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Processo nº 35/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 04 de Julho de 2013

ASSUNTO:
- Rectificação judicial, indeferimento liminar

SUMÁRIO:
- O procedimento de rectificação judicial visa, como o próprio nome indica, corrigir os erros do registo, erros esses que podem resultar tanto da desconformidade com o título como da deficiência do mesmo (artº115° e 116° do C.R.P.).
- Se provados os factos alegados pelos ora Recorrentes, o seu pai – adquirente do imóvel por usucapião – era solteiro no momento da aquisição, ficaria demonstrada a existência da inexactidão no título do registo na parte do estado civil do adquirente, ou seja, o título do registo é deficiente nesta parte por não corresponder à verdade material, o que implica a necessidade da sua rectificação, não se tratando, portanto, duma situação de manifesta inviabilidade, pelo que não pode ser objecto de indeferimento liminar.
O Relator,



Processo nº 35/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 04 de Julho de 2013
Recorrentes: A e B
Objecto do recurso: Despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 06/07/2012, foi decidido indeferir liminarmente o pedido de rectificação do registo do estado civil do C, junto da Conversatória do Registo Predial, inscrição nº 17747 do Livro G58K a fls. 101 do prédio urbano sito em Macau, na Rua XX nºs XX, Taipa, descrito na Conversatória do Registo Predial de Macau sob o nº 22747 a fls. 470 do Livro B87K e inscrito na matriz predial urbana de Nossa Senhora do Carmo (Taipa) sob o artigo nº 40420.
Dessa decisão vêm recorrer os Recorrentes, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 92 a 94 que decidiu indeferir liminarmente o pedido de rectificação do estado civil de C, junto da Conservatória do Registo Predial, inscrição n°. 17747 do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 22747;
2. É com a referida sentença que os ora Recorrentes se não conformam porquanto entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que "(...) o pedido dos requerentes, mesmo que provaram todos os factos alegados, não pode deixar de ser improcedente (...) por ser manifestamente inviável, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 394° do C.P.C.M., conjugado com o art. 130° do C.R.P...".
3. Ao decidir como decidiu o Meritíssimo Juiz violou o disposto nos arts. 562° do CPC e 115°, 116° e seguintes do Código de Registo Predial (CRP);
4. Como foi reconhecido pela Meritíssima Juiz a quo, todos os factos alegados pelos Recorrentes estão provados;
5. Conforme documentos juntos aos autos, os factos provados são os seguintes:
A - Os Recorrentes são os únicos descendentes de C, conforme consta da certidão do processo de inventário que sob o n° CV1-11-0057-CIV corre termos pelo 1° Juízo Cível e junta aos autos de fls. 15 e 16;
B - Por tal facto, os Recorrentes são partes legítimas para requerer a rectificação do registo predial referente ao prédio urbano sito em Macau, RAE, na Rua dos Mercadores nºs. 29; 31, Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 22747 a fls. 470 do Livro B87K e inscrito a favor de C sob a inscrição n°. 17747 do Livro G58K a fls. 101;
C - Na inscrição supra referida, C está identificado como sendo casado com D, no regime de separação de bens;
D - C faleceu no estado de solteiro conforme certidões de óbito e negativa de casamento de fls. 46 e 44;
E - E a D permanece ainda nesta data no estado de solteira, conforme certidão negativa de casamento de fls. 43 e certidão de nascimento que se junta e dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos como documento n°. 1 - cfr. Doc. nº. 1;
F - O registo predial do prédio supra identificado foi feito com base em uma certidão judicial extraída do processo n°. 436/94, no qual foi reconhecido o direito de propriedade de C, por usucapião;
G - No processo judicial nº. 436/94 C foi identificado como sendo casado;
H - Os Requerentes requereram ao Tribunal no processo n°. 436/94, a rectificação do estado civil de C para solteiro, pedido que foi indeferido com o fundamento de que C, o autor, se encontra identificado, quer na petição inicial quer na procuração junta aos autos, como casado;
I - A D e o C nunca se casaram um com o outro, apenas viveram em união de facto, nos termos da declaração prestada pela mesma no requerimento de rectificação do registo por acordo e ainda perante o Serviço de Finanças, sua entidade patronal, conforme documentos de fls. 66 a 69 e45;
6. A Conservatória do Registo Predial emitiu parecer favorável a fls. 3 a 6 sugerindo que fosse proferida sentença judicial ordenando a rectificação do estado civil de C;
7. Da leitura da sentença ora posta em crise resulta que o Tribunal a quo "fez tábua rasa" do parecer favorável daquela Conservatória;
8. No Douto Parecer refere o Exmo. Senhor Conservador que: "É um facto que, conforme afirmam os requerentes da rectificação, a situação de (C ser) casado com a referida D no regime da separação de bens foi declarada na ocasião do registo de aquisição lavrado a favor de C.
Mas aquela declaração destinou-se a suprir uma deficiência (ou, mais precisamente, uma insuficiência) da declaração feita na petição que deu origem ao processo judicial, bem como da douta decisão nele proferida que reconheceu o direito de propriedade do referido prédio ao Autor, por usucapião. (...).
Em todo o caso, o erro seria sempre - e é - rectificável sem necessidade de rectificar - ou neste caso completar - o próprio título desde que se comprovem os factos que vêm invocados e, em especial, que a rectificação não envolve prejuízo para os titulares inscritos (Cfr. N° 2 do artigo 116º do CRP).";
9. Concluindo que "Mas, sobre a existência do erro quanto ao estado civil do titular inscrito, C, não temos dúvidas em nos pronunciarmos em sentido positivo e de que se impõe a sua rectificação, devendo pois, quanto a nós ser emitida decisão judicial que determine a correspondente rectificação.";
10. O Meritíssimo Juiz a quo transcreve o texto do art. 114º e conclui que existem dois tipos de inexactidões do registo: a inexactidão proveniente da desconformidade com o título e a proveniente de deficiência dos títulos, conforme arts. 115º e 116°, ambos do CRP;
11. Acrescentando ainda que existem dois tipos de rectificação, e que a diferença entre a rectificação por acordo e a rectificação judicial reside na falta de acordo dos interessados ou na impossibilidade de notificação dos interessados para a conferência, do que, no seu entender, se deduz que a rectificação judicial visa principalmente o suprimento da falta do acordo dos interessados, e que os requisitos substanciais quer para a rectificação por acordo quer judicial são os mesmos;
12. Considera ainda que os factos alegados pelos requerentes não preenchem os casos permitidos por lei; em primeiro lugar porque está afastada a possibilidade da rectificação por registos indevidamente lavrados, por não se tratar de caso de o registo ter sido lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado, estando apenas em causa o estado civil do titular inscrito e não o próprio facto registado, e em segundo lugar, porque tendo o registo sido efectuado com base em sentença judicial proferida no processo n.º 436/94, do 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Base, onde o autor C é identificado como casado, sendo sua mulher D, não existe desconformidade entre registo e o título;
13. E conclui que o que é posto em causa pelos requerentes não é erro na feitura do registo mas que os elementos constantes do título (da sentença judicial) não correspondem à verdade material, e que sendo o registo uma formalidade e só pode ser feito em conformidade com e só com o título, independentemente da realidade material, não existe nenhum facto determinante da rectificação do registo e que, mesmo que os interessados tenham comprovado todos os factos alegados, não pode a rectificação deixar de ser improcedente;
14. Salvo o devido respeito, a decisão ora sob recurso funda-se em alguns erros de interpretação da lei registral, que importa esclarecer;
15. É um facto que a rectificação judicial pedida pelos Recorrentes assentava no facto de, no título que serviu de base ao registo (certidão judicial extraída do processo nº. 436/94, no qual foi reconhecido o direito de propriedade do autor, C, por usucapião) existir uma inexactidão relativamente ao estado civil de C;
16. E que, nessa medida, a rectificação não se destina a corrigir um erro de registo por desconformidade com o título (cfr. artigo 115.°, n.º 1, do CRP), mas sim a corrigir um erro proveniente de deficiência do próprio título, o que só pode ser levado a efeito com o consentimento de todos os interessados ou por decisão judicial e desde que as deficiências não sejam causa de nulidade (cfr. artigo 116.°, n.º 1, do CRP), nulidade, quer do título, quer do registo que com base nele tenha sido efectuado;
17. De acordo com a doutrina, nos interessados na rectificação inclui-se o próprio conservador (vide Vicente Monteiro, in Noções Elementares do Registo Predial de Macau, pág. 219);
18. Do que resulta o primeiro erro de interpretação do Tribunal a quo quando considerou que não estava preenchido o requisito para a rectificação judicial: De facto, o recurso à rectificação judicial decorreu da circunstância de na rectificação por acordo, não ter sido obtido o acordo do principal interessado - o conservador - cfr. artigo 121.°, n.º 1 do CRP;
19. Também conforme refere o senhor conservador no despacho de que o Tribunal a quo fez "tábua rasa", «o erro seria sempre - e é rectificável sem necessidade de rectificar - ou, neste caso, mais propriamente, completar - o próprio título, desde que se comprovem os factos que vêm invocados e, em especial, que a rectificação não envolve prejuízo para os titulares inscritos (cfr. n.º 2 do artigo 116.° do CRP)»;
20. Aqui reside o segundo erro de interpretação do Tribunal a quo, já que, no caso, jamais seria viável repor a verdade material: por um lado, porque foi indeferido o pedido de rectificação do processo n.° 436/94, com o fundamento de que o autor nele surge como casado com D, assim como na procuração junta aos autos, e por outro lado, porque, sendo o registo (nas palavras do Meritíssimo Juiz) «uma formalidade e só pode ser feito em conformidade com e só com o título, independentemente da realidade material subjacente do título», inviabilizada a rectificação do título, inviabilizada estaria a rectificação do registo;
21. Tal entendimento não pode proceder, por contrariar a própria letra do artigo 116.°, n.º 1, do CRP, que expressamente prevê a rectificação do registo quanto às inexactidões provenientes de deficiência dos próprios títulos;
22. A própria lei registral admite que, por ocasião do pedido de registo, os títulos possam ser complementados por declarações dos interessados, nomeadamente para a completa identificação dos sujeitos, desde que feita a prova do estado civil (cfr. artigo 39.°, n.º 1, alínea a), do CRP), e, quanto à identificação dos prédios, se admite a rectificação de erros de que os títulos enfermem (cfr. n.º 3 do mesmo preceito);
23. Absurdo seria que pudesse rectificar-se um título por declaração dos intervenientes no acto antes de efectuado o registo e já não pudesse rectificar-se o registo efectuado com uma inexactidão proveniente do mesmo título;
24. Se bem compreendemos o espírito da lei, a rectificação de um registo errado devido a deficiências do título, é sempre possível, nomeadamente porque pode acontecer que em dado momento não se mostre viável a rectificação do próprio título, sendo, naturalmente, necessária uma decisão judicial quando, não obstante se reconhecer a existência de erro, não seja possível efectivar a notificação de algum interessado ou obter o acordo de todos os interessados, a começar pelo próprio conservador;
25. E, absurdo seria também que a inviabilidade de rectificação de determinado título implicasse a inviabilidade de rectificação do registo, como parece resultar do entendimento do Meretíssimo Juiz a quo;
26. É que, à luz de tal raciocínio a verdade material não interessaria para nada!
27. E, na circunstância, o título inexacto nunca poderia ser rectificado nem por um outro título;
28. Isto tudo, apesar de o próprio Tribunal "a quo" admitir que está tudo provado quanto ao erro no estado civil do titular inscrito;
29. Os Recorrentes pretendiam que fosse proferida sentença que, reconhecendo que C era solteiro, repondo-se deste modo a verdade material, se procedesse à consequente rectificação registral, como aliás sugerido pelo Exmo. Senhor Conservador no seu Parecer.
30. O Meritíssimo Juiz a quo fez tábua rasa do parecer Exmo. Senhor Conservador e dos fundamentos aí transcritos;
31. E fez uma interpretação completamente errada do disposto nos artigos 115º e 116º do CRP, desvirtuando assim o fim aí pretendido pelo legislador, o qual se traduz na rectificação quando existem desconformidades ou inexactidões, e que, no caso concreto seria a rectificação do estado civil do titular inscrito C;
32. Tendo o registo de propriedade de C sido efectuado por certidão judicial, e indeferida que foi a rectificação por acordo, precisamente por falta de acordo do senhor conservador entendem os Recorrentes, salvo o devido respeito por diferente opinião, que o título de rectificação a apresentar ao registo predial deve também ser uma decisão judicial;
33. Os documentos autênticos juntos aos autos provam que C faleceu no estado de solteiro e que nunca contraiu casamento com D, porquanto esta permanece solteira até aos dias de hoje, pelo que o Tribunal a quo devia ter ordenado à Conservatória do Registo Predial a consequente rectificação do registo de C para solteiro, maior, dando assim cumprimento ao estipulado nas normas legais supra referidas;
34. A douta decisão recorrida ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito e melhor opinião, interpretou de forma incorrecta o disposto no Capítulo III do Código do Registo Predial, em especial nos arts. 115°, 116° e seguintes do CRP;
35. Deverá assim o Venerando Tribunal de Segunda Instância, revogar a sentença ora posta em crise e substitui-la por outra, na qual seja reconhecido que o estado civil de C é solteiro, maior, e ordenada a rectificação no registo predial do prédio urbano sito em Macau, RAE, na Rua XX nºs. XX, Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 22747 a fls, 470 do Livro B87K, inscrição nº. 17747 do Livro G58K a fls. 101 em conformidade.
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Citada a contra-interessada D nos termos e para os efeitos do nº 3 do artº 395º do CPCM, esta veio dizer que nada tinha a opor ao pedido de rectificação do registo requerido e mais declarou que nunca tinha contraído casamento com C, pai dos ora Recorrentes.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes juntos aos juntos, considera-se provada a seguinte factualidade:
1. Sob a apresentação nº. 106 de 31/05/1996 e a inscrição n°. 17747 do Livro G58K a fls. 101, foi registada a aquisição por usucapião a favor de C do prédio urbano sito em Macau, RAE, na Rua XX nºs. XX, Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 22747 a fls. 470 do Livro B87K.
2. Na inscrição supra referida, C está identificado como sendo casado com D, no regime de separação de bens;
3. C faleceu no estado de solteiro conforme certidões de óbito e negativa de casamento de fls. 46 e 44;
4. O registo predial do prédio supra identificado foi feito com base em uma certidão judicial extraída do processo n°. 436/94, no qual foi reconhecido o direito de propriedade de C, por usucapião;
5. No processo judicial nº. 436/94 C foi identificado como sendo casado;
6. Os Recorrentes requereram ao Tribunal no processo n°. 436/94, a rectificação do estado civil de C para solteiro, pedido que foi indeferido com o fundamento de que C, o autor, se encontra identificado, quer na petição inicial quer na procuração junta aos autos, como casado.
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III – Fundamentação:
O Tribunal a quo indeferiu liminarmente o pedido dos ora Recorrentes com os fundamentos seguintes:
“Nos presentes autos de Rectificação Judicial nºCV2-012-0027-CRJ, vêm os requerentes A e B requererem, a rectificação do registo relativo ao Edifício de uma andar, sito na Rua XX com a entrada pelos números XX, em Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº22747 do livro B87k a fls. 470, inscrito a favor de C, sob a inscrição nº17747, do Livro G58K, a fls. 101.
Pretendendo que o estado civil dos aí inscritos sejam rectificados para solteiros, maiores.
Os requerentes formularam o seu pedido com seguintes fundamentos:
Os requerentes são filhos de C, quem faleceu em Macau, em 20 de Abril de 2008.
O único bem deixado pelo C é o imóvel acima referido, no qual é registo a favor de C, casado com D, em regime de separação de bens.
Os C e D viveram em união de facto por alguns, mas nunca se casaram um com outro.
O prédio acima referido foi adquirido pelo C por usucapião, através da acção que correu termos no 3° Juízo do Tribunal Judicial de Base, sob o processo 436/94, e no qual foi declarado o C como casado com a D.
Os requerentes pediram junto do referido processo a rectificação do estado civil do C, o qual foi indeferido.
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Sobre o pedido dos requerentes, o Exmº Conservador da Conservatória do Registo Predial emitiu o parecer favorável.
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Quanto à rectificação dos registo, dispõe-se o art°114° do C.R.P. o seguinte:
“Os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados podem ser rectificados por iniciativa do conservador ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito.”
São dois tipos da inexactidões do registos: a inexactidão proveniente da desconformidade com o título e a proveniente de deficiência dos títulos. (artº115° e 116° do C.R.P.)
Existe dois meios de rectificação: a rectificação por acordo e a rectificação judicial.
Preceitua-se o art° 120° do C.R.P. quanto à rectificação por acordo:
“1. Suscitada a inexactidão ou nulidade do registo indevidamente lavrado e não sendo a rectificação requerida por todos os interessados, o conservador, por sua iniciativa ou a pedido de qualquer deles, convocará, por carta registada com aviso de recepção, uma conferência de todos para deliberarem sobre a rectificação, sob cominação de que a não comparência ou não dedução de oposição até à conferência equivale a acordo à rectificação.
2. O requerimento é apresentado, juntamente com os documentos, e a pendência da rectificação é averbada, em qualquer caso, ao respectivo registo.
3. A conferência será convocada com a dilação mínima de 15 dias sobre a data de expedição da última carta, nos termos do n.º 1.
4. Não sendo deduzida oposição e se o conservador e todos os interessados presentes acordarem na rectificação, lavrar-se-á auto de acordo.”
Por outro lado, disse o artº 121º do C.R.P.:
“1. Não se efectivando alguma das notificações previstas no n.º 1 do artigo anterior ou na falta de acordo, pode a rectificação judicial ser requerida por qualquer interessado.
2. Não sendo requerida no prazo de 8 dias, deve o conservador promover oficiosamente a rectificação, quando reconheça que o registo é inexacto ou foi indevidamente lavrado, ou, no caso contrário, cancelar o averbamento a que se refere o n.º 2 do artigo anterior.”
Flui dos preceitos acima referidos que a diferença entre a rectificação por acordo e rectificação judicial reside na falta de acordo dos interessados ou na impossibilidade de notificação dos interessados para a conferência. Daí se deduz que a rectificação judicial visa-se principalmente para suprimento da falta do acordo dos interessados.
Para além disso, os requisitos substanciais quer para a rectificação por acordo quer judicial são os mesmos.
Segundo os factos alegados pelos requerentes para justificar a rectificação, não se entende que tais factos preenchem em nenhum dos casos permitidos por lei.
Vejamos.
Em primeiro lugar, está logo afastada a possibilidade da rectificação por registos indevidamente lavrados, por não se tratam de caso de o registo tiver sido lavrado com base no título insuficiente para a prova legal do facto registado, o que está em causa é apenas o estado civil do titular registado e não o próprio facto registado.
Em segundo, conforme os factos alegados pelos requerentes, o título com base no qual foi feito o registo de aquisição a favor do C é uma sentença judicial proferido no processo 436/94, do 3° Juízo do Tribunal Judicial de Base. E no processo em causa, consta nos autos que o seu autor C é casado e a mulher dele é D.
Ou seja, o título com base no qual foi feito o registo consta expressamente que o autor é casado. Então, não existe desconformidade entre o registo e o título.
Nem se mostra que a "inexactidão" do estado civil dos inscritos se resulta da deficiência do próprio título, pois do próprio título consta expressamente o estado civil do registado.
De facto, o que é posta em causa pelos requerentes não é erro na feitura do registo mas que os elementos constantes do título (da sentença judicial) não se correspondem à verdade material.
Mas o registo é uma formalidade e só pode ser feito em conformidade com e só com o título, independentemente da realidade material subjacente do título.
Assim sendo, não existem nenhum dos factos determinantes da rectificação do registo, acha-se que o pedido dos requerentes, mesmo que provaram todos os factos alegados, não pode deixar de ser improcedente.
Nos termos e fundamentos acima expostos e sem necessário de demais considerações, indefiro, liminarmente, o pedido por ser manifestamente inviável, nos termos da alínea d) do nº1 do art°394° do C.P.C.M., conjugado com o art°130° do C.R.P ..
Custas pelos requerentes.(art°376°, nº1 do C.P.C.M.) Notifique.
Transitado em julgado, cumpra o disposto do arte 124 ° do C.R.P. ”
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a decisão de indeferimento liminar do Tribunal a quo.
Como é sabido, o procedimento de rectificação judicial visa, como o próprio nome indica, corrigir os erros do registo, erros esses que podem resultar tanto da desconformidade com o título como da deficiência do mesmo (artº115° e 116° do C.R.P.).
No caso em apreço, não se verifica, como bem referiu a sentença recorrida, qualquer inexactidão do registo proveniente da desconformidade do título, já que do título que serviu de base do registo (certidão da respectiva sentença judicial) consta expressamente que o estado civil do adquirente é casado com D, melhor identificada nos autos, em regime de separação de bens.
Mas já não se nos afigura correcto afirmar a inexistência de qualquer inexactidão do registo resultante da deficiência do título mesmo que ficassem provados os factos alegados pelos ora Recorrentes.
Entende-se por deficiência do título qualquer desconformidade entre a realidade material e os elementos constantes do título.
Repare-se, se provados os factos alegados pelos ora Recorrentes, o seu pai – adquirente do imóvel por usucapião – era solteiro no momento da aquisição, ficaria demonstrada a existência da inexactidão no título do registo na parte do estado civil do adquirente, ou seja, o título do registo é deficiente nesta parte por não corresponder à verdade material, o que implica a necessidade da sua rectificação. Não se trata, portanto, de uma situação de manifesta inviabilidade, pelo que não pode ser objecto de indeferimento liminar.
Nesta conformidade e sem necessidade de demais delongas, é de julgar procedente o recurso.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando a baixa dos autos para o Tribunal a quo para o seu prosseguimento se outra causa a tal não obstar.
*
Custas pela parte vencida no final.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 04 de Julho de 2013.


_________________________
Ho Wai Neng
(Relator)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)





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