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Processo nº 333/2013 Data: 04.07.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de tráfico de estupefacientes.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.



SUMÁRIO

1. A “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas se verifica quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. O “erro notório na apreciação da prova”, é também sabido que o mesmo apenas existe “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

4. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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Processo nº 333/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A e B, (1ª e 3°) arguidos, como autores da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena individual de 3 anos e 7 anos e 6 meses de prisão, respectivamente, sendo também a (1a) arguida A condenada pela prática em concurso real de 1 crime de “consumo de estupefacientes” e 1 outro de “detenção de utensílio ou equipamento”, p. e p. pelos art. 14° e 15° da mesma Lei, nas penas parcelares de 45 dias de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 1 mês de prisão; (cfr., fls. 569 a 580).

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Do assim decidido, vieram os ditos arguidos recorrer.

Em síntese, entendem ambos os arguidos que a decisão recorrida padece de “erro de direito”, considerando também a (1ª) arguida A que a mesma decisão está inquinada com “vícios da matéria de facto”; (cfr., fls. 600 a 603 e 604 a 618).

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Respondendo, e em posterior Parecer, considera o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 624 a 630-v e 640 a 649).

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Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a factualidade como tal elencada no Acórdão recorrido, a fls. 573 a 576, e que aqui se dá como integralmente reproduzida.

Do direito

3. Como se deixou relatado, dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..

3.1. Atentas as questões colocadas, mostra-se de começar pelo “recurso da (1ª) arguida A”.

Na opinião desta recorrente, inadequada é a “decisão da matéria de facto”.

Afirma que a mesma padece de “erro notório na apreciação da prova”, citando, porém, o art. 400°, n.° 2, al. a), do C.P.P.M. que, como se sabe, diz respeito ao vício da “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”; (cfr., concl. 3.1.2.).

E, seja como for, e sem mais demoras, cabe consignar que nenhuma razão tem a recorrente, pois que de nenhum vício padece a decisão em questão.

Com efeito, a “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas se verifica quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e, mais recentemente, de 21.03.2013, Proc. 113/2013).

E, no caso, de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se constata que o Colectivo a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto de processo, elencando a que resultou provada e identificando a que resultou não provada, sendo de notar que o vício em questão nada tem a ver com a “interpretação e qualificação dos factos”, que, em caso de “erro”, integra um “erro de direito”.

Por sua vez, quanto ao “erro notório na apreciação da prova”, é também sabido que o mesmo apenas existe “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e, mais recentemente, de 21.03.2013, Proc. n.° 113/2013 do ora relator).

E, no caso dos presentes autos, não se vislumbra onde, como ou em que termos terá o Colectivo a quo violado as regras sobre o valor da prova tarifada, (à qual estava vinculado), regras de experiência ou legis artis, proferindo uma decisão “ilógica”, “irracional” ou “impossível”.

Não se pode esquecer que o “erro”, como se disse, tem de ser “notório”, “evidente”, “patente”, não bastando uma (mera) “dúvida” (ou “possibilidade”) quanto à forma como ocorreram (ou não) os factos dados como provados (ou não provados).

Dest’arte, e claro parecendo o que se deixou exposto, continuemos, passando agora para as “questões de direito”.

–– O Colectivo a quo declarou “perdidos a favor da R.A.E.M. os objectos apreendidos”.

E diz a recorrente que “como não se verifica que as notas no montante total de HKD$3000 foram obtidas através da prática de crime, devem as mesmas ser devolvidas à recorrente”; (cfr., “concl. 3.1.11”).

Ora, também aqui não tem a recorrente razão.

Com efeito, está provado que tal quantia era “vantagem proveniente do tráfico de drogas”, sendo também de notar que, como se relatou, não padece a factualidade provada de qualquer vício, pelo que, atento o estatuído no art. 103°, n.° 2, do C.P.M., onde se consagra que: “são também perdidos a favor do Território, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido directamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes”, impõe-se, também aqui, confirmar a decisão recorrida (na parte em questão).

–– Por fim, diz a recorrente que “excessiva é a pena pelo crime de tráfico”.

Pois bem, o crime em questão é punido com a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009).

E, entendendo o Tribunal a quo que ao caso aplicável era o art. 18° da Lei n.° 17/2009, decidiu “atenuar especialmente” a pena da ora recorrente, fixando-a em 3 anos de prisão.

Alega porém a recorrente que confessou os factos, que é primária, proveniente de uma família com dificuldades económicas e que à data dos factos tinha apenas 17 anos.

Cabendo referir que nenhuma referência existe na matéria de facto quanto às suas “dificuldades económicas”, cremos porém que pelo Tribunal a quo já foram valoradas todas as circunstâncias favoráveis à ora recorrente, pois que, como se referiu, atenuou-lhe especialmente a pena, e de uma moldura penal de 7 meses a 10 anos de prisão, fixou a de 3 anos de prisão.

Nesta conformidade, provado estando (por sua vez) que “a prática do crime (ainda) durou cerca de 2 meses”, e fortes sendo as necessidades de prevenção deste tipo de crime, inviável se nos apresenta uma redução da pena em questão.

Verificando-se que em sede de cúmulo jurídico se fixou à recorrente uma pena única de 3 anos e 1 mês de prisão, prejudicada fica também a questão da peticionada suspensão da execução da pena; (cfr., art. 48° do C.P.M.).

Improcede, assim, in totum, o presente recurso.

3.2. Do “recurso do (3°) arguido B”.

Este arguido coloca apenas uma “questão de direito”, que se prende com a adequação da medida de pena pelo crime de “tráfico” pelo qual foi condenado: 7 anos e 6 meses de prisão.

E, atenta a pena que ao crime cabe – 3 a 15 anos de prisão – afigura-se-nos que, também aqui, não se pode reconhecer razão ao arguido recorrente.

Como se sabe, nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por seu lado, e como temos vindo a entender:

“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 903/2012 e de 30.05.2013, Proc. n.° 293/2013).

In casu, atenta a factualidade provada, a natureza e quantidade de estupefaciente em causa, a moldura penal para o dito crime, as necessidades de prevenção criminal, e o que sobre a matéria tem o Vdo T.U.I. vindo a entender, não se mostra de considerar excessiva a pena imposta.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento aos recursos interpostos.

Custas pelos arguidos recorrentes com taxa de justiça de 8 UCs para a (1ª) arguida A, e 5 UCs para o (3°) arguido B.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso do arguido no montante de MOP$3.000,00.

Macau, aos 4 de Julho de 2013

_________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)
[Notando que a decisão do Tribunal a quo em “atenuar especialmente” a pena da arguida se me afigura pouco adequada face estatuído no art. 18° da Lei n.° 17/2009 – neste sentido, cfr., v.g., o Ac. do T.U.I. de 21.07.2010, Proc. n.° 34/2010 – e dando como reproduzido o teor da minha declaração de voto que anexei ao Ac. de 31.3.2011, Proc. n.° 81/2011].

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 333/2013 Pág. 14

Proc. 333/2013 Pág. 1