modo, entendemos que podemos passar sem essa démarche processual, pela razão simples de que os aludidos contratos de prestação de serviço previam, em sede do regime remuneratório - aí se devendo incluir a remuneração em dias de descanso -, na cláusula 3.3., que a ré devia pagar ao autor o mesmo que pagava aos trabalhadores residentes, em sede de bonificações e remunerações adicionais.
    De todo o modo, seguimos o entendimento que vai no sentido da integração dessa situação, porque não especialmente regulada, por via do Regime Geral aplicável às relações laborais, sabendo bem que dele estavam excluídos os trabalhadores não residentes, não contrariando este entendimento a mens lgislatoris, na medida em que não é todo um regime que se aplica, mas apenas a forma de regulação de uma situação muito específica e cuja falta de regulação não deve deixar de ser suprida.
Actualizamos as posições e decisões que vão no sentido de que esse regime seria supletivo do regime contratualizado – cfr. processos n.ºs 596/2010; 805/2010, de 30/6/2011, deste TSI - remetendo-nos para a fundamentação ali expendida que damos aqui por reproduzida.
O artigo 43.° da Lei Básica da RAEM estabelece que as pessoas que não sejam residentes de Macau, mas se encontrem na Região Administrativa Especial de Macau, gozam, em conformidade com a lei, dos direitos e liberdades dos residentes de Macau, previstos no seu capítulo III, nomeadamente, são iguais perante a lei e não podem ser discriminados em razão da sua nacionalidade.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais estabelece no artigo 5.°, n.º 1, alínea e) que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade ou território de origem, têm direito a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados.
Princípios estes que não deixam de ser plasmados do Direito Internacional, em particular da Convenção n.º 106 da OIT, adoptada em Genebra, em 5 de Junho de 1957,admitida na ordem interna, pelo Decreto n.º 43005, de 0/6/1960, mantida pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 64/2001, aplicável às empresas que prestem serviços pessoais (art.º 3º).
Ao abrigo de tais princípios básicos, tendo ainda em mente que os casos que a lei não prevê devem ser regulados segundo a norma aplicável ao caso análogo, nos termos do artigo 9.° do Código Civil, outra conclusão não se poderá retirar que não a de os contratos de trabalho celebrados por trabalhadores não residentes, até à entrada em vigor da Lei n." 21/2009, deverem ser regulados pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, em todas as questões imperativas nele previstas.
Estabelecendo-se o direito ao gozo semanal do trabalhador, trabalhando ele, como seria de regular a respectiva retribuição se não recorrendo à regulação comum?
Ainda aqui se estranha mais uma vez a posição da recorrente, pois não deixa ela no artigo 77º da contestação, ainda que em via subsidiária, de admitir tal aplicação e até a fórmula de cálculo x2.
O autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou. O artigo 17.° do Decreto-Lei n." 24/89/M de 03 de Abril (RJRL) dispõe, no seu n. ° 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
    9.2. Quanto às fórmulas de compensação dos descansos não gozados, considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida na Jurisprudência deste TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal, com a redacção que foi dada no recente acórdão deste TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011, onde aquela uniformidade sofreu apenas uma ligeira inflexão.
    Há, contudo, ainda aqui, considerando que houve alguns dias em que o autor não trabalhou, refazer os cálculos, não se concebendo que ele deva ser compensado por dias em que foi autorizado a ausentar-se a até a sair de Macau, a partir dos montantes definidos na sentença, tendo em conta o aludido contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
    Na sentença considerou-se que era devida uma compensação referente a 416 dias. Essa compensação destina-se a remunerar os dias que deviam ser de descanso, mas não obstante isso, o trabalhador foi trabalhar. Ora, face ao número de dias de não trabalho (72) - esse período corresponde a 10 semanas - há que subtrair 10 ao número de 416 encontrado na sentença (52 semanas x 8 anos), pois que não há que compensar os descansos de que o trabalhador beneficiou. Teremos, assim, MOP$73.080,00 a este título (MOP$90 - salário diário - X 406 X 2).
    Nesta conformidade o recurso não deixará de proceder parcialmente, na exacta medida do nosso julgamento, em que se apurou o número de dias de não trabalho.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso e, revogando parcialmente o decidido, condenam a ré, ora recorrente a pagar ao autor, ora recorrido, as seguintes quantias:
    
    a) MOP$69.120,00 a título de diferenças no vencimento base;
    b) MOP$10.917,75, a título de diferença por trabalho extraordinário prestado;
    c) MOP$73.080,00,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
    
    No mais se mantêm a decisão recorrida, nomeadamente a condenação de
    e) MOP$42.360,00 a título de subsídio de alimentação;
    f) MOP$34.560,00 a título de subsídio de efectividade;
    g) os juros moratórios sobre cada uma das aludidas quantias, nos termos definidos na sentença , visto o objecto do recurso.
    Custas em ambas as instâncias, na proporção dos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido nos autos.
Macau, 25 de Julho de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
    
    
    
1 Acórdão de 13 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º Processo n.º 655/2012 que, por sua vez, faz referência aos Acórdãos proferidos nos proc. n.º 574/2011, de 12 de Maio de 2012; proc. n.º 779/2010, de 16/6/2011; 131/2012, de 31 de Maio de 2012).
2 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no proc. 69/2012 de 02.03.2011
3 - Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
4 - Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
5 - Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
6 - A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
7 - v,g., Ac. TSI n.º 547/2010, de 12/5/2011
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322/2013 55/55